Salvem os bancos pequenos
No fim do ano passado, o governo editou medidas de corte da remuneração de compulsório
com o objetivo de estimular o modelo dos bancos pequenos. Com o recrudescimento da crise,
o advento do Banco PanAmericano, que prejudicou a venda de carteiras, e as evidentes
necessidades de funding, essas instituições poderiam enfrentar dificuldades no médio prazo.
Realmente, foi necessário agir e o Banco Central acertou na medida.
No entanto, é preciso alargar o debate. Há dois aspectos que nos parecem relevantes nessa
discussão: primeiro, quanto à concentração do sistema financeiro, e, segundo, quanto ao
papel dos bancos pequenos no mercado, sua importância relativa e relevância no processo.
No que diz respeito à concentração bancária no Brasil, os maiores bancos privados detêm mais
de 67% dos ativos de todo o sistema financeiro. Considerando o sistema como um todo, o
setor público responde por 28% e o privado, por 53% (e os bancos estrangeiros, por 18%).
Assim, podemos inferir que quase 80% dos ativos privados estão concentrados em cinco
instituições financeiras privadas, sendo todos bancos. Se aplicado outro critério, o de
patrimônio líquido, verifica-se um índice igualmente preocupante: 85% do total do patrimônio
líquido do sistema financeiro nacional está concentrado em dez instituições privadas. Se a
concentração dos bancos no sistema financeiro tende a aumentar, o processo de downsizing,
ou seja, a redução da representatividade do sistema financeiro no Produto Interno Bruto (PIB),
também tende a se intensificar. Apenas para dar um exemplo, em 1993, último ano antes do
Plano Real, o sistema financeiro era responsável por 15% do PIB. Em 1996, essa participação
caiu para 8,3% e hoje está em torno de 3% (2010).
A necessidade de proteção à poupança popular e os efeitos do multiplicador de moeda fazem
com que, além de importante variável macroeconômica, o sistema financeiro exija pesada
regulamentação como atividade intermediadora de recursos. Portanto, a concentração
bancária e os movimentos ligados à concorrência entre os bancos são de interesse especial do
Estado para obter os fins maiores de sua política econômica, por meio da expansão ou
contração dos meios de pagamento.
Por sua vez, a quebra de um banco significa um grande transtorno público aos pequenos
depositantes de boa-fé, e é natural que o Estado procure, por todas as formas, evitar que um
banco que se tornou ilíquido contamine os demais do setor. É evidente que, quanto maior o
banco (e maiores os interesses envolvidos), maiores serão os riscos de sua quebra.
Sabendo disso, muitos bancos que já estão com dificuldades podem se engajar em operações
de alto risco, o que ficou conhecido na doutrina econômica como o problema da "moral
hazard". Em decorrência desse fato, a doutrina econômica passou a analisar outra tese, a do
"too big to fail" (grande demais para quebrar), na qual bancos grandes, por apresentarem risco
sistêmico forte, são impedidos pela autoridade monetária de ser liquidados. Assim, a
concentração bancária - inevitável nos dias de hoje - apresenta algumas desvantagens
consideráveis.
Bancos pequenos sólidos - e ressalte-se aqui que as exigências de capital mínimo para abrir um
banco no Brasil são as mais elevadas do mundo, o que não impede bancos de cometerem
imprudências - são fundamentais ao sistema, já que podem oferecer uma alternativa à
concentração e às dificuldades expostas acima. Em outros países, longe de nossa realidade, o
caso é, todavia, emblemático. Lá, sólidos bancos pequenos oferecem uma alternativa à
concentração e, mesmo depois da crise de 2008-09, buscam nichos de atuação. Além disso,
bancos pequenos, ou butiques financeiras, podem propiciar uma grande diferenciação de
canais de distribuição, por se destacarem com serviços e produtos personalizados.
Finalmente, os ganhos de escala em bancos de grande porte - rede de agências, estruturas e
amplitude de produtos - fazem com que seja difícil a um banco menor se tornar o único
banqueiro do cliente, mesmo que exista o argumento de que, no banco menor, privilegiam-se
mais a confidencialidade e as soluções personalizadas.
Para abrir um banco é necessário um projeto de viabilidade que combine competência, capital
e idoneidade. Um banqueiro pequeno pode ter tudo isso com a vantagem de oferecer um
relevante serviço ao sistema financeiro nacional em matéria de concorrência.
Jairo Saddi - Pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper. Artigo
publicado no jornal Valor Econômico em 23/01/2012.
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