A Estrutura do FGC Vis-à-vis o Documento Básico do Grupo de Estudos em
Seguro Depósito
(Abril, 2002)
Ana Carla Abraão Costa
Economista
I – Introdução
O Grupo de Estudos de Seguro Depósito identificou algumas condições ideais para o
estabelecimento de um sistema de seguro depósito eficiente e divulgou um documento
onde se resumem os principais pontos a serem considerados na estruturação e
manutenção desse sistema. Com base nesse documento buscar-se-á aqui estabelecer um
paralelo entre as sugestões e análises do Grupo de Estudo e a estrutura e atuação do
sistema brasileiro de seguro depósito, a saber o Fundo Garantidor de Créditos – FGC.
Para tanto cada item do Documento Básico do Grupo de Estudos, divulgado em Junho de
2000, será aqui detalhado dentro da realidade do sistema brasileiro de seguro depósito.
II – Background
O Documento Básico do Grupo de Estudo cita a crise asiática como o marco a partir do
qual a maior parte dos países passou a adotar sistemas de seguro de depósito. No Brasil,
porém, a crise financeira teve início em momento anterior, podendo ser caracterizada a
partir do final de 1994 e ganhando maior intensidade nos anos de 95 a 98.
O sistema brasileiro de seguro depósito, de cobertura limitada, foi instituído em 1995 –
ao contrário dos países que adotaram garantias ilimitadas – para estancar a crise
sistêmica que se formava e com a preocupação de evitar o colapso do Sistema Financeiro
Nacional.
III – Estabelecendo e Mantendo um Sistema de Seguro Depósito Eficaz.
1. Seguro Depósito e Perigo Moral
A relação entre sistemas de seguro depósito e problemas de perigo moral foi discutida de
forma ampla em documento anterior e está incorporada na literatura de mecanismos de
seguro com alguma naturalidade. Especificamente no que concerne os sistemas de
seguro depósito, evidências sugerem a presença de problemas de perigo moral,
principalmente na relação depositante/banco no que se refere a monitoramento da saúde
das instituições financeiras. No caso brasileiro não só foram considerados os problemas
de perigo moral como importantes medidas foram adotadas visando mitigá-los ¹.
No Documento Básico do Grupo de Estudos algumas medidas são citadas, das quais as
seguintes são adotadas no Brasil:
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Baixo limite de cobertura;
Imposição de perda dos depósitos não segurados e outros créditos e acionistas;
Introdução de incentivos via custos pessoais a administradores e diretores em
caso de quebra do banco;
Requerimentos contábeis reconhecidos;
Manutenção de passivo não-segurado;
Transparência e abertura de informações financeiras;
Estabelecimento de um sistema regulatório e de fiscalização forte.
Esforços no sentido de se discutir a viabilidade de algumas das medidas citadas e não
adotadas vêm sendo empreendidas principalmente no que concerne o prêmio ajustado ao
risco da instituição e regime eficaz de fechamento de bancos que minimize o custo para a
instituição seguradora.
2. Modelo de Análise Estratégica – Um instrumento para formuladores de política
O Grupo de Estudos elaborou uma metodologia voltada à estruturação e implementação
de um sistema de seguro depósito eficaz. Muito embora não se tenha no Brasil seguido
formalmente esse instrumental quando da criação do FGC, implicitamente muitas das
etapas ali detalhadas foram consideradas no processo. Os objetivos de política pública
estavam claramente estabelecidos e a análise situacional – embora mostrasse uma
conjuntura adversa – foi fundamental na estruturação do FGC ².
As etapas de validação, plano de ação estratégico, fase de implementação e aceitação
não foram adotadas no processo de estruturação e implementação do sistema brasileiro
de seguro depósito. Isso por não se dispor de tempo suficiente, dado o caráter de
urgência em que se estabeleceu o processo e a necessidade premente de colocar o
sistema em prática.
No que se refere à contínua avaliação e validação da estrutura, o FGC não só tem estado
constantemente preocupado em acompanhar as mudanças conjunturais e financeiras no
Brasil, como tem também se emprenhado em tentar evoluir de acordo com a nova
realidade que vem se delineando no país nos últimos anos.
3. Condições para o estabelecimento de um sistema eficaz de seguro depósito de
cobertura limitada.
Das condições identificadas como necessárias pelo Grupo de Estudo, nenhuma delas
existia no momento em que se estabeleceu o sistema brasileiro de seguro depósito: o
sistema legal era – e ainda é - problemático no Brasil, tanto no que se refere à base legal
relativa à regulação bancária, como no que se refere à enforçabilidade dos contratos
bancários. O ambiente macroeconômico era totalmente instável no momento da criação
do FGC, com uma combinação de política de juros e regime cambial que colocavam o
sistema bancário em situação extremamente vulnerável. Embora se experimentasse
algum avanço na área de regulação a partir de meados da década de 90, os padrões de
fiscalização, auditoria, contabilidade e acesso a informações se mostravam falhos e
ineficientes. Apesar de estabelecido em ambiente caracterizado por toda essa
adversidade, o sistema brasileiro de seguro depósitos teve sucesso, tendo performado de
forma exemplar nos cinco anos de sua existência. Isso não invalida, porém, a hipótese de
que melhores as condições, maiores as chances de um sistema eficaz.
4. Atributos chave para um sistema eficaz de seguro depósito.
Todos os atributos identificados pelo Grupo de Estudo estão presentes na estrutura do
sistema brasileiro de seguro depósito, desde seu estabelecimento. Os estatutos definem
explicitamente seus benefícios, incluindo cobertura e limites. Os bancos participam
compulsoriamente do sistema. As funções e responsabilidades do FGC e do BC (que
também é agência reguladora de bancos no Brasil) são claramente definidos ³. Os
mecanismos de fundeamento do FGC, além de bem definidos, vêm sendo alvo de
discussões para melhorá-lo; as informações quanto à atuação e estrutura do FGC são
disponíveis ao público, e uma política de divulgação periódica de informações a bancos e
organismos internacionais é seguida. Além disso, está em processo de elaboração uma
web page do Fundo, com informações objetivas e transparentes sobre a atuação do
sistema brasileiro de seguro depósito.
5. Elementos importantes no estabelecimento de um sistema de seguro depósito.
O sistema brasileiro de seguro depósito apresenta uma estrutura "estreita" no que se
refere a suas funções, conforme definido pelo Grupo de Estudos. Não há interferência do
FGC na entrada de bancos no sistema – isso sendo atribuição exclusiva do Conselho
Monetário Nacional – nem tampouco há envolvimento direto do Fundo nos processos de
intervenção ou liquidação de instituições problemáticas. É um sistema cuja atribuição se
limita ao pagamento dos créditos segurados em caso de quebra de uma instituição
financeira. Um sistema mais amplo voltado para a capitalização de bancos insolventes é
atualmente considerado visando assim a minimização das perdas do FGC e de
depositantes vinculadas às quebras de bancos.
(i) Cobertura e Limites
No caso brasileiro a maior parte dos aspectos relacionados no Documento Básico do
Grupo de Estudos como sendo os mais importantes no estabelecimento dos sistemas de
seguro depósito foram amplamente considerados no momento da criação do FGC. Limites
e cobertura; estruturação privada ou pública; prêmios de seguro; ordem de preferência
dos créditos segurados; troca de informações e considerações operacionais foram todos
avaliados na busca da estrutura que melhor desempenhasse os objetivos de proteção a
depositantes e ao sistema financeiro nacional.
O limite de cobertura fixado em R$20.000,00 e a abrangência restrita a depósitos a vista
e a prazo, cadernetas de poupança e letras hipotecárias e de câmbio visam cobrir o
necessário para evitar problemas de corridas bancárias, mas não o suficiente para
comprometer de forma importante o processo de monitoramento por parte dos
depositantes. Em valores de junho de 2000 o limite de cobertura contemplava 29,32% do
total dos saldos segurados, representando porém 97,89% dos depositantes.
(ii) Sistemas Públicos ou Privados
O caráter privado da estrutura do FGC – embora tenha sido estabelecido através de uma
Resolução do Conselho Monetário Nacional (tendo portanto força de lei) – foi importante
na sua consolidação como instituição crível e desvinculada dos desgastes que as
estruturas públicas vinham vivendo por imporem custos adicionais aos contribuintes,
dentro de uma realidade fiscal já complicada. E muito embora tenha sido posto a prova
durante as sucessivas quebras dos anos 95/98, e tendo uma proibição constitucional de
acesso a recursos junto ao Banco Central ou Tesouro Nacional, o FGC nunca teve
questionada sua capacidade de pagamento dos créditos segurados.
Neste aspecto não há, nem nunca houve, qualquer razão para se rediscutir a opção por
uma estrutura privada feita na sua estruturação original.
(iii) Mecanismos de Fundeamento
No que se refere aos mecanismos de fundeamento é este o aspecto de preocupação atual
do FGC. Estando a parte importante de sua captação de recursos restrita à contribuição
dos bancos segurados o FGC se vê atualmente frente a dois problemas: o primeiro se
refere à distorção que a hoje elevada contribuição de 0,025% am representa para o
sistema bancário. A segunda se refere à falta de acesso rápido a volumes expressivos de
recursos que possam fazer frente a alguma situação emergencial mais séria. É nesse
sentido que modificações legais e estatutárias vêm sendo propostas, buscando-se assim
avançar para uma estrutura menos distorciva e mais eficaz, combinando mecanismos de
fundeamento ex-ante com mecanismos ex-post mais eficientes do que a atual
possibilidade de antecipação das contribuições do sistema.
O aspecto do prêmio ajustado ao risco, conforme explicitado no Documento Básico do
Grupo de Estudos, foi inviável no Brasil na época da criação do FGC, dadas as
dificuldades potenciais envolvidas na sua implementação.
(iv) Ordem de Preferência
Em relação à ordem de preferência no pagamento dos credores de instituições financeiras
intervindas ou liquidadas, tem-se no Brasil que os créditos por depósitos perdem em
preferência para todos os demais créditos – à exceção claro dos acionários. Créditos
fiscais, trabalhistas e alguns privilegiados como créditos do Banco Central e vinculados a
operações de financiamento a exportações lastreadas por contratos mercantis têm
preferência sobre os chamados credores quirografários, onde se enquadram os depósitos.
No que se refere aos créditos segurados não há qualquer tratamento diferenciado. O FGC
entra como credor quirografário, sem qualquer prerrogativa sobre os demais créditos.
(v) Troca de Informações
A troca de informações entre o órgão regulador de bancos no Brasil – o Banco Central – e
o FGC muito tem avançado nos últimos anos. No início as informações se restringiam à
necessidade de pagamento de créditos junto a bancos já liquidados ou nas vésperas de
sua liquidação, com o Fundo tendo que atuar de forma emergencial. Atualmente, ao
contrário, maior integração entre as instituições já é sentida, com abertura de
informações mais precisas e acesso aos riscos potenciais das instituições.
(vi) Informações ao Público
Embora no Brasil as informações sobre a estrutura privada do FGC ainda causem alguma
confusão 4, os limites e abrangência da cobertura são de domínio público. Isso devido ao
esforço dos próprios bancos participantes que, durante a crise financeira, tiveram nesse
argumento um instrumento de captação de recursos.
Por outro lado, o FGC vem gradativamente ampliando o volume de informações
disponíveis ao público. Além disso, relatórios anuais são enviados a todas as instituições
financeiras participantes no Brasil e instituições afim no exterior.
(vii) Considerações Operacionais
O FGC, sendo uma entidade privada, tem total liberdade operacional e orçamentária para
contratar profissionais que estejam capacitados a desempenhar as funções necessárias a
mantê-lo eficiente e bem administrado. Por outro lado, uma estrutura reduzida em
termos de pessoal fixo permite reduzir seus custos, concentrando seus recursos para sua
atividade fim que é o pagamento de depósitos.
IV – Transição
Como já explicitado em documento anterior o Brasil não teve um período de transição em
que garantias ilimitadas foram substituídas por um sistema de cobertura limitada 5.
Houve sim uma linha de financiamento especialmente voltada para instituições
insolventes – o PROER – mas que se estabeleceu paralelamente ao FGC. Antes disso o
país experimentou alguns episódios de quebras pontuais de bancos, cujas perdas foram
assumidas – em primeira instância – pelos próprios depositantes e demais credores.
V – Diretrizes Internacionais
Os mercados financeiros vêm se integrando em velocidade e níveis crescentes. As
operações e instituições se vêem cada vez mais interligadas fazendo com que as
barreiras entre os países se tornem tênues no que se refere à integração financeira.
Aspectos positivos e negativos emergem, estes últimos traduzidos pela facilidade de
migração de crises internacionais para os domínios domésticos e vice versa. Dentro desse
novo contexto, medidas que estabeleçam alguns padrões, sem contudo subestimar as
enormes diferenças regionais, são de vital importância prevenindo assim os colapsos
financeiros domésticos e globais.
Trata-se de se estabelecer uma troca de experiências, fazendo com que a integração se
possa dar sem rupturas, sem desgastes, com maior solidez e menor custo. Foi assim com
as diretrizes do Acordo da Basiléia, foi assim com os Princípios de Supervisão Eficaz, pode
ser assim com os Sistemas de Seguro Depósito. Por um lado experiências de uns
minimizam possibilidades de erros de outros e, por outro lado, caminha-se na direção de
uma maior estabilidade global, fruto de alguma padronização mínima nos aspectos que se
referem à saúde financeira.
Nesse sentido, o estabelecimento de Diretrizes Básicas para a estruturação de sistemas
de seguros de depósito insere a preocupação de se construir um sistema financeiro
internacional estável e sólido. Para tanto o FGC se coloca totalmente disponível nas
contribuições que puder dar, ciente que está da importância que a experiência brasileira
pode representar nessa construção.
_____________________________________
1 Vide documento: "Avaliação de Alternativas – Grupo de Estudos de Seguro Depósito:
Subgrupo Perigo Moral".
2 Vide documento: "Avaliação de Alternativas – Grupo de Estudos de Seguro Depósito:
Subgrupo Análise Situacional e Considerações de Implementação".
3 Alguma dificuldade no fluxo de informações é observada, fruto talvez do caráter privado
do FGC.
4 A maioria da população mantém a idéia do FGC como agência governamental ou
vinculada ao Banco Central.
5 Vide documento: "Avaliação de Alternativas – Grupo de Estudos de Seguro Depósito:
Subgrupo Transição de Garantias de Ampla Abrangência para um Sistema de Seguro
Depósito com Cobertura Limitada."
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