Habeas Corpus Trancativo ou Profilático: Uma Criação Jurisprudencial NAIARA SANTIAGO SANTOS DURÃES1 email: [email protected] CENTRO UNIVERSITÁRIO NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO – CEUNSP FACULDADE DE DIREITO Resumo: Surge uma nova possibilidade de utilização para o Remédio Constitucional Habeas Corpus, essa nova possibilidade tem por intenção prevenir que o cidadão seja indiciado ou passe a ser investigado sem justa causa, impedindo assim que processos sejam abertos ou desarquivados com interesses políticos e alheios a função da lei, que é o de punir quem de fato cometeu um crime, afinal sofrer um processo criminal, mesmo que sendo inocente, gera vários transtornos ao investigado. Palavras chave: Habeas Corpus - Trancativo - Liberdade – Direito 1. INTRODUÇÃO Todo cidadão tem com base na lei maior do Brasil direito de se utilizar de ferramentas contra o arbítrio estatal. Para isso temos enumerados na Constituição Federal do Brasil não somente boa parte dos direitos inerentes a cada cidadão, mas também as garantias fundamentais, ou seja, ferramentas que visam assegurar o efetivo exercício de cada um desses direitos. 1 Artigo Jurídico feito sob a supervisão da professora Rosa Maria Marciani 2 A liberdade é um dos bens mais preciosos do homem, por isso mesmo é que temos um Remédio Constitucional que tem por função exclusiva resguardar o direito de ir e vir de cada cidadão. A prisão efetiva ou a iminência de nela estar agride em cheio o direito de liberdade, por isso é necessário que a limitação a esse direito seja feita de forma totalmente justificada, evitando assim injustiças e abusos por parte das autoridades coatoras. Nesse artigo iremos tratar além dos chamados Habeas Corpus Preventivo (aquele que visa impedir um iminente cerceamento de liberdade) e o Habeas Corpus Repressivo (aquele que visa por em liberdade aquele que sem justa causa já está cerceado de seu direito de locomoção), do também denominado Habeas Corpus Trancativo ou Profilático, que é entendido pela doutrina e jurisprudência atual como uma terceira espécie desse remédio, que tem por função impedir o andamento de ação penal ou inquérito policial que sem justa causa estão abertos ou em andamento. 2. HABEAS CORPUS – CONCEITO E ORIGEM Lafayette Rodrigues Pereira (apud BUSANA, 2009, p.30) ao proferir um voto no Conselho de Estado, resumidamente conceituou o Habeas Corpus: [...] é um recurso extraordinário, instituído para fazer cessar de pronto e imediatamente a prisão ou constrangimento ilegal. Não o caracteriza tão somente o seu objeto e fim, que é a proteção e defesa da liberdade: há outras instituições que têm idêntica missão. O que particularmente o distingue e caracteriza é a prontidão e a celeridade com que ele restitui à liberdade aquele que é vítima da prisão ou constrangimento ilegal. A violação da liberdade pessoal ou, como outros a denominam, da liberdade física (‘jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque’) causa danos e sofrimentos que não admitem reparação condigna. Daí a necessidade de fazer cessar prontamente a ofensa de direito tão sagrado. É esta a razão por que as leis não subordinam um recurso tal às fórmulas lentas e demoradas, que de ordinário se observam para a reforma de atos e decisões emanadas das autoridades legalmente constituídas Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 299) em seu livro "Curso de Direito Constitucional" esclarece que o direito protegido por esse Remédio é o direito de ir e vir e também de ficar, e não a liberdade de locomoção como muitos pensam. 3 Segundo ele esta é a primeira das liberdades, já que é por meio dela que se pode exercer quase todas as demais liberdades. A origem do Habeas Corpus tem sido comumente atribuída a João Sem Terra, ano de 1215 dentro da Carta Magna Inglesa, em um período em que as autoridades reais (monarcas) decretavam a prisão dos cidadãos de forma arbitrária e por tempo indeterminado (WIKIPEDIA- site). Já no Brasil foi inserido em nosso país por D. João VI, no decreto de 23 de maio do ano 1821, que dizia: “Todo cidadão que entender que ele, ou outro, sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus a seu favor" (idem). Entre inserções e retiradas desse remédio das constituições, atualmente sua utilização está amparada na Constituição Federal de 1988, no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais; e no Código de Processo Penal Brasileiro no Título dos Recursos em Geral, o que causa estranheza e a chamada impropriedade técnica, já que o Habeas Corpus tem natureza jurídica de Ação e não de Recurso, como esclarece Fernando da Costa Tourinho Filho (apud MASCARANHAS): [...] esclarecendo definitivamente a natureza jurídica do HC, “recurso é a medida pela qual se impugna uma decisão. Por meio do habeas corpus pode ser impugnada uma sentença, simples ato administrativo (como a prisão) e, até mesmo, [...] atos restritivos da liberdade ambulatória, cometido por particulares. 3. OUTROS ASPECTOS DO HC São quatro as figuras do Habeas Corpus: I. Impetrante, aquele que ingressa com o pedido em seu favor ou em favor de outrem; II. Paciente, que é aquela pessoa que está sendo cerceada do seu direito de ir e vir, mas não impetrou o Habeas Corpus em seu favor, tendo outra pessoa o fazendo por si, ex: advogado; III. Impetrado ou autoridade coatora, que é quem está cometendo a ilegalidade ou abuso de poder cerceando o direito de ir e vir de outrem; e 4 IV. O detentor, que é quem, seguindo as ordens da autoridade coatora, mantém o paciente sob coação (BASTOS, p.20). Mas quem pode impetrar Habeas Corpus? Alexandre de Morais (apud BASTOS, p.20) nos diz: Qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, independentemente de capacidade civil, política, profissional, de idade, sexo, profissão, estado mental, pode fazer uso do habeas corpus, em benefício próprio ou alheio (...). Não há impedimento para que dele se utilize pessoa menor de idade, insana mental, mesmo sem estarem representados ou assistidos por outrem. O analfabeto, também, desde que alguém assine a petição a rogo, poderá ajuizar a ação de habeas corpus. O Habeas Corpus pode ser impetrado por qualquer um em favor de qualquer um, conforme o que dispõe o Código de Processo Penal em seu artigo 654: Art. 654 - O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. § 1º - A petição de habeas corpus conterá: a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça; b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor; c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências. § 2º - Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. Vejamos então alguns casos em específico: O Estrangeiro tem direito de impetrar Habeas Corpus? Sim, mesmo que não esteja em território brasileiro, mas existe a exigência de que o documento deve ser redigido na língua portuguesa; e o menor de dezoito anos, pode? Sim, sem a menor restrição; o analfabeto também pode ser impetrante de um Habeas Corpus, desde que alguém redija o documento e assine para ele (Vide: Art. 654, § 1º, c); temos também que tanto o Ministério Público (Art. 654, "caput") como o Juiz podem impetrar, porém no caso do Juiz este só poderá impetrar Habeas Corpus quando o coagido não for paciente de um processo que este julga, pois quando atuando dentro de um processo o Juiz não impetra, mas sim concede o Habeas Corpus (Art. 654, § 2º). 5 Por último, temos a Figura da Pessoa Jurídica, que pode impetrar Habeas Corpus em favor de pessoa física, mas não pode ser favorecido nesse tipo de ação, já que Pessoa Jurídica não tem liberdade de ir e vir (JUSBRASIL- site). A autoridade coatora pode ser tanto Pública: Delegado, Juiz, Tribunal etc; como também Privada: Diretor de hospital que impede a retirada do paciente antes que ele pague a conta (LOPES JR. E GESU, 2014). O Habeas Corpus deve ser sempre dirigido a autoridade superior a autoridade coatora, assim se um particular ou delegado for a autoridade coatora, o Habeas Corpus deverá ser impetrado ao Juiz da Vara Comum. Como qualquer outro direito, o direito de ir e vir não é absoluto, assim existem alguns casos em que não há direito de ação de Habeas Corpus a uma pessoa em eminência de ser ou já cerceada em seu direito de locomoção, são eles: a. No caso de transgressões disciplinares militares, ou seja, se o cerceamento do direito de ir e vir ocorrer por causa de aplicação de poder disciplinar, previsto na legislação militar, nesse caso o Judiciário não tem como conhecer essa ação, isso por força do artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal (FERREIRA FILHO, 2008, p.320): Art. 142 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 2º - Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. b. Em caso de declaração de Estado de Sitio e de Defesa: No estado de defesa, em linhas gerais, podem ser feitas restrições à liberdade de reunião e aos sigilos de correspondência e telecomunicações, bem como aos bens e serviços públicos. É possível a autoridade administrativa determinar prisões que não em flagrante-delito, em caso de crime contra o Estado, desde que comunique imediatamente ao Juiz competente e que esta prisão não exceda a dez dias, salvo quando autorizada pelo Juiz. Como se vê, qualquer desvio desses preceitos é amparável na via do habeas corpus, inclusive, dentro da visão moderna do âmbito de controle jurisdicional dos atos administrativos, sob o prisma da razoabilidade. 6 No estado de sítio, as restrições podem ser ainda maiores, porque o pressuposto é uma situação fática ainda mais grave do que a que ensejaria o estado de defesa. Assim, se decretado em razão de “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa”, as restrições que podem ser adotadas contra a pessoa vêm especificadas, a saber: “I - obrigação de permanência em localidade determinada; II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei (exceto “a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa”); IV - suspensão da liberdade de reunião; V - busca e apreensão em domicílio; VI - intervenção nas empresas de serviços públicos; VII - requisição de bens”. Da mesma forma como sustentado no estado de defesa, os atos que o executor das medidas80 tomar serão passíveis de controle via habeas corpus, na mesma ótica já defendida. (BASTOS, p.41, g.n.) c. Apesar do Habeas Corpus num primeiro momento proteger um direito individual, sempre o interesse da coletividade se sobrepõe ao interesse particular, assim aquele que pratica ou deixar de praticar condutas necessárias para a manutenção da ordem social, econômica e política pode ser cerceado do seu direito de ir e vir, logo ao julgar o caso concreto a decisão do Órgão responsável pode ser por manter, por exemplo, uma prisão de indivíduo que comprovadamente pode atrapalhar andamento de investigação criminal, ou seja, havendo justa causa, não há no que se falar no direito amparado pelo Habeas Corpus. d. Em caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira os direitos e garantias são suspensos (BASTOS. p. 44), logo o direito a liberdade de ir e vir e a garantia constitucional de impetrar Habeas Corpus não poderão ser pleiteados. 4. ESPÉCIES DE HABEAS CORPUS Comumente temos conhecido duas espécies de Habeas Corpus: Habeas corpus liberatório ou repressivo: tem o fito afastar a sujeição ilegal à liberdade de locomoção já existente, visando elidir do constrangimento ou coação àquela pessoa que se encontra presa por ilegalidade ou abuso de poder. Quando prestado, expede-se um alvará de soltura e o preso é posto em liberdade. 7 Habeas corpus preventivo ou suspensivo: nessa modalidade não há uma ameaça atual e concreta à liberdade de locomoção do paciente, mas sim uma situação de iminência de sofrer uma violência ou coação na sua liberdade ambulatória por ilegalidade ou abuso de poder. Concedido o remédio, expede-se um salvo-conduto e, por meio deste, o paciente recebedor do remédio fica impedido de ser privado de sua liberdade pelo fato que culminou a apreciação do writ pela autoridade prevista para tanto. (HETSPER) Importante ressaltar que a primeira Constituição Republicana exigia para o Habeas Corpus Preventivo o claro e efetivo “perigo iminente” à liberdade de locomoção, exigência essa mantida pela Constituição de 1934, pela Carta de 1937 e também pelo Código de Processo Penal de 1941. Porém no ano de 1946 nossa Constituição afastou essa exigência, logo esta não mais deve ser considerada nas leis infraconstitucionais, como bem descreve o Professor Vicente de Azevedo “no regime atual, cabe o habeas corpus ainda quando a ameaça não seja próxima, ou iminente, e sim longínqua, ou remota [...]”. (BUSANA, 2009, p.35) Por isso, atualmente parte da doutrina tem falado numa terceira espécie desse remédio, que seria o Habeas Corpus Trancativo ou Profilático. Se analisarmos as consequências que um cidadão pode sofrer pelo simples fato de ser processado criminalmente, poderemos visualizar restrições ao direito de locomoção deste, afinal quando processado o cidadão entre outras coisas, deve obrigatoriamente comparecer quando intimado nos atos do processo, podendo ainda ter prisão preventiva e temporária decretadas contra si. Ainda temos a possibilidade que o processo criminal culmine numa sentença condenatória, o que cercearia efetivamente a liberdade do indivíduo (JURISWAY - site, p. 8). Por causa dessa situação a doutrina e a jurisprudência tem visto pertinência no ingresso com Habeas Corpus para impedir que o processo caminhe para uma sentença, isso se o processo criminal em si for ilegal, abusivo, ou sem justa causa (JURISWAY - site, p. 8). Seguindo a mesma ideia podemos concluir que há também cabimento de Habeas Corpus para trancar o inquérito policial, lembrando que tal opção só deve ocorrer em caráter excepcional, ocorrendo somente quando o inquérito não demonstrar justa causa de existir. Ex: inquérito policial para apurar crime prescrito (JURISWAY - site, p. 8). 8 No site laginski.adv.br estão enumerados alguns casos em que cabe a ação de Habeas Corpus para trancar ação ou inquérito policial, vejamos: - Quando o juiz ao receber a denuncia ou queixa e o fato descrito não constitui crime; - Ainda que o fato descrito constitua crime, mas o Inquérito Policial ou peças de informação que instrua a denuncia ou queixa não tenham elemento seguro de convicção em relação a ação por falta de justa causa; - Quando a sentença transitou em julgado e o processo for manifestamente nulo; - Quando o auto de flagrante não atenda as exigências legais. Além dessas possibilidades, não podemos esquecer que podem ocorrer aberturas de processos de crimes prescritos, logo se o Juiz não reconhecer a prescrição do crime é possível o ingresso com Habeas Corpus solicitando o trancamento da ação penal. Por meio da não exigência da “iminente” ameaça ficou mais fácil reconhecer a falta de justa causa para a instauração do inquérito policial ou do processo penal, afinal apesar de em liberdade estar, o suspeito ou acusado, tem ameaçada sua liberdade por eventualidades como: Condução coercitiva, prisão temporária, prisão preventiva ou prisão decorrente de sentença condenatória (BUSANA, 2009, p.35). 5. CASO PRÁTICO Abaixo segue a ementa de um Habeas Corpus, com pedido de liminar, que solicita o trancamento da Ação Penal contra Paulo Bururu Henrique Barjud: HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEITOR COM DIREITOS POLÍTICOS SUSPENSOS. FATO ATÍPICO. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Nos termos do art. 299 do Código Eleitoral, que protege o livre exercício do voto, comete corrupção eleitoral aquele que dá, oferece, promete, solicita ou recebe, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. 2. Assim, exige-se, para a configuração do ilícito penal, que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar. 3. Na espécie, foi comprovado que a pessoa beneficiada com a doação de um saco de cimento e com promessa de recompensa estava, à época dos fatos e das Eleições 2008, com os direitos políticos suspensos, em razão de condenação criminal transitada em 9 julgado. Logo, não há falar em violação à liberdade do voto de quem, por determinação constitucional, (art. 15, III, da Constituição), está impedido de votar, motivo pelo qual a conduta descrita nos autos é atípica. 4. Ordem concedida. No caso dos autos, os supostos corruptores passivos nem mesmo seriam identificáveis, porquanto a distribuição das benesses, feita de forma genérica, teria alcançado mais da metade da população, consoante se extrai dos termos da denúncia, o que afasta, em princípio, o dolo específico. Diante do exposto, defiro a liminar para sustar o curso da Ação Penal nº 35-69.2012.6.26.0304, até o julgamento do mérito do habeas corpus. Comunique-se, com urgência, ao TRE/SP. Solicitem-se informações. Após, vista à d. Procuradoria-Geral Eleitoral. Publique-se. Brasília, 8 de agosto de 2012. Ministro Dias Toffoli, Relator. (BRASIL, TSE - HC: 69358 SP, Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 08/08/2012, Data de Publicação: DJE Diário de justiça eletrônico, Tomo 155, Data 14/08/2012, Página 10-12) No caso descrito no Habeas Corpus acima foi impetrado visando o imediato trancamento da Ação Penal contra Paulo Bururu Henrique Barjud, que foi acusado de na condição de candidato a Prefeito Municipal de Jandira no pleito do ano de 2004, ter distribuído 30.000 cartões de saúde à população local, com finalidade eleitoral, para obter para si votos naquelas eleições. Durante a análise do Writ o Ministro Toffoli asseverou que: Com o é cediço, o trancamento da ação penal na via do habeas corpus constitui medida excepcional, somente admissível quando evidenciada a atipicidade da conduta, extinção da punibilidade, ilegitimidade da parte ou ausência de condição para o exercício da ação penal (HC nº 1540-94/BA, DJE de 14.2.2012, Rel. Min. Gilson Dipp; HC nº 1140-80/MT, DJE de 11.11.2011, Rel. Min. Marcelo Ribeiro; HC nº 2883-62/RJ, DJE de 17.12.2010, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior). In casu, observa-se, de plano, situação que justifica o deferimento da medida cautelar, diante, ao que tudo indica, da atipicidade da conduta. (BRASIL, TSE - HC: 69358 SP, Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 08/08/2012, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 155, Data 14/08/2012, Página 10-12, g.n.) A atipicidade que o Ministro alega haver na conduta descrita, se baseia em três principais constatações: A primeira é que para que haja a configuração de corrupção eleitoral é necessário se evidenciar o dolo específico de obtenção de voto a partir de oferecimento de vantagem indevida, conduta essa que não foi devidamente comprovada; como segundo pressuposto, conforme entendimento Jurisprudencial, temos que é necessário para a caracterização do crime eleitoral descrito no artigo 299 do Código Eleitoral, que os eleitores beneficiados sejam identificados ou no mínimo identificáveis, o que também não ocorreu; e por último é 10 necessário para a configuração do ilícito penal citado, que o eleitor seja pessoa apta a votar, o que ficou descaracterizado depois que um dos supostos “beneficiados” foi identificado e posteriormente ficou comprovado que o referido na época do ocorrido estava com seus direitos eleitorais suspensos. Diante da análise desses pressupostos e constatada a inexistência deles os Ministros decidiram pelo trancamento da ação penal em face de liminar. Abaixo mais um Habeas Corpus, porém nesse veremos a possibilidade da utilização desse remédio para o trancamento de inquérito policial: CHEQUE EMITIDO PARA PAGAMENTO DE DIVIDA. SUSTAÇÃO. ESTELIONATO. INQUERITO POLICIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DEPOSITO DA IMPORTANCIA. JURISPRUDENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFETUADO O DEPOSITO DE VALOR DEVIDO ATRAVES DE CHEQUE, CUJO PAGAMENTO FOI FRUSTRADO PELO EMITENTE, ANTES DO RECEBIMENTO DA DENUNCIA, DESAPARECE A JUSTA CAUSA PARA A CONDENAÇÃO, NÃO DEVENDO, POR ISSO, PROSSEGUIR O INQUERITO POLICIAL. DECISÃO FUNDADA EM PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONCEDIDA A ORDEM PARA TRANCAR O INQUERITO POLICIAL. (BRASIL, STJ - HC: 258 SP 1990/0000879-4, Relator: Ministro JOSE CANDIDO DE CARVALHO FILHO, Data de Julgamento: 26/03/1990, T6 SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 09.04.1990 p. 2750 RT vol. 658 p. 348) Neste caso foi concedida a ordem para que se trancasse o inquérito policial contra Agostinho Gabriel, pois após analisado os fatos ficou comprovado que nem em tese houve configuração de estelionato e ainda houve um julgamento procedente quanto à consignação em pagamento feito pelo paciente, pressupostos estes que justificam o voto do Ministro. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS No primeiro caso acima citado e julgado, metade dos ministros responsáveis por julgar o caso, compreenderam que diante dos fatos expostos, o pedido de trancamento de ação penal era viável, já que comprovadamente o paciente estava sofrendo constrangimento ilegal por parte do Superior Tribunal Eleitoral, já que para a caracterização do crime eleitoral a ele imputado eram necessários alguns pressupostos indispensáveis, que eram inexistentes no caso concreto. 11 Por meio desse caso aqui descrito fica claro que Habeas Corpus ganhou na atualidade uma nova espécie, em que ainda o direito de ir e vir está sendo buscado, mas de forma muito mais ampla, já que o risco apesar de ínfimo carece de apreciação. Ao pesquisar sobre essa nova possibilidade, percebe-se sua utilização cada vez mais frequente, assim como também decisões cada vez mais favoráveis a esse tipo de pedido: Tranque-se a Ação Penal ou o Inquérito Policial. Com isso surge mais uma possibilidade ao cidadão de se proteger do arbítrio estatal, garantir a efetivação de seu importante direito de ir e vir e a consumação do exercício efetivo da cidadania. REFERÊNCIAS ANJOS, Cynthia Lazaro dos. Habeas Corpus. Disponível em:<http://www.direitonet. com.br/artigos/exibir/2862/Habeas-Corpus>. Acesso em 04 de setembro de 2014. BASTOS, Marcelo Lessa. O “Hábeas Corpus” em Perspectiva do Controle da Administração Pública. Disponível em:<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/ anexos/16046-16047-1-PB.pdf>. Acesso em 06 de setembro de 2014. BRASIL, Código de Processo Penal 1941. In: VADEMECUM, obra coletiva da Editora Saraiva com a colaboração de CURIA, Luiz Roberto; CESPEDES, Livia; NOCOLETTI, Juliana, 13 edição, São Paulo: Saraiva, 2012. ______, Constituição Brasileira de 1988. In: VADEMECUM, obra coletiva da Editora Saraiva com a colaboração de CURIA, Luiz Roberto; CESPEDES, Livia; NOCOLETTI, Juliana, 13 edição, São Paulo: Saraiva, 2012. ______,, Tribunal Superior Eleitoral. HC: 69358 SP. Impetrante: Hélio Freitas de Carvalho da Silveira e outros, Paciente: Paulo Bururu Henrique Barjud, Impetrado: Exmo. Des. A. C. MATHIAS COLTRO. Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI. Data de Julgamento: 08/08/2012, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 155, Data 14/08/2012, Página 10-12. In: JUSBRASIL - site. TSE - Habeas Corpus: HC 69358 SP. Disponível em:<http://tse.jusbrasil.com.br/juris prudencia/22076858/habeas-corpus-hc-69358-sp-tse>. Acesso em 08 de setembro de 2014. 12 ______, Superior Tribunal de Justiça. HC: 258 SP 1990/0000879-4. Impetrante: Antonio Carlos Gimenez, Paciente: Agostinho Gabriel, Impetrado: Quinta Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Relator: Min. JOSÉ CÂNDIDO. Data de Julgamento: 26/03/1990, Data de Publicação: DJ 09.04.1990 p. 2750 RT vol. 658 p. 348. In: JUSBRASIL - site. STJ - HABEAS CORPUS: HC 258 SP 1990/00008794. Disponível em:< http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/588261/habeas-corpushc-258-sp-1990-0000879-4>. Acesso em 17 de outubro de 2014. BUSANA, Dante. O Habeas Corpus no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. HETSPER, Rafael Vargas. O remédio do momento: habeas corpus. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=artigos_leitura_pdf&artig o_id=2272>. Acesso em 06 de setembro de 2014. JURISWAY - site. Entenda o Habeas Corpus, pág. 8. Disponível em:<http://www.ju risway.org.br/cursos/curso.asp?id_curso=146>. Acesso em 04 de setembro de 2014. JUSBRASIL - site. Comentários - Cabe habeas corpus em favor de pessoa jurídica? Publicado porRede de Ensino Luiz Flávio Gomes. 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