Gestão de Recursos Humanos nas empresas familiares : um caso real e concreto de planeamento da sucessão In Livro Gestão de Activos Humanos no Séc. 21, RH Editora, Abril 2008 A ET - Empresa de Exportações, Importações e Cooperação Industrial, Lda (nome real e concreto) é uma dos muitos milhares de PME’s portuguesas que passam despercebidas da opinião pública, em geral, e dos gestores e técnicos de recursos humanos, em particular. A ET, em conjunto com as suas congéneres PME’s familiares é responsável por mais de metade do PIB nacional e por cerca de 60% da empregabilidade nacional. Apesar desta importância relativa na economia nacional, as ET’s deste país não vão aos bancos da Universidades servirem de exemplos ou de casos de estudo e análise, nem são objecto de estudo e/ou de intervenção generalizada dos profissionais de recursos humanos. Daí o motivo principal da escolha do tema e desta realidade concreta da ET para incorporar um livro que apresenta contributos de um conjunto diversificado de especialistas dos recursos humanos em Portugal. Porquê tratar as empresas familiares como uma realidade distinta em termos de gestão, se estas empresas, tal como as restantes, se subordinam a um formato jurídico/legal idêntico e se, tal como as demais, são obrigadas, para sobreviverem, a produzir resultados que compensem os custos associados ao investimento e ao funcionamento quotidiano da organização? Na realidade, o que diferencia as empresas familiares das outras não é a sua natureza jurídica ou os seus objectivos económicos, mas sim a essência da sua Missão e o modelo de gestão interno. Como podemos definir, então, uma empresa familiar? Empresa familiar é toda a empresa criada por um fundador ou conjunto de fundadores com elos familiares entre si, em que aquele ou aqueles detêm a totalidade ou a grande maioria do capital da empresa, sendo, por inerência os responsáveis directos pela sua gestão. As empresas familiares não são necessariamente apenas PME’s, embora esta configuração empresarial tenha um enorme peso no conjunto das empresas familiares, a par das microempresas, normalmente associadas a um número de colaboradores inferior a 9. No entanto, existem empresas familiares de grande dimensão, até multinacionais de grande prestígio, umas cotadas em Bolsa e outras não, consoante as opções de gestão existentes nas mesmas. Em Portugal são bem conhecidos exemplos de grandes empresas e grupos empresariais de natureza familiar, que julgo desnecessário nomear. Independentemente de serem grandes, médias, pequenas ou micro, existem pontos comuns à vida e gestão destas empresas, dentre os quais me permito, pela sua maior relevância, situar o seu ciclo de vida, os padrões culturais e a problemática da sucessão. Ciclo de vida das empresas familiares Estima-se que, em média, o período de vida das empresas familiares seja de 25 anos, isto é, associado ao exercício de uma geração de gestão, a do Fundador. O que ocorre com muita frequência é a empresa familiar surgir da capacidade criativa e de inovação de um dado elemento – O Fundador, que constrói a organização e a gere de acordo com os seu princípios, valores e objectivos até ao momento em que, por várias razões, muitas das vezes associadas a situações de saúde ou, mesmo, de falecimento, a empresa se vê confrontada com a inexistência de condições de gestão para a sua continuidade, uma vez que tudo estava nas mãos e na cabeça de um só homem (ou mulher). Infelizmente, é muito comum os Fundadores julgarem-se imortais e pensarem que ainda estão (sempre) muito a tempo de organizar o planeamento da sucessão. Este optimismo inconsciente, apesar de fácil de desmontar, não é fácil de perceber pelo Fundador, fruto do seu elevado envolvimento afectivo com aquele “filho” tão especial, que é o seu 2 negócio, a sua empresa. Aquilo é dele, é ele que conhece e domina o negócio, ninguém faz melhor do que ele, porquê perder tempo a preparar a sucessão, quando esse tempo é precioso para continuar a manter a empresa na senda do sucesso? Ainda que por apenas 25 anos, em média? Se ele criou a empresa na casa dos 30 anos, aos 50 e muitos, 60 e tal anos de idade, é credível que as questões de saúde e capacidade, a par de outras, possam ser mais do que óbvias para se lhe exigir uma planificação antecipada e cuidada da continuidade da empresa, até porque, de uma forma geral, os empresários familiares são avessos à venda do seu negócio. Em último caso, preferem vê-lo cair com eles próprios. Quando tal acontece a empresa familiar não ultrapassa a 2ª fase da sua vida. Habitualmente, podemos considerar 4 fases de vida da empresa familiar: 1ª Fase – Criação do Negócio; 2ª Fase – Crescimento e Desenvolvimento; 3ª Fase – Sucessão para a 2ª geração; 4ª Fase – Posse Pública e Gestão Profissional. A 1ª fase tem o Fundador como figura omnipresente e omnipotente. É ele que decide sobre a estratégia a seguir, no sentido de assegurar a sobrevivência da empresa no mercado. As suas preocupações são com o produto, serviço e a concorrência. Paralelamente, é sua responsabilidade plena recrutar e retribuir toda a equipa de pessoas que compõe a empresa, sejam elas membros da família ou não. Na 2ª fase, o Fundador começa a sentir dificuldade em controlar todos os aspectos da vida da empresa, mormente os de natureza mais operacional, pelo que começa a delegar responsabilidades nalguns membros da organização, criando-se, assim, uma estrutura orgânica e funcional mais formal do que a existente até então, muito informal. Manifesta-se nesta fase uma certa disputa ou, mesmo, confronto entre os membros familiares e não familiares da empresa, muitas vezes associada ao processo de transmissão e apropriação de valores do Fundador, que ambos os lados disputam, bem como pela nem sempre equitativa natureza dos sistemas de retribuição (face à contribuição relativa) entre o lado familiar e o não familiar. 3 É nesta fase que surgem as preocupações com a passagem do testemunho – a Sucessão. Na 3ª Fase já nem todas as decisões estão nas mãos do Fundador. Embora possa estar presente na empresa, ele já delegou bastantes responsabilidades em membros por si seleccionados (familiares ou não). Surgem, aqui, habitualmente, conflitos relacionados com a utilização do poder formal, o que focaliza a empresa mais para dentro de si do que para o mercado, com a inevitável perda de competitividade externa. A legitimidade do Sucessor pode ser posta em causa por colaboradores não familiares que reconheciam as competências ao Fundador, mas não as reconhecem igualmente ao(s) seu(s) descendente(s), normalmente o filho ou filhos. O maior desafio desta fase é a gestão do conflito. Na 4ª fase e até pelo habitual desgaste sofrido na 3ª fase, a empresa vai necessitar de investir para se recolocar no mercado a um nível satisfatório e muitas vezes não dispõe do capital necessário. É a fase típica da abertura a capital alheio, quer através da venda de parte da sociedade e/ou da associação/fusão com outras empresas. A Família, nesta altura, evidencia algum receio de associar o seu capital familiar ao negócio, havendo um maior cuidado na separação das “águas”. É, também, na fase 4 que entram para a empresa gestores profissionais, não familiares, para se responsabilizarem por algumas áreas funcionais relevantes. Este percurso ou ciclo de vida pode não ser vivido da mesma forma por todas as empresas familiares, mas é muito típico e, de certa forma, transversal à maioria das empresas familiares. Padrões culturais Associado ao ciclo de vida antes caracterizado, a empresa familiar enfrenta padrões ou modelos culturais distintos e que se caracterizam por formas distintas de encarar o negócio e as pessoas. Assim, o primeiro modelo cultural vivido pela empresa familiar é o Paternalista. 4 O Padrão Paternalista entende os colaboradores como pessoas nas quais não se pode depositar confiança. Tem de lhes ser dito o que fazer e muito bem controlado o seu trabalho desde o princípio até ao fim, sem qualquer margem de manobra e/ou de autonomia. A verdade reside no Fundador e/ou na Família, o estilo de relacionamento é hierárquico/linear, o negócio e não as pessoas é que está em primeiro lugar. O Paternalismo está presente na fase da Fundação ou Criação do Negócio e na fase de Crescimento e Desenvolvimento, embora nesta fase seja muito frequente o Fundador ou a Família terem seleccionado já um conjunto restrito de pessoas que lhes merecem confiança (ao longo dos anos tiveram oportunidade de as testar e pôr à prova) e nas quais delegam algumas responsabilidades, por vezes importantes. No entanto, o controle final sobre os resultados mantém-se. Na fase da Sucessão para a 2ª geração, é mais visível o modelo cultural “Laissez-Faire”, que se caracteriza, também, por relações hierárquicas lineares, mas em que as pessoas já são vistas, basicamente, como “boas” e de confiança. Muitas vezes, esta atitude resulta do facto do Sucessor, já presente nesta fase, querer implementar uma dinâmica de maior autonomia funcional que o Fundador não permitia até aí. Mas a verdade ainda reside no Fundador e/ou na Família. Mantém-se uma orientação, em termos de actividade humana, basicamente, para o trabalho/produção. As pessoas continuam a estar na empresa para trabalhar, ponto final. O modelo Participativo também surge, por vezes na fase da 2ª Geração. Caracteriza-se por uma abertura à autonomia e envolvimento das pessoas, sendo que a natureza da verdade já pode residir na decisão e participação destas e dos grupos de trabalho. A orientação humana já prevê o “ser” e o “tornar-se”, em substituição do “fazer” apenas. Há uma perspectiva de gestão mais focalizada no futuro e não tanto no presente e no passado, como nos modelos culturais antes descritos. Finalmente, o modelo cultural dito “Profissional” que envolve um estilo de relacionamento humano muito individualista, uma posição neutra face às pessoas (estas valem pelo que são capazes de evidenciar), voltando, pois, a privilegiar-se o foco no “fazer”, nos resultados imediatos. Vive-se o momento, o presente, e a verdade dos factos assenta em regras, normas e procedimentos de conduta entretanto definidos. 5 Como se deduz da caracterização dos padrões culturais antes enunciados, a moderna gestão de recursos humanos só surge verdadeiramente evidenciada nas empresas familiares na sua última fase de vida, ou seja, na fase da Posse Pública e Gestão Profissional, em que impera o modelo cultural Profissional. Até aí, é, essencialmente, na base da informalidade que se gere a massa humana das empresas familiares, isto é, sem grandes modelos, sistemas ou ferramentas, quer de diagnóstico, como de desenvolvimento, formação ou avaliação. Não quer dizer-se com isto que o Fundador e/ou a Família não tenham até aí implementado formas de gerir os seus colaboradores e algumas até eficazes, mas tudo isto numa base não muito desenvolvida do ponto de vista técnico e sem a ajuda de profissionais especializados, sejam internos como externos. As empresas familiares são, por regra, pouco dadas a utilizarem as figuras dos Directores ou Técnicos de Recursos Humanos, bem como serviços de Consultores externos nesta área. E aquelas em que figuram Directores ou Técnicos neste domínio, estes próprios podem ser as mais objectivas testemunhas das especificidades deste tipo de empresas e das dificuldades acrescidas do seu próprio papel. Mas, independentemente da abordagem que as empresas familiares concretizem em matéria de gestão de recursos humanos, a verdade é que o desafio mais crítico e fundamental que têm enfrentar neste campo é o da Sucessão. A escolha do Sucessor é a decisão mais importante que a empresa familiar possa tomar e fundamental para a sua continuidade. A problemática da Sucessão Se não for bem equacionada esta etapa fundamental da vida da empresa familiar, o fim da sua existência enquanto organização ou enquanto empresa familiar em si mesma, pode ser breve. Evidenciando a nossa opinião pessoal, a aposta na manutenção da configuração familiar dos negócios deve ser forte. Apesar das suas potenciais limitações, as empresas familiares são uma realidade empresarial presente no todo nacional. Elas estão no litoral, no interior, nas grandes cidades e nas mais pequenas povoações, elas estão presentes em todos os sectores de actividade económica e o seu impacto económico-social é 6 estrutural e não conjuntural como é o caso de muitas empresas internacionais que operam em Portugal. Efectivamente, as empresas familiares não são criadas com o intuito de explorarem uma oportunidade durante um determinado período de tempo num mercado, mas antes correspondem ao sonho, à missão de vida de uma ou mais pessoas que fazem depender a sua subsistência e a dos seus colaboradores desse projecto empresarial. Logo, e apesar das dificuldades já antes mencionadas de longevidade das empresas familiares, a verdade é que estas empresas são criadas com a perspectiva de durabilidade e estabilidade. Todos os dias encerram empresas familiares, mas, também, todos os dias abrem empresas familiares. Numa época em que se faz um grande apelo ao empreendedorismo e em que o tema se tornou moda e foi até (e bem) adoptado no sistema de ensino, seria bom que os profissionais, em particular os dos recursos humanos, tivessem cada vez mais consciência desta realidade organizacional, um campo, sem dúvida, gratificante de estudo e de intervenção, com benefícios alargados para todos os intervenientes. Voltando à problemática da Sucessão, acredito firmemente que quanto mais tempo um negócio permanecer nas mãos de uma família fundadora, mais enriquecedor é para o país, pela possibilidade que gera de criação e fortalecimento de gerações sucessivas de líderes empreendedores, devidamente capacitados para enfrentarem as aleatoriedades e imprevisibilidades cada vez mais presentes nos mercados e por serem capazes de arriscarem em empreendimentos e localizações “extraordinários”. Os líderes, Fundadores destas empresas, não se movem apenas pela óptica da racionalidade dos números, mas sim pelo seu Sonho. Eles têm um projecto e uma obra que querem construir e manter, independentemente de tudo o resto. Por isso mesmo, o processo de Sucessão é a acção mais importante e determinante de gestão de recursos humanos, com efeito concreto na vida das empresas familiares. Indo ao limite, dir-se-ia que o líder familiar ao criar o Negócio deveria adoptar desde então um plano de contingência em termos sucessórios para suprir qualquer eventualidade ou imprevisto. Sem querer ser tão radical, diria que o processo de sucessão deve ter o seu início um bom par de anos antes da retirada do Fundador do Negócio. É, necessariamente, um 7 processo lento que envolve a selecção, preparação e formação do Sucessor ou Sucessores, bem como a preparação de outras entidades com as quais a empresa priva de perto, como sejam os clientes, fornecedores, entidades oficiais e financeiras, etc.. A primeira transição é a mais importante de todas e a que pode contribuir para ultrapassar a estatística anteriormente referida do tempo média de vida de 25 anos que estas empresas apresentam. Podem-se enunciar alguns factores críticos para a devida eficácia do processo sucessório: - Habituar desde cedo o provável Sucessor ao ambiente da empresa, familiarizando-o com os princípios e valores vigentes; - A relação entre Fundador e potencial Sucessor deve passar a assentar numa base adulto/adulto e não de pai/criança; - Testar o potencial futuro Sucessor em situações delicadas como sejam a resolução de conflitos, definição e partilha de objectivos e identificação das convicções e estratégia pessoal; - Consolidar a preparação do futuro Sucessor, nomeadamente influenciando-o a melhorar a sua formação académica e profissional (ex: frequência de um curso superior e/ou MBA) e/ou a obter experiência numa outra organização empresarial antes de ingressar na empresa da família; - Utilização de Conselheiros ou Mentores externos à empresa familiar como forma de apoiar o desenvolvimento do processo de Sucessão; - Modificar a estrutura de capital da empresa, com partilha de acções ou de quotas da empresa; - Dar, em última instância, liberdade de escolha ao potencial Sucessor para decidir do seu ingresso na empresa familiar (deve ser influenciado, mas nunca pressionado e, muito menos, obrigado). Situando o processo sucessório de acordo com o crescimento etário do potencial Sucessor, dir-se-á que até aos 18 anos decorre o seu período de Educação, entre os 18 e os 25, a sua integração na empresa, dos 25 aos 35 o seu trabalho em conjunto com o Fundador e após os 35 anos a assunção plena das responsabilidades inerentes à gestão da empresa, mais ou menos coincidente com a retirada definitiva do Fundador que terá, nessa altura, uma idade superior aos 60 anos de idade, em média. 8 A gestão da cultura está suprapresente na passagem do testemunho da gestão da empresa familiar, uma vez que as normais e esperadas diferentes perspectivas entre Fundador e Sucessor relativamente ao Negócio e à Empresa, podem induzir uma atitude vincadamente avaliativa por parte dos colaboradores da empresa, que pode facilitar ou não o reconhecimento da legitimidade do Sucessor, com as inevitáveis consequências no clima social da empresa. É, por isso, fundamental que, independentemente da diferença dos seus pontos de vista, encontrem uma plataforma de entendimento que privilegie por parte do primeiro o benefício de confiança no segundo, e do segundo o respeito pelo trabalho produzido pelo primeiro, mesmo que no passado tenham sido cometidos erros graves. Se não se criar este clima de respeito recíproco, pode ocorrer que, mesmo na altura de passagem do testemunho, o Fundador recue e decida continuar à frente do Negócio ou, então que, mesmo já retirado, decida regressar, ou, ainda, que o Sucessor abandone o Negócio, às vezes associando a esse rompimento, também, inevitáveis e duradouras rupturas dos próprios laços familiares. Esta componente emocional envolvida no processo de Sucessão intervém, por vezes, vincadamente, pela negativa, no Negócio causando ambiguidade, confusão e desnorte, autênticos constrangimentos ao sucesso da transição da gestão da empresa familiar, colocando em risco a vida da própria empresa. A ET - Empresa de Exportações, Importações e Cooperação Industrial, Lda Desconhecida, por certo, do leitor, a ET é uma empresa que está a conduzir o seu processo de Sucessão de forma, diria, exemplar, incluindo quase todos os ingredientes necessários a uma receita de sucesso. Criada em 1977, a ET é uma empresa que se dedica à produção de vestuário de trabalho e à representação e comercialização de equipamentos e produtos de protecção individual, situando-se no mercado da Prevenção, Higiene e Segurança no Trabalho. Tem 40 colaboradores, no passado a maioria afectos à produção, mas ultimamente tem vindo a inverter a situação, devido à dificuldade de recrutar trabalhadores especializados na área da produção têxtil e também pela falta de procura de produtos de qualidade - 9 “cada vez mais se olha exclusivamente ao preço”. A parte produtiva situa-se na margem sul, onde se localiza também o armazém, enquanto os serviços comerciais e administrativos têm a sua localização em Lisboa. Existe, ainda, uma delegação comercial no Porto. A facturação anual situa-se na ordem dos três milhões e meio de euros. O Fundador, que se mantém, ainda, em pleno exercício das suas funções, criou a ET na sequência da sua ambição pessoal de desenvolvimento e crescimento, espreitando uma oportunidade de negócio num sector de actividade até então incipiente e que só poderia ter um grande crescimento no futuro, como, de resto, se veio a confirmar, fruto, em grande parte, das novas directivas legais postas em vigor, mas também da percepção e da abertura das empresas, mormente as da área industrial, sobre as vantagens inerentes à adopção de medidas de prevenção e segurança no trabalho. Antes de criar a ET, o Fundador havia trabalhado cerca de 11 anos como Desenhador Industrial, Operador de Refinaria e Vendedor de Produtos de consumo pessoal, parte deles para o canal Farmácia. Cumpriu o Serviço Militar com o posto de Furriel Miliciano do serviço de material, chefiando 22 homens, o que, em sua opinião, lhe deu uma boa base de organização e gestão, que tem utilizado ao longo do seu percurso profissional. Frequentou, sem concluir, o curso de Engenharia do antigo Instituto Industrial de Lisboa, antepassado do actual ISEL – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. A sua esposa integrou a ET no segundo ano de vida da empresa. Com o curso de Educação Familiar Rural, uma formação base equivalente ao actual 12º ano de escolaridade, trabalhou anteriormente à ET num Jardim de Infância, foi Directora num Centro Dietético e Formadora em centros de apoio a jovens e numa clínica, em ergoterapia. Assumiu na ET a responsabilidade pela área fabril, de produção do vestuário e outros equipamentos de trabalho, enquanto o Fundador assumiu a gestão comercial e financeira do negócio. Ele tem 59 anos de idade e ela 60. Têm dois filhos, a filha, mais velha, com 33 anos de idade, e o filho com 27, que trabalham na empresa. Ambos os filhos são solteiros. Os pais nunca fizeram questão que os filhos seguissem as suas pegadas na ET. A esposa, inclusive, admite ter entendido essa possibilidade com alguma resistência. 10 Queriam, acima de tudo, que os filhos concretizassem uma formação superior e que fossem felizes nas suas opções profissionais posteriores. Hoje ambos estão bastante satisfeitos pelos filhos terem aderido à ET, consideram o balanço positivo e utilizam adjectivos tais como felicidade e sucesso, por os verem associados ao projecto empresarial. Talvez por nunca terem equacionado de raiz a vinda dos filhos para a ET, nunca pensaram na criação de um plano formal de Sucessão, com várias etapas definidas, que consignasse uma metodologia de monitorização ao longo do tempo. Todavia, de modo involuntário e informal, mais fruto das suas limitações em termos de gestão do tempo e da divisão do mesmo entre os compromissos profissionais e os familiares, os filhos foram sendo criados na ET, andando pela empresa desde a mais tenra idade, tendo convivido de modo muito próximo com os colaboradores hoje mais antigos, que os viram a ambos de “calções”. Já mais tarde, na pré-adolescência e adolescência, e fruto das limitações dos pais em termos de férias, os actuais Sucessores passavam, maioritariamente, os seus dias na empresa, ajudando nas tarefas possíveis, enquanto estavam sob o olhar protector dos pais. A filha licenciou-se em Economia e efectuou uma pós-graduação em Corporate Finance, enquanto o filho frequenta a licenciatura em Engenharia Electrotécnica e está em vias de concluir uma especialização em Higiene e Segurança no Trabalho, faltando-lhe apenas concretizar o estágio, que não quer fazer na própria ET. Ela trabalhou 6 anos fora da ET (numa firma de Consultadoria em Gestão e numa SROC Sociedade de Revisores Oficias de Contas) antes de tomar a decisão de assumir a sua presença na empresa. Ele entrou bem cedo para a ET, com 18 anos apenas, nunca tendo tido outra experiência profissional. Ela assume a responsabilidade pela Contabilidade, sendo o Técnico Oficial de Contas da empresa e colaborando de modo polivalente noutros projectos, como seja o processo de certificação de qualidade em curso ou o projecto de mudança e aglutinação geográfica das instalações da empresa, que se encontra numa fase ainda inicial, mas considerado de vital importância para a ET, no futuro. Ele assume a responsabilidade pelos Sistemas de Informação e pela Área 11 Comercial, nomeadamente o relacionamento com os vários fornecedores nacionais e estrangeiros e, também, com alguns clientes. O balanço que os pais fazem sobre o trabalho dos filhos na empresa, em concreto sobre o seu desempenho, é muito positivo. Consideram que os filhos têm legitimidade de competência para assumir o negócio, e que apesar de poderem enfrentar alguns sustos, não o deixavam cair. Por outro lado, quando comparam as capacidades dos filhos com as dos restantes colaboradores, consideram que aqueles, de uma forma geral, estão uns bons furos acima, apesar de reconhecerem com respeito o trabalho e a entrega evidenciada por outros colaboradores, não familiares, da empresa. Tal não invalida que não tenham o suficiente distanciamento para opinarem sobre as necessidades de formação dos seus filhos, considerando que o filho precisa de aprofundar os seus conhecimentos de gestão e que terá de investir nesse campo no futuro, e que a filha necessita de desenvolver as suas competências em termos de relações públicas e comunicação. Na sua relação com os filhos, dentro da ET e em família, os pais referem haver uma transparência e abertura totais, assente numa base consistente de respeito e confiança mútua. Indagado sobre quais considera serem os principais problemas e/ou desafios de uma empresa como a ET, o Fundador refere que são as pessoas, os colaboradores, nomeadamente o investimento a que os mesmos obrigam e que, por vezes não é devidamente retribuído à empresa, uma vez que as pessoas, em especial os comerciais optam por outras alternativas de emprego e por valores imediatos mais elevados do ponto de vista salarial. Tal obriga a recomeçar tudo de novo em termos da preparação de novos comerciais. No entanto, e no geral, a população trabalhadora da ET é estável, sendo o turnover reduzido. Outro problema importante mencionado é a cada vez maior dificuldade em cobrar atempadamente, em especial ao Estado. A elevada carga fiscal que recai sobre as empresas, em especial o IVA, coloca dificuldades acrescidas para o bom desempenho do negócio. 12 Quanto ao primeiro caso – a rotatividade dos comerciais, a ET terá de equacionar no futuro, num quadro de equilíbrio entre o compromisso afectivo que espera dos seus colaboradores e que está de acordo com a sua cultura, ainda de características paternalistas, e o sistema de avaliação de mérito a implementar, uma solução mais competitiva. Já no segundo caso (cobranças e carga fiscal), a solução parece bem mais difícil e externa à própria empresa. Na opinião dos Sucessores, o principal dilema com que a ET se depara é a futura sucessão da mãe, como Responsável Fabril, não havendo na empresa quem esteja preparado para tal, incluindo nenhum deles. Já foram efectuadas algumas tentativas de recrutamento nesse sentido, mas todas elas falharam até ao momento, por várias ordens de razão. Pensam que tal dificuldade pode conduzir, um dia, à introdução de alterações significativas no modelo de gestão da ET, que pode passar pela subcontratação externa da produção do vestuário de trabalho, situação que, todavia, gostariam de evitar, não só pela tradição desta actividade na empresa, como pelas pessoas que aí trabalham e que não gostariam de prejudicar. Os Sucessores reconhecem e valorizam o Exemplo de missão e espírito de sacrifício dos pais, que entendem misturado com um sentimento de felicidade e de auto-realização, isto é, os pais trabalham com base num esforço salutar, uma vez que vivem o que fazem de forma plena. Tal facto foi especialmente contributivo para que o filho nunca tivesse qualquer dúvida de que o seu percurso profissional estaria ligado à ET. O mesmo aconteceu com a filha, que sempre admitiu um dia “ir parar” à ET, embora tivesse feito questão de ter experiências prévias. Filho e filha não tiveram um conselheiro/consultor que os apoiasse nas suas decisões de integração no negócio familiar e monitorizasse o seu trabalho posterior, mas numa das fases da sua vida, o Fundador solicitou que ambos tivessem uma conversa com um consultor especializado na temática das empresas familiares e da gestão de carreiras, tendo o seu percurso posterior correspondido ao aconselhamento pontual recebido. Apesar da posição ainda dominante do Fundador e da esposa nas decisões sobre o Negócio, o filho refere não sentir qualquer sombra dos pais sobre o trabalho que desenvolve. Já a filha sente que na área financeira o Fundador tem a última palavra, a 13 que não será alheio o facto de se encontrar na ET há muito menos tempo (um ano apenas) e não ter ainda tido tempo para conquistar totalmente o seu espaço. Apesar de reconhecerem existir maneiras de pensar diferentes entre eles e os pais, enfatizam o facto de não haverem divergências de fundo, e que o facto dos progenitores serem mais cautelosos e ponderados nas decisões, face à sua natural impaciência, só os ajuda a obterem uma maior consistência nas suas próprias iniciativas. Para estes jovens, os maiores desafios da ET no futuro próximo passam pelas seguintes etapas: - Internacionalização da empresa, em particular no mercado ibérico; - Mudança para as novas instalações, com tudo o que implica em termos de organização, tecnologia e pessoas; - Elevação do nível de competência geral dos colaboradores da ET que, por não ser suficiente, contribui também negativamente para o seu próprio futuro desempenho enquanto gestores da empresa, uma vez que têm dificuldade em quem delegar responsabilidades. É curioso verificar que apesar da consideração do último item, os Sucessores não ponderam qualquer despedimento na empresa, uma premissa essencial da gestão das empresas familiares, em que as pessoas não são vistas apenas como números, havendo respeito pelo contributo passado e pela sua situação pessoal e familiar. Quanto ao momento da passagem do testemunho, pais e filhos parecem adoptar uma atitude descomprometida. Os segundos não evidenciam muita pressa e os primeiros admitem que tal possa acontecer a qualquer momento, embora o Fundador faça questão de evidenciar o seu pessoal comprometimento com o projecto de mudança de instalações da empresa, o que implica, em termos financeiros, um período de amortização de cerca de 12 anos. Concluindo, na ET existem sobejas condições para se acreditar estar a empresa na senda do sucesso do seu processo de transição da gestão do Fundador para a 2ª Geração. A saber: 14 - Pais e filhos têm uma relação de transparência e de respeito mútuo e nunca se pressionaram nem pressionam mutuamente face a qualquer tipo de objectivo; - Apesar das diferenças de opinião, até de ordem geracional, quer Fundadores como Sucessores convergem naquilo é essencial para a empresa – manter a atitude de respeito e valorização das pessoas da ET, mas colocando novos patamares em termos de competências para o futuro; - Os Sucessores, sem terem seguido, exactamente, um modelo tipo de preparação para assunção das suas futuras responsabilidades como líderes da ET, apropriaram já as competências minimamente necessárias para não deixarem morrer a ET, mesmo na ausência dos pais. - Ambos os Sucessores, apesar do seu elevado envolvimento no Negócio, estão conscientes de que precisam, ainda, de dar mais alguns passos em termos da consolidação da sua formação; - A actual mudança de instalações da ET, integra já objectivos de mudança estrutural e organizacional, que ambos os Sucessores acompanham de perto; - Um dos sucessores (filha) já tem quota na sociedade da ET, e o mesmo está previsto para o outro, por questões de equidade e mérito. - Não sendo a ET, por inerência das próprias características e limitações económicas da maioria das PME’s, muito aberta à intervenção de parceiros de negócio em termos mais estratégicos como, por exemplo, consultores, os seus responsáveis, essencialmente o Fundador, não deixam de estar atentos, ainda que mais informalmente, a todo o tipo de informações ou apoios externos que possam servirlhes positivamente na gestão da empresa; - Aos Sucessores é já reconhecida a suficiente legitimidade funcional por parte da maioria dos colaboradores não familiares, o que evitará ou limitará ao mínimo potenciais focos de conflito futuro aquando da sua assunção plena de responsabilidades na gestão da empresa. Por último e como corolário da maturidade exibida por pais e filhos, na ET, relativamente ao que deve estar subjacente à condução do processo de Sucessão, ambos aconselham outros empresários e possíveis Sucessores da seguinte forma: - Não influenciarem vincadamente os filhos/sucessores a entrar para o Negócio; - Caso haja vontade da parte destes em assumir os negócios, então aconselhar muita honestidade, trabalho e equilíbrio (não gastar mais do que o devido), dando o Exemplo aos filhos de entrega, clareza, transparência no negócio e na família. 15 - A decisão tem de ser dos próprios Sucessores, tendo em conta as boas relações na própria família; - Caso existam as condições anteriores, então faz todo o sentido que os filhos/sucessores assumam o Negócio dos pais/fundadores, até por uma questão moral de responsabilidade familiar (os pais não se sentirem frustrados) e social ( não colocar em risco o emprego dos restantes colaboradores da empresa). José Coelho Martins BIBLIOGRAFIA Barach, J.A. e Ganitsky, J.B. (1995) “Successful Succession in Family Business, Family Business Review, Vol. VIII, Nr. 2, Summer 1995, Jossey-Bass Publishers, San Francisco, 131-155. Dyer, Gibb W., Jr (1986) “Cultural Change in Family Firms: Anticipating and Managing Business and Family Transitions”, San Francisco, Jossey-Bass Management Series and Jossey-Bass Social and Behavioral Science Series Martins, José António C. (1990) “O Sistema Cultural e Opções Comportamentais numa Empresa Familiar”, IEFP, Colecção Estudos, Nº 7. Martins, José Coelho (1999) “Empresas Familiares”, GEPE – Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica do Ministério da Economia. 16