Glomerulonefrite Difusa Aguda (GNDA) Paulo Guilherme Lima Santos www.paulomargotto.com.br Brasília, 9 de novembro de 2014 Epidemiologia Cerca de 470.000 casos por ano no mundo, 97% em países em desenvolvimento. 50 a 90% dos casos ocorrem em crianças. Predominância no sexo masculino = 2:1 Acomete mais crianças a partir dos 3 anos com ápice aos 7 anos. Definição Processo inflamatório agudo que envolve os glomérulos renais. É considerada exemplo de uma síndrome NEFRÍTICA aguda. Síndrome nefrítica: Edema (súbito): + ou ++ Hematúria PA Ret. Nitrogenada (< tx de filtração) EAS Florido: Hematúria Leucocitúria Cilindrúria (patog. de GNA) Albuminúria: (+ ou ++) Causas Doenças renais primárias: Doença de Berger, GN membranoproliferativa, GN por imunocomplexos idiopática, etc. Secundária a doenças sistêmicas: Doenças multissistêmicas: LES, Púrpura de Henoch-Schölein, Granulomatose de Wegener, etc. Infecções: Pós-estreptocócica; Não pós-estreptocócica: Bacterianas,Virais e parasitárias Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) A GNPE é a principal causa de GNDA . Ocorre após uma infecção (piodermite ou faringoamidalite) por cepas do estreptococo beta-hemolítico do grupo A. Rara antes dos 3 anos de idade. Na faixa pré-escolar ( 2-6 anos ), a GNPE é mais comum após piodermites. Na faixa escolar e adolescência ( 6-15 anos ) é mais freqüente após faringoamigdalites. Fisiopatologia da GNPE Mecanismos envolvidos: Deposição de imunocomplexos circulantes; Formação in situ de imunocomplexos pela deposição de antígenos na membrana basal glomerular (reação inflamatória) Diminuição da TFG. Oligúria Retenção de sódio e água + ingestão de água e sódio Hipervolemia Congestão circulatória Quadro Clínico da GNPE Os sintomas clínicos clássicos: edema, hipertensão e hematúria; Manifestam-se dez a vinte dias (no máximo seis semanas) após a infecção estreptocócica de vias aéreas superiores ou de pele. Queixas vagas como: indisposição, inapetência, cefaleia, edema periorbital. Habitualmente, o edema antecede o aparecimento da hematúria, que em 2/3 dos casos é macroscópica. Quadro Clínico da GNPE A hipertensão arterial, que está presente em cerca de 90% dos casos é, em geral, moderada, depende da intensidade da hipervolemia. Sintomas menos freqüentes como cólicas abdominais, hipertermia e vômitos alimentares podem acompanhar o quadro. Quadro Laboratorial Dentre as principais alterações urinárias destacam-se: a) Densidade urinária conservada: na fase aguda da doença, devido à preservação da capacidade de concentração urinária relacionada à integridade tubular; b) Hematúria macroscópica ou microscópica acompanhando cerca de 95% dos casos; c) Cilindros hemáticos, hialinos, granulosos e leucocitários; d) Proteinúria; Quadro Laboratorial A dosagem do complemento sérico é obrigatória para o diagnóstico de GNPE,:diminuído (C3, C4, CH50); Durante a fase aguda da doença observa-se elevação transitória dos níveis séricos de uréia e creatinina em 50% dos casos; Distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos também podem estar presentes, destacando-se a hipercalemia e acidose metabólica; Diagnóstico Deve-se suspeitar quando: Aparecimento súbito de edema; Urina vermelha e escassa; Hipertensão em pré-escolar; Antecedente de infecção Estreptocócica cutânea ou das IVAS; Levar em conta os sintomas e quadro laboratorial citado anteriormente. Verificar se o período de incubação é compatível. INDICAÇÃO DE BIÓPSIA RENAL Dúvida diagnóstica. hematúria macroscópica com duração superior a quatro semanas; Função renal persistentemente alterada por período maior de quatro semanas; hipertensão arterial prolongada por mais de quatro semanas; Complemento sérico persistentemente baixo por mais de oito semanas; associação com síndrome nefrótica de duração superior a quatro semanas; Tratamento: Suporte clínico: restrição de sódio e água, diuréticos de alça, controle da hipertensão arterial; Restrição de potássio: está indicada apenas nos casos de oligúria importante; Restrição proteica: somente nos casos em que há intensa redução do ritmo de filtração glomerular. Diuréticos: os diuréticos de alça estão indicados naqueles pacientes que apresentarem complicações. Tratamento Terapia medicamentosa: Diuréticos: furosemida 1a 6 mg/kg/dia; Hipotensores: nifedipina, nitroprussiato de sódio; Encefalopatia hipertensiva – benzodiazepínicos ou barbitúricos Diálise peritoneal ou hemodiálise. Tratamento Tratamento medicamentoso: Infecção estreptocócica: penicilina benzatina (tratamento de escolha), em dose única de 600.000U para crianças com menos de 25Kg e 1.200.000U para crianças com mais de 25Kg; Ou Eritromicina na dose de 30mg/Kg/dia durante dez dias, nos casos sensíveis à penicilina. Corticoterapia pode ser usada em casos de GN rapidamente progressiva, porem não há evidências comprovadas desta indicação; Prognóstico Recorrência é rara. Excelente evolução, especialmente em crianças. Apenas 1% dos pacientes pediátricos evolui para DRC. Alguns pacientes, especialmente adultos, desenvolvem hipertensão, proteinúria recorrente e DRC ao longo de 10 a 40 anos após o episódio inicial. Três a quatro semanas do início dos sintomas há melhora clínica geral. Caso clínico Data da história clínica : 03/02/06. ID: HPC, reg.22.01.01 , 5 anos, negra, sexo feminino, natural de Brasília-DF, procedente de São Sebastião-DF. Mãe: MFPR, 29 anos, doméstica. Pai: ENC, 33 anos, vigilante. QP:“Inchaço nos olhos há uma semana”. Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico HDA: Pai refere que há uma semana criança iniciou aparecimento súbito, matutino, de edema periorbitário bilateral.Refere que procurou o Posto de Saúde de São Sebastião onde foi feito o diagnóstico de faringoamigdalite e prescrito Penicilina G Benzatina.Pai refere que houve manutenção do edema periorbitário até que há 3 dias iniciou quadro de distensão abdominal associado a 2 episódios de vômitos e oligúria. Procuraram novamente o Posto de Saúde sendo encaminhados para o HRAS.Admitidos no PS dia 01/02/06.Criança apresentou no PS aumento da PA e 1 episódio febril. Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Antecedentes gestacionais/parto/neonatal G2 P2 A0 C0, 10 consultas pré-natais, sorologias (VDRL e AntiHIV) negativas. Criança nasceu de parto hospitalar, normal, a termo, chorou ao nascer, Apgar 9-10, Peso=2715g, Estatura=48 cm, PC=32 cm , alta com 1 dia de internação hospitalar. Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Antecedentes pessoais e patológicos Crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor normais. Vacinação completa. Nega internações, cirurgias, hemotransfusões prévias. Nega alergias medicamentosas. Pai refere que a criança apresenta episódios freqüentes de faringoamigdalite ( cerca de 6 episódios/ano). Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Antecedentes familiares Mãe saudável.Nega tabagismo e etilismo. Pai saudável.Nega tabagismo.Etilista social. Irmão falecido com 1 mês e 22 dias por cardiopatia congênita. Tio materno cardiopata e avô paterno com asma. Antecedentes socioeconômicos Moradia urbana,com 3 cômodos, 3 pessoas, água filtrada, rede de esgotos e luz elétrica presentes.Renda familiar mensal= 1400 reais. Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Exame Físico Sinais vitais:PA=100X70 mmHg. FR=28 irpm. FC=104bpm.Temp.=37,2°C Peso=16 Kg Paciente em BEG , lúcida e orientada no tempo e no espaço, hipocorada (+/4+), acianótica, anictérica, hidratada, eupnéica, afebril. Cabeça e pescoço: Ausência de adenomegalias. Edema periorbitário bilateral (+/4+). Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Exame Físico Exame cardíaco: Ictus não visível,não palpável. RCR 2T BNF , sem sopros e/ou desdobramentos. Exame pulmonar: Expansibilidade pulmonar simétrica. Som claro pulmonar. Ressonância vocal normal. MVF sem RA. Exame abdominal: Abdome globoso, edema de parede abdominal(+/4+), RHA +, Traube livre, ausência de massas palpáveis e/ou VMG. Membros : simétricos,sem deformidades,sem edema. Genitália externa : feminina, sem alterações. Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Exames complementares : controle laboratorial. Data 01/02 PS Exame Hemácias ( x106) Hemoglobina Leucócitos 4,18 10,1 7500 Bastões (%) Segmentados(%) Eosinófilos(%) 00 47 04 Linfócitos(%) Plaquetas 45 397000 Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Exames complementares : controle laboratorial. Data 28/01 29/01 01/02-PS 04/02 06/02 Uréia Creatinina K 63 1,2 133 3,5 58 0,9 135 4,9 40 0,7 148 5,8 39 0,7 138 5,4 52 0,9 133 5,1 Cl 105 109 117 102 98 Na Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Exames complementares EAS 01/02 (PS): pH=5, dens=1020, Proteinúria de +++, Hematúria de +++, Cél 6-8, Leu 3-5, Hemácias numerosas,uratos amorfos ++. 04/02: pH=6,5, Proteinúria de +, Hematúria de +++, Cél 3-5, Leu 3-5, Hemácias numerosas. Exames imunológicos (04/02). C3 = 16, 1 C4=11,7 ASLO = 1055 Fonte: www.paulomargotto.com.br Caso clínico Evolução Criança foi admitida no PS do HRAS apresentando além do quadro clínico e laboratorial já descrito, aumento importante dos níveis tensionais com PAS variando de 100 a 160 mmHg e PAD de 70 a 130 mmHg. Feito o diagnóstico de GNDA pós-estreptocócica e introduzido cuidados gerais + furosemida 20 mg, VO de 12/12 horas.Devido à dificuldade de controle da PA, a dose de furosemida foi aumentada para 20 mg VO 8/8 horas,dia 04/02.Paciente evoluiu com diminuição da PA e resolução do quadro edemigênico, sendo suspensa a furosemida e recebendo alta hospitalar no dia 06/02 para acompanhamento ambulatorial. Fonte: www.paulomargotto.com.br Referências TOPOROVSKI J; BRESOLIN N.L. Glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica (GNPE). Revista Correios da SBP, Departamento de Nefrologia. 2002;5-8. http://www.paulomargotto.com.br acessado em 03/11/14 KLIEGMAN, Robert; et al.: Nelson Tratado de Pediatria. 18°ed. Editora Elsevier.2009.