Caso Clínico: Glomerulonefrite difusa aguda Escola Superior de Ciências da Saúde Hospital Regional da Asa Sul Internato Pediatria Thiago Urquiza-ESCS/SES/DF Coordenação: Luciana Sugai www.paulomargoto.com.br Brasília, 19 de agosto de 2011 HRAS Identificação • JSAR, 10 anos, 56Kg, Procedência Planaltina-GO, DI: 28/07/11 Queixa Principal “ Dor de cabeça e Vômitos há 3 dias” HDA • Criança com história de cefaléia e vômitos há 3 dias da internação. Febril há 1 dia da internação. Internou por 6 horas em PlanaltinaGO com melhora parcial do quadro • Recebeu alta, mas persistiram a cefaléia e vômitos. Reiniciou febre, voltou ao hospital de origem no mesmo dia, internada novamente evoluiu com crises convulsivas • Foi transferida para o HRPlanaltina onde chegou com agitação psicomotora, febril, queda na Sat O2 e picos hipertensivos • Foi relatado queda no nível de consciência. Recebeu O2, diazepam, ceftriaxona, furosemida, manitol e hidrocortisona. • Foi então encaminhada ao HRAS acompanhada pela equipe do SAMU, com Médico, em oxigênio por máscara, consciente e orientada. • Após admissão e estabilização foi encaminhada à UCIP do HRAS, definida como prioridade 1. Antecedentes • Fisiológicos: Parto Normal sem intercorrências, a termo, DNPM normal. • Patológicos: Nega Doenças Comuns da Infância, nega outras internações, mãe refere lesões disseminadas na pele avermelhadas com crostas recentes (alergia a picada de mosquito?). • Familiares: Pai e Mãe saudáveis, Irmão 4anos, saudável. Exame Físico Entrada PS • Descrição do plantonista: – Queda no nível de consciência – Agitação psicomotora – Sat O2- 81%, quando colocada sob mascara de O2 evoluiu com melhora parcial dos sintomas (Sat O296%) – FR: 25irpm – Taquicardia FC =140 bpm – Enchimento capilar < 3seg – PA:160x90mmHg – Ausculta pulmonar e cardíaca sem alteração. Exames Laboratoriais da Entrada PS • Leuc: 20400; Seg: 88%; Bast 02%; Linf:08%; Mon 02%; Hm: 4070, Hg: 11.8; Ht: 35,3%; plaquetas 330.000; Glic: 92; Ur: 21; Creat 0,49; TGO 26; TGP 13; Na: 138; K: 4,65; Cl: 99 • Colhido líquor, claro, resultado normal • Radiografia de Tórax: Infiltrado Peri-hilar bilateral Admissão UTI • Paciente foi admitida na UTI do HRAS às 01h do dia 29/08/11, estável hemodinamicamente sem drogas vasoativas, em ventilação sob máscara, consciente. • Ao Exame: – REG, edema facial, hidratada, afebril, sem desconforto respiratório. – ACV: BNF RCR 2t sem sopro, FC: 109bpm PA: 127x82mmHg. – AR: MVF+ associado a roncos e creptos esparsos bilaterais, satO2 94%. – Abdômen: plano, depressível, RHA+, com fígado a 3cm RCD. – Extremidades: aquecidas, pulsos amplos e simétricos com edema discreto. – Pele: lesões crostosas no MID e coxa E – SNC: consciente, orientada, Glasgow 15 – Olhos: hemorragia subconjuntival bilateral Hipóteses Diagnósticas ? Resumo Clínico • • • • • • • • Cefaléia e Vômitos Febre e Convulsão Queda do Sensório Hipertensão Arterial Infiltrado Peri-hilar bilateral Leucocitose Edema Facial Piodermite Hipóteses Diagnósticas • GNDA • Encefalopatia Hipertensiva • Pneumonia? • Congestão? Conduta Inicial UTI • Furosemida 2,5mg/kg/dia • Nifedipina retard 0,8mg/kg/dia – Anlodipino 0,15mg/kg/dia • Tobramicina colírio • O2 (SOS) • Controle rigoroso da PA e Diurese • Antibióticoterapia??? Evolução UTI • Picos hipertensivos PAS:130-160/PAD:70100//P90:115X74/P95:119X78 • Apresentando boa diurese e balanço hídrico negativo • Mantendo cefaléia frontal e náuseas • Eupneica e afebril • Redução de edema facial e em MMII • Permaneceu internada por 3 dias na UTI • Evoluiu com melhora dos picos hipertensivos • Encaminhada para Ala-B Exames Controle • Pedido- C3, C4 e ASLO – 29/08/11 • CREATININA: 1,5mg/dL POTÁSSIO: 4,2mEq/L SÓDIO: 138mEq/L URÉIA: 51mg/dL Hemácias: 5,14 VCM: 91,2fl Hemoglobina: 15,6g/dL HCM: 30,4pg Hematócrito: 46,9 % Leucócitos: 10.500 (Seg 77/ Bast 0/ Eos 1/ Mono 7/ Linf 15) Plaq: 209.000 EAS: hemacias ++, proteinas +, hemácias dismórficas Ecocardiograma: Derrame pericárdico discreto Evolução Ala-B • • • • • Paciente evoluiu com melhora da hipertensão Volume urinário normal Resolução definitiva do edema Melhora da hemorragia subconjuntival Completamente assintomática em 5 dias de internação • Recebeu alta sem uso de anti-hipertensivos • Controle laboratorial: Creatinina-0,7/Ur-20 • Não foi realizado durante a internação ASLO, C3 e C4 GlomeruloNefrite Difusa Aguda (GNDA) CRISE HIPERTENSIVA GNDA • INTRODUÇÃO – Glomerulonefrite Difusa Aguda é um processo inflamatório de origem imunológica que acomete todos os glomérulos dos rins e cuja expressão clínica é a de uma síndrome nefrítica – Tem como protótipo a Glomerulonefrite pósestreptocócica(GNPE) – É caracterizado por hematúria, proteinúria(subnefrótica), oligúria, edema, hipertensão arterial – Azotemia quando há queda significativa da filtração glomerular(<40%) Causas de Síndrome Nefrítica 1. Síndrome Pós-Infecciosa 1. Pós-estreptocócica 2. Não pós-estreptocócica Bacterianas: Endocardites; Virais: hepatite B e C, Epstein Barr, Varicela Parasitárias: Malária, toxoplasmose 2. Doenças Multissistêmicas LES, Henoch-Schönlein, Wegener, Goodpasture, Tumores 3. Primárias dos Glomérulos Berger, Membranoproliferativa, Pauciimune, Proliferativa mesangial, GN anti-MB Glomerular Glomerulonefrite Aguda Pós-Estreptocócica • Seqüela renal de uma infecção por cepas nefritogênicas de estreptococos betahemolíticos do grupo-A (Streptococcus pyogenes) Etiopatogenia Antígeno estreptococo anticorpos imunocomplexos circulantes; Imunocomplexos na região subendotelial do capilar ativa sistema complemento que estimula neutrófilos a liberar substâncias quimiotáxicas e protease alteram membrana basal; Diminuição da filtração glomerular oligúria retenção de Na+ e água edema + hipertensão arterial + congestão A lesão do glomérulo, decorrente do processo inflamatório, leva à proteinúria + cilindrúria + hematúria. Epidemiologia • Período de incubação(infecção-nefrite), quando a via é a orofaringe entre 7-21 dias • Na via cutânea fica entre 15-28 dias • É uma doença tipicamente de crianças e adolescentes ocorrendo entre 2-15 anos • Piodermite – faixa pré-escolar(2-6 anos) • Faringoamigdalite – faixa escolar(7-15 anos) Quadro Clínico • Hematúria • Oligúria – O Paciente vai referir uma história de urina presa e escura • Edema • Hipertensão Arterial – Sintomas gastrointestinais vagos como dor abdominal e náuseas podem estar presentes Complicações Clínicas • A Hipertensão arterial pode evoluir em até 10% dos casos para Encefalopatia Hipertensiva • A congestão volêmica sintomática, levando ao Edema Agudo de pulmão • Hipercalemia – devido ao hipoaldosteronismo secundário • Azotemia elevada provocando Uremia é raro Diagnóstico • 1. 2. 3. Algoritmo para diagnóstico da GNPE Questionar sobre faringite ou piodermite recente Verificar período de incubação compatível Confirmar a infecção estreptocócica através do laboratório • 4. ASLO, Anti-estreptoquinase, anti-hialuronidase, anti-DNAse B Demonstrar queda no complemento, com retorno normal dentro de 8 semanas • Queda C3 e CH50 – C4 permanece normal EAS: Hematúria – dismorfismo eritrocitário Biópsia 1. 2. 3. 4. Oligúria por mais de 1 semana Hipocomplementemia > 8 semanas Proteinúria nefrótica Evidências clínicas ou sorológicas de doenças sistêmicas 5. Evidências clínicas de GNRP, como anúria ou elevação acelerado das escórias nitrogenadas Diagnóstico Diferencial Epidemiologia Achados laboratorias Patologia Prognóstico Tratamento Glomerulonefrite Pós-estreptocócica (GNDA) Todas as idades com média aos 7 anos; masculino 2:1; latência de 10 a 21 dias ASO, DNAse, Queda do complemento Proliferação difusa 95% resolvem espontaneamente 5% GNRP ou lentamente progressiva Medidas de apoio Nefropatia po IgA 15-35 anos; masculino 2:1 Sucedem Síndromes virais IgA serica elevada Glomerulonefrite Membranoproliferativa Glomerulonefrite Idiopática Rapidamente Progressiva (GNRP) 15-30anos; masculino 6:1 Média 58 anos; masculino 2:1 Hemorragia pulmonar Anticorpo anti-MBG positivo ANCA positivos Proliferação focal Progressão lenta em 25% Proliferação focal a difusa com crescentes 75% estabilizam ou melhoram se tratados precocemente GN em crescentes Nenhum estabelecido exsanguineotransfusão, Pulso terapia com esteroides,ciclosfosfamida esteróides 75% estabilizam ou melhoram se tratados precocemente Sintomas Síndrome nefrítico Síndrome nefrótica Edema Em especial edema das pálpebras oculares Com frequência edema periférico pronunciado Proteinuria Moderada Significativa (≥ 3 g / 24 horas) Proteína sérica Normal (ou redução moderada) Hipoproteinemia significativa Sedimento urinário (Macroscópico) hematúria, cálculos, e eritrócitos dismórficos) Hematúria microscópica rara. Colesterol Normal Hiperlipoproteínemia Hipertensão Com frequência Rara Tratamento • Suporte com repouso durante a fase inflamatória da doença – Restrição hidrossalina – Diuréticos de alça • Furosemida – dose de 3 a 4mg/kg/dia VO ou 0,5 a 2mg/kg/dia EV – Vasodilatadores se necessário – Diálise se necessário, em caso de congestão grave ou encefalopatia refrataria Antibioticoterapia • Não previne o aparecimento da doença • Não há benefício para o quadro • Não há necessidade de uso profilático Prognóstico • Positivo – Oligúria 7 dias – Hipocomplementemia 8 semanas – Hematúria microscópica de 6 a 12 meses – Proteinúria sub-nefrótica por até 2-5 anos Crise Hipertensiva • Quando ocorre elevação dos níveis pressóricos acima do percentil 99 ou 20-30mmHg acima do 95, define-se hipertensão grave ou crise hipertensiva, com risco eminente de complicações • A crise hipertensiva pode ocorrer em uma criança sabidamente hipertensa, ou como apresentação primária. • O diagnóstico diferencial das principais causas é baseado em dados da história clínica, do exame físico, bem como em dados laboratoriais e de imagem • Sendo as doenças renais (glomerulonefrite pósestreptocócica, insuficiência renal aguda e crônica, estenose de artéria renal) as causas mais comuns em crianças. Hipertensão na Criança • Pressão normal: abaixo do percentil 90; • Pressão normal-alta: entre o percentil 90 e 95; • Hipertensão Arterial: pressão arterial sistólica ou diastólica acima do percentil 95, medida em três ocasiões diferentes na consulta ambulatorial em pediatria Etiologia • As etiologias que mais freqüentemente apresentam-se sob a forma de crise hipertensiva são as doenças renais (especialmente a glomerulonefrite pós-estreptocócica) e as doenças renovasculares(...). • Em um estudo realizado em Singapura em 1981, analisaram 245 crianças atendidas na emergência. Todos os casos apresentaram-se sob a forma secundária (causa conhecida), sendo que mais de 80% dos casos foram secundários à glomerulonefrite pós-estreptocócica, doença com alta prevalência em países em desenvolvimento. Outras causas incluíram estenose de artéria renal (10%), insuficiência renal aguda ou crônica (8%) e causas menos freqüentes (2%) como a síndrome hemolítico-urêmica ou o uso de esteróides. • A hipertensão arterial secundária ao uso de corticóides requer várias semanas de tratamento com doses elevadas da medicação (2mg/kg/dia de prednisona Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999 Etiologia • Quanto menor for a idade da criança e maior o nível de elevação pressórica, mais provavelmente a crise é secundária (causa conhecida). Portanto, as causas mais freqüentes de crise hipertensiva em pediatria são as seguintes: – – – – glomerulonefrite aguda ou crônica; pielonefrite; coarctação de aorta; estenose de artéria renal Etiologia Manifestações Clínicas • Na urgência hipertensiva ocorre elevação súbita e abrupta da pressão arterial, porém a criança não apresenta manifestações clínicas, ou apresenta sintomatologia leve(irritabilidade, cefaléia, dor abdominal) • A emergência hipertensiva ocorre disfunções orgânicas decorrentes da rápida elevação da pressão(encefalopatia hipertensiva, insuficiência cardíaca congestiva) Encefalopatia Hipertensiva • A encefalopatia hipertensiva ocorre quando a pressão arterial ultrapassa os limites de controle do fluxo sanguíneo cerebral • Rompe os limites de controle -> vasodilatação súbita -> escape de líquido perivascular -> edema cerebral • Paralelamente, ocorre perda da permeabilidade capilar, com piora do quadro de edema cerebral Encefalopatia Hipertensiva • Manifestações Clínicas: – náuseas e vômitos; – cefaléia; – distúrbios visuais; – convulsões; – acidente vascular cerebral; – estupor e coma. Tratamento • O tratamento é direcionado segundo a forma de apresentação clínica: urgência ou emergência hipertensiva • Se a hipertensão é severa, e a criança apresenta-se sob a forma de crise hipertensiva, a avaliação e conduta inicial deve ser realizada apenas após completado o A.B.C • O prognóstico das crianças é determinado pela velocidade de reconhecimento da crise hipertensiva e o inicio da terapêutica apropriada • A presença ou ausência de disfunção orgânica determina as prioridades do tratamento Tratamento • Os fundamentos do tratamento da crise hipertensiva em pediatria são os seguintes: – ABC; – avaliação correta da pressão arterial; – avaliação clínica de disfunção orgânica associada (urgência ou emergência); – controle medicamentoso da pressão arterial; – investigação etiológica; – transferência para UTI (monitorização cardiorrespiratória contínua). Bibliografia • BEHRMAN, KLIEGMAN e JENSON. Nelson Tratado de Pediatria, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2002, 16ª ed • Jornal de pediatria. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.2):S207-S213. Artigo de revisão OBRIGADO! Ddo Thiago Urquiza ESCS!