DA RELEVÂNCIA E EFETIVIDADE DO INSTITUO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR Marcio José Felber1 Resumo: O ordenamento jurídico brasileiro instituiu, em11 de setembro de 1.990, por meio da Lei n.8.078/90, o Código de Defesa de Consumidor, resultado da necessidade de equiparação, nas relações de consumo, entre consumidores e fornecedores de produtos e serviços. Um dos institutos criados pela Lei anteriormente citada foi a inversão do ônus da prova, que, nos casos legalmente admitidos, transfere para o fornecedor de produtos ou serviços, a incumbência de fazer provas acerca do nexo de causalidade e do dano experimentados pelo consumidor. Desde a criação da Lei em análise, as relações de consumo tem se desenvolvido a largos passos, atribuindo relevância ainda maior ao tema objeto de estudo. Desta forma, objetiva-se com esse estudo, analisar a relevância de fato do instituto processual da inversão do ônus da prova, avaliando os efeitos que efetivamente produz no ordenamento jurídico brasileiro. Para cumprir com tal finalidade, a metodologia adotada foi a pesquisa à bibliografia especializada sobre o tema, sendo que até a presente data, o instituto sob exame tem se mostrado de grande valor para a melhor compreensão e pacificação dos conflitos oriundos da relação de consumo. Palavras-Chave: Consumidor - Inversão - Prova - Efetividade Resumen: El sistema jurídico brasileño instituyó IN11 septiembre de 1990, mediante la Ley n.8.078/90 el Código de Protección del Consumidor, a raíz de la necesidad de la asimilación, las relaciones de consumo entre consumidores y proveedores de productos y servicios . Una de las instituciones creadas por la citada Ley fue invertir la carga de la prueba, que, donde esté legalmente permitido, la transferencia al proveedor de bienes o servicios, la tarea de hacer pruebas sobre la relación causal y el daño sufrido por el consumidor. Desde la creación de la ley en cuestión, las relaciones de consumo se ha desarrollado a un ritmo rápido, dando mayor relevancia al tema objeto de estudio. Por lo tanto, el objetivo de este estudio fue analizar la pertinencia del hecho de que el Instituto de procedimiento inversión de la carga de la prueba, la evaluación de los efectos que produce efectivamente el sistema jurídico brasileño. Para cumplir con este propósito, la metodología adoptada fue la de buscar en la literatura relevante sobre el tema, y hasta la fecha, el instituto en examen ha demostrado ser valiosa para un mejor entendimiento y la pacificación de los conflictos causados por la relación de consumo. Palabras clave: Consumo - Inversion - Prueba - Eficacia 1 Economista. Especialista em Gestão Pública. Especialista em Administração Financeira Contábil e Auditoria do Setor Público. Acadêmico do VII Termo do Curso de Direito pela AJES – Faculdades de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena. E-mail para contato: [email protected] 1 SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. CONCEITO DE PROVA; 3. DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR, 4.REQUISITOS DO ÔNUS DA PROVA ; 5. EFEITOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA; 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIA 1. INTRODUÇÃO Com o aumento significativo das relações de consumo, principalmente a partir do final da década de 80, surge, em 11 de setembro de 1.990, a Lei n.º 8.078/90, da qual emanaram exigências de respeito e proteção ao consumidor, haja vista o reconhecimento, por força de lei, de sua situação de vulnerabilidade. Desde a criação do referido diploma legal, o modo de produção capitalista não mostrou qualquer sinal de cansaço, muito pelo contrário, as relações de consumo se desenvolveram a níveis extraordinários. De lá para cá a economia se estabilizou e se desenvolveu. A estabilidade inflacionária, atrelada à grande oferta de crédito, propicia um cenário econômico estimulante para o consumo. No mesmo sentido, o crescente número de ofertas de produtos e serviços a preços cada vez menores, aliados ao exponencial desenvolvimento tecnológico, que sucateia em velocidade cada vez maior os produtos que se adquire, tornam o consumo uma prática constante em todas as camadas sociais. É no contexto dessa realidade social e jurídica que sobressai o Código de Defesa do Consumidor, com a finalidade precípua de equilibrar a relação entre as partes envolvidas nessa conturbada relação. Assim, um dos mecanismos previstos pelo código anteriormente citado para tentar equacionar as disparidades reveladas é a inversão do ônus da prova, prevista em seu artigo 6º,VIII. Entretanto, é preciso analisar se de fato este instituto atende ao propósito para o qual foi criado, ou seja, ele efetivamente iguala consumidor e fornecedor na prestação jurisdicional? A relevância desse artigo justifica-se pelo já citado crescimento das relações jurídicas consumeristas, as quais, majoritariamente, colocam o consumidor em uma posição de desvantagem, tanto jurídica quanto econômica. Assim, a possibilidade de inversão do ônus da prova pode significar a concretização dos direitos do consumidor, uma vez que pode facilitar 2 a produção de provas nas relações dissidentes de consumo, tendo em vista a transferência para o fornecedor da responsabilidade de produção de uma certa prova que, apesar de ser essencial à pretensão do consumidor, seria inalcançável por seus próprios meios. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é analisar a real importância desse instituto processual, dentro do contexto das relações de consumo, bem como avaliar a efetividade de sua proposta no contexto jurídico. Assim, o presente artigo aborda, em seu primeiro capítulo, o conceito de prova, com uma breve contextualização acerca de seu desenvolvimento. Em seguida, no segundo capítulo, analisa-se o ônus da prova no direito do consumidor, em contraposição à regra do Código de Processo Civil. Logo após, no terceiro capítulo, são expostos os requisitos e possibilidades de admissão do ônus da prova. Já no quarto e último capítulo são apresentados os principais efeitos da inversão no ônus da prova. Por fim, são apresentadas as principais conclusões acerca do estudo proposto. 2. CONCEITO DE PROVA Nas primeiras formas de sociedade, a ideia de prova ainda não havia sido desenvolvida, prevalecendo sempre a lei do mais forte, que impunha sua vontade sobre os demais. Com o passar do tempo, no entanto, outras formas de solução dos conflitos foram sendo admitidas, como foi o caso da autocomposição, segunda a qual, com vistas a por fim ao dissídio, as partes abdicavam de diferentes parcelas daquilo que entendiam ser seu direito. Entretanto, conforme doutrina Fábio Zabot Holthausen: “... Somente com a evolução social e fortalecimento do Estado, quando do surgimento dos árbitros, é que os primeiros mecanismos de provas surgiram.”2 2 HOLTHAUSEN, Fábio Zabot. Prova Judicial: conceito, origem, objeto, finalidade e destinatário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 56, ago 2008. Disponível em: < http://www.ambito- 3 Ainda assim, da mesma forma que nas sociedades antigas, as primeiras utilizações de meios de provas sofreram forte influência religiosa, sendo comum a utilização de ordálios, juramentos e conspurgadores. O instituto do ordálio, utilizado principalmente pelos povos germanos primitivos, envolvia provações religiosas pelas quais a parte deveria passar. A ideia era de que Deus não permitiria que a parte saísse com vida da provação se esta não estivesse dizendo a verdade. As provações poderiam ocorrer de diversas formas, seja pelo uso da sorte, do fogo, da água fria, da cruz etc. Já os juramentos, por outro lado, tinham caráter testemunhal, através do qual a parte pedia por castigos divinos caso estivesse mentindo. Tal sistema era bastante popular entre gregos e romanos3. Entretanto, tendo em vista que os juramentos falsos começaram a se propagar, surgiu então a ideia dos conspurgadores, que nada mais eram do que juramentos feitos por pessoa diversa, atestando em favor do acusado. Também bastante popular entre os romanos. Com o passar do tempo e a difusão do cristianismo, as práticas anteriormente previstas, bem como outras afins, foram sendo gradativamente abandonadas. Ao mesmo passo, o Estado foi se fortalecendo e tomando para si a administração da justiça, deixando a religião alheia ao processo de solução das lides. Com isso, abandonadas as provas decorrentes da vontade divina, as partes que expunham melhor os seus argumentos acabavam vencedoras dos conflito, de modo que foi nesse diapasão que a produção de provas foi se desenvolvendo até chegar ao estágio atual, utilizando-se da lógica e da ciência no processo de constituição de provas e convencimento do julgador. Para Carnelutti4, a prova em sentido jurídico nada mais é do que demonstrar a verdade formal dos fatos discutidos, através de procedimentos determinados, ou seja, através de meios legais legítimos. Provar, de acordo com o mesmo autor, é colocar em evidência, de modo a revelar a fidelidades dos fatos sob judice, utilizando-se de meios legais e morais. Nesse sentido, convém destacar que grande parte dos doutrinadores divide a verdade em verdade formal e verdade material. Assim, a verdade formal é aquela que sobressai do processo, que irá formar o convencimento do julgador, com base no que efetivamente fora produzido durante o transcorrer da demanda. Já a verdade material, ou verdade real, traduziria juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5043>. Acesso em 06 de setembro de 2013 3 LOPES, João Batista. Manual das Provas no Processo Civil. Campinas: Kennedy, 1.974 4 CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. Traduzido por Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2001. 4 a situação tal qual ocorreu no caso concreto, é a verdade perseguida no decorrer da instrução processual, de modo que a produção de prova deve orientar-se com vistas à atingi-la. Desta forma, é possível afirmar que a verdade exsurge da produção de provas, ou pelo menos deveria, haja vista que o julgador, em determinados casos, tem que decidir a lide com base nas provas que foram produzidas no processo, ainda que estas não revelem a verdade real, uma vez que o processo não pode esperar indefinidamente pela produção de provas, sob pena de perder a sua efetividade e por em risco a segurança jurídica de todo o ordenamento. Neste mesmo sentido, revela-se interessante apontar a definição de Burgarelli para o conceito de prova: “...Prova judiciária, por seu turno, é o meio demonstrativo de veracidade entre o fato material (fato constitutivo do direito) e o fundamento jurídico do pedido. Vale dizer é o meio pelo qual se estabelece relação de veracidade e adequação entre a causa próxima e a causa remota, elementos da causa de pedir. Estabelecida a relação, por meio da prova, ao juiz é dada a tarefa de aplicar a lei, a hipótese normativa de incidência fática, em regra, a norma de direito material.”5 Verifica-se dessa forma, que o ato de provar constitui uma atividade meio, uma atividade instrumental pela qual se busca demonstrar a congruência de fatos e situações às letras da lei, ou seja, procura-se demonstrar que a situação fática importa no reconhecimento de um direito anteriormente previsto, seja esse direito uma recompensa, uma penalidade, uma reparação etc. Sobressai deste raciocínio que a finalidade última da prova reside no convencimento do julgador, de modo que é este o seu destinatário final. 5 BURGARELLI, Aclibes. Tratado das Provas Cíveis. São Paulo: RT, 1980. 5 3. DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR Consolidado o entendimento de que é por meio da prova que as partes induzem o convencimento do magistrado, convém ingressar na questão relativa a quem cabe o ônus da prova. Via de regra, aplica-se ao ônus da prova o disposto pelo artigo 333 do CPC: Art. 333 - O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único - É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.6 Assim, a primeira vista, parece perfeitamente razoável o raciocínio segundo o qual cabe ao autor fazer prova dos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, ou seja, parece justo que caiba a cada parte demonstrar aquilo que alega ou que lhe interesse. No entanto, a partir do momento em que as partes estejam em desigualdade de condições, o ônus probatório passa a ter um custo maior para um das partes do que para a outra. É o que costumeiramente ocorre nas relações de consumo, quando não raro apresentase uma relação de desigualdade entre fornecedor e consumidor. De acordo com o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Já o fornecedor, nos termos do art. 3º do mesmo diploma legal é: 6 Código de Processo Civil, art. 333. 6 “...toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”7 Deste modo, para os casos de desequilíbrio manifesto entre consumidor e fornecedor, é que o legislador, por meio da Lei n.º 8,078/90, criou o instituto da inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6º, inciso VIII da referida Lei. 4. REQUISITOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Conforme se pode compreender do artigo 6º, inciso VIII da Lei n.º 8,078/90 há dois requisitos que devem ser levados em conta para definir a possibilidade de inversão do ônus da prova, quais sejam, a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança daquilo que o mesmo alega. Conforme se depreende da leitura do artigo anteriormente mencionado, estes requisitos não estão claramente definidos pela lei, cabendo ao magistrado, no caso concreto e de forma subjetiva, avaliar o cabimento ou não deste instituto. Ainda assim, no sentido de tornar a questão menos nebulosa, a doutrina tem buscado estabelecer os principais parâmetros que delimitam tais requisitos. O primeiro requisito, verossimilhança da alegação, pode ser compreendido como a alegação que parece ser verdadeira. A alegação pode ser dita verossímil quando faz com que o julgador, de acordo com suas convicções, a considere aceitável. Para tanto, evidentemente, é necessário que a peça vestibular seja redigida de forma convincente e persuasiva, até porque uma peça inicial em que a narração dos fatos não implica em uma conclusão lógica é considerada inepta, e, portanto, indeferida de plano, nos termos do art. 295 do Código de Processo Civil. Não basta simplesmente usar uma boa 7 Art. 3º, caput, do CDC. 7 argumentação, é preciso que da narrativa sobressaia conteúdo suficiente forte a permitir que o magistrado se permita persuadir pela veracidade da alegação. Alguns doutrinadores compreendem que a análise da verossimilhança de uma alegação envolve ainda uma verificação de probabilidade, não decorrendo pura e simplesmente da palavra do consumidor, como também de indícios que acompanham o processo e que permitem ao julgador, com base em suas experiências, avaliar a probabilidade de verossimilhança da alegação. Entretanto, a doutrina majoritária compreende que a veracidade de uma alegação pode ser obtida através de um exercício de raciocínio lógico acerca dos fatos apresentados pelo demandante, tomando-se por base o que acontece corriqueiramente na sociedade. Ressalte-se que a verificação deste requisito não deve ser confundida com a que ocorre no Código de Processo Civil, em seu artigo 273, que trata do deferimento da tutela antecipada, onde se exige prova inequívoca da verossimilhança da alegação, haja vista que o já citado artigo 6º, VIII, do CDC, não faz qualquer referência a esta exigência. Portanto, ao analisar se as alegações do consumidor merecem status de veracidade, o julgador buscará a presença de possíveis indícios que, aliados às regras corriqueiras de experiência, induzam seu convencimento. Note-se que a veracidade da alegação sobressairá do desenrolar do processo, que confirmará a presunção de veracidade ou a colocará por terra, haja vista que numa análise inicial não constituem prova inequívoca. Deve-se destacar ainda que as partes, nos termos do artigo 14 do Código de Processo Civil, tem a obrigação de expor os fatos efetivamente da maneira em que ocorreram, agindo com boa-fé, princípio basilar do direito processual, sob pena de responsabilização por perdas e danos. Tal dispositivo tende a facilitar a presunção de veracidade daquilo que a parte autora, ou seja, o consumidor, alega. Já no que tange ao aspecto da hipossuficiência, a doutrina tem divergido acerca da necessidade de uma análise restrita ou ampla de seu conceito. Se analisarmos a questão da hipossuficiência de uma maneira mais restrita, a hipossuficiência se traduz na dificuldade financeira que o consumidor encontra para produzir as provas que lhe são necessárias, bem como para pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios. Esta análise restrita se relaciona estreitamente com o dispositivo previsto nos artigos 2º e 3º da Lei n.º 1060 de 1.950, que considera hipossuficiente as pessoas que não tem condição financeira para suportar as custas e honorários advocatícios sem colocar em risco o sustento próprio ou de sua família,conforme se nota: 8 Art. 2º Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no País, que necessitarem recorrer à justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Parágrafo único: Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio. Art. 3.º A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I – das taxas judiciárias e dos selos; II – dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgão do Ministério Público e serventuários da justiça. III – Das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais. IV – das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual nos Estados. V – dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade. VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal.8 No entanto, a hipossuficiência financeira não se limita ao pagamento das custas e despesas processuais, relacionando-se também com a possibilidade de custear a produção de provas em geral, como por exemplo despesas cartorárias, despesas com transporte, com peritos etc. 8 Lei n. 1060 de 5 de fevereiro de a.950 – Lei da Assistência Judiciária Gratuita 9 Ainda assim, a maior parte dos doutrinadores considera a analise tão somente sob o aspecto econômico muito simplista. Isso porque se o problema da produção de provas fosse unicamente econômico, bastaria inverter o ônus financeiro da produção de prova, atribuindo tal encargo ao fornecedor; ou mesmo a mera concessão da gratuidade da justiça para o demandante por si só já reduziria substancialmente a hipossuficiência arguida. Isso sem falar nos mecanismos de acesso a justiça, através da defensoria pública ou por meio do juizado especial que, dependendo do valor da causa, dispensa inclusive a presença do advogado. Neste sentido estão também os ensinamentos de Rizzato Nunes: “... para beneficiar o carente econômico n processo não seria necessária a inversão. Bastaria a determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, ou seja, o consumidor produz a prova e o fornecedor a paga, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco.” 9 Assim, é preciso ter em mente que, aparte as questões financeiras, é o fornecedor quem, via de regra, possui e controla as informações relativas aos produtos e serviços que oferta, ou seja, o consumidor se posiciona em hipossuficiência técnica em relação ao fornecedor, independentemente de sua condição econômica. Existe, para o consumidor, uma falta de conhecimento mínimo necessário acerca do produto ou do serviço prestado que inviabiliza ou até impossibilita que o mesmo consiga produzir provas que sustentem suas alegações. Deste modo, a hipossuficiência deve apreciar, além da óbvia questão financeira, o acesso à informação e a possibilidade de produção de provas pelo consumidor. É preciso que o juiz leve em consideração todo e qualquer aspecto que coloque os consumidores em dificuldade de comprovar os fatos alegados necessários à efetivação de seu direito, seja essa dificuldade decorrente de sua condição social, econômica, cultural, educacional etc. Outra discussão frequente envolvendo o ônus da prova está relacionada à cumulatividade ou alternatividade dos dois requisitos anteriormente abordados. Essa 9 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2013. 10 discussão advém da redação do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do consumidor, que dispõe que são direitos básicos do consumidor: “VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. (destaque nosso).10 Há parte da doutrina que tem compreendido que os requisitos são cumulativos, ou seja, devem apresentar-se simultaneamente, tendo em vista que uma interpretação alternativa constituiria abuso de poder. Essa parcela da doutrina entende que o Código de Defesa do Consumidor busca equilibrar a relação entre o consumidor e o fornecedor, colocando-os em igualdade formal e que é preciso cautela para que a interpretação da lei não implique uma desvantagem injustificada a uma das partes a ponto de esta ser violada em seu direito à ampla defesa. Desta forma, o entendimento desta corrente compreende que ambos os requisitos são indispensáveis. A ausência de verossimilhança tornaria quase impossível fazer prova contrária à alegação, impondo ao requerido um fardo demasiadamente oneroso, uma vez que teria que produzir provas sobre fatos inexistentes ou inverídicos. No mesmo sentido, caso o consumidor tenha capacidade própria plena de produzir as provas de que necessita para a satisfação de sua pretensão, impor esta atribuição à parte contrária implicaria em um desequilíbrio direto e desnecessário na relação processual. No sentido contrário, a corrente majoritária entende que, analisando-se a literalidade do dispositivo, o texto legal apresenta consonância com a finalidade almejada pela Lei, ou seja, facilitar ao consumidor a defesa de seus direitos, de modo que uma interpretação que pugne pela cumulatividade dos requisitos constituiria prejuízo à parte hipossuficiente. Assim, para esta parte dos autores, a inversão do ônus da prova exige tão somente a ocorrência de um dos requisitos, de modo que a presença da hipossuficiência ou da verossimilhança da alegação, individualmente, já obrigariam por si só o magistrado à concessão do instituto em exame. 10 Código de Defesa do Consumidor. Art. 6º, VIII 11 5. EFEITOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA O instituto da inversão do ônus da prova introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, pela primeira vez, uma oportunidade real de o consumidor demandar judicialmente em igualdade de condições com o fornecedor do produto ou serviço. Uma vez concedida a inversão do ônus da prova, não caberá mais ao consumidor fazer prova do dano e do nexo de causalidade entre o produto ou serviço e o evento danoso, de sorte que tal incumbência passa a ser do fornecedor/prestador de serviço. Além da possibilidade de concessão do instituto em apreço através do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, é obrigatória a inversão do ônus nos casos estabelecidos no artigo 12, § 3º, I, II e III; artigo 14, §3º, I e II, e artigo 38 do mesmo dispositivo legal: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; 12 III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 11(grifo nosso) Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. 12(grifo nosso) Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.13 Nos casos dos artigos recém relacionados, o demandado no processo já ingressa em juízo ciente de que lhe cabe o ônus das provas correspondentes, haja vista que a previsão legal dispensa a necessidade de deferimento da medida pelo magistrado. 11 Artigo 12, §3º, I, II e III do CDC Artigo 14, §3º, I e II do CDC 13 Artigo 38 do CDC 12 13 6. CONCLUSÃO O Código de Defesa do Consumidor estabelece, por meio do seu artigo 4º, I, que o consumidor é vulnerável. Isso quer dizer que o consumidor é a parte mais fraca da relação jurídica de consumo. Essa disparidade na relação apresenta-se em decorrência de um aspecto técnico e de um aspecto econômico. Quanto ao aspecto técnico não é difícil observar que os conhecimentos relativos aos meios de produção estão concentrados nas mãos do fornecedor. Não somente no que diz respeito à questões técnicas relativas a como produzir, como administrar ou como prestar os serviços, mas principalmente porque cabe única e exclusivamente ao fornecedor definir o que, quando e em que quantidade os produtos serão produzidos, de forma que o consumidor se apresenta como um mero espectador, que só pode decidir entre as opções que o mercado lhe oferece. Já no que tange ao aspecto econômico, é bastante evidente que na maioria absoluta das situações o fornecedor possuirá maior capacidade financeira do que o consumidor que, salvo raras exceções, se apresenta em desvantagem nesta relação. A prova, conforme já mencionado anteriormente, se traduz no instrumento com o qual a parte pleiteará seu direito. É por meio dela que o juiz formará seu convencimento. Assim, se nas demais áreas do direito ela já é a base de obtenção da prestação jurisdicional, no Direito do Consumidor ela adquire uma relevância ainda maior. Isso porque não raras vezes o consumidor se apresentará em relação de inferioridade frente à parte adversa. Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor, buscando assegurar o acesso à justiça aos consumidores, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei em apreço, o instituto da inversão do ônus da prova. No entanto é preciso manter em mente que, apesar das controvérsias que recaem sobre a aplicação do referido instituto, o que a lei busca estabelecer é uma relação igualitária entre as partes envolvidas no litígio, não havendo que se falar em prejuízo excessivo para o fornecedor/prestador do serviço. Corrobora a ideia anterior o fato de que, apesar das consequências que a inversão probatória implica, o magistrado deve manter-se sempre imparcial na demanda, 14 fundamentando as suas decisões conforme estabelece o artigo 93, X da CF/88, sob pena de nulidade das mesmas. Por fim, convém ressaltar que a Lei n.º 8.078/90 buscou facilitar a defesa dos direitos do consumidor, promovendo a igualdade entre as partes que integram a relação de consumo, de modo que a possibilidade de inversão do ônus da prova objetiva, na mesma direção, facilitar a produção probatória, contribuindo para o esclarecimento e para a solução dos dissídios inerentes à relação de consumo. 7. REFERÊNCIAS BURGARELLI, Aclibes. Tratado das Provas Cíveis. São Paulo: RT, 1980. CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. Traduzido por Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2001. HOLTHAUSEN, Fábio Zabot. Prova Judicial: conceito, origem, objeto, finalidade e destinatário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 56, ago 2008. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5043>. Acesso em 06 de setembro de 2013 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição e inversão do ônus da prova. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. LOPES, João Batista. Manual das Provas no Processo Civil. Campinas: Kennedy, 1.974 MILHOMENS, Jônatas. A prova no processo. Rio de Janeiro. Forense, 1.982. NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2013 15 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O código de defesa do consumidor e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1997. SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova como garantia constitucional do devido processo legal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. TEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 16