SERGIO GUIMARÃES XAVIER DOS SANTOS MATRÍCULA: K200807 O LADO PERVERSO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Monogr afia apr es entada c omo r equis ito à apr ov aç ão no c ur s o de Pós - G r aduaç ão Lato Sens u / Es pec ializaç ão em Dir eito do Cons umidor , Tur ma K027. Professor Orientador: W illiam Rocha RIO DE JANEIRO 2006 2 SERGIO GUIMARÃES XAVIER DOS SANTOS O LADO PERVERSO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Monogr afia apr es entada c omo r equis ito à apr ov aç ão no c ur s o de Pós - G r aduaç ão Lato Sens u / Es pec ializaç ão em Dir eito do Cons umidor . Aprovado em ____ de ______________ de 2006. ________________________________________________ Professor(a): ________________________________________________ Professor(a): ________________________________________________ Professor(a): 3 DEDICATÓRIA: A Deus, pela estrada que percorri, com sua ajuda em grande parcela do trajeto. À minha família, pela vivência e solidariedade que me permitiram subir vários degraus na escada da vida. Ao meu falecido avô, Aloizio Guimarães, exemplo de caráter e quem eu gostaria que pudesse se fazer presente no ato do recebimento do certificado de conclusão de curso, para saber que tenciono me aprofundar na carreira jurídica que ele exerceu em vida. À minha falecida bisavó, Porcina Mattos dos Santos, cujo caráter e personalidade fortes me ensinaram bastante. 4 AGRADECIMENTOS: Aos professores do curso de Pós Graduação Latu Senso / Especialização em Direito do Consumidor, pelo trabalho bem feito ao longo do curso. Aos meus amigos, pela confiança e apoio que sempre me dispensaram. 5 RESUMO: Atualmente, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/1990) prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor em seu artigo 6º, inciso VIII. Tal instituto é utilizado de várias formas diferentes por cada julgador, sendo certo que sempre há quem reclame da forma como foi utilizado.Por tais motivos, o presente Trabalho traz explicação sucinta acerca das mazelas geradas com as diferentes correntes acerca das características da referida inversão, e também algumas soluções em relação ao cotidiano. SUMÁRIO: 6 I - INTRODUÇÃO _______________________________________________ 7 1.1 - Inversão do Ônus da Prova __________________________________ 10 II - PROVA E ÔNUS____________________________________________ 14 III - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E SEUS REQUISITOS __________ 20 IV - MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO PARA SER DETERMINADA A INVERSÃO D ÔNUS DA PROVA _________________________________ 26 V - CONCLUSÃO ______________________________________________ 40 BIBLIOGRAFIA _______________________________________________ 41 I - INTRODUÇÃO: 7 Sociologicamente, é fato que se considera uma cultura como civilizada, no momento em que a mesma gera uma forma de comunicação escrita, traduzindo para os caracteres sua linguagem pronunciada. Seguindo por esta linha de raciocínio, vários doutrinadores jurídicos consideram fato que não há sociedade sem direito, seja ele escrito, palpável e visualizável, ou existente somente no íntimo do ser humano, por índole ou aprendizado junto aos mais velhos 1. Caso seja indagado acerca da relação entre sociedade e direito, a resposta é deveras simples: o direito exerce na sociedade a função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificam entre os seus membros. Destarte, o homem, como ser social que é, precisa viver junto aos seus, sendo certo que, a vida em sociedade leva, eventualmente a conflitos entre seus membros, com a criação de pretensões insatisfeitas. E tal insatisfação é sempre um fator antisocial, independente de a pessoa ter ou não ter direito ao bem pretendido. E esta indefinição é sempre razão de angústia e tensão individual e social. Em tempos ancestrais, em que o Estado não possuía força, vigia a justiça privada, onde vencia o mais forte, ou mais audaz, etc., não se podendo dizer que a solução fora realmente justa. Neste mesmo sentido, há de se ver que, com o surgimento do Estado, a Justiça privada (autotutela ou autodefesa) e efetuada conforme os interesses do mais forte, foi vedada aos cidadãos e, para que os mesmos pudessem resolver seus conflitos de interesse (de nada adiantaria vedar a justiça privada se ao cidadão não restasse meio para solucionar seus conflitos), veio a mesma a se tornar pública e organizada com a finalidade de estabelecer a paz social. 1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, e outros. Teoria Geral do Processo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1997. Página 19. 8 Assim, em um determinado momento histórico, o Estado clama para si a função de prestar jurisdição, de expressar imperativamente o preceito (por meio de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (por meio da execução forçada), realizando a composição dos conflitos de interesse, de maneira a restabelecer a paz social (principal fim da jurisdição) no âmbito de sua atuação. Concorda a grande maioria da doutrina que a jurisdição não é um poder (do qual não haveria contraprestação) e sim um poder-dever (função), vez que, uma vez invocada, o judiciário não pode se abster de se pronunciar, eis que o juiz não se exime de decidir quando houver lacuna ou obscuridade da lei (primeira parte do artigo 126 do Código de Processo Civil 2). Para exercer tal função jurisdicional, o Estado investe nessa função de composição de conflitos de interesse (jurisdição) uma pessoa física chamada de juiz. Mas, pelo óbvio, seria humanamente impossível que um único juiz conseguisse prestar a jurisdição em todo o território nacional. Isto diante de vários fatores, como a hierarquia judiciária, os diversos ramos do Direito, sem levar em conta, é claro, a extensão geográfica. Eis que surge a necessidade de se atribuir, de forma dividida, essa função jurisdicional entre vários órgãos, de forma racional, limitando, em conseqüência direta disto, o poder de cada órgão jurisdicional. Nasce o conceito de competência. Não é possível dizer que o Brasil tem uma Organização Judiciária desde o início de sua existência, no Descobrimento de 1500. de fato, durou demasiado tempo sem, ao menos, sombra do que hoje chamamos de Organização Judiciária 3. No período compreendido entre os anos de 1500 e 1808, o Brasil se encontra em sua fase Colonial, desprovido de uma sociedade civil organizada, inexistindo, portanto, legislação civil. 2 NEG RÃO , T heotonio. Código de Pr oc es s o Civil e Legis laç ão Pr oc es s ual em Vigor . 34ª ed., São Paulo: Sar aiva, 2002. Página 224. 3 ROBERT, Cinthia. @cesso à Justiça. 2. ed., Rio de janeiro: Lumen Juris, 1999. Páginas 5-10. 9 Era o regime das Capitanias Hereditárias, com uma estrutura de poder absoluto, unipessoal e arbitrário, contido na vontade do Governador, que possuía um papel híbrido na justiça. Neste período não ocorreram grandes mudanças realmente significativas e que valham a pena suscitar. Em 28 de novembro de 1842, surgiu a primeira lei a tratar da organização judiciária brasileira, com boas mudanças, como hierarquia judiciária e acesso ao pretório. Com a lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, foram criadas algumas das autoridades judiciárias que hoje ainda existem, como os Promotores Públicos e os Juízes de Direito, além da competência das mesmas, e ainda as autoridades policiais para as províncias. Com o Regulamento nº 143, de 15 de março de 1842, o país recebeu a Segunda Instância brasileira, não sendo mais necessário enviar todos os casos para serem reavaliados em Portugal. Finalmente vieram os Recursos, Alçadas, Correições, Emolumentos, Salários e Custas Judiciais. Com a promulgação da constituição de 24 de fevereiro de 1891, finalmente o Judiciário é alçado ao nível de Poder independente, ficando no mesmo plano dos demais Poderes. Como já dito, em determinado momento histórico o Estado decidiu conceder a pessoas o poder-dever jurisdicional. São criados os Juízes, que atualmente, além de receber tratamento doutrinário diferenciado daquele dispensado aos servidores públicos pelo Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro (CODJERJ) e demais leis, ainda ocupam cargo público sob a égide do Poder Judiciário. O significado do nome de seu cargo pode ser entendido de várias formas, entre elas as duas principais são, primeiro, a de que são Juízes de Direito porque julgam o Direito, resolvendo uma lide de expressando imperativamente o preceito (por meio de uma sentença de mérito), ou realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (por meio da execução forçada), e, segundo, a de que são Juízes de 10 Direito porque obtiveram aprovação em concurso, alcançando um cargo que agora lhes pertence por direito. Segundo leitura do CODJERJ, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) e até mesmo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (CERJ), os Juízes são considerados pela letra fria da lei como órgãos do Poder Judiciário da Justiça Estadual. Não a máquina judiciária toda de que eles fazem parte, como os Cartórios da Varas, mas tão somente os Juízes. 1.1 – Inversão do ônus da Prova: Em colocação revolucionária, a Constituição da República destacou em seu artigo 5º, inciso XXXII, que ao Estado cabe promover a defesa do consumidor. E a Constituição estadual prevê em seu artigo 63 que o consumidor tem direito à proteção do Estado, além de elencar algumas medidas a serem tomadas no sentido de proteger os direitos do consumidor 4. Estes dispositivos estão intimamente ligados ao artigo 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou que o Congresso Nacional elaborasse um “código de defesa do consumidor”, em prazo de cento e vinte dias após a promulgação da Constituição. Tal determinação não foi cumprida, pois que o Congresso Nacional demorou quase dois anos para promulgar e, 11 de setembro de 1990 a Lei nº8.078, atual Código de Proteção e Defesa do Consumidor. A inversão do ônus da prova no processo civil, a favor do consumidor, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/1990). 4 O LIVEIRA, Cláudio Br andão de. Const it uição do Estado do Rio de Janeiro. 1ª ed., Rio de J aneir o: Rom a Vic tor Editor a. Páginas 21- 22. 11 O próprio texto da Lei nº8.078/1990, que disciplina a inversão do ônus da prova, em seu art. 6º, inciso VIII: Ar t. 6º. São dir eitos bás ic os do c ons um idor : VIII – a f ac ilitaç ão da def es a de s eus dir eitos , inc lus ive c om a inver s ão do ônus da pr ova, a s eu f avor , no pr oc es s o c ivil, quando, a c r itér io do j uiz, f or ver os s ím il a alegaç ão ou quando f or ele hipos s uf ic iente, s egundo as r egr as or dinár ias de ex per iênc ia; Embora o instituto tenha sido criado com fim específico de facilitar a defesa dos direitos do consumidor em juízo, não se encontra acima de requisitos. E, infelizmente, devido aos requisitos e incidência processual, vem sendo utilizado de forma deveras equivocada por vários magistrados, defensores públicos, promotores (nos casos em que intervém como fiscais da lei e nos casos em que substituem os autores) e advogados. Os advogados e defensores públicos têm a justificativa de que defendem uma linha de raciocínio que sirva aos interesses de seus clientes e assistidos, respectivamente. Os juízes, por terem o dever de aplicar corretamente a lei, e os promotores, quando atuam como fiscais da lei, têm o dever de conhecer a correta aplicação do instituto em exame. Este instituto tão peculiar, com tanto potencial para o futuro precisa ser estudado mais a fundo, principalmente quanto à sua parte processual. Razões para tal percebe-se somente com a avaliação do fato de que ora é tratado como verdadeiro instituto legitimador do abuso de direito pelos consumidores, ora não recebe a devida atenção pelo juiz que julga a causa, em nada facilitando a defesa dos direitos dos consumidores, em uma demonstração de extremismo desprovido de razoabilidade. O instituto da inversão do ônus da prova, entretanto, não é tema pacífico na doutrina e na jurisprudência acerca de sua aplicação, tanto nos requisitos, quanto nos efeitos e na própria incidência do mesmo. 12 Ressalte-se que não há nenhuma forma de utilização do instituto que possa ser considerada correta, eis que todas as formas são dotadas de falhas. É tal tema que enseja o Trabalho de Conclusão de Curso, devido, principalmente, à falta de informação, atualmente, crescente entre os que atuam na área do direito do consumidor. Evidentemente, torna-se impraticável tratar de todos os pormenores acerca da incorreta utilização do instituto da inversão do ônus da prova nas parcas laudas de texto contidas na Monografia. Por tal fato, em verdade será abordado o tema sob o prisma que alcança o processo civil e seus procedimentos (a parte prática), e somente em relação à forma de utilização no Estado do Rio de Janeiro, pois os outros Estados possuem algumas leis estaduais que tornam os procedimento diferenciados. O intento almejado com a Monografia será o de esclarecer, acerca da aplicação, abrangência, requisitos, conseqüências, vertentes e embasamento da inversão do ônus da prova, incluindo explanações acerca de assuntos relacionados. Para tanto, serão analisadas, discutidas e comparadas a doutrina, jurisprudência e legislação disponíveis, com a apresentação de sua razão de ser, em relação aos princípios constitucionais inerentes ao direito processual. O tema escolhido vem em uma época em que se discute tanto acerca de justiça social, da justiça material e da morosidade da justiça, em uma etapa de renovação do pensamento jurídico. E toda renova cão do pensamento é sempre precedida de uma etapa de incertezas e dúvidas devido à cacofonia de correntes nascidas de mentes variadas e que, justamente por serem variadas, entendem e explanam de formas diferenciadas. Cumpre salientar que, em vista da independência com que deve agir o juiz, a lei o colocou à parte de certas matérias de responsabilidade, o que culminou por tornar opacas suas percepções. 13 Mas tal couraça protetora não deve ser utilizada para fins mesquinhos, como a crescente indústria das indenizações, especialmente com o advento dos Juizados Especiais Cíveis, onde não há custas e condenação em honorários sucumbenciais (o que também permite a protelação dos processos e sua morosidade sem ônus algum). Assim, os advogados, promotores, defensores públicos e, especialmente, os Juízes se sentirão mais seguros com um delineamento do tema, contendo os parâmetros alcançados por tal instituto. II – PROVA E ÔNUS: Em um antigo minidicionário tem-se o significado do vocábulo prova como sendo aquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de algo. Em um dicionário jurídico atualizado, tem-se a singela definição de prova como todo meio legal, usado no processo, capaz de 14 demonstrar a verdade dos fatos alegados em juízo. E acrescentou-se que a prova deve ter como objetivo principal o convencimento do juiz 5. O conceito tradicional de prova adotado, ou, pelo menos repetido, por boa parte da doutrina jurídica, a tem, com algumas variações, reconhecido como o meio de obtenção da verdade dos fatos no processo. Tal conceito tem sua origem no texto do artigo 332 do Código de Processo Civil (Lei nº5.869/1973). Nesse sentido, a prova seria o instrumento pelo qual o juiz se utilizaria para definir a verdade dos fatos que efetivamente ensejaram a lide, e sobre os quais concluirá sua atividade cognitiva. O texto legal determina que as provas têm a finalidade de obter a verdade dos fatos. Resta, então, saber o significado atribuído à palavra verdade, principalmente considerando a finalidade e limitações que possui o processo civil porquanto considerado como manifestação humana e cultural. Precisamente por este motivo, se faz necessário examinar se a verdade pode ser obtida com o processo em si e, também, se é verdadeiramente possível elaborar um conceito que traduza o que contém o conceito da prova. Faz-se necessário tentar sistematizar uma re-significação que reconheça efetivamente a real complexidade que possui o instituto da prova, para além da crua definição legal em que se pressupõe ser possível alcançar a verdade dos fatos no processo. Em verdade, com fulcro no renomado Princípio da Verdade Formal, provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes no processo. Nesse sentido, a prova em geral da verdade dos fatos não pode ter limites; mas a prova no processo, ao revés da prova puramente lógica e científica, sobre a limitação na necessidade social de que o processo tenha um termo. 5 HO RCAIO , Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. 1ª ed., São Paulo: Pr im eir a Im pr es s ão, 2006. Página 888. 15 Como o processo visa a restabelecer a paz social, tem-se entre seus princípios o do Impulso Oficial, segundo o qual o processo civil começa com a iniciativa das partes, mas se desenvolve por impulso do Magistrado (artigo 262 do Código de Processo Civil). Isto quer dizer que o juiz tem o dever de dar andamento ao processo para que o mesmo não fique estagnado Os processos, em suas diversas marchas procedimentais, são compostos de fases ou momentos para o exercício dos atos dos seus sujeitos (partes, juiz etc.), preparando cada fase a seguinte. Pelo Princípio da Eventualidade (ou Preclusão), se o ato não for praticado em seu momento próprio, acarreta a perda da oportunidade de sua prática. Isto é o que se chama de preclusão. Transitado em julgado a sentença, a investigação dos fatos da causa preclui definitivamente e, a partir desse momento, o direito não cogita mais da correspondência dos fatos apurados pelo juiz à realidade das coisas, e a sentença permanece como afirmação da vontade do Estado, sem que influência nenhuma exerça sobre o seu valor o elemento lógico de que se extraiu. Portanto, mais parece que a prova como instrumento segundo qual se tenta conferir veracidade a uma tese, a fim de demonstrar o desenrolar dos fatos controvertidos, para se permitir ao juiz a formação de uma linha de raciocínio a fim de se reputar como razoável uma hipótese a ser adotada como suporte de uma decisão, o que proveria força à hipótese. Já foram mencionados determinados princípios informativos do direito processual, sendo conveniente ressaltar que a teoria da prova, em si, possui princípios próprios. Entre eles tem-se o Princípio Dispositivo, fundamentado na supremacia da vontade das partes, segundo o qual o juiz somente pode decidir a lide nos limites em que foi proposta, não podendo conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Possui previsão positivada no artigo 128 do Código de Processo Civil. 16 E tem-se o Princípio da Oralidade, que determina que a discussão oral da causa na audiência de instrução e julgamento caracteriza-se como fator de grande relevância, vez que permite uma maior concentração dos atos praticados, embora tenham eles de ser registrados em uma ata, ou assentada. E com a oralidade se chega forçosamente ao seu consectário lógico, o Princípio da Identidade Física do Juiz, eis que o juiz de primeiro grau é que tem contato com as partes, podendo avaliar dados que não podem ser traduzidos para o papel (como a forma de se portar em audiência, a forma de se comunicar, os gestos e linguagem corporal etc.). Tal princípio foi positivado no artigo 132 do Código de Processo Civil, tornando obrigatório que, devido à identidade física do juiz, o juiz que concluir a audiência se encontra vinculado à prolação da sentença. O artigo 332 do Código de Processo Civil prevê que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no referido diploma legal, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou defesa. Este é o conceito do Princípio da Prova Livre. Ainda há o princípio inominado segundo o qual o juiz tem o dever de conhecer a lei, com base no famoso brocardo jurídico atribuído aos juízes “dê-me os fatos e eu te darei o direito”. Tal princípio é importante por duas razões, e a primeira é a sua exceção: o artigo 337 do Código de Processo Civil preceitua que o juiz pode determinar que a parte que alegue direito municipal, estadual, consuetudinário e estrangeiro tem de provar seu teor e sua vigência. E a segunda razão é a teoria da substanciação (em contraposição à teoria da individuação) adotada pelo direito pátrio para a identidade da causa de pedir. Tal teoria enfoca como ponto para identificação da causa de pedir o conjunto de fatos alegados e não sua qualificação jurídica. Isto é mais fácil de se discernir no processo penal, em que o acusado de defende dos fatos narrados na denúncia e não da 17 tipificação legal atribuída. E também se percebe nas causas propostas perante juizados especiais cíveis, que, pelo artigo 14 da Lei nº9.099/1995, pode receber pedido oral que será reduzido a escrito com linguagem simples e acessível (eis que a pessoa pode ajuizar ação sem patrocínio por advogado). Ainda há que se ver o Princípio da Motivação das Decisões, descendente do Sistema da Persuasão Racional (ou Sistema do Livre Convencimento Motivado do Juiz, ou simplesmente Sistema do Livre Convencimento). Tem a relevância de significar que é direito das partes (e, aliás, de toda a sociedade) conhecer os motivos que levaram um processo a ter aquela decisão prolatada, até para fiscalizar se foi correta (no sentido de justa conforme as convenções) ou não, para poder utilizar seu direito de recorrer caso incorreta seja a decisão. Em assim não sendo, haveria violação ao Contraditório e à Ampla Defesa, posto que se dificultaria a discussão por via recursal da correção da decisão. A Constituição da República Federativa do Brasil acolheu tal princípio ao positivar em seu artigo 93, inciso IX, a necessidade de motivação das decisões, inclusive sob pena de nulidade. Nas normas infraconstitucionais, o referido princípio encontra-se localizado no artigo 131 do Código de Processo Civil. E bem a verdade, o princípio da motivação também foi acolhido pelo artigo 458 do Código de Processo Civil, pois que torna requisito essencial da sentença os fundamentos, em que o juiz tem de analisar as questões de fato e de direito. Isto posto, pode-se dizer com segurança que nem sempre o julgador encontra condições que o possibilitem firmar uma hipótese que ele considere plausível. Isto importa dizer que, sem a hipótese plausível, não pode o juiz encontrar uma solução para a causa, ficando impossibilitado de decidir. 18 Mas o artigo 126 do Código de Processo Civil determina que o juiz não se exime de decidir nem mesmo por falta de previsão legal que abranja o caso concreto 6. É então que surge a importância do ônus da prova e de sua atribuição a cada parte. Ônus não é sinônimo de dever e nem de obrigação. Dever é a contraparte do direito subjetivo, que é a faculdade assegurada por lei (faculdade jurídica), de exigir determinada conduta (ação ou omissão) de alguém que, por lei ou por ato ou negócio jurídico, está obrigado a observa-la (dever jurídico). E quando o dever jurídico consiste em uma prestação de natureza patrimonial (econômica) tem-se obrigação. O vocábulo ônus significa peso ou encargo. Portanto, ônus da prova significa encargo que pesa sobre uma pessoa no sentido de provar a veracidade das alegações nas questões judiciais 7. A importância de tal colocação reside na circunstância de que, quem não consegue cumprir com o ônus probatório que lhe é atribuído, tem a sucumbência como destino para sua pretensão ou defesa. Não se trata de punição por não cumprir com o ônus, mas mera conseqüência devido a não ter formado o convencimento judicial em outro sentido. Nesse sentido, tem-se que a lei já define qual o ônus probatório que cada parte possui. E a lei específica é o Código de Processo Civil (Lei nº5.869/1973), que diz em seu artigo 333 que o ônus da prova incumbe: ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Extrai-se que, quem alega tem de provar. Se o réu negar o fato constitutivo do direito do autor, este terá de prová-lo. Mas se o réu, em lugar de negar, opuser algum fato impeditivo, modificativo ou 6 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 32ª ED., Rio de Janeiro: Forense, 2003. Páginas 178-181. 7 HO RCAIO , Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. 1ª ed., São Paulo: Pr im eir a Im pr es s ão, 2006. Página 766. 19 extintivo do direito do autor, terá de provar o que alega, podendo o autor quedar-se inerte ou produzir prova para elidir as provas do réu. III - A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: Anteriormente ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, as relações de consumo eram tratadas conforme as regras do direito civil responsabilidade comum. objetiva Isto do significa fornecedor dizer e nem que os não havia preceitos do chamado microssistema da Lei nº8.078/1990. O consumidor se via à mercê da superioridade técnica, econômica etc. do fornecedor, 20 encontrando-se em clara posição desfavorável quando buscava a defesa de seus direito perante o Judiciário 8. Com a promulgação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor isto mudou, e infelizmente não tão para melhor assim. Com base no Princípio da Harmonização das Relações de Consumo, ao consumidor é garantida a facilitação da defesa de seus direitos em juízo, trazendo o Código uma novidade: a possibilidade de inverter-se o ônus da prova em favor do consumidor no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou for ele hipossuficiente. Nisto, se destacam duas limitações (necessidade de existência de relação de consumo e somente incide o instituto no processo civil) e dois requisitos (verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor). Não se precisa falar muito acerca de incidir o instituto apenas no processo civil. Ele não incide no processo penal (senão seria violação ao Princípio da Presunção de Inocência), nem no processo trabalhista (a relação é entre empregador e empregado, natureza diversa da relação de consumo) e nem no processo tributário (os tributos são inerentes ao direito público e a relação de consumo refere-se ao direito privado). Sobre a existência de relação de consumo, se faz necessário definir o que seria isso. A relação de consumo possui três elementos: partes (fornecedor e consumidor); vínculo; objeto (produto ou serviço). As partes têm suas definições descritas no próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor: fornecedor é toda pessoa física ou jurídica (ou ente despersonalizado) que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º); consumidor é toda pessoa física ou jurídica que 8 G RINO VER, Ada Pelegr ini et al. Código Brasileiro de Def esa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto . 8ª ed., Rio de J aneir o: For ens e Univer s itár ia, 2004. Páginas 6- 7. 21 adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, equiparando-se a tal conceito a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º). Importa equiparação trazer (todas as a lume vítimas do o conceito evento) de do consumidor artigo 17 da por Lei nº8.078/1990. A doutrina e jurisprudência apontam mais de uma corrente acerca de tal conceito, cada corrente atribuindo mais ou menos elasticidade a tal equiparação. Os que permitem maior elasticidade afirmam que, se o caso envolve um fornecedor, há a equiparação independentemente de ter ou não o caso relação com a atividade desenvolvida. Se um automóvel pertencente a uma empresa de telefonia está sendo dirigido por um empregado da mesma, fora do horário de serviço (completamente desvinculado da atividade de telefonia), e se envolve em um acidente de trânsito, há quem sustente que se trataria de fato do produto ou serviço, equiparando a consumidor o proprietário do outro automóvel envolvido no acidente. Os que afirmam menos elasticidade indicam que se uma pessoa é transportada gratuitamente em um ônibus (de uma empresa concessionária de uma linha) devido a possuir passe livre, e o ônibus se envolve em um acidente, o portador de passe livre não seria consumidor nem por equiparação devido a não ter efetuado o pagamento da passagem. E ainda há os que, sem perquirirem da elasticidade da equiparação, aduzem que a equiparação somente se presta para os fins das normas previstas na Seção II do Capítulo IV do título I da Lei nº8.078/1990 devido a interpretação do texto do artigo 17. E esta definição não abrangeria a inversão do ônus da prova, pois que prevista no Capítulo III do mesmo Título. Claro que a equiparação a consumidor vai depender, em cada caso concreto, da análise de suas circunstâncias peculiares, 22 sendo certo que deve se fazer presente, no mínimo, o envolvimento de um fornecedor de produtos ou serviços para validar a equiparação. Quanto aos requisitos para a inversão do ônus probatório, eles são importantíssimos, ressaltando que, conforme corrente amplamente majoritária, não é preciso a cumulação dos requisitos. Basta a ocorrência de apenas um deles. Assim, se houver a verossimilhança do alegado pelo consumidor, não será obrigatória a hipossuficiência do consumidor. E vice-versa. A verossimilhança do alegado, também chamada prova de primeira aparência 9, é um similar da presunção natural, que tem por fonte uma norma de experiência, com relação ao que normalmente acontece (tem aparência de verdade, ou tem grande probabilidade de ser verdade). Em vez de se apoiar nas circunstâncias que rodeiam o caso concreto, repousa exclusivamente na experiência da vida, substituindo o fato básico pela máxima experiência. Não se está a dizer que nenhuma prova é necessária. De fato, a verossimilhança precisa de um início de prova para restar configurada. Por exemplo, se a pessoa reclama do valor de sua conta telefônica porque anteriormente nunca alcançara a conta tal valor, ela deve, pelo menos, trazer aos autos a conta reclamada e meia dúzia das anteriores para demonstrar a verossimilhança. Por tal razão, vem a jurisprudência entendendo que a inversão do ônus da prova não alcança o fato constitutivo do direito do autor, que continua sendo dele. Em caso contrário, seria a inversão do ônus o mesmo que a isenção do ônus da prova, matéria diferente e que é disciplinada no artigo 334 do Código de Processo Civil. A verossimilhança, como é óbvio, pode ser desconstituída por meio de provas, e pode a decisão que nela se baseou ser recorrida para que a instância revisora reveja a existência dela. 9 FILHO , Sér gio Cavalier i. Programa de Responsabilidade Civ il. 6ª ed., São Paulo: Malheir os Editor es , 2005. Páginas 516- 517. 23 Já a hipossuficiência do consumidor é um conceito que costuma ser bastante problemático. Muitos a entendem como presumida quando o fornecedor é uma empresa de grande porte e o consumidor é uma pessoa simplória e de parcos recursos, o que pode resultar em injustiça para o fornecedor. O consumidor muitas vezes somente é hipossuficiente em relação ao fornecedor porque há uma diferença muito grande entre eles, mas não é hipossuficiente para a produção da prova. A hipossuficiência econômica, por exemplo, que é um dos balizadores da inversão do ônus da prova, revela-se um critério injusto nos casos em que o consumidor é beneficiário da gratuidade de justiça instituída pela Lei nº1.060/1950 10. Imagine-se que um consumidor de pouquíssimos recursos requer prova pericial consistente no exame por um médico. Os honorários do perito, como todas as despesas processuais, devem ser antecipados conforme manda o artigo 19 do Código de Processo Civil. Devido a ser o consumidor beneficiário da justiça gratuita, ele não precisa se preocupar com os honorários, devendo o réu pagá-los ao final do processo, caso seja o perdedor. O autor não é, portanto, hipossuficiente para a produção da prova, a despeito de ter parcos recursos. Mas o juiz determina a inversão do ônus da prova, cujo único efeito prático é obrigar o réu a antecipar os honorários do perito, mesmo sabendo que ao final não será ressarcido do que gastou porque o autor goza de gratuidade de justiça. E pior: como o interesse na produção da prova não é do autor, ele não precisa comparecer ao exame pericial (com base na liberdade de locomoção), pois que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, inciso II, da Constituição da República). Ou então, o consumidor é pessoa semi-alfabetizada, mas patrocinado por grande e bem conceituado escritório de advogados. Ele ajuíza uma ação arrolando dez testemunhas, o máximo conforme o 10 BRASIL. Código Civ il. 53ª ed., São Paulo: Sar aiva, 2002. Páginas 482- 485. 24 parágrafo único do artigo 407 do Código de Processo Civil. Mas o juiz inverte o ônus da prova com base na condição de hipossuficiência técnica do autor (irrelevante que quem se manifesta nos autos e move as engrenagens processuais são os advogados que o patrocinam), sem considerar que, para a prova testemunhal, via de regra ninguém é hipossuficiente. E o autor, especificamente, demonstrou não ser hipossuficiente por dispor de dez delas. E tem havido um crescente número de decisões de tribunais no sentido de que o juiz, ao determinar a inversão do ônus da prova, deve dizer fundamentadamente sobre qual a verossimilhança ou a hipossuficiência, até porque isto determinará sua finalidade, alcance e a abrangência, sobre quais provas ocorrerá a inversão. Entre elas menciona-se: A inver s ão deter m inada, do c om o autom atic am ente, ônus da ac ontec eu devendo pr ova no atender , não pode ac ór dão s er r egional, c onc r etam ente, às ex igênc ias do ar t. 6º, VIII, da Lei nº8.078/1990 ( 4ª T ur m a do ST J , Rec ur s o Es pec ial nº591.110/BA, j ulgado em 04/05/2004, Rel. Min. Aldir Pas s ar inho J únior ) . ***** INVERSÃO DO Ô NUS DA PRO VA – Inteligênc ia do ar tigo 6º, VIII, do Código de Def es a d Cons um idor . Cons ider ando que as par tes não podem s er s ur pr eendidas , ao f inal, c om um pr ovim ento des f avor ável dec or r ente da inex is tênc ia ou da ins uf ic iênc ia da pr ova que, por f or ç a da inver s ão deter m inada na s entenç a, es tar ia a s eu c ar go, par ec e m ais j us ta e c ondizente c om s gar antias do devido pr oc es s o legal a or ientaç ão s egundo a qual o j uiz deva, ao avaliar a nec es s idade de pr ovas e def er ir a pr oduç ão daquelas que entenda per tinentes , ex plic itar quais s er ão obj eto de inver s ão ( Agr avo de Ins tr um ento nº121.979- 4 – Itápolis – 6ª Câm ar a de Dir eito Pr ivado do T r ibuna de J us tiç a do Es tado de São Paulo, j ulgado em 07 de outubr o de 1999, Relator Antônio Car los Mar c ato) . 25 IV - MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO PARA SER DETERMINADA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: Uma das maiores discussões que se tem atualmente acerca da inversão do ônus da prova (prevista no artigo 6º, inciso VIII, da Lei nº8.078/1990) envolve o momento oportuno para se realizara dita inversão. Vale dizer, envolve saber até quando pode o juiz realizar a inversão, pois que a lei bem define que a incidência do instituto depende do prudente arbítrio do juiz. Ou seja, ele expressamente te de determinar a inversão. 26 Atualmente existem duas correntes que podem ser consideradas majoritárias: uma diz que o momento pode ser quando da prolação da sentença, por se tratar a referida inversão de regra de julgamento, isto é, de avaliação de provas; a segunda corrente sustenta que a inversão tem de ser determinada antes da sentença, por se tratar de instituto que tem por imprescindível a determinação judicial para que tenha incidência. Como se sabe, existem casos de inversão do ônus da prova previstos na Lei nº8.078/1990, em que o ônus da prova já se encontra invertido.um exemplo é o artigo 12, §3º, do mencionado diploma legal, em que se vê o rol de hipóteses em que o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não será responsabilizado. Nesse caso específico, pode-se exemplificar com o fabricante, que tem de provar a culpa exclusiva do consumidor, não podendo alegar surpresa devido à circunstância de que a legislação já determina de plano a inversão do ônus. E a corroborar tal assertiva ainda há o que dispõe o artigo 3º do Decreto-lei nº4.657/1942, ao dizer claramente que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Quanto à inversão do ônus da prova, na modalidade que ensejou este Trabalho, se faz necessário que o juiz determine a inversão para que a mesma gere efeitos, razão porque ele expressamente tem de deferir a inversão. Pode ser definida tal decisão, a grosso modo, como constitutiva (visa à criação, modificação ou extinção de uma situação jurídica) por alterar a realidade jurídica em que se encontram as partes até então no processo. Portanto, há que se ver que a inversão do ônus da prova realizada apenas quando da prolação da sentença impede o fornecedor de se defender de forma hábil, gerando prejuízo somente a ele. Transcorre a integralidade de instrução processual confiante na falta de provas a validar a versão do consumidor, sem que se cogitasse da aplicação de tal instituto e, após o encerramento de tal 27 fase processual, é surpreendido com o fato de que possuía ônus probatório não esperado, tornando sua defesa quase inepta, tendo orientado a mesma em um sentido enquanto que deveria tê-lo feito em outro. Como se disse, a prova tem por finalidade indicar ao juiz uma linha de raciocínio razoável acerca dos fatos discutidos na lide. Nesse mister, se faz necessário saber antecipadamente por quais critérios se pautará o julgador em relação ao ônus probatório para direcionar a sentença vindoura, com a finalidade que se tenha a possibilidade de produzir as provas cabíveis a fim de se indicar a hipótese plausível (conforme o entendimento da parte) acerca dos fatos. Em caso contrário, há ofensa ao Contraditório e à Ampla Defesa mencionados. Assim, por raciocínio lógico, quando não mais pode o fornecedor produzir qualquer prova ou formular alegações (artigo 303 do Código de Processo Civil) evidentemente não se pode inverter o ônus probatório. No dizer popular, mudariam as regras do jogo após ele ter terminado para se presentear com a vitória o jogador que teve menos méritos na partida recém terminada. Quando isto ocorre, mais faz parecer que na sentença se determinou a inversão porque não foi possível encontrar outro modo de se poder julgar de forma desfavorável ao fornecedor. E acerca disto já se manifestou o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Código de Pr oteç ão e Def es a do c ons um idor . Dec is ão que inver te o ônus pr obatór io. Ré que, até então, não havia r equer ido a pr oduç ão de pr ovas . Cor r eç ão da dec is ão que, após def er ir a inver s ão, c onc ede nova opor tunidade, na f or m a do que dis põe o ar t. 333, inc is o I, do Código de Pr oc es s o Civil, ao autor c om pete pr oduzir as pr ovas nec es s ár ias . Se, no c ur s o do pr oc es s o, s obr evém dec is ão inver tendo o ônus da pr ova. Não pode o r éu s er s ur pr eendido, por nada ter antes r equer ido, c onf iante na 28 f alta de pr ovas tr azidas pelo autor da aç ão, es tando c or r eta a dec is ão que lhe r eabr e o pr azo par a es pec if ic á- las , agor a diante da nova r ealidade pr oc es s ual. Rec ur s o des pr ovido. ( 15ª Câm ar a Cível do T r ibunal de J us tiç a do Es tado do Rio de J aneir o, Agr avo de Ins tr um ento nº2004.002.12970, j ulgado em 08 de s etem br o de 2004, Relator Des em bar gador Ser gio Luiz Cr uz) E bem se disse na fundamentação do acórdão: O c or r e que, pela dec is ão r ec or r ida, e s om ente nela, ac atou o MM. J uiz o r equer im ento da agr avante no s entido da aplic aç ão das nor m as do Código de Pr oteç ão e Def es a do Cons um idor , def er indo a inver s ão do ônus pr obatór io. O r a, s e até então c om petia à autor a pr oduzir as pr ovas nec es s ár ias , o que pode ter levado a r ec or r ida a não s e inter es s ar por s ua pr oduç ão, es s a dec is ão m odif ic ou a r ealidade pr oc es s ual, pois lhe tr ans f er iu o ônus de pr ovar . Des ta s or te, ter ia de s er r eaber ta a opor tunidade de f azê- lo, ex atam ente c om o f ez a dec is ão r ec or r ida. Por es tas r azões , nega- s e pr ovim ento ao r ec ur s o. E corroborando ainda mais, há outras decisões emanadas pelo mesmo Tribunal: Par a que não haj a c er c eam ento do dir eito à am pla def es a, o def er im ento da inver s ão do ônus da pr ova tem de s er antes da s entenç a, pos s ibilitando à par te r é r ec or r er ou pr oduzir a pr ova que lhe f oi atr ibuída. Rec ur s o c onhec ido e pr ovido. ( 11ª Câm ar a Cível do T r ibunal de J us tiç a do Es tado do Rio de J aneir o, Apelaç ão Cível nº2002.001.25311, j ulgada em 14 de m aio de 2003, Relator Des em bar gador Maur ílio Pas s os Br aga) ***** RESPO NSABILIDADE CO NSUMIDO R. INVERSÃO CIVIL. DO Ô NUS DIREIT O DO DA NA PRO VA O CASIÃO DA SENT ENÇA. IMPO SSIBILIDADE. PERDA DA CHANCE DE DEFESA. NEX O DE CAUSALIDADE. NÃO 29 CO MPRO VAÇÃO . A des peito de s e per m itir a aplic aç ão do pr inc ípio da inver s ão do ônus da pr ova em r elaç ão c ons um eir is ta, c ons ider ando a hipos s uf ic iênc ia téc nic a do c ons um idor , tal pr ovim ento af igur a- s e inválido e inef ic az quando deter m inado no c or po da s entenç a, em r azão de obs tar ao f or nec edor a c hanc e de pr oduzir pr ova des c ons titutiva da ilaç ão de ver os s im ilhanç a do dir eito do c ons um idor , por f lagr ante violaç ão dos pr inc ípios c ons tituc ionais da am pla def es a e devido pr oc es s o legal ( ar t. 5º da CRFB/1988) . Im põe- s e, em tais c ir c uns tânc ias , o r ec onhec im ento da invalidade e inef ic ác ia da r egr a da inver s ão do ônus ver os s im ilhanç a das da pr ova alegaç ões e, c om o da c or olár io autor a, da devendo pr oc eder - s e o j ulgam ento da dem anda no pr is m a das r egr as c om uns de pr ovas do pr oc es s o ( ar t. 333, I, e II, do CPC) . ( ...) Por is s o, inex is tindo pr ova do def eito na pr es taç ão de s er viç o, nem do nex o de c aus alidade vinc ulativo de f alta de c uidado da f or nec edor a aos alegados pr ej uízos s of r idos pela autor a, im põe- s e a r ef or m a da r . s entenç a, j ulgando- s e im pr oc edente o pedido da inic ial. PRO VIMENT O DO RECURSO . ( 6ª Câm ar a Cível do T r ibunal de J us tiç a do Es tado do Rio de J aneir o, Apelaç ão Cível nº2003.001.27938, j ulgada em 25 de novem br o de 2003, Relator Des em bar gador Rober to de Abr eu e Silva) Tanto é, que tais decisões viram seu entendimento ser consolidado com a aprovação do enunciado de nº03, do Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis realizado em maio de 2005, que agora se traz a lume: 3 – A inver s ão do ônus da pr ova, pr evis ta na legis laç ão c ons um eir is ta, não pode s er r ealizada na s entenç a. J us tif ic ativa: a inver s ão do ônus da pr ova, em f avor do c ons um idor , não é legal m as j udic ial, pelo que o f or nec edor s er ia s ur pr eendido s e s e c ons ider as s e a s entenç a c om o m om ento pr oc es s ual da inver s ão, em af r onta ao pr inc ípio do c ontr aditór io. 30 Tal prática, de inverter o ônus da prova quando da prolação da sentença, é similar à fixação do ponto controvertido somente após o término da instrução. Segundo o§2º do artigo 331 do Código de Processo Civil (com a atual redação determinada pela Lei nº8.952/1994) que dados de interesse para a presente explanação. Observe-se: §2º. Se, por qualquer m otivo, não f or obtida a c onc iliaç ão, o j uiz f ix ar á os pontos c ontr over tidos , dec idir á as ques tões pr oc es s uais pendentes e deter m inar á as pr ovas a s er em pr oduzidas , des ignando audiênc ia de ins tr uç ão e j ulgam ento, s e nec es s ár io. Este dispositivo recém transcrito teve sua redação determinada na forma apresentada para se contrapor ao artigo 451 do Código de Processo Civil, que (pasme-se) diz que deve ser fixado o ponto controvertido somente quando iniciada a instrução na audiência de instrução e julgamento prevista nos artigos 444 e seguintes do Código de Processo Civil. Com base nos dispositivos recém mencionados, o ponto controvertido deveria ser fixado posteriormente à tentativa de conciliação na dita audiência e, portanto, no meio da audiência. Segundo os artigos 444 e seguintes, é irrelevante que as testemunhas foram arroladas e outras provas levadas sem se saber o que elas iriam provar, certamente havendo casos em que, dada a fixação do ponto controvertido na própria audiência de instrução e julgamento, as testemunhas e demais provas se tornaram completamente inúteis por não servirem ao que se deveria provar, ficando aparte indefesa ante o processo, ressaltando-se que o processo é uma garantia constitucional inafastável dos direitos da parte (artigo 5º, incisos XXXV e LV, da Constituição da República Federativa do Brasil). A atual redação do §2º do artigo 331 dispõe que o ponto controvertido deve ser fixado antes da audiência de instrução e 31 julgamento, de modo a permitir às partes o máximo de possibilidades de apresentação de provas hábeis a demonstrar a veracidade do que alegam. E perceba-se que a atual redação do §2º foi determinada pela Lei nº8.952/1994, lei que, dado o ano de sua promulgação, evidentemente é posterior ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor (lei promulgada em 1990), pelo que este último certamente foi levado em consideração. Ademais, nem mesmo se ouse dizer que a Lei nº8.078/1990 possui cunho constitucional com base no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição, pois que este dispositivo diz tão-somente que o Estado promoverá a defesa do consumidor. Porém a letra da Lei nº8.078/1990 é única e exclusivamente infraconstitucional, podendo ser considerada, no máximo e com muita fé, formalmente inconstitucional. Dizia Carl Schmmidt que as normas materialmente constitucionais são as que necessariamente precisam figurar no corpo de uma Constituição, como é o caso (por exemplo) da forma de Estado e da separação dos poderes, não podendo ser tratadas em legislação meramente infraconstitucional 11. Já as normas formalmente constitucionais são as que constam na constituição, mas nem precisariam ser nela tratadas, podendo muito bem ser objeto de legislação infraconstitucional, como se poderia dizer da Lei nº8.078/1990, eis que a atual Constituição apenas se limita a dizer que o Estado promoverá a defesa do consumidor, mas deixa para o legislador ordinário a feição de todo o sistema legislativo consumeirista. Perceba-se que os princípios informativos deste ramo do direito são os que vêm única e exclusivamente no bojo da Lei nº8.078/1990, lei infraconstucional. Os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, por outro lado, são materialmente constitucionais em todas as suas facetas, 11 T EMER, Mic hel. Elementos de Direito Constitucional. 20ª ed., São Paulo: Malheir os Editor es , 2005. Páginas 17- 18. 32 inclusive constantes do rol de cláusulas pétreas do artigo 60, §4º, da Constituição, inalteráveis por qualquer coisa inferior a um novo poder constituinte (não bastando um mero poder constituído, também chamado de poder reformador). A própria doutrina, em sua totalidade entende que as cláusulas pétreas nem mesmo podem ser alteradas por via oblíqua. Explica-se: não se pode emendar o §4º do artigo 60 para se abolir a vedação (a emenda que vise a excluir direitos e garantias individuais) e, então, alterar a redação do artigo 5º e seus incisos de forma prejudicial às pessoas. Ora, em sumo não é a Constituição que deve ser interpretada de acordo com a legislação infraconstitucional, pois isso seria uma inversão de valores, um verdadeiro anátema que vem assolando o panorama jurídico da corrente que entende que a inversão do ônus da prova pode ser determinada em sentença e que prevalece sobre os direitos e garantias individuais. Relembrando-se a pirâmide representativa do Ordenamento Jurídico criada por Hans Kelsen, na qual a constituição fica no ápice (sobrepairando acima de todo o resto da legislação), depreende-se com toda a clareza que, tal qual um edifício, o Ordenamento Jurídico se constrói tendo como base a Constituição. E como é de corredia sabença, uma construção erguida sobre bases inconsistentes inexoravelmente há de ruir. Nesse sentido, se a Constituição não for respeitada, as bases do ordenamento jurídico serão fracas, incapazes de suportar o fardo de manter de pé o restante, que cairá como um castelo de cartas devido ao comprometimento de sua integridade estrutural. Qual o sentido do instituto da inversão do ônus da prova? Transferir ônus probatório do consumidor para o fornecedor. Ao contrário do que muitos acreditam, não se trata de regra de julgamento, isto é, de avaliação de provas, e sim regra processual, sobre quem recairá o encargo de provar, devendo o fornecedor ser intimado de sua 33 aplicação antes de iniciada a instrução processual, possibilitando uma defesa consistente. Com base no que se disse até o momento, já é possível delimitar quando se esgota a oportunidade processual para que seja invertido o ônus da prova. Mas se precisa perquirir acerca de quando começa o momento processual oportuno para ser determinada a inversão do ônus. E este momento é o mesmo em que ocorre o despacho liminar positivo. O despacho liminar é a decisão que o juiz prolata em cognição sumária quando tem o primeiro contato com a petição inicial 12, podendo indeferir a inicial devido a uma ou mais das matérias elencadas no artigo 295 do Código de Processo Civil, com o que se dará o despacho liminar de natureza negativa. Se o juiz deferir a petição inicial por ausentes os vícios (sendo certo que o réu pode aduzir acerca de tais vícios em sua defesa, caso o juiz não os tenha percebido), ocorrerá o despacho liminar de natureza positiva, ou simplesmente despacho liminar positivo. Insta ressaltar que, embora o juiz tenha de motivar todas as suas decisões, o despacho liminar positivo geralmente é marcado por se dizer apenas “cite-se”, ocorrendo hipóteses em que o juiz delega tal análise a um dos serventuários do cartório por meio de portaria. Em que pesem os posicionamentos em sentido contrário (que merecem todo o respeito), merece acolhida a corrente que diz que, quando o consumidor ingressa com sua ação, o juiz já dispõe da possibilidade (em cognição sumária) de determinar a inversão se perceber que, com as alegações e provas carreadas aos autos, estão presentes os requisitos para tanto. Dizer que a inversão tem de ser realizada antes do início da instrução não significa que o juiz tem obrigatoriamente de esperar o 12 MO REIRA, J os é Car los Bar bos a. Nov o Processo Civ il Brasileiro. 22ª ed., Rio de J aneir o: Editor a For ens e, 2002. Páginas 22- 26. 34 limiar da instrução para só então determinar a inversão do ônus da prova com base no artigo 6º, inciso VIII, da Lei nº8.078/1990. Evidentemente, porquanto não se dispuser o contrário, antes do despacho saneador (que demarca o início da fase instrutória) ainda compete a cada parte requerer ou produzir as provas que estiverem ao alcance de seu interesse. Ressalte-se ainda que, em sendo realizada a inversão antes da citação, o fornecedor já ingressará nos autos ciente de como tem de organizar sua defesa, inclusive ficando confortável com a possibilidade de ter mais tempo para requerer ou produzir prova com o intuito de desconstituir os requisitos que autorizara a inversão(quanto mais cedo invertido o ônus da prova, mais da marcha processual ainda resta). Pode o fornecedor demonstrar que não há verossimilhança do alegado na inicial ou que não há hipossuficiência do consumidor. E isto prestigia o Princípio da Concentração da Defesa, permitindo que todas as alegações do fornecedor sejam apresentadas na mesma peça em lugar de inúmeras petições esparsas. Deve ser observado que, em sendo determinada a inversão antes da citação do fornecedor, este, uma vez citado, ainda pode recorrer da decisão que deferiu a inversão. É com a citação que o fornecedor (quando em posição de réu) se integra à relação jurídica consubstanciada no processo, sendo certo que isto também quer dizer que não corriam prazos para ele antes da citação. O artigo 223 e o inciso V do artigo 225 (ambos do Código de Processo Civil) elencam como requisito, tanto da citação via postal quanto da citação por mandado, a cópia do despacho liminar positivo. Ora, se na mesma decisão do despacho liminar positivo, o juiz inverter o ônus da prova, então a citação também serve de intimação da decisão que inverteu o ônus. É a citação, inclusive, o termo inicial do prazo para interposição de agravo (na modalidade retido ou por instrumento) da decisão que realizou a inversão do ônus da prova. 35 Evidentemente, nenhum empecilho existe para que o juiz prefira aguardar a vinda da resposta do réu para, analisando em conjunto as alegações e provas (que já foram apresentadas) de ambos os pólos do processo, decidir sobre a pretendida inversão. E bem a propósito do momento em que se inicia a referida oportunidade processual para a inversão, deve ser observado que pouco ou nada se perquiriu acerca da possibilidade de o fornecedor ingressar com a ação em face do consumidor e, este, em sua contestação (com ou sem pedido contraposto) ou reconvenção, requerer a inversão do ônus da prova para facilitar a defesa de seus direitos. Não há razão para se limitar a incidência do instituto da inversão do ônus da prova aos casos em quem o consumidor figure no pólo ativo da demanda. A Lei nº8.078/1990, em seu artigo 6º, inciso VIII, dispõe sobre a facilitação da defesa dos direitos do consumidor no processo civil sm expressar limitação à ação de consumidor-autor. Em se pensando que há tal limitação, basta o fornecedor ajuizar ação (cobrança de débitos, declaração de inexistência de relação jurídica etc.) antes do consumidor para que este se veja tolhido das normas da Lei nº8.078/1990. Isto é relevante porque, com a contestação apresentada pelo consumidor, o juiz pode verificar a presença dos requisitos autorizadores da incidência do instituto e inverter o ônus da prova em favor do consumidor (independentemente de ele estar na posição de réu). Ou então, com a apresentação da reconvenção por parte do consumidor. apresentação Ou de então inverter contestação o pelo ônus da prova fornecedor à quando da reconvenção apresentada pelo consumidor. Mas, voltando ao momento em que se esgota a oportunidade processual para que se inverta o ônus da prova, ele se consubstancia no momento em que preclui a possibilidade de apresentar ou requerer provas para ambas as partes. 36 No caso do procedimento comum, consiste no despacho 13 saneador . Com a prolação de tal decisão ocorre um engessamento do processo, por assim dizer. Não se pode mais requerer ou apresentar determinadas provas. Portanto, quando cabível a inversão do ônus da prova, ela ser determinada em decisão anterior ao despacho saneador, abrindo-se prazo para apresentação ou requerimento de novas provas por parte do fornecedor e, vindo petição acerca da decisão ou transcorrido o prazo permitido, deve ser prolatado o despacho saneador. Não se pode olvidar de ser interposto agravo da decisão que inverteu o ônus da prova ou que o juiz decida voltar atrás em seu entendimento quando das novas alegações feitas devido à inversão. Saliente-se que, em sendo interposto agravo, se não for deferida a suspensão do cumprimento da decisão com base no artigo 558 do Código de Processo Civil, a instrução ocorrerá normalmente e a decisão, ao final, acerca do agravo poderá ser o de que o mesmo se encontra prejudicado. Há um ponto que deve ser destacado sobre o que muitos dizem de que somente pode ser deferida a inversão do ônus da prova antes do despacho saneador sob pena de lesão ao Contraditório e à Ampla Defesa. O ponto consiste em que muitas vezes o juiz não encontra o necessário para a inversão antes do despacho saneador, mas o encontra após tal decisão. Mas, então ele não pode fazer operar a inversão porque o fornecedor não tem mais a possibilidade de apresentar e requerer determinadas provas devido ao já mencionado engessamento do processo. E sentido há para o engessamento do processo, pois que o despacho saneador marca o início da reta final, destituída de vícios (ou os mesmos já sanados) e da possibilidade de incidentes (atualmente, deve ser retido o agravo de decisões interlocutórias proferidas em 13 MO REIRA, J os é Car los Bar bos a. Nov o Processo Civ il Brasileiro. 22ª ed., Rio de J aneir o: Editor a For ens e, 2002. Páginas 52- 54. 37 audiência de instrução e julgamento), tudo pronto e encaminhado para que se tenha de decidir muito pouca coisa antes da sentença vindoura. Nesse diapasão, a verossimilhança pode ocorrer com o depoimento de uma testemunha que, embora gagueje, vacile ao responder e não tenha convicção no que fale, ainda assim traga informações que autorizem o juiz a proceder à inversão. Frise-se que aqui se perquire acerca de uma verossimilhança de grau inferior à que permite o julgamento favorável ao consumidor. Não permite o julgamento favorável ao consumidor, mas permite que seja realizada a inversão do ônus para que o fornecedor traga determinadas provas de interesse para a causa. Infelizmente há que se concluir que, em casos como o narrado, a solidez e impossibilidade de adaptação do processo às circunstâncias, termina por prejudicar o consumidor. Em certas circunstâncias pode-se dizer que é o processo civil que atrapalha a inversão do ônus da prova (e, portanto, a defesa dos direitos do consumidor) e não o contrário. Já no tocante aos Juizados Especiais Cíveis, é mais fácil a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova. Devido ao procedimento instituído pela Lei nº9.099/1995 ser deveras simplificado, sem despacho saneador, nada obsta a que se determine a inversão do ônus da prova em plena audiência de instrução e julgamento, após a colheita de algumas provas. É certo que, mesmo neste caso, o juiz deve anunciar a sua decisão de inverter o ônus da prova durante a audiência (ou seja, antes da sentença) e permitir que o fornecedor tenha a possibilidade de apresentar outras provas. O que ocorre, e com freqüência, é inverter o ônus da prova em sentença prolatada em processo em trâmite perante Juizado Especial Cível e ter tal sentença como fundamento o dizer de que o fornecedor deveria ter previsto que a inversão poderia acontecer e, por isso, deveria ter apresentado provas conforme a inversão. 38 Com todo o respeito que é devido aos juízes que atuam desta forma, deveria vir constante da citação o aviso de que poderá ocorrer a inversão do ônus da prova em audiência, devendo o fornecedor, por isso, levar todas as provas a fim de excluir sua responsabilidade. Isto faz comparação entre a possibilidade de ser invertido o ônus probatório em favor do consumidor e o aviso a que alude o artigo 285, 2ª parte, do Código de Processo Civil (os efeitos da revelia em não sendo contestada a ação). E há um enunciado (de nº8.3 do Aviso 29/2005) para os Juizados Especiais Cíveis determinando que na citação deve constar expressamente o aviso de que a sessão de conciliação poderá ser convolada em audiência de instrução e julgamento, a fim de que o réu leve à sessão de conciliação (mas não necessariamente apresente) a defesa e todas as provas a serem produzidas. E isto é muito justo, eis que o fornecedor se vê plenamente ciente de que é encarregado de comparecer desde a sessão de conciliação munido de todas as provas, incluindo as que não pretende produzir acaso não seja determinada a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. 39 V - CONCLUSÃO: Como se viu ao longo do Trabalho, existem equívocos quanto à incidência do instituto da inversão do ônus da prova previsto no inciso VIII do artigo 6º da Lei nº8.078/1990, incluindo todas as suas características. Não há ponto pacífico acerca do sentido dos requisitos, a abrangência, o momento para ser declarada a inversão, quem pode ser considerado consumidor por equiparação. Em tipos diferentes de juízos a mencionada inversão é tratada de forma diferente, até para se adaptar às peculiaridades do juízo (se é Vara Cível ou Juizado Especial Cível). Vale a pena repetir algo que se disse no decorrer do Trabalho: não há forma correta de utilização do instituto em estudo, mas apenas formas cujas vantagens (efeitos práticos) e desvantagens (violação de outras normas) sejam diferentes. Assim, o juiz se vê obrigado a sopesar os valores em jogo na causa para poder decidir se vale a pena inverter o ônus (violando algumas normas) ou não inverter o ônus (violando outras normas). 40 BIBLIOGRAFIA: BRASIL. Código Civil. 53ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002. CAHALI, Yussef Said. Código Civil, Código de Processo Civil e Constituição Federal. 5. ed, São Paulo: RT, 2003. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et al. 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