SERGIO GUIMARÃES XAVIER DOS SANTOS
MATRÍCULA: K200807
O LADO PERVERSO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Monogr afia
apr es entada
c omo
r equis ito
à
apr ov aç ão no c ur s o de Pós - G r aduaç ão Lato Sens u
/ Es pec ializaç ão em Dir eito do Cons umidor , Tur ma
K027.
Professor Orientador: W illiam Rocha
RIO DE JANEIRO
2006
2
SERGIO GUIMARÃES XAVIER DOS SANTOS
O LADO PERVERSO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Monogr afia
apr es entada
c omo
r equis ito
à
apr ov aç ão no c ur s o de Pós - G r aduaç ão Lato Sens u
/ Es pec ializaç ão em Dir eito do Cons umidor .
Aprovado em ____ de ______________ de 2006.
________________________________________________
Professor(a):
________________________________________________
Professor(a):
________________________________________________
Professor(a):
3
DEDICATÓRIA:
A Deus, pela estrada que percorri, com sua ajuda em grande
parcela do trajeto.
À minha família, pela vivência e solidariedade que me
permitiram subir vários degraus na escada da vida.
Ao meu falecido avô, Aloizio Guimarães, exemplo de caráter
e quem eu gostaria que pudesse se fazer presente no ato do
recebimento do certificado de conclusão de curso, para saber que
tenciono me aprofundar na carreira jurídica que ele exerceu em
vida.
À minha falecida bisavó, Porcina Mattos dos Santos, cujo
caráter e personalidade fortes me ensinaram bastante.
4
AGRADECIMENTOS:
Aos professores do curso de Pós Graduação Latu
Senso / Especialização em Direito do Consumidor,
pelo trabalho bem feito ao longo do curso.
Aos meus amigos, pela confiança e apoio que
sempre me dispensaram.
5
RESUMO:
Atualmente, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor
(Lei nº8.078/1990) prevê a inversão do ônus da prova em favor do
consumidor em seu artigo 6º, inciso VIII. Tal instituto é utilizado de
várias formas diferentes por cada julgador, sendo certo que sempre há
quem reclame da forma como foi utilizado.Por tais motivos, o presente
Trabalho traz explicação sucinta acerca das mazelas geradas com as
diferentes correntes acerca das características da referida inversão, e
também algumas soluções em relação ao cotidiano.
SUMÁRIO:
6
I - INTRODUÇÃO _______________________________________________ 7
1.1 - Inversão do Ônus da Prova __________________________________ 10
II - PROVA E ÔNUS____________________________________________ 14
III - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E SEUS REQUISITOS __________ 20
IV - MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO PARA SER DETERMINADA A
INVERSÃO D ÔNUS DA PROVA _________________________________ 26
V - CONCLUSÃO ______________________________________________ 40
BIBLIOGRAFIA _______________________________________________ 41
I - INTRODUÇÃO:
7
Sociologicamente, é fato que se considera uma cultura como
civilizada,
no
momento
em
que
a
mesma
gera
uma
forma
de
comunicação escrita, traduzindo para os caracteres sua linguagem
pronunciada.
Seguindo por esta linha de raciocínio, vários doutrinadores
jurídicos consideram fato que não há sociedade sem direito, seja ele
escrito, palpável e visualizável, ou existente somente no íntimo do ser
humano, por índole ou aprendizado junto aos mais velhos 1.
Caso seja indagado acerca da relação entre sociedade e
direito, a resposta é deveras simples: o direito exerce na sociedade a
função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se
manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre
pessoas e compor os conflitos que se verificam entre os seus membros.
Destarte, o homem, como ser social que é, precisa viver
junto
aos
seus,
sendo
certo
que,
a
vida
em
sociedade
leva,
eventualmente a conflitos entre seus membros, com a criação de
pretensões insatisfeitas. E tal insatisfação é sempre um fator antisocial, independente de a pessoa ter ou não ter direito ao bem
pretendido. E esta indefinição é sempre razão de angústia e tensão
individual e social.
Em tempos ancestrais, em que o Estado não possuía força,
vigia a justiça privada, onde vencia o mais forte, ou mais audaz, etc.,
não se podendo dizer que a solução fora realmente justa.
Neste mesmo sentido, há de se ver que, com o surgimento
do Estado, a Justiça privada (autotutela ou autodefesa) e efetuada
conforme os interesses do mais forte, foi vedada aos cidadãos e, para
que os mesmos pudessem resolver seus conflitos de interesse (de nada
adiantaria vedar a justiça privada se ao cidadão não restasse meio para
solucionar seus conflitos), veio a mesma a se tornar pública e
organizada com a finalidade de estabelecer a paz social.
1
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, e outros. Teoria Geral do Processo. 13ª ed., São Paulo:
Malheiros Editores, 1997. Página 19.
8
Assim, em um determinado momento histórico, o Estado
clama
para
si
a
função
de
prestar
jurisdição,
de
expressar
imperativamente o preceito (por meio de uma sentença de mérito), seja
realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (por meio
da execução forçada), realizando a composição dos conflitos de
interesse, de maneira a restabelecer a paz social (principal fim da
jurisdição) no âmbito de sua atuação. Concorda a grande maioria da
doutrina que a jurisdição não é um poder (do qual não haveria contraprestação) e sim um poder-dever (função), vez que, uma vez invocada,
o judiciário não pode se abster de se pronunciar, eis que o juiz não se
exime de decidir quando houver lacuna ou obscuridade da lei (primeira
parte do artigo 126 do Código de Processo Civil 2).
Para exercer tal função jurisdicional, o Estado investe nessa
função de composição de conflitos de interesse (jurisdição) uma pessoa
física chamada de juiz. Mas, pelo óbvio, seria humanamente impossível
que um único juiz conseguisse prestar a jurisdição em todo o território
nacional. Isto diante de vários fatores, como a hierarquia judiciária, os
diversos ramos do Direito, sem levar em conta, é claro, a extensão
geográfica.
Eis que surge a necessidade de se atribuir, de forma
dividida, essa função jurisdicional entre vários órgãos, de forma
racional, limitando, em conseqüência direta disto, o poder de cada
órgão jurisdicional. Nasce o conceito de competência.
Não é possível dizer que o Brasil tem uma Organização
Judiciária desde o início de sua existência, no Descobrimento de 1500.
de fato, durou demasiado tempo sem, ao menos, sombra do que hoje
chamamos de Organização Judiciária 3.
No período compreendido entre os anos de 1500 e 1808, o
Brasil se encontra em sua fase Colonial, desprovido de uma sociedade
civil organizada, inexistindo, portanto, legislação civil.
2
NEG RÃO , T heotonio. Código de Pr oc es s o Civil e Legis laç ão Pr oc es s ual em Vigor .
34ª ed., São Paulo: Sar aiva, 2002. Página 224.
3
ROBERT, Cinthia. @cesso à Justiça. 2. ed., Rio de janeiro: Lumen Juris, 1999. Páginas 5-10.
9
Era
o
regime
das
Capitanias
Hereditárias,
com
uma
estrutura de poder absoluto, unipessoal e arbitrário, contido na vontade
do Governador, que possuía um papel híbrido na justiça. Neste período
não ocorreram grandes mudanças realmente significativas e que valham
a pena suscitar.
Em 28 de novembro de 1842, surgiu a primeira lei a tratar
da
organização
judiciária
brasileira,
com
boas
mudanças,
como
hierarquia judiciária e acesso ao pretório.
Com a lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, foram criadas
algumas das autoridades judiciárias que hoje ainda existem, como os
Promotores Públicos e os Juízes de Direito, além da competência das
mesmas, e ainda as autoridades policiais para as províncias.
Com o Regulamento nº 143, de 15 de março de 1842, o país
recebeu a Segunda Instância brasileira, não sendo mais necessário
enviar todos os casos para serem reavaliados em Portugal. Finalmente
vieram os Recursos, Alçadas, Correições, Emolumentos, Salários e
Custas Judiciais.
Com a promulgação da constituição de 24 de fevereiro de
1891, finalmente o Judiciário é alçado ao nível de Poder independente,
ficando no mesmo plano dos demais Poderes.
Como já dito, em determinado momento histórico o Estado
decidiu conceder a pessoas o poder-dever jurisdicional. São criados os
Juízes,
que
atualmente,
além
de
receber
tratamento
doutrinário
diferenciado daquele dispensado aos servidores públicos pelo Código
de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro
(CODJERJ) e demais leis, ainda ocupam cargo público sob a égide do
Poder Judiciário.
O significado do nome de seu cargo pode ser entendido de
várias formas, entre elas as duas principais são, primeiro, a de que são
Juízes de Direito porque julgam o Direito, resolvendo uma lide de
expressando imperativamente o preceito (por meio de uma sentença de
mérito), ou realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece
(por meio da execução forçada), e, segundo, a de que são Juízes de
10
Direito porque obtiveram aprovação em concurso, alcançando um cargo
que agora lhes pertence por direito.
Segundo leitura do CODJERJ, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) e até mesmo da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro (CERJ), os Juízes são considerados pela
letra fria da lei como órgãos do Poder Judiciário da Justiça Estadual.
Não a máquina judiciária toda de que eles fazem parte, como os
Cartórios da Varas, mas tão somente os Juízes.
1.1 – Inversão do ônus da Prova:
Em colocação revolucionária, a Constituição da República
destacou em seu artigo 5º, inciso XXXII, que ao Estado cabe promover
a defesa do consumidor.
E a Constituição estadual prevê em seu artigo 63 que o
consumidor tem direito à proteção do Estado, além de elencar algumas
medidas a serem tomadas no sentido de proteger os direitos do
consumidor 4.
Estes dispositivos estão intimamente ligados ao artigo 48
dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou
que o Congresso Nacional elaborasse um “código de defesa do
consumidor”, em prazo de cento e vinte dias após a promulgação da
Constituição.
Tal determinação não foi cumprida, pois que o Congresso
Nacional demorou quase dois anos para promulgar e, 11 de setembro
de 1990 a Lei nº8.078, atual Código de Proteção e Defesa do
Consumidor.
A inversão do ônus da prova no processo civil, a favor do
consumidor, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/1990).
4
O LIVEIRA, Cláudio Br andão de. Const it uição do Estado do Rio de Janeiro. 1ª
ed., Rio de J aneir o: Rom a Vic tor Editor a. Páginas 21- 22.
11
O próprio texto da Lei nº8.078/1990, que disciplina a
inversão do ônus da prova, em seu art. 6º, inciso VIII:
Ar t. 6º. São dir eitos bás ic os do c ons um idor :
VIII – a f ac ilitaç ão da def es a de s eus dir eitos , inc lus ive
c om a inver s ão do ônus da pr ova, a s eu f avor , no pr oc es s o
c ivil, quando, a c r itér io do j uiz, f or ver os s ím il a alegaç ão ou
quando f or ele hipos s uf ic iente, s egundo as r egr as or dinár ias
de ex per iênc ia;
Embora o instituto tenha sido criado com fim específico de
facilitar a defesa dos direitos do consumidor em juízo, não se encontra
acima de requisitos.
E,
infelizmente,
devido
aos
requisitos
e
incidência
processual, vem sendo utilizado de forma deveras equivocada por
vários magistrados, defensores públicos, promotores (nos casos em
que intervém como fiscais da lei e nos casos em que substituem os
autores) e advogados.
Os advogados e defensores públicos têm a justificativa de
que defendem uma linha de raciocínio que sirva aos interesses de seus
clientes e assistidos, respectivamente. Os juízes, por terem o dever de
aplicar corretamente a lei, e os promotores, quando atuam como fiscais
da lei, têm o dever de conhecer a correta aplicação do instituto em
exame.
Este instituto tão peculiar, com tanto potencial para o futuro
precisa ser estudado mais a fundo, principalmente quanto à sua parte
processual. Razões para tal percebe-se somente com a avaliação do
fato de que ora é tratado como verdadeiro instituto legitimador do
abuso de direito pelos consumidores, ora não recebe a devida atenção
pelo juiz que julga a causa, em nada facilitando a defesa dos direitos
dos consumidores, em uma demonstração de extremismo desprovido de
razoabilidade.
O instituto da inversão do ônus da prova, entretanto, não é
tema pacífico na doutrina e na jurisprudência acerca de sua aplicação,
tanto nos requisitos, quanto nos efeitos e na própria incidência do
mesmo.
12
Ressalte-se que não há nenhuma forma de utilização do
instituto que possa ser considerada correta, eis que todas as formas
são dotadas de falhas.
É tal tema que enseja o Trabalho de Conclusão de Curso,
devido, principalmente, à falta de informação, atualmente, crescente
entre os que atuam na área do direito do consumidor.
Evidentemente, torna-se impraticável tratar de todos os
pormenores acerca da incorreta utilização do instituto da inversão do
ônus da prova nas parcas laudas de texto contidas na Monografia. Por
tal fato, em verdade será abordado o tema sob o prisma que alcança o
processo civil e seus procedimentos (a parte prática), e somente em
relação à forma de utilização no Estado do Rio de Janeiro, pois os
outros
Estados
possuem
algumas
leis
estaduais
que
tornam
os
procedimento diferenciados.
O intento almejado com a Monografia será o de esclarecer,
acerca da aplicação, abrangência, requisitos, conseqüências, vertentes
e embasamento da inversão do ônus da prova, incluindo explanações
acerca de assuntos relacionados.
Para tanto, serão analisadas, discutidas e comparadas a
doutrina, jurisprudência e legislação disponíveis, com a apresentação
de
sua
razão
de
ser,
em
relação
aos
princípios constitucionais
inerentes ao direito processual.
O tema escolhido vem em uma época em que se discute
tanto acerca de justiça social, da justiça material e da morosidade da
justiça, em uma etapa de renovação do pensamento jurídico. E toda
renova cão do pensamento é sempre precedida de uma etapa de
incertezas e dúvidas devido à cacofonia de correntes nascidas de
mentes variadas e que, justamente por serem variadas, entendem e
explanam de formas diferenciadas.
Cumpre salientar que, em vista da independência com que
deve agir o juiz, a lei o colocou à parte de certas matérias de
responsabilidade, o que culminou por tornar opacas suas percepções.
13
Mas tal couraça protetora não deve ser utilizada para fins
mesquinhos,
como
a
crescente
indústria
das
indenizações,
especialmente com o advento dos Juizados Especiais Cíveis, onde não
há custas e condenação em honorários sucumbenciais (o que também
permite a protelação dos processos e sua morosidade sem ônus
algum).
Assim, os advogados, promotores, defensores públicos e,
especialmente,
os
Juízes
se
sentirão
mais
seguros
com
um
delineamento do tema, contendo os parâmetros alcançados por tal
instituto.
II – PROVA E ÔNUS:
Em
um
antigo
minidicionário
tem-se
o
significado
do
vocábulo prova como sendo aquilo que atesta a veracidade ou a
autenticidade de algo.
Em um dicionário jurídico atualizado, tem-se a singela
definição de prova como todo meio legal, usado no processo, capaz de
14
demonstrar a verdade dos fatos alegados em juízo. E acrescentou-se
que a prova deve ter como objetivo principal o convencimento do juiz 5.
O conceito tradicional de prova adotado, ou, pelo menos
repetido, por boa parte da doutrina jurídica, a tem, com algumas
variações, reconhecido como o meio de obtenção da verdade dos fatos
no processo.
Tal conceito tem sua origem no texto do artigo 332 do
Código de Processo Civil (Lei nº5.869/1973). Nesse sentido, a prova
seria o instrumento pelo qual o juiz se utilizaria para definir a verdade
dos fatos que efetivamente ensejaram a lide, e sobre os quais concluirá
sua atividade cognitiva.
O texto legal determina que as provas têm a finalidade de
obter a verdade dos fatos. Resta, então, saber o significado atribuído à
palavra verdade, principalmente considerando a finalidade e limitações
que possui o processo civil porquanto considerado como manifestação
humana e cultural.
Precisamente por este motivo, se faz necessário examinar
se a verdade pode ser obtida com o processo em si e, também, se é
verdadeiramente possível elaborar um conceito que traduza o que
contém o conceito da prova.
Faz-se necessário tentar sistematizar uma re-significação
que reconheça efetivamente a real complexidade que possui o instituto
da prova, para além da crua definição legal em que se pressupõe ser
possível alcançar a verdade dos fatos no processo.
Em verdade, com fulcro no renomado Princípio da Verdade
Formal, provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência
ou não de fatos relevantes no processo.
Nesse sentido, a prova em geral da verdade dos fatos não
pode ter limites; mas a prova no processo, ao revés da prova
puramente lógica e científica, sobre a limitação na necessidade social
de que o processo tenha um termo.
5
HO RCAIO , Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. 1ª ed., São Paulo: Pr im eir a
Im pr es s ão, 2006. Página 888.
15
Como o processo visa a restabelecer a paz social, tem-se
entre seus princípios o do Impulso Oficial, segundo o qual o processo
civil começa com a iniciativa das partes, mas se desenvolve por
impulso do Magistrado (artigo 262 do Código de Processo Civil). Isto
quer dizer que o juiz tem o dever de dar andamento ao processo para
que o mesmo não fique estagnado
Os processos, em suas diversas marchas procedimentais,
são compostos de fases ou momentos para o exercício dos atos dos
seus sujeitos (partes, juiz etc.), preparando cada fase a seguinte.
Pelo Princípio da Eventualidade (ou Preclusão), se o ato
não for praticado em seu momento próprio, acarreta a perda da
oportunidade de sua prática. Isto é o que se chama de preclusão.
Transitado em julgado a sentença, a investigação dos fatos
da causa preclui definitivamente e, a partir desse momento, o direito
não cogita mais da correspondência dos fatos apurados pelo juiz à
realidade das coisas, e a sentença permanece como afirmação da
vontade do Estado, sem que influência nenhuma exerça sobre o seu
valor o elemento lógico de que se extraiu.
Portanto,
mais
parece
que
a
prova
como
instrumento
segundo qual se tenta conferir veracidade a uma tese, a fim de
demonstrar o desenrolar dos fatos controvertidos, para se permitir ao
juiz a formação de uma linha de raciocínio a fim de se reputar como
razoável uma hipótese a ser adotada como suporte de uma decisão, o
que proveria força à hipótese.
Já foram mencionados determinados princípios informativos
do direito processual, sendo conveniente ressaltar que a teoria da
prova, em si, possui princípios próprios.
Entre eles tem-se o Princípio Dispositivo, fundamentado na
supremacia da vontade das partes, segundo o qual o juiz somente pode
decidir a lide nos limites em que foi proposta, não podendo conhecer de
questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da
parte. Possui previsão positivada no artigo 128 do Código de Processo
Civil.
16
E tem-se o Princípio da Oralidade, que determina que a
discussão oral da causa na audiência de instrução e julgamento
caracteriza-se como fator de grande relevância, vez que permite uma
maior concentração dos atos praticados, embora tenham eles de ser
registrados em uma ata, ou assentada.
E
com
a
oralidade
se
chega
forçosamente
ao
seu
consectário lógico, o Princípio da Identidade Física do Juiz, eis que o
juiz de primeiro grau é que tem contato com as partes, podendo avaliar
dados que não podem ser traduzidos para o papel (como a forma de se
portar em audiência, a forma de se comunicar, os gestos e linguagem
corporal etc.). Tal princípio foi positivado no artigo 132 do Código de
Processo Civil, tornando obrigatório que, devido à identidade física do
juiz, o juiz que concluir a audiência se encontra vinculado à prolação da
sentença.
O artigo 332 do Código de Processo Civil prevê que todos
os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não
especificados no referido diploma legal, são hábeis para provar a
verdade dos fatos em que se funda a ação ou defesa. Este é o conceito
do Princípio da Prova Livre.
Ainda há o princípio inominado segundo o qual o juiz tem o
dever de conhecer a lei, com base no famoso brocardo jurídico
atribuído aos juízes “dê-me os fatos e eu te darei o direito”.
Tal princípio é importante por duas razões, e a primeira é a
sua exceção: o artigo 337 do Código de Processo Civil preceitua que o
juiz pode determinar que a parte que alegue direito municipal, estadual,
consuetudinário e estrangeiro tem de provar seu teor e sua vigência.
E
a
segunda razão é a teoria da substanciação (em
contraposição à teoria da individuação) adotada pelo direito pátrio para
a identidade da causa de pedir. Tal teoria enfoca como ponto para
identificação da causa de pedir o conjunto de fatos alegados e não sua
qualificação jurídica.
Isto é mais fácil de se discernir no processo penal, em que o
acusado de defende dos fatos narrados na denúncia e não da
17
tipificação legal atribuída. E também se percebe nas causas propostas
perante
juizados
especiais
cíveis,
que,
pelo
artigo
14
da
Lei
nº9.099/1995, pode receber pedido oral que será reduzido a escrito
com linguagem simples e acessível (eis que a pessoa pode ajuizar ação
sem patrocínio por advogado).
Ainda há que se ver o Princípio da Motivação das Decisões,
descendente do Sistema da Persuasão Racional (ou Sistema do Livre
Convencimento Motivado do Juiz, ou simplesmente Sistema do Livre
Convencimento). Tem a relevância de significar que é direito das partes
(e, aliás, de toda a sociedade) conhecer os motivos que levaram um
processo a ter aquela decisão prolatada, até para fiscalizar se foi
correta (no sentido de justa conforme as convenções) ou não, para
poder utilizar seu direito de recorrer caso incorreta seja a decisão. Em
assim não sendo, haveria violação ao Contraditório e à Ampla Defesa,
posto que se dificultaria a discussão por via recursal da correção da
decisão.
A Constituição da República Federativa do Brasil acolheu tal
princípio ao positivar em seu artigo 93, inciso IX, a necessidade de
motivação das decisões, inclusive sob pena de nulidade. Nas normas
infraconstitucionais, o referido princípio encontra-se localizado no
artigo 131 do Código de Processo Civil.
E bem a verdade, o princípio da motivação também foi
acolhido pelo artigo 458 do Código de Processo Civil, pois que torna
requisito essencial da sentença os fundamentos, em que o juiz tem de
analisar as questões de fato e de direito.
Isto posto, pode-se dizer com segurança que nem sempre o
julgador encontra condições que o possibilitem firmar uma hipótese que
ele
considere
plausível.
Isto
importa dizer que, sem a hipótese
plausível, não pode o juiz encontrar uma solução para a causa, ficando
impossibilitado de decidir.
18
Mas o artigo 126 do Código de Processo Civil determina que
o juiz não se exime de decidir nem mesmo por falta de previsão legal
que abranja o caso concreto 6.
É então que surge a importância do ônus da prova e de sua
atribuição a cada parte.
Ônus não é sinônimo de dever e nem de obrigação. Dever é
a contraparte do direito subjetivo, que é a faculdade assegurada por lei
(faculdade jurídica), de exigir determinada conduta (ação ou omissão)
de alguém que, por lei ou por ato ou negócio jurídico, está obrigado a
observa-la (dever jurídico). E quando o dever jurídico consiste em uma
prestação de natureza patrimonial (econômica) tem-se obrigação.
O vocábulo ônus significa peso ou encargo. Portanto, ônus
da prova significa encargo que pesa sobre uma pessoa no sentido de
provar a veracidade das alegações nas questões judiciais 7.
A importância de tal colocação reside na circunstância de
que, quem não consegue cumprir com o ônus probatório que lhe é
atribuído, tem a sucumbência como destino para sua pretensão ou
defesa. Não se trata de punição por não cumprir com o ônus, mas mera
conseqüência devido a não ter formado o convencimento judicial em
outro sentido.
Nesse sentido, tem-se que a lei já define qual o ônus
probatório que cada parte possui. E a lei específica é o Código de
Processo Civil (Lei nº5.869/1973), que diz em seu artigo 333 que o
ônus da prova incumbe: ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu
direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
Extrai-se que, quem alega tem de provar. Se o réu negar o
fato constitutivo do direito do autor, este terá de prová-lo. Mas se o réu,
em lugar de negar, opuser algum fato impeditivo, modificativo ou
6
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 32ª ED., Rio de Janeiro:
Forense, 2003. Páginas 178-181.
7
HO RCAIO , Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. 1ª ed., São Paulo: Pr im eir a
Im pr es s ão, 2006. Página 766.
19
extintivo do direito do autor, terá de provar o que alega, podendo o
autor quedar-se inerte ou produzir prova para elidir as provas do réu.
III - A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA:
Anteriormente
ao
Código
de
Proteção
e
Defesa
do
Consumidor, as relações de consumo eram tratadas conforme as regras
do
direito
civil
responsabilidade
comum.
objetiva
Isto
do
significa
fornecedor
dizer
e
nem
que
os
não
havia
preceitos
do
chamado microssistema da Lei nº8.078/1990. O consumidor se via à
mercê
da
superioridade
técnica,
econômica
etc.
do
fornecedor,
20
encontrando-se em clara posição desfavorável quando buscava a
defesa de seus direito perante o Judiciário 8.
Com a promulgação do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor isto mudou, e infelizmente não tão para melhor assim.
Com base no Princípio da Harmonização das Relações de
Consumo, ao consumidor é garantida a facilitação da defesa de seus
direitos em juízo, trazendo o Código uma novidade: a possibilidade de
inverter-se o ônus da prova em favor do consumidor no processo civil,
quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou for ele
hipossuficiente.
Nisto,
se
destacam
duas
limitações
(necessidade
de
existência de relação de consumo e somente incide o instituto no
processo civil) e dois requisitos (verossimilhança das alegações e
hipossuficiência do consumidor).
Não se precisa falar muito acerca de incidir o instituto
apenas no processo civil. Ele não incide no processo penal (senão
seria violação ao Princípio da Presunção de Inocência), nem no
processo trabalhista (a relação é entre empregador e empregado,
natureza diversa da relação de consumo) e nem no processo tributário
(os tributos são inerentes ao direito público e a relação de consumo
refere-se ao direito privado).
Sobre
a
existência
de
relação
de
consumo,
se
faz
necessário definir o que seria isso. A relação de consumo possui três
elementos: partes (fornecedor e consumidor); vínculo; objeto (produto
ou serviço).
As partes têm suas definições descritas no próprio Código
de Proteção e Defesa do Consumidor: fornecedor é toda pessoa física
ou jurídica (ou ente despersonalizado) que desenvolve atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação
de serviços (art. 3º); consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
8
G RINO VER, Ada Pelegr ini et al. Código Brasileiro de Def esa do Consumidor
Comentado pelos Autores do Anteprojeto . 8ª ed., Rio de J aneir o: For ens e
Univer s itár ia, 2004. Páginas 6- 7.
21
adquire
ou
utiliza
produto
ou
serviço
como
destinatário
final,
equiparando-se a tal conceito a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º).
Importa
equiparação
trazer
(todas
as
a
lume
vítimas
do
o
conceito
evento)
de
do
consumidor
artigo
17
da
por
Lei
nº8.078/1990.
A doutrina e jurisprudência apontam mais de uma corrente
acerca de tal conceito, cada corrente atribuindo mais ou menos
elasticidade a tal equiparação.
Os que permitem maior elasticidade afirmam que, se o caso
envolve um fornecedor, há a equiparação independentemente de ter ou
não o caso relação com a atividade desenvolvida. Se um automóvel
pertencente a uma empresa de telefonia está sendo dirigido por um
empregado da mesma, fora do horário de serviço (completamente
desvinculado da atividade de telefonia), e se envolve em um acidente
de trânsito, há quem sustente que se trataria de fato do produto ou
serviço, equiparando a consumidor o proprietário do outro automóvel
envolvido no acidente.
Os que afirmam menos elasticidade indicam que se uma
pessoa é transportada gratuitamente em um ônibus (de uma empresa
concessionária de uma linha) devido a possuir passe livre, e o ônibus
se envolve em um acidente, o portador de passe livre não seria
consumidor
nem
por
equiparação
devido
a
não
ter
efetuado
o
pagamento da passagem.
E ainda há os que, sem perquirirem da elasticidade da
equiparação, aduzem que a equiparação somente se presta para os fins
das normas previstas na Seção II do Capítulo IV do título I da Lei
nº8.078/1990 devido a interpretação do texto do artigo 17. E esta
definição não abrangeria a inversão do ônus da prova, pois que
prevista no Capítulo III do mesmo Título.
Claro que a equiparação a consumidor vai depender, em
cada caso concreto, da análise de suas circunstâncias peculiares,
22
sendo certo que deve se fazer presente, no mínimo, o envolvimento de
um fornecedor de produtos ou serviços para validar a equiparação.
Quanto aos requisitos para a inversão do ônus probatório,
eles
são
importantíssimos,
ressaltando
que,
conforme
corrente
amplamente majoritária, não é preciso a cumulação dos requisitos.
Basta a ocorrência de apenas um deles.
Assim,
se
houver
a
verossimilhança
do
alegado
pelo
consumidor, não será obrigatória a hipossuficiência do consumidor. E
vice-versa.
A verossimilhança do alegado, também chamada prova de
primeira aparência 9, é um similar da presunção natural, que tem por
fonte uma norma de experiência, com relação ao que normalmente
acontece (tem aparência de verdade, ou tem grande probabilidade de
ser verdade). Em vez de se apoiar nas circunstâncias que rodeiam o
caso
concreto,
repousa
exclusivamente
na
experiência
da
vida,
substituindo o fato básico pela máxima experiência.
Não se está a dizer que nenhuma prova é necessária. De
fato, a verossimilhança precisa de um início de prova para restar
configurada. Por exemplo, se a pessoa reclama do valor de sua conta
telefônica porque anteriormente nunca alcançara a conta tal valor, ela
deve, pelo menos, trazer aos autos a conta reclamada e meia dúzia das
anteriores para demonstrar a verossimilhança.
Por tal razão, vem a jurisprudência entendendo que a
inversão do ônus da prova não alcança o fato constitutivo do direito do
autor, que continua sendo dele. Em caso contrário, seria a inversão do
ônus o mesmo que a isenção do ônus da prova, matéria diferente e que
é disciplinada no artigo 334 do Código de Processo Civil.
A verossimilhança, como é óbvio, pode ser desconstituída
por meio de provas, e pode a decisão que nela se baseou ser recorrida
para que a instância revisora reveja a existência dela.
9
FILHO , Sér gio Cavalier i. Programa de Responsabilidade Civ il. 6ª ed., São Paulo:
Malheir os Editor es , 2005. Páginas 516- 517.
23
Já a hipossuficiência do consumidor é um conceito que
costuma
ser
bastante
problemático.
Muitos
a
entendem
como
presumida quando o fornecedor é uma empresa de grande porte e o
consumidor é uma pessoa simplória e de parcos recursos, o que pode
resultar em injustiça para o fornecedor.
O consumidor muitas vezes somente é hipossuficiente em
relação ao fornecedor porque há uma diferença muito grande entre
eles, mas não é hipossuficiente para a produção da prova.
A hipossuficiência econômica, por exemplo, que é um dos
balizadores da inversão do ônus da prova, revela-se um critério injusto
nos casos em que o consumidor é beneficiário da gratuidade de justiça
instituída pela Lei nº1.060/1950 10.
Imagine-se que um consumidor de pouquíssimos recursos
requer
prova
pericial consistente
no
exame
por um
médico.
Os
honorários do perito, como todas as despesas processuais, devem ser
antecipados conforme manda o artigo 19 do Código de Processo Civil.
Devido a ser o consumidor beneficiário da justiça gratuita, ele não
precisa se preocupar com os honorários, devendo o réu pagá-los ao
final do processo, caso seja o perdedor. O autor não é, portanto,
hipossuficiente para a produção da prova, a despeito de ter parcos
recursos.
Mas o juiz determina a inversão do ônus da prova, cujo
único efeito prático é obrigar o réu a antecipar os honorários do perito,
mesmo sabendo que ao final não será ressarcido do que gastou porque
o autor goza de gratuidade de justiça. E pior: como o interesse na
produção da prova não é do autor, ele não precisa comparecer ao
exame pericial (com base na liberdade de locomoção), pois que
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei (artigo 5º, inciso II, da Constituição da República).
Ou então, o consumidor é pessoa semi-alfabetizada, mas
patrocinado por grande e bem conceituado escritório de advogados. Ele
ajuíza uma ação arrolando dez testemunhas, o máximo conforme o
10
BRASIL. Código Civ il. 53ª ed., São Paulo: Sar aiva, 2002. Páginas 482- 485.
24
parágrafo único do artigo 407 do Código de Processo Civil. Mas o juiz
inverte o ônus da prova com base na condição de hipossuficiência
técnica do autor (irrelevante que quem se manifesta nos autos e move
as engrenagens processuais são os advogados que o patrocinam), sem
considerar que, para a prova testemunhal, via de regra ninguém é
hipossuficiente.
E
o
autor,
especificamente,
demonstrou
não
ser
hipossuficiente por dispor de dez delas.
E tem havido um crescente número de decisões de tribunais
no sentido de que o juiz, ao determinar a inversão do ônus da prova,
deve dizer fundamentadamente sobre qual a verossimilhança ou a
hipossuficiência, até porque isto determinará sua finalidade, alcance e
a abrangência, sobre quais provas ocorrerá a inversão.
Entre elas menciona-se:
A
inver s ão
deter m inada,
do
c om o
autom atic am ente,
ônus
da
ac ontec eu
devendo
pr ova
no
atender ,
não
pode
ac ór dão
s er
r egional,
c onc r etam ente,
às
ex igênc ias do ar t. 6º, VIII, da Lei nº8.078/1990 ( 4ª T ur m a do
ST J ,
Rec ur s o
Es pec ial
nº591.110/BA,
j ulgado
em
04/05/2004, Rel. Min. Aldir Pas s ar inho J únior ) .
*****
INVERSÃO DO Ô NUS DA PRO VA – Inteligênc ia do
ar tigo
6º,
VIII,
do
Código
de
Def es a
d
Cons um idor .
Cons ider ando que as par tes não podem s er s ur pr eendidas ,
ao f inal, c om um pr ovim ento des f avor ável dec or r ente da
inex is tênc ia ou da ins uf ic iênc ia da pr ova que, por f or ç a da
inver s ão deter m inada na s entenç a, es tar ia a s eu c ar go,
par ec e m ais j us ta e c ondizente c om s gar antias do devido
pr oc es s o legal a or ientaç ão s egundo a qual o j uiz deva, ao
avaliar
a nec es s idade de pr ovas e def er ir a pr oduç ão
daquelas que entenda per tinentes , ex plic itar quais s er ão
obj eto de inver s ão ( Agr avo de Ins tr um ento nº121.979- 4 –
Itápolis – 6ª Câm ar a de Dir eito Pr ivado do T r ibuna de
J us tiç a do Es tado de São Paulo, j ulgado em 07 de outubr o
de 1999, Relator Antônio Car los Mar c ato) .
25
IV - MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO PARA SER
DETERMINADA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA:
Uma das maiores discussões que se tem atualmente acerca
da inversão do ônus da prova (prevista no artigo 6º, inciso VIII, da Lei
nº8.078/1990) envolve o momento oportuno para se realizara dita
inversão. Vale dizer, envolve saber até quando pode o juiz realizar a
inversão, pois que a lei bem define que a incidência do instituto
depende do prudente arbítrio do juiz. Ou seja, ele expressamente te de
determinar a inversão.
26
Atualmente
existem
duas
correntes
que
podem
ser
consideradas majoritárias: uma diz que o momento pode ser quando da
prolação da sentença, por se tratar a referida inversão de regra de
julgamento, isto é, de avaliação de provas; a segunda corrente sustenta
que a inversão tem de ser determinada antes da sentença, por se tratar
de instituto que tem por imprescindível a determinação judicial para que
tenha incidência.
Como se sabe, existem casos de inversão do ônus da prova
previstos na Lei nº8.078/1990, em que o ônus da prova já se encontra
invertido.um exemplo é o artigo 12, §3º, do mencionado diploma legal,
em que se vê o rol de hipóteses em que o fabricante, o construtor, o
produtor ou o importador não será responsabilizado.
Nesse
caso
específico,
pode-se
exemplificar
com
o
fabricante, que tem de provar a culpa exclusiva do consumidor, não
podendo alegar surpresa devido à circunstância de que a legislação já
determina de plano a inversão do ônus. E a corroborar tal assertiva
ainda há o que dispõe o artigo 3º do Decreto-lei nº4.657/1942, ao dizer
claramente que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não
a conhece.
Quanto à inversão do ônus da prova, na modalidade que
ensejou este Trabalho, se faz necessário que o juiz determine a
inversão
para
que
a
mesma
gere
efeitos,
razão
porque
ele
expressamente tem de deferir a inversão.
Pode
ser
definida
tal
decisão,
a
grosso
modo,
como
constitutiva (visa à criação, modificação ou extinção de uma situação
jurídica) por alterar a realidade jurídica em que se encontram as partes
até então no processo.
Portanto, há que se ver que a inversão do ônus da prova
realizada apenas quando da prolação da sentença impede o fornecedor
de se defender de forma hábil, gerando prejuízo somente a ele.
Transcorre a integralidade de instrução processual confiante
na falta de provas a validar a versão do consumidor, sem que se
cogitasse da aplicação de tal instituto e, após o encerramento de tal
27
fase processual, é surpreendido com o fato de que possuía ônus
probatório não esperado, tornando sua defesa quase inepta, tendo
orientado a mesma em um sentido enquanto que deveria tê-lo feito em
outro.
Como se disse, a prova tem por finalidade indicar ao juiz
uma linha de raciocínio razoável acerca dos fatos discutidos na lide.
Nesse mister, se faz necessário saber antecipadamente por quais
critérios se pautará o julgador em relação ao ônus probatório para
direcionar a sentença vindoura, com a finalidade que se tenha a
possibilidade de produzir as provas cabíveis a fim de se indicar a
hipótese plausível (conforme o entendimento da parte) acerca dos
fatos.
Em caso contrário, há ofensa ao Contraditório e à Ampla
Defesa mencionados. Assim, por raciocínio lógico, quando não mais
pode o fornecedor produzir qualquer prova ou formular alegações
(artigo 303 do Código de Processo Civil) evidentemente não se pode
inverter o ônus probatório.
No dizer popular, mudariam as regras do jogo após ele ter
terminado para se presentear com a vitória o jogador que teve menos
méritos na partida recém terminada. Quando isto ocorre, mais faz
parecer que na sentença se determinou a inversão porque não foi
possível encontrar outro modo de se poder julgar de forma desfavorável
ao fornecedor.
E acerca disto já se manifestou o egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
Código de Pr oteç ão e Def es a do c ons um idor . Dec is ão
que inver te o ônus pr obatór io. Ré que, até então, não havia
r equer ido a pr oduç ão de pr ovas . Cor r eç ão da dec is ão que,
após def er ir a inver s ão, c onc ede nova opor tunidade, na
f or m a do que dis põe o ar t. 333, inc is o I, do Código de
Pr oc es s o
Civil,
ao
autor
c om pete
pr oduzir as
pr ovas
nec es s ár ias . Se, no c ur s o do pr oc es s o, s obr evém dec is ão
inver tendo
o
ônus
da
pr ova.
Não
pode
o
r éu
s er
s ur pr eendido, por nada ter antes r equer ido, c onf iante na
28
f alta de pr ovas tr azidas pelo autor da aç ão, es tando c or r eta
a dec is ão que lhe r eabr e o pr azo par a es pec if ic á- las , agor a
diante da nova r ealidade pr oc es s ual. Rec ur s o des pr ovido.
( 15ª Câm ar a Cível do T r ibunal de J us tiç a do Es tado do
Rio de J aneir o, Agr avo de Ins tr um ento nº2004.002.12970,
j ulgado em 08 de s etem br o de 2004, Relator Des em bar gador
Ser gio Luiz Cr uz)
E bem se disse na fundamentação do acórdão:
O c or r e que, pela dec is ão r ec or r ida, e s om ente nela,
ac atou o MM. J uiz o r equer im ento da agr avante no s entido
da aplic aç ão das nor m as do Código de Pr oteç ão e Def es a
do Cons um idor , def er indo a inver s ão do ônus pr obatór io.
O r a, s e até então c om petia à autor a pr oduzir as pr ovas
nec es s ár ias , o que pode ter levado a r ec or r ida a não s e
inter es s ar por s ua pr oduç ão, es s a dec is ão m odif ic ou a
r ealidade pr oc es s ual, pois lhe tr ans f er iu o ônus de pr ovar .
Des ta s or te, ter ia de s er r eaber ta a opor tunidade de
f azê- lo, ex atam ente c om o f ez a dec is ão r ec or r ida.
Por es tas r azões , nega- s e pr ovim ento ao r ec ur s o.
E corroborando ainda mais, há outras decisões emanadas
pelo mesmo Tribunal:
Par a que não haj a c er c eam ento do dir eito à am pla
def es a, o def er im ento da inver s ão do ônus da pr ova tem de
s er antes da s entenç a, pos s ibilitando à par te r é r ec or r er ou
pr oduzir a pr ova que lhe f oi atr ibuída. Rec ur s o c onhec ido e
pr ovido.
( 11ª Câm ar a Cível do T r ibunal de J us tiç a do Es tado do
Rio de J aneir o, Apelaç ão Cível nº2002.001.25311, j ulgada
em 14 de m aio de 2003, Relator Des em bar gador Maur ílio
Pas s os Br aga)
*****
RESPO NSABILIDADE
CO NSUMIDO R.
INVERSÃO
CIVIL.
DO
Ô NUS
DIREIT O
DO
DA
NA
PRO VA
O CASIÃO DA SENT ENÇA. IMPO SSIBILIDADE. PERDA DA
CHANCE
DE
DEFESA.
NEX O
DE
CAUSALIDADE.
NÃO
29
CO MPRO VAÇÃO . A des peito de s e per m itir a aplic aç ão do
pr inc ípio
da
inver s ão
do
ônus
da
pr ova
em
r elaç ão
c ons um eir is ta, c ons ider ando a hipos s uf ic iênc ia téc nic a do
c ons um idor , tal pr ovim ento af igur a- s e inválido e inef ic az
quando deter m inado no c or po da s entenç a, em r azão de
obs tar
ao
f or nec edor
a
c hanc e
de
pr oduzir
pr ova
des c ons titutiva da ilaç ão de ver os s im ilhanç a do dir eito do
c ons um idor ,
por
f lagr ante
violaç ão
dos
pr inc ípios
c ons tituc ionais da am pla def es a e devido pr oc es s o legal
( ar t. 5º da CRFB/1988) . Im põe- s e, em tais c ir c uns tânc ias , o
r ec onhec im ento da invalidade e inef ic ác ia da r egr a da
inver s ão
do
ônus
ver os s im ilhanç a
das
da
pr ova
alegaç ões
e,
c om o
da
c or olár io
autor a,
da
devendo
pr oc eder - s e o j ulgam ento da dem anda no pr is m a das r egr as
c om uns de pr ovas do pr oc es s o ( ar t. 333, I, e II, do CPC) .
( ...) Por is s o, inex is tindo pr ova do def eito na pr es taç ão de
s er viç o, nem do nex o de c aus alidade vinc ulativo de f alta de
c uidado da f or nec edor a aos alegados pr ej uízos s of r idos pela
autor a, im põe- s e a r ef or m a da r . s entenç a, j ulgando- s e
im pr oc edente
o
pedido
da
inic ial.
PRO VIMENT O
DO
RECURSO .
( 6ª Câm ar a Cível do T r ibunal de J us tiç a do Es tado do
Rio de J aneir o, Apelaç ão Cível nº2003.001.27938, j ulgada
em
25
de
novem br o
de
2003,
Relator
Des em bar gador
Rober to de Abr eu e Silva)
Tanto é, que tais decisões viram seu entendimento ser
consolidado com a aprovação do enunciado de nº03, do Encontro de
Desembargadores de Câmaras Cíveis realizado em maio de 2005, que
agora se traz a lume:
3 – A inver s ão do ônus da pr ova, pr evis ta na legis laç ão
c ons um eir is ta, não pode s er r ealizada na s entenç a.
J us tif ic ativa: a inver s ão do ônus da pr ova, em f avor do
c ons um idor , não é legal m as j udic ial, pelo que o f or nec edor
s er ia s ur pr eendido s e s e c ons ider as s e a s entenç a c om o
m om ento pr oc es s ual da inver s ão, em af r onta ao pr inc ípio do
c ontr aditór io.
30
Tal prática, de inverter o ônus da prova quando da prolação
da sentença, é similar à fixação do ponto controvertido somente após o
término da instrução. Segundo o§2º do artigo 331 do Código de
Processo
Civil
(com
a
atual
redação
determinada
pela
Lei
nº8.952/1994) que dados de interesse para a presente explanação.
Observe-se:
§2º.
Se,
por
qualquer
m otivo,
não
f or
obtida
a
c onc iliaç ão, o j uiz f ix ar á os pontos c ontr over tidos , dec idir á
as ques tões pr oc es s uais pendentes e deter m inar á as pr ovas
a s er em pr oduzidas , des ignando audiênc ia de ins tr uç ão e
j ulgam ento, s e nec es s ár io.
Este
dispositivo
recém
transcrito
teve
sua
redação
determinada na forma apresentada para se contrapor ao artigo 451 do
Código de Processo Civil, que (pasme-se) diz que deve ser fixado o
ponto controvertido somente quando iniciada a instrução na audiência
de instrução e julgamento prevista nos artigos 444 e seguintes do
Código
de
Processo
Civil.
Com
base
nos
dispositivos
recém
mencionados, o ponto controvertido deveria ser fixado posteriormente à
tentativa de conciliação na dita audiência e, portanto, no meio da
audiência.
Segundo os artigos 444 e seguintes, é irrelevante que as
testemunhas foram arroladas e outras provas levadas sem se saber o
que elas iriam provar, certamente havendo casos em que, dada a
fixação do ponto controvertido na própria audiência de instrução e
julgamento,
as
testemunhas
e
demais
provas
se
tornaram
completamente inúteis por não servirem ao que se deveria provar,
ficando aparte indefesa ante o processo, ressaltando-se que o processo
é uma garantia constitucional inafastável dos direitos da parte (artigo
5º, incisos XXXV e LV, da Constituição da República Federativa do
Brasil).
A atual redação do §2º do artigo 331 dispõe que o ponto
controvertido deve ser fixado antes da audiência de instrução e
31
julgamento, de modo a permitir às partes o máximo de possibilidades
de apresentação de provas hábeis a demonstrar a veracidade do que
alegam.
E perceba-se que a atual redação do §2º foi determinada
pela Lei nº8.952/1994, lei que, dado o ano de sua promulgação,
evidentemente
é
posterior
ao
Código
de
Proteção
e
Defesa
do
Consumidor (lei promulgada em 1990), pelo que este último certamente
foi levado em consideração.
Ademais, nem mesmo se ouse dizer que a Lei nº8.078/1990
possui cunho constitucional com base no inciso XXXII do artigo 5º da
Constituição, pois que este dispositivo diz tão-somente que o Estado
promoverá a defesa do consumidor. Porém a letra da Lei nº8.078/1990
é única e exclusivamente infraconstitucional, podendo ser considerada,
no máximo e com muita fé, formalmente inconstitucional.
Dizia
Carl
Schmmidt
que
as
normas
materialmente
constitucionais são as que necessariamente precisam figurar no corpo
de uma Constituição, como é o caso (por exemplo) da forma de Estado
e da separação dos poderes, não podendo ser tratadas em legislação
meramente infraconstitucional 11.
Já as normas formalmente constitucionais são as que
constam na constituição, mas nem precisariam ser nela tratadas,
podendo muito bem ser objeto de legislação infraconstitucional, como
se poderia dizer da Lei nº8.078/1990, eis que a atual Constituição
apenas se limita a dizer que o Estado promoverá a defesa do
consumidor, mas deixa para o legislador ordinário a feição de todo o
sistema legislativo consumeirista.
Perceba-se que os princípios informativos deste ramo do
direito são os que vêm única e exclusivamente no bojo da Lei
nº8.078/1990, lei infraconstucional.
Os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, por outro
lado, são materialmente constitucionais em todas as suas facetas,
11
T EMER, Mic hel. Elementos de Direito Constitucional. 20ª ed., São Paulo:
Malheir os Editor es , 2005. Páginas 17- 18.
32
inclusive constantes do rol de cláusulas pétreas do artigo 60, §4º, da
Constituição, inalteráveis por qualquer coisa inferior a um novo poder
constituinte
(não
bastando
um
mero
poder
constituído,
também
chamado de poder reformador).
A própria doutrina, em sua totalidade entende que as
cláusulas pétreas nem mesmo podem ser alteradas por via oblíqua.
Explica-se: não se pode emendar o §4º do artigo 60 para se abolir a
vedação (a emenda que vise a excluir direitos e garantias individuais)
e, então, alterar a redação do artigo 5º e seus incisos de forma
prejudicial às pessoas.
Ora,
em
sumo
não
é
a
Constituição
que
deve
ser
interpretada de acordo com a legislação infraconstitucional, pois isso
seria uma inversão de valores, um verdadeiro anátema que vem
assolando o panorama jurídico da corrente que entende que a inversão
do ônus da prova pode ser determinada em sentença e que prevalece
sobre os direitos e garantias individuais.
Relembrando-se a pirâmide representativa do Ordenamento
Jurídico criada por Hans Kelsen, na qual a constituição fica no ápice
(sobrepairando acima de todo o resto da legislação), depreende-se com
toda a clareza que, tal qual um edifício, o Ordenamento Jurídico se
constrói tendo como base a Constituição.
E como é de corredia sabença, uma construção erguida
sobre bases inconsistentes inexoravelmente há de ruir. Nesse sentido,
se a Constituição não for respeitada, as bases do ordenamento jurídico
serão fracas, incapazes de suportar o fardo de manter de pé o restante,
que cairá como um castelo de cartas devido ao comprometimento de
sua integridade estrutural.
Qual o sentido do instituto da inversão do ônus da prova?
Transferir ônus probatório do consumidor para o fornecedor. Ao
contrário do que muitos acreditam, não se trata de regra de julgamento,
isto é, de avaliação de provas, e sim regra processual, sobre quem
recairá o encargo de provar, devendo o fornecedor ser intimado de sua
33
aplicação antes de iniciada a instrução processual, possibilitando uma
defesa consistente.
Com base no que se disse até o momento, já é possível
delimitar quando se esgota a oportunidade processual para que seja
invertido o ônus da prova.
Mas se precisa perquirir acerca de quando começa o
momento processual oportuno para ser determinada a inversão do
ônus. E este momento é o mesmo em que ocorre o despacho liminar
positivo.
O despacho liminar é a decisão que o juiz prolata em
cognição sumária quando tem o primeiro contato com a petição inicial 12,
podendo indeferir a inicial devido a uma ou mais das matérias
elencadas no artigo 295 do Código de Processo Civil, com o que se
dará o despacho liminar de natureza negativa.
Se o juiz deferir a petição inicial por ausentes os vícios
(sendo certo que o réu pode aduzir acerca de tais vícios em sua
defesa, caso o juiz não os tenha percebido), ocorrerá o despacho
liminar
de
natureza
positiva,
ou
simplesmente
despacho
liminar
positivo. Insta ressaltar que, embora o juiz tenha de motivar todas as
suas decisões, o despacho liminar positivo geralmente é marcado por
se dizer apenas “cite-se”, ocorrendo hipóteses em que o juiz delega tal
análise a um dos serventuários do cartório por meio de portaria.
Em que pesem os posicionamentos em sentido contrário
(que merecem todo o respeito), merece acolhida a corrente que diz que,
quando o consumidor ingressa com sua ação, o juiz já dispõe da
possibilidade (em cognição sumária) de determinar a inversão se
perceber que, com as alegações e provas carreadas aos autos, estão
presentes os requisitos para tanto.
Dizer que a inversão tem de ser realizada antes do início da
instrução não significa que o juiz tem obrigatoriamente de esperar o
12
MO REIRA, J os é Car los Bar bos a. Nov o Processo Civ il Brasileiro. 22ª ed., Rio de
J aneir o: Editor a For ens e, 2002. Páginas 22- 26.
34
limiar da instrução para só então determinar a inversão do ônus da
prova com base no artigo 6º, inciso VIII, da Lei nº8.078/1990.
Evidentemente, porquanto não se dispuser o contrário,
antes do despacho saneador (que demarca o início da fase instrutória)
ainda compete a cada parte requerer ou produzir as provas que
estiverem ao alcance de seu interesse.
Ressalte-se ainda que, em sendo realizada a inversão antes
da citação, o fornecedor já ingressará nos autos ciente de como tem de
organizar sua defesa, inclusive ficando confortável com a possibilidade
de ter mais tempo para requerer ou produzir prova com o intuito de
desconstituir os requisitos que autorizara a inversão(quanto mais cedo
invertido o ônus da prova, mais da marcha processual ainda resta).
Pode o fornecedor demonstrar que não há verossimilhança do alegado
na inicial ou que não há hipossuficiência do consumidor.
E isto prestigia o Princípio da Concentração da Defesa,
permitindo que todas as alegações do fornecedor sejam apresentadas
na mesma peça em lugar de inúmeras petições esparsas.
Deve ser observado que, em sendo determinada a inversão
antes da citação do fornecedor, este, uma vez citado, ainda pode
recorrer da decisão que deferiu a inversão. É com a citação que o
fornecedor (quando em posição de réu) se integra à relação jurídica
consubstanciada no processo, sendo certo que isto também quer dizer
que não corriam prazos para ele antes da citação.
O artigo 223 e o inciso V do artigo 225 (ambos do Código de
Processo Civil) elencam como requisito, tanto da citação via postal
quanto da citação por mandado, a cópia do despacho liminar positivo.
Ora, se na mesma decisão do despacho liminar positivo, o
juiz inverter o ônus da prova, então a citação também serve de
intimação da decisão que inverteu o ônus. É a citação, inclusive, o
termo inicial do prazo para interposição de agravo (na modalidade
retido ou por instrumento) da decisão que realizou a inversão do ônus
da prova.
35
Evidentemente, nenhum empecilho existe para que o juiz
prefira aguardar a vinda da resposta do réu para, analisando em
conjunto as alegações e provas (que já foram apresentadas) de ambos
os pólos do processo, decidir sobre a pretendida inversão.
E bem a propósito do momento em que se inicia a referida
oportunidade processual para a inversão, deve ser observado que
pouco ou nada se perquiriu acerca da possibilidade de o fornecedor
ingressar com a ação em face do consumidor e, este, em sua
contestação
(com
ou
sem
pedido
contraposto)
ou
reconvenção,
requerer a inversão do ônus da prova para facilitar a defesa de seus
direitos.
Não há razão para se limitar a incidência do instituto da
inversão do ônus da prova aos casos em quem o consumidor figure no
pólo ativo da demanda. A Lei nº8.078/1990, em seu artigo 6º, inciso
VIII, dispõe sobre a facilitação da defesa dos direitos do consumidor no
processo civil sm expressar limitação à ação de consumidor-autor.
Em se pensando que há tal limitação, basta o fornecedor
ajuizar ação (cobrança de débitos, declaração de inexistência de
relação jurídica etc.) antes do consumidor para que este se veja tolhido
das normas da Lei nº8.078/1990.
Isto é relevante porque, com a contestação apresentada
pelo consumidor, o juiz pode verificar a presença dos requisitos
autorizadores da incidência do instituto e inverter o ônus da prova em
favor do consumidor (independentemente de ele estar na posição de
réu).
Ou então, com a apresentação da reconvenção por parte do
consumidor.
apresentação
Ou
de
então
inverter
contestação
o
pelo
ônus
da
prova
fornecedor
à
quando
da
reconvenção
apresentada pelo consumidor.
Mas, voltando ao momento em que se esgota a oportunidade
processual para que se inverta o ônus da prova, ele se consubstancia
no momento em que preclui a possibilidade de apresentar ou requerer
provas para ambas as partes.
36
No caso do procedimento comum, consiste no despacho
13
saneador . Com a prolação de tal decisão ocorre um engessamento do
processo, por assim dizer. Não se pode mais requerer ou apresentar
determinadas provas.
Portanto, quando cabível a inversão do ônus da prova, ela
ser determinada em decisão anterior ao despacho saneador, abrindo-se
prazo para apresentação ou requerimento de novas provas por parte do
fornecedor e, vindo petição acerca da decisão ou transcorrido o prazo
permitido, deve ser prolatado o despacho saneador.
Não se pode olvidar de ser interposto agravo da decisão que
inverteu o ônus da prova ou que o juiz decida voltar atrás em seu
entendimento quando das novas alegações feitas devido à inversão.
Saliente-se que, em sendo interposto agravo, se não for deferida a
suspensão do cumprimento da decisão com base no artigo 558 do
Código de Processo Civil, a instrução ocorrerá normalmente e a
decisão, ao final, acerca do agravo poderá ser o de que o mesmo se
encontra prejudicado.
Há um ponto que deve ser destacado sobre o que muitos
dizem de que somente pode ser deferida a inversão do ônus da prova
antes do despacho saneador sob pena de lesão ao Contraditório e à
Ampla Defesa.
O ponto consiste em que muitas vezes o juiz não encontra o
necessário para a inversão antes do despacho saneador, mas o
encontra após tal decisão. Mas, então ele não pode fazer operar a
inversão
porque
o
fornecedor
não
tem
mais
a
possibilidade
de
apresentar e requerer determinadas provas devido ao já mencionado
engessamento do processo.
E sentido há para o engessamento do processo, pois que o
despacho saneador marca o início da reta final, destituída de vícios (ou
os mesmos já sanados) e da possibilidade de incidentes (atualmente,
deve ser retido o agravo de decisões interlocutórias proferidas em
13
MO REIRA, J os é Car los Bar bos a. Nov o Processo Civ il Brasileiro. 22ª ed., Rio de
J aneir o: Editor a For ens e, 2002. Páginas 52- 54.
37
audiência de instrução e julgamento), tudo pronto e encaminhado para
que se tenha de decidir muito pouca coisa antes da sentença vindoura.
Nesse diapasão, a verossimilhança pode ocorrer com o
depoimento de uma testemunha que, embora gagueje, vacile ao
responder e não tenha convicção no que fale, ainda assim traga
informações que autorizem o juiz a proceder à inversão. Frise-se que
aqui se perquire acerca de uma verossimilhança de grau inferior à que
permite o julgamento favorável ao consumidor.
Não permite o julgamento favorável ao consumidor, mas
permite que seja realizada a inversão do ônus para que o fornecedor
traga determinadas provas de interesse para a causa.
Infelizmente há que se concluir que, em casos como o
narrado, a solidez e impossibilidade de adaptação do processo às
circunstâncias,
termina
por
prejudicar
o
consumidor.
Em
certas
circunstâncias pode-se dizer que é o processo civil que atrapalha a
inversão do ônus da prova (e, portanto, a defesa dos direitos do
consumidor) e não o contrário.
Já no tocante aos Juizados Especiais Cíveis, é mais fácil a
aplicação do instituto da inversão do ônus da prova. Devido ao
procedimento instituído pela Lei nº9.099/1995 ser deveras simplificado,
sem despacho saneador, nada obsta a que se determine a inversão do
ônus da prova em plena audiência de instrução e julgamento, após a
colheita de algumas provas.
É certo que, mesmo neste caso, o juiz deve anunciar a sua
decisão de inverter o ônus da prova durante a audiência (ou seja, antes
da sentença) e permitir que o fornecedor tenha a possibilidade de
apresentar outras provas.
O que ocorre, e com freqüência, é inverter o ônus da prova
em sentença prolatada em processo em trâmite perante Juizado
Especial Cível e ter tal sentença como fundamento o dizer de que o
fornecedor deveria ter previsto que a inversão poderia acontecer e, por
isso, deveria ter apresentado provas conforme a inversão.
38
Com todo o respeito que é devido aos juízes que atuam
desta forma, deveria vir constante da citação o aviso de que poderá
ocorrer a inversão do ônus da prova em audiência, devendo o
fornecedor, por isso, levar todas as provas a fim de excluir sua
responsabilidade.
Isto faz comparação entre a possibilidade de ser invertido o
ônus probatório em favor do consumidor e o aviso a que alude o artigo
285, 2ª parte, do Código de Processo Civil (os efeitos da revelia em
não sendo contestada a ação).
E há um enunciado (de nº8.3 do Aviso 29/2005) para os
Juizados Especiais Cíveis determinando que na citação deve constar
expressamente o aviso de que a sessão de conciliação poderá ser
convolada em audiência de instrução e julgamento, a fim de que o réu
leve à sessão de conciliação (mas não necessariamente apresente) a
defesa e todas as provas a serem produzidas.
E isto é muito justo, eis que o fornecedor se vê plenamente
ciente de que é encarregado de comparecer desde a sessão de
conciliação munido de todas as provas, incluindo as que não pretende
produzir acaso não seja determinada a inversão do ônus da prova em
favor do consumidor.
39
V - CONCLUSÃO:
Como se viu ao longo do Trabalho, existem equívocos quanto à
incidência do instituto da inversão do ônus da prova previsto no inciso VIII do artigo
6º da Lei nº8.078/1990, incluindo todas as suas características.
Não há ponto pacífico acerca do sentido dos requisitos, a abrangência,
o momento para ser declarada a inversão, quem pode ser considerado consumidor
por equiparação.
Em tipos diferentes de juízos a mencionada inversão é tratada de
forma diferente, até para se adaptar às peculiaridades do juízo (se é Vara Cível ou
Juizado Especial Cível).
Vale a pena repetir algo que se disse no decorrer do Trabalho: não há
forma correta de utilização do instituto em estudo, mas apenas formas cujas
vantagens (efeitos práticos) e desvantagens (violação de outras normas) sejam
diferentes.
Assim, o juiz se vê obrigado a sopesar os valores em jogo na causa
para poder decidir se vale a pena inverter o ônus (violando algumas normas) ou não
inverter o ônus (violando outras normas).
40
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o lado perverso da inversão do ônus da prova