INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA À LUZ DO ART. 6º, VIII DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ANA CAROLINA DE CASSIA FRANCO* AMILTON LUIZ DE ARRUDA SAMPAIO** MARCOS VINICIUS MONTEIRO DE OLIVEIRA*** SANDRA MARIA ALMEIDA ABREU DE ANDRADE*** 1 Resumo O presente trabalho pretende fornecer elementos para a melhor compreensão da defesa do consumidor em juízo, haja vista que a questão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor é de grande relevância nos tempos atuais, consideradas as inúmeras demandas levadas ao Poder Judiciário para solução de controvérsias sob a égide da lei consumerista, posto que a questão probatória é fundamental no processo, porque é ela que confirmará a verdade dos fatos afirmados pela partes, servindo, também, como fundamento da pretensão jurídica. Palavras-chave: Prova. Inversão do ônus da prova. Direito do consumidor Palavras-chave : prova – inversão do ônus da prova – direito do consumidor INTRODUÇÃO As provas são de fundamental relevância na sistemática processual, pois não há dúvida de que são indispensáveis para se chegar à solução da lide. O Código de Defesa do Consumidor prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor como um meio de facilitar sua defesa no processo judicial. Contudo, o referido dispositivo também prevê determinadas condições para que isso ocorra. 1 Advogada e Professora do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - [email protected]; **Advogado e Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito do Estado – [email protected] ; ***Advogado e Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito – [email protected] ; ****Advogada e Defensora da OAB pela IV Turma Disciplinar do TED-Capital, Professora do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito – [email protected] . A inversão do ônus da prova a favor do consumidor justifica-se como uma norma, dentre tantas outras previstas no CDC, garantidora do equilíbrio na relação consumeirista, face a reconhecida vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor. Dessa forma, pretende-se, com o presente artigo, compreender o conteúdo do princípio da inversão do ônus da prova, enfocando-se seus requisitos, bem como a delimitação de seu alcance. 1 – COMPREENDENDO O DIREITO DO CONSUMIDOR O Direito do Consumidor surgiu no século XX e sua origem é justificada por fatores como, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico e científico, que provocou significativas mudanças na estrutura da produção industrial e, por conseguinte, as produções em larga escala ou em massa revolucionaram os negócios e as contratações de bens e serviços, tornando-os pluripessoais e difusos. Sobre a origem do Direito do Consumidor, destaca-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho : Na constelação dos novos direitos, o Direito do Consumidor é estrela de primeira grandeza, quer pela sua finalidade, quer pela amplitude do seu campo de incidência e, para entendermos a sua origem, especial atenção merece a Revolução Industrial. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2). A finalidade das normas consumeiristas não é privilegiar o consumidor. Pelo contrário, o Direito do Consumidor objetiva alcançar o equilíbrio entre os partícipes da relação de consumo, quais sejam, consumidor e fornecedor, reconhecendo, por outro lado, os caracteres da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor, conforme o estabelecimento de instrumentos que lhe assegurarão efetiva tutela. No Brasil, o tema de defesa do consumidor começou a ser discutido, mais precisamente, no começo dos anos 70. Sérgio Cavalieri Filho relata que as primeiras associações civis e entidades governamentais voltadas para o referido assunto foram o Conselho de Defesa do Consumidor – Rio de Janeiro (1974), a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor – Curitiba (1976), a Associação de Proteção ao Consumidor – Porto Alegre (1976) e o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor – São Paulo (1976) (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 6). O PROCON-SP também acrescenta que: A década de 70 contemplou um marco no país. Em 1976, pelo Governo do Estado de São Paulo foi criado o primeiro órgão público de proteção ao consumidor que recebeu o nome de Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, mais conhecido como PROCON. Também nessa década houve a promulgação e implementação de normas direcionadas aos segmentos de alimentos (Decreto-lei 986/69), saúde (Decreto-lei 211/70) e habitação (Lei 6649/79 – locação e 6676/79 – loteamento). (PROCON-SP - procon.sp.gov.) Ainda segundo Cavalieri, somente na segunda metade da década de 80, após a implantação do Plano Cruzado e sua celeuma na área econômica, é que, de fato, foi despertado o interesse nos consumidores brasileiros pela proteção de seus direitos enquanto tais (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 6). Vale dizer, também, que na Constituição Federal de 1988, restou definido como dever do Estado a fomentação à defesa do consumidor e o prazo para materialização em um código. Vejamos : Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. (BRASIL – Constituição Federal, 1988) A Constituição Federal de 1988, portanto, determinou elevou proteção ao consumidor à categoria de direito fundamental e princípio a ser obedecido no tocante à estabilidade da ordem econômica e financeira, cabendo ao Estado promovê-la, reconhecendo, outrossim, a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Por fim, e conforme informa o PROCON do Distrito Federal : Em 3 de janeiro de 1983, o Ministério da Justiça determina através da portaria nº 7, a publicação do anteprojeto do Código de defesa do Consumidor, elaborado por uma comissão designada pelo então Conselho Nacional de Defesa do Consumidor- CND/MJ, integrada pelos doutores Ada Pelegrinni Grinover, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanab e Zelmo Dena. Os motivos expostos na apresentação do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor foram os mais relevantes como o cumprimento do artº 5º, inciso XXXll, da nossa carta magna de 1988, que determina ao Estado promover, na forma da lei, a Defesa do Consumidor, e ainda o do preceito institucional do artº 48 em suas disposições transitórias que determina prazo de 120 dias a partir da promulgação da Constituição a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Entre outras justificativas foi explicada a falta de legislação das relações de consumo, a inexistência de direitos específicos dos consumidores. (PROCON/DF – http://www.procon.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE= 4678 ) Todavia, cumpre mencionar que foi somente na década de 90, mais precisamente em 11(onze) de setembro de 1.990, é que foi editada a Lei nº 8.078, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, com vistas à proteção do consumidor, então considerado um microssistema, haja vista ser composto por normas de direito material e de direito processual, e, por isso, eficaz à tutela do consumidor. Na lição de Fernando Borges da Silva : O que faz do CDC um microssistema normativo eficiente são os princípios em que se funda. Tais princípios se irradiam diretamente da Constituição Federal e dão ao consumidor um tratamento diferenciado em razão da natureza das relações jurídicas que envolvem os atores desse tipo de relação em uma economia de mercado. Essas peculiaridades do CDC são, em regra, inaplicáveis a relações jurídicas subordinadas às normas gerais (Código Civil, Comercial, Código de Processo Civil etc.). (SILVA, Fernando Borges da. O Código de Defesa do Consumidor: um microssistema normativo eficiente? Jus Navigandi). Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça : PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO. [...] 2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1106515 / MG). Desse modo, o CDC veio disciplinar, em seis títulos, o sistema nacional de defesa do consumidor, a relação de consumo, os direitos do consumidor, a responsabilidade civil dos fornecedores, as práticas comerciais abusivas, a defesa do consumidor em juízo, as infrações penais, a convenção coletiva de consumo e disposições finais, cuidando, pois, de tutelar o consumidor e, procurando equilibrar as relações de consumo, sem ferir o princípio constitucional da isonomia, ou melhor, tratando os desiguais de modo desigual. 2 – CONTEÚDO E ALCANCE DO PRINCÍPIO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR É no campo da prova que o consumidor enfrenta as maiores dificuldades para fazer valer seus direitos em juízo. A finalidade da prova é demonstrar a verdade dos fatos para que o juiz forme sua convicção baseado na verdade apurada pela produção das provas nos autos do processo e, assim, possa aplicar o direito ao caso concreto. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, ônus é “uma conduta prevista pela norma no interesse do próprio onerado, que tem a faculdade de adotá-la. O não-exercício de um ônus não configura ato ilícito, podendo apenas prejudicar o próprio sujeito onerado.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 290) Assim, ônus da prova é a incumbência imputada às partes processuais de trazer aos autos elementos que corroborem o afirmado por elas. E quando se fala que o ônus da prova incumbe a quem alega, se quer dizer que a parte deverá agir conforme a lei para conseguir que sua pretensão seja atendida; logo, é sua incumbência provar suas afirmações, pois, em virtude de sua omissão, poderá ter sua pretensão negada por insuficiência de provas. O nosso código processual vigente, em seu art. 333, distribui o ônus da prova pela posição processual em que a parte se encontra, estabelecendo que ao autor competirá provar o fato constitutivo do direito que afirma possuir, ou seja, aquele que uma vez demonstrado leva à procedência do direito pedido. E ao réu, apenas, se alegar em sua defesa fato impeditivo - para obstacularizar um ou alguns dos efeitos do pedido do autor; modificativo - para alterar o que foi expresso no pedido, ou extintivo do direito do autor - para pôr fim a todo o pedido, fazendo cessar a relação jurídica original, deverá fazer prova de suas alegações. Portanto, a distribuição do ônus da prova está intimamente relacionada aos interesses das partes de verem reconhecidos os fatos que alegaram como fundamento da ação ou da defesa processual, seguindo-se a regra geral de que as provas sejam propostas por elas, haja vista que a iniciativa oficial deverá ocorrer apenas quando necessária e, na maioria das vezes, de forma supletiva, uma vez que o juiz não pode, por impulso oficial, querer suprir a iniciativa das partes. O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu, em seu artigo 6º, que, dentre os direitos básicos do consumidor, encontra-se a inversão do ônus da prova a favor do consumidor, in verbis : Art. 6º São direitos básicos do consumidor : VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; Primeiramente, vale dizer que a inversão do ônus da prova, como um direito básico do consumidor, não ofende a isonomia das partes. Ao contrário, é um instrumento processual criado para impedir o desequilíbrio da relação consumeirista, haja vista que o CODECON adequou-se à realidade social, apresentando um novo perfil do processo civil, na medida em que tutela não só o direito individual do consumidor, mas também os direitos coletivos e difusos do consumidor, de modo a permitir a igualdade substancial também no plano processual. A norma consumeirista em apreço determina que ficará “a critério do juiz” a inversão do ônus da prova a favor do consumidor quando estiver presente qualquer uma das duas alternativas, quais sejam, a verossimilhança das alegações do consumidor-autor “ou” sua hipossuficiência. Essas são vistas como requisitos de admissibilidade da inversão do ônus da prova. Como preleciona Sérgio Cavalieri Filho : A expressão legal a critério do juiz não significa arbítrio, nem discricionariedade do magistrado. Critério é aquilo que serve de base para uma tomada de posição ou apreciação. No caso, será o critério a ser utilizado pelo juiz na constatação da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor. Presente uma das duas, o juiz deverá determinar a inversão, independentemente de requerimento do interessado. Nesse sentido toda a doutrina e jurisprudência. (CAVALIERI, FILHO, 2008, p. 293) Assim sendo, se o julgador, na análise do caso concreto, constatar que estão presentes um dos requisitos para se aplicar a inversão do ônus da prova, após verificar, segundo as regras de experiência, que as alegações do autor-consumidor são verossímeis ou que ele é hipossuficiente, inverterá o ônus da prova a seu favor, pois não é uma faculdade do julgador, e sim, um direito do consumidor para facilitar a defesa de seus interesses. Ainda nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho : A inversão do ônus da prova consiste, em última análise, em retirar dos ombros do consumidor a carga da prova referente aos fatos do seu interesse. Presumem-se verdadeiros os fatos por ele alegados, cabendo ao fornecedor a prova em sentido contrário. (CAVALIERI, FILHO, 2008, p. 291) O mencionado autor ainda ressalta que : Não se trata, portanto, de transferir para o fornecedor o encargo de provar a veracidade das alegações do consumidor – o que importaria em obrigá-lo a produzir prova contra si mesmo - , mas de ter o fornecedor que provar a ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor. Em suma, admitidos como verdadeiros os fatos alegados pelo consumidor – presunção júris tantum - , cabe ao fornecedor desfazer essa presunção mediante prova da ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos daqueles que foram alegados pelo consumidor. (CAVALIERI, FILHO, 2008, p. 295) Vale acrescentar, ainda, que no CDC estão previstas duas oportunidades de inversão do ônus da prova : a do art. 6º , inciso VIII, já citada, também conhecida por inversão “ope judicis”, já que fica “a critério do juiz”, ou melhor, não é uma inversão legal, uma vez que não decorre de imposição ditada pela própria lei, mas que fica submetida ao crivo judicial. Também é encontrada aquela prevista no art. 38, determinando que o ônus da prova cabe a quem patrocinou a informação ou comunicação publicitária, ou seja, ao fornecedor. Esta é conhecida como “ope legis”, porque decorre direta e expressamente da lei, razão pela qual ficará o julgador obrigado a aplicá-la. No que respeita aos requisitos a serem analisados pelo juiz, no entender de Beatriz Catarina Dias, ao tratar de princípio da verossimilhança: “Por verossimilhança entende-se algo semelhante à verdade. De acordo com esse princípio, no processo civil o juiz deverá se contentar, ante as provas produzidas, em descobrir a verdade aparente.” Ela acrescenta que deve-se ter cuidado para não relativizar demais este princípio, pois “... é indispensável que do processo resulte efetiva aparência de verdade material, sob pena de não ser acolhida a pretensão por insuficiência de prova - o que eqüivale à ausência ou insuficiência de verossimilhança” . (DIAS, 1999) Já o outro requisito que deve ser analisado pelo juiz para que se possa inverter o ônus da prova na hipótese do art. 6º é o da hipossuficiência do consumidor, o que se traduz em razão da incapacidade técnica e, muitas vezes, econômica do consumidor de produzir a prova; sendo possível, contudo, acontecer que a inversão do ônus da prova a favor de consumidor economicamente favorecido seja feita em razão da constatação de sua hipossuficiência técnica e informativa a respeito de um produto ou serviço. Portanto, é correto afirmar que quando se fala em “hipossuficiência” do consumidor, se está justamente reconhecendo a condição do consumidor como parte mais fraca e, também, vulnerável da relação de consumo, em virtude de seu reduzido conhecimento técnico e informativo sobre os diversos produtos e/ou serviços que são colocados no mercado de consumo. 3 - MOMENTO PROCESSUAL DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Questão de acirrada controvérsia na doutrina e jurisprudência diz respeito ao momento processual que deve ser aplicada pelo magistrado a inversão do ônus da prova, consoante o disposto no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor. A falta de regra específica quanto ao momento processual em que o magistrado deva decidir sobre a fixação do onus probandi e sobre a necessidade (ou não) de prévio anúncio, pelo juiz, às partes, da inversão do onus probandi fez com que doutrina e jurisprudência se posicionassem diferentemente acerca da questão, existindo, claramente, três grandes correntes de pensamento acerca do tema. A primeira corrente, com destaque para João Batista de Almeida, admite a inversão do ônus da prova já no início do processo, quando o juiz analisa a petição inicial, em síntese, porque, assim, o réu-fornecedor, ao ser citado, tomará ciência da inversão, podendo, inclusive, em não se conformando com tal decisão judicial, interpor recurso de agravo de instrumento, sem qualquer violência aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Tal entendimento, contudo, enfrenta a dura oposição de Humberto Theodoro Júnior, segundo o qual : "Antes da contestação, nem mesmo se sabe quais fatos serão controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova", tornando-se, "então, prematuro o expediente do artigo 6º, inciso VIII, do CDC". (TJ-RJ, Nona Câmara Cível, Relator Desembargador Joaquim Alves de Brito, julgado em 04/07/2006) A segunda corrente, majoritária, liderada por Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, Sérgio Cavalieri Filho e Kazuo Watanabe, parte da ideia de que a fixação do ônus da prova ou sua inversão não se trata de regra de procedimento e, sim, de regra de julgamento. Por isso, defendem que a sentença seja o momento adequado para a aplicação do instituto, haja vista que somente após a instrução do feito, no momento da valoração da prova, estaria o juiz habilitado a decidir. Aduzem, por fim, que o fornecedor não poderia alegar cerceamento de defesa por já saber, de antemão, desde o início do processo, que teria de provar tudo o que estiver ao seu alcance e for de seu interesse. Nesse sentido a lição de Kazuo Watanabe : Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, mantemos o mesmo entendimento sustentado nas edições anteriores : é o do julgamento da causa. É que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa. Constituem, por igual, uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória. Com o juízo de verossimilhança, decorrente da aplicação das regras de experiência, deixa de existir o non liquet (considerase demonstrado o fato afirmado pelo consumidor) e, consequentemente, motivo algum há para aplicação de qualquer regra de distribuição do ônus da prova. Por isso mesmo, como ficou anotado, não se tem verdadeiramente uma inversão do ônus da prova em semelhante hipótese. (WATANABE, 2004, p. 796) Todavia, essa corrente também recebeu severas críticas de doutrinadores como, por exemplo, José Carlos Barbosa Moreira (apud "Julgamento e Ônus da Prova", Temas de Direito Processual Civil, 2ª série, São Paulo : Saraiva, 1997, fls. 75 e 76). José Maria Rosa Tesheiner, ao se manifestar sobre a questão, in "Sobre o ônus da prova", Estudos em Homenagem a Egas Dirceu Moniz de Aragão, in www.tex.pro.br, aduz que : Dizer que a parte pode prever a inversão do ônus da prova, sempre que fundada a ação em relação de consumo implica negação do caráter judicial dessa inversão. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é expresso: a inversão ocorre a critério do juiz que, portanto, pode determiná-la ou não. Não é de se supor que a lei haja imposto à parte o ônus adicional de adivinhar o critério que o juiz ou tribunal irá adotar na sentença ou no acórdão. Por fim, uma terceira corrente, encabeçada por nomes como, por exemplo, Luis Antônio Rizzatto Nunes, Galeno Lacerda e Voltaire de Lima Moraes, e que vem ganhando fôlego, defende que o momento adequado para a inversão do ônus da prova seja por ocasião do saneamento do processo, quando, então, serão fixados, pelo juiz todos os pontos controvertidos da lide, sustentando que, nesse momento, o contraditório já fora instaurado, motivo pelo qual o juiz já possui elementos suficientes para aferição da presença dos requisitos legais para o deferimento da inversão, sem que se venha, ademais, se surpreender à defesa. Nesse sentido, colacionamos o posicionamento de Rizzatto Nunes : Então, novamente, o raciocínio é de singela lógica : é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se a hipossuficiêcia foi reconhecida. E, já que assim é, o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos, a fase processual posterior à contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até o saneador, ou neste, será o melhor momento. Não vemos qualquer sentido, diante da norma do CDC, que não gera inversão automática (à exceção doa art. 38), que o magistrado venha a decidir apenas na sentença a respeito da inversão, como se fosse uma surpresa a ser revelada para as partes. (RIZZATTO NUNES, 2009, p. 785) Após a análise de tais posicionamentos, reconhece-se que o melhor momento para a inversão do ônus da prova é no despacho saneador, haja vista que o feito já está maduro e o contraditório formado, ressaltando-se apenas que nos casos de processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis, ex vi dos artigos 28 e 33 ambos da Lei 9.099/1995, que determinam que as provas serão produzidas em audiência de instrução e julgamento, momento procedimental em que a atividade de saneamento ocorrerá, a inversão do ônus da prova deverá ser feita nessa ocasião, com fundamento no artigo 29 da Lei 9.099/1995, facultando-se, outrossim, ao réu-fornecedor a possibilidade ulterior de produzir provas decorrentes desse seu novo ônus. 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS O consumidor, consoante o CODECON, é reconhecido como sendo a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que se submete ao poder do fornecedor para satisfazer suas necessidades de consumo. Por tal motivo é que a tutela jurídica do consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e hipossuficiência, proporciona-lhe amplo acesso à ordem jurídica justa e estabelece, dessa maneira, o equilíbrio e a paridade de armas aos litigantes em uma demanda de consumo. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VIII, estabeleceu como um direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos em juízo, inclusive, com a possibilidade de inversão do ônus da prova a seu favor, ficando a critério do juiz tal decisão, quando for verossímil a alegação do autorconsumidor ou quando este for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Desse modo, é correto afirmar que se o julgador, após verificar, segundo as regras de experiência, que estão presentes os requisitos para a inversão do ônus da prova ex vi do art. 6º, VII do CDC, inverterá o ônus da prova em favor do consumidor, cabendo ao réu-fornecedor produzir prova capaz de ilidir a presunção de verossimilhança das alegações do autor-consumidor ou a hipossuficiência que favorece o consumidor, bem como das excludentes de responsabilidade previstas nos artigos 12, § 3º, incisos I,II e III, e 14, § 3º, incisos I, II, ambos do Código de Defesa do Consumidor. Vale dizer que o juiz não cria novo encargo probatório ao réu-fornecedor quando determina a inversão do ônus da prova. Constatados um dos requisitos, ele apenas admite como verdadeiros os fatos alegados pelo autor-consumidor e o libera da produção da prova sobre os fatos constitutivos de seu direito, sem que sobre ele recaia a conseqüência da inexistência de tais fatos, cabendo, a partir daí, exclusivamente, ao fornecedor produzir provas dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor-consumidor. Como foi observado anteriormente, existem divergências doutrinárias no tocante ao momento processual adequado para aplicação da inversão do ônus da prova em lides consumeiristas. E nosso ponto de vista já fora exposto no sentido de que o momento processual mais adequado para a inversão do ônus da prova há que se dar por ocasião do saneador, por estarem os pontos controvertidos já fixados pelo magistrado e por este ser o momento processual anterior à instrução do processo, evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa do fornecedor, visto que será previamente informado do ônus que lhe caberá, ou, até mesmo, para insurgirse contra aquela decisão judicial. 5. REFERÊNCIAS ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor, 2ª edição, São Paulo : Saraiva, 2006. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, 1990. BRASIL. Constituição Federal, 1988. DIAS, Beatriz Catarina. A Jurisdição na Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 1999. FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor . São Paulo: Atlas, 2008. __________. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro : Malheiros Editores, 2000. FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil, 8ª ed., Rio de Janeiro : Lúmen Júris, volume I, 2002. MATOS, Cecília. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Kazuo Watanabe, 1993. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Julgamento e Ônus da Prova : Temas de Direito Processual Civil, 2ª série. São Paulo : Saraiva, 1997, fls. 75 e 76. NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 4 ed., São Paulo: Saraiva, 2009. PROCON/DF – Histórico do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em : http://www.procon.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=4678. Acesso em 15.09.2011. PROCON/PR – Histórico do Direito do Consumidor No Mundo. Disponível em : http://www.procon.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=416. Acesso em 04.08.2011 às 16h42. SILVA, Fernando Borges da. O Código de Defesa do Consumidor: um microssistema normativo eficiente?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 873, 23 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7564>. Acesso em: 15.11. 2011 às 12h56. TESHEINER, José Maria Rosa, in "Sobre o ônus da prova" : Estudos em Homenagem a Egas Dirceu Moniz de Aragão, in www.tex.pro.br. WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 8. ed., Rio de Janeiro : Forense Universitária , 2004. WATANABE, Kazuo. Anotações de palestra proferida no XXI Encontro Nacional de Defesa do Consumidor, ocorrido em João Pessoa /PB, em 21.06.01.