AS AGÊNCIAS EXECUTIVAS E A DISPENSA DE LICITAÇÃO Gina CopolaΑ (outubro/2.011) As agências executivas foram introduzidas em nosso Direito através do Decreto federal nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1.998, que “Dispõe sobre a qualificação de autarquias e fundações como Agências Executivas, estabelece critérios e procedimentos para a elaboração, acompanhamento e avaliação dos contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das entidades qualificadas e dá outras providências.” Cite-se, ainda, o Decreto federal nº 2.488, também de 2 de fevereiro de 1.998, que “Define medidas de organização administrativa específicas para as autarquias e fundações qualificadas como Agências Executivas e dá outras providências.” O art. 1º, do citado Decreto nº 2.487/98, reza que: “As autarquias e as fundações integrantes da Administração Pública Federal poderão, observadas as diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, ser qualificadas Α Advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela UNIFMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental, Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2.003; Desestatização e terceirização, São Paulo: NDJ – Nova Dimensão Jurídica, 2.006; A ki dos crimes ambientais comentada artigo por artigo, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.008, e A improbidade administrativa no Direito Brasileiro, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.011, e, ainda, autora de diversos artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados. 2 como Agências Executivas”, e o § 1º, do dispositivo, a seu turno, cuida da qualificação da autarquia ou da fundação como Agência Executiva, e estabelece dois importantes requisitos: a) ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor, e b) ter plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a redução de custos, já concluído ou em andamento. Com efeito, agência executiva é uma qualificação que é conferida por decreto do Poder Executivo à autarquia ou fundação que possua um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em pleno andamento; desde que continue a exercer atividades de competência exclusiva do Estado, e que celebre contrato de gestão com a Administração Pública a que esteja vinculada. As agências executivas são autarquias ou fundações que, mediante ato do Poder Executivo, alcançam tal qualificação. São, de tal sorte, entidades integrantes da Administração Pública indireta. No dizer do saudoso mestre DIÓGENES GASPARINI1, as agências executivas são autarquias de regime especial, ou seja, aquelas que possuem maiores privilégios que as autarquias comuns. E na mesma esteira, ensinou o também saudoso HELY LOPES MEIRELLES2 que “Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas.” 1 GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.000, pp. 278, e 339. 3 As agências executivas, de tal sorte, são entidades de Direito Público, e integrantes da Administração Pública indireta, que alcançam tal qualificação, mediante ato do Poder Executivo, e conforme os termos da legislação aplicável, cujos requisitos devem ser estritamente observados. Resta imperioso ressaltar, por fim, que no caso das agências executivas não ocorre criação de uma entidade nova, mas simplesmente a qualificação de uma autarquia ou de uma fundação pública que já existe no mundo jurídico. Com efeito, a qualificação é um título que não altera a natureza jurídica das entidades. Ademais, as autarquias e as fundações públicas qualificadas como agências executivas continuam a exercer suas atividades originais, mas com maior autonomia gerencial e financeira, ou seja, com maior autonomia de gestão, o que, a nosso ver, representa a mais relevante característica de tais entidades. Além disso, as agências executivas devem sempre respeitar o modelo de gestão a elas determinado com suas características próprias e específicas, e dentre elas a atuação com vistas na obtenção de resultados de atuação, com valorização e melhor aproveitamento dos recursos públicos a elas destinados, e com maior poder de decisão. As agências executivas celebram contratos de gestão com o Poder Público, com fundamento na legislação específica, conforme se verá a seguir, sendo que devem tais entidades apresentar com periodicidade 2 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2.000, p. 319. 4 mínima de seis meses, relatórios de seu desempenho no cumprimento dos compromissos acordados no contrato de gestão celebrado, sendo relevante, ainda, o fato de que o fiel cumprimento e a absoluta manutenção do contrato de gestão é conditio sine qua non para que a autarquia ou a fundação continue sendo qualificada como agência executiva. O art. 37, § 8º, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1.998 constitucionalizou o contrato de gestão, e além do dispositivo constitucional citado, os contratos de gestão celebrados com as agências executivas são disciplinados também pelo Decreto nº 2.487/98, e pela Lei federal nº 9.649/98. O art. 3º, do Decreto nº 2.487/98, reza que “O contrato de gestão definirá relações e compromissos entre os signatários, constituindo-se em instrumento de acompanhamento e avaliação do desempenho institucional da entidade, para efeito de supervisão ministerial e de manutenção da qualificação como Agência Executiva.” Observa-se, de tal sorte, que é o contrato de gestão que viabiliza a manutenção da qualificação da agência executiva, ou seja, se o contrato de gestão celebrado não estiver sendo fielmente cumprido, a entidade perderá a qualificação. É o contrato de gestão, portanto, que serve como meio de fiscalização da entidade pelo Poder Público. Com todo efeito, o contrato de gestão deve estabelecer os objetivos estratégicos a serem atingidos pela entidade a ser qualificada, assim como deve conter dados que possibilitem que seja observado, de forma cristalina e objetiva, o desempenho da entidade qualificada. 5 É imperioso ressaltar que o fiel cumprimento dos compromissos acordados no contrato de gestão é observado através do relatório de desempenho, apresentado pela agência executiva com periodicidade mínima semestral, conforme determina o § 3º, do art. 4º, do Decreto nº 2.487/98. Os dados do relatório devem ser objetivos e o relatório deve ater-se exclusivamente às questões relativas ao cumprimento do objetivo institucional do contrato de gestão, e precisam, ainda, conter informações necessárias para a adoção de medidas e decisões pelo Poder Público. O contrato de gestão celebrado com agência executiva tem a duração mínima de um ano, admitida a revisão de suas disposições em caráter excepcional e devidamente justificada, bem como a sua renovação, conforme preceitua o § 4º, do art. 3º, do Decreto. O art. 4º, do Decreto, determina o conteúdo mínimo que deve constar de todo contrato de gestão, sendo: a) objetivos e metas da entidade, com seus respectivos planos de ação anuais, prazos de consecução e indicadores de desempenho; b) demonstrativo de compatibilidade dos planos de ação anuais com o orçamento e com o cronograma de desembolso, por fonte; c) responsabilidades dos signatários em relação ao atingimento dos objetivos e metas definidos, inclusive no provimento de meios necessários à consecução dos resultados propostos; d) medidas legais e administrativas a serem adotadas pelos signatários e partes intervenientes com a finalidade de assegurar maior autonomia de gestão orçamentária, financeira, operacional e administrativa e a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros imprescindíveis ao 6 cumprimento dos objetivos e metas; e) critérios, parâmetros, fórmulas e conseqüências, sempre que possível quantificados, a serem considerados na avaliação do seu cumprimento; f) penalidades aplicáveis à entidade e aos seus dirigentes, proporcionais ao grau do descumprimento dos objetivos e metas contratados, bem como a eventuais faltas cometidas; g) condições para sua revisão, renovação e rescisão, e h) vigência. Além de tais disposições previstas no diploma legal, o contrato de gestão pode conter outras cláusulas estipuladas de acordo com o objetivo a ser alcançado, e também com a atividade exercida pela entidade a ser qualificada como agência executiva. Os principais objetivos de todos os contratos de gestão celebrados com agências executivas estão expressamente previstos no § 1º, do art. 4º, do Decreto, e são: a) satisfação do cliente; b) amplitude da cobertura e da qualidade dos serviços prestados; c) adequação de processos de trabalho essenciais ao desempenho da entidade; d) racionalização de dispêndios, em especial com custeio administrativo; e e) arrecadação proveniente de receitas próprias, nas entidades que disponham dessas fontes de recursos. Ressalte-se que o plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional, o contrato de gestão, os resultados das avaliações de desempenho e outros documentos relevantes para a qualificação, o acompanhamento e a avaliação da Agência Executiva serão objeto de ampla divulgação, por meios físicos e eletrônicos, como forma de possibilitar o seu acompanhamento pela sociedade. É o que se lê do caput, do art. 5º, do citado Decreto nº 2.487/98. 7 Além disso, o contrato de gestão é publicado no Diário Oficial da União, pelo Ministério supervisor, por ocasião da sua celebração, revisão ou renovação, em até quinze dias, contados de sua assinatura, conforme determina o § 1º, do art. 5º, do Decreto. A Lei federal nº 9.649, de 27 de maio de 1.998, conforme acima dito, também cuida do contrato de gestão celebrado com as agências executivas. Tal lei “dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências”, e em seu art. 52, §§ 1º e 2º, cuida expressamente do referido contrato de gestão. Com todo efeito, reza o § 1º, do art. 52, da Lei, que “Os Contratos de Gestão das Agências Executivas serão celebrados com periodicidade mínima de um ano e estabelecerão os objetivos, metas e respectivos indicadores de desempenho da entidade, bem como os recursos necessários e os critérios e instrumentos para a avaliação do seu cumprimento.” E, por fim, o § 2º, do mesmo art. 52, pontifica que “O Poder Executivo definirá os critérios e procedimentos para a elaboração e o acompanhamento dos Contratos de Gestão e dos programas estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das Agências Executivas.” Repita-se que a qualificação das fundações e autarquias como agências executivas ocorre somente com a celebração do contrato de gestão, e a agência executiva, assim qualificada, passa a gozar de privilégios não concedidos às demais autarquias e fundações públicas, e, em contrapartida, e por conseqüência necessária, com a desqualificação das entidades, tais privilégios outorgados são imediatamente extintos. 8 É de império ter presente que a qualificação como agência executiva representa um plus que pode ser outorgado somente às autarquias e às fundações que atendam estritamente a todos os requisitos legais expressamente previstos. A qualificação de entidades como agências executivas tem início com a manifestação de interesse da autarquia e fundação pública, e exige a observância de pré-requisitos básicos, que são aqueles constantes do supracitado Decreto nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1.998, e também da Lei federal nº 9.649, de 27 de maio de 1.998. E após a manifestação de interesse da entidade, são realizadas reuniões de esclarecimento, que ocorrem com a presença dos dirigentes da entidade que pleiteia a qualificação, e também com a presença dos responsáveis pelo Ministério supervisor. Em seguida, é assinado um Protocolo de Intenções, e, ato contínuo, ocorre a elaboração, pela entidade que pleiteia a qualificação, da minuta do contrato de gestão a ser negociada com o Ministério supervisor. E por fim, o contrato de gestão é celebrado entre o Ministério supervisor e a entidade que pretende ser qualificada como agência executiva. Tal contrato, conforme é sabido, possibilita a qualificação da autarquia ou fundação pública que atenda aos requisitos da legislação específica. A qualificação das agências executivas, conforme consta do art. 1º, do Decreto nº 2.487, de 1.998, é conferida apenas às autarquias e fundações públicas integrantes da Administração Pública Federal. Tais entidades, para obterem a devida qualificação, precisam, necessariamente, ter celebrado 9 contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor, tudo isso conforme determinam o § 1º, al. a, do art. 1º, do Decreto nº 2.487/98, e também o art. 51, inc. II, da Lei nº 9.649, de 1.998. E, ainda, as entidades precisam também possuir “plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a redução de custos, já concluído ou em andamento”, conforme se lê do § 1º, al. b, do art. 1°, do Decreto nº 2.487, de 1.998, e do art. 51, inc. I, da Lei federal nº 9.649, de 1.998. O ato de qualificação de agência executiva, conforme acima dito, é sempre realizado mediante decreto, conforme preceitua o § 2º, do art. 1º, do Decreto nº 2.487/98, e em ato do Presidente da República, conforme se lê do art. 51, § 1º, da Lei nº 9.649/98. É imprescindível ressaltar que nenhuma autarquia ou fundação pode ser considerada como agência executiva sem a necessária qualificação, mesmo que atenda aos requisitos expressamente impostos pela lei. E, por outro lado, a desqualificação é o ato pelo qual a autarquia ou fundação perde a qualidade de agência executiva, e ocorre sempre mediante decreto, por iniciativa do Ministério supervisor, conforme se lê do § 4º, do art. 1º, do Decreto nº 2.487/98. A agência executiva é desqualificada quando o contrato de gestão não for sucessivamente renovado, ou quando o plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional tenha prosseguimento interrompido antes da sua conclusão, conforme se depreende da 10 leitura do § 4º c/c com o § 3º, ambos do art. 1º, do indigitado Decreto nº 2.487/98. Ressalte-se, por fim, que a desqualificação da entidade não acarreta em extinção da autarquia ou fundação, mas simplesmente em perda da qualidade de agência executiva, com a conseqüente extinção de privilégios outorgados em razão da concessão da qualificação. Tem-se, ainda, que agências executivas gozam de todos os privilégios também concedidos às autarquias e fundações públicas, além de outros que são conferidos apenas às entidades qualificadas como agências executivas, e que estão previstos em legislação. Com todo efeito, privilégios concedidos somente às agências executivas estão expressamente previstos nos art. 3º a art. 7º, todos do Decreto federal nº 2.488, de 2 de fevereiro de 1.998, destacando-se o previsto no art. 5º, ao rezar que as “Agências Executivas poderão editar regulamentos próprios de avaliação de desempenho dos seus servidores, previamente aprovados pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado e por seu Ministério supervisor.” O privilégio conferido às agências executivas de maior relevância é o contido no parágrafo único, do art. 24, da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1.993, introduzido pela Lei nº 9.648/98. Reza o art. 24, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93: “Art. 24 - É dispensável a licitação: (....) Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20% (vinte 11 por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas.” (Grifamos) Observa-se, de tal sorte, que o parágrafo único, introduzido ao art. 24, através da Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1.998, e modificado pela Lei federal nº 11.107, de 6 de abril de 2.005, concedeu benefício não outorgado às demais autarquias e fundações públicas, que é a elevação do percentual dos limites para dispensa de licitação para compras, obras e serviços contratados por agências executivas. Conclui-se, portanto, que na contratação realizada por agências executivas, os limites de dispensa de licitação são maiores que aqueles originalmente previstos nos inc. I, e inc. II do art. 24, da Lei nº 8.666/93, aplicáveis aos demais setores da Administração Pública. Para tais entidades, ensina com absoluta propriedade o Desembargador JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR3, a licitação tornou-se exceção e não regra, em razão da elevação do percentual previsto como limite para a dispensa. O citado dispositivo legal recebeu severas críticas de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO4, ao professar que o parágrafo único, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, não pode ser utilizado pelas pretensas agências executivas, porque elas não têm existência no mundo jurídico. PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres, Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, 5ª ed. São Paulo: Renovar, 2.002, p. 294. 3 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira, Direito Administrativo, 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2.000, pp. 200/201. 12 Não podemos concordar com tal entendimento, uma vez que as agências executivas estão expressamente previstas em legislação específica, bem como a forma de sua qualificação está amplamente disciplinada, o que acarreta em existência de direito de tais entidades. Dessa forma, o parágrafo único, do art. 24, da Lei de Licitações, modificado pela Lei federal nº 11.107/05, é perfeitamente aplicável às agências executivas, mesmo porque assim está expressamente previsto no próprio dispositivo legal. Tem-se, portanto, que o percentual previsto como limite para dispensa de licitação para as agências executivas é bem superior ao limite previsto para os demais órgãos e setores da Administração, o que forçosamente resulta em maior ocorrência de dispensa de licitação para as agências executivas, tudo isso conforme previsto expressamente na Lei federal nº 8.666/93, art. 24, parágrafo único. Ou seja, existe maior incidência de dispensa de licitação para as agências executivas do que para os demais órgãos e setores da Administração Pública Federal, sem que isso represente qualquer ilegalidade. É o que se depreende do texto legal.