OMC, passado e presente Desde suas origens, a Organização Mundial do Comércio (OMC) está intimamente atrelada à cooperação e à noção de que o desenvolvimento só pode ser plenamente atingido se os diferentes agentes econômicos atuarem em conjunto. Com fim da Segunda Guerra Mundial, fruto de rixas e desavenças histórias, instaurou-se o sentimento de que a união e a reciprocidade entre países seria a melhor forma de prevenir novos conflitos e garantir a manutenção da paz. A instituição da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1944, e a Declaração Schuman, que já em 1950 deu início à reaproximação entre França e Alemanha e ao processo de integração europeu, são claros exemplos da convergência internacional em torno desses ideais e da busca por um objetivo comum. No contexto econômico e, principalmente, comercial, este conceito foi traduzido pela livre-concorrência e pela competição leal, de modo que o mercado fosse pautado pela qualidade dos produtos ofertados. Após negociações frustradas em torno de um projeto para a chamada Organização Internacional do Comércio (OIC), chegou-se a um consenso em torno do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (ou, na denominação em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade - GATT), assinado em 1947. Originado a partir de negociações bilaterais impulsionadas pelos Estados Unidos, este correspondeu a um tratado estritamente focado na redução de tarifas aduaneiras e de outras barreiras às operações comerciais entre seus membros, dotado de alto grau de complexidade e sede fixa em Genebra, mas que nunca chegou a ser uma organização internacional propriamente dita. Apesar de inicialmente instituído para regular apenas provisoriamente o comércio internacional, o GATT balizou as relações comerciais entre os países signatários durante quase cinquenta anos. Sua dinâmica correspondia a negociações bilaterais e na forma de “rodadas”, que até 1964 (Rodada Kennedy) abordavam produto a produto. Vigorava o chamado “tratamento geral de nação mais favorecida”, pelo qual qualquer concessão realizada a um membro do acordo seria automaticamente estendido aos demais signatários. Suas deliberações originalmente se pautavam sobre tarifas de produtos industriais, mas, com o surgimento de novos países resultantes do processo de descolonização africano, que detinham a prerrogativa de integrar ao GATT automaticamente caso a respectiva metrópole já fosse signatária; com o crescimento da projeção internacional de países emergentes, com destaque ao Brasil e ao protagonismo de Raúl Prebisch; com a consolidação e robustecimento da Comunidade Europeia; e, principalmente, com a ascensão dos chamados Tigres Asiáticos e desenvolvimento da informática e dos mercados virtuais, expandiu-se a agenda para produtos primários e ligados à propriedade intelectual, mercado financeiro e serviços, ao longo da década de 1980. Alterou-se a lógica do comércio internacional, ajustando ao contexto de globalização que já se apresentava. Em 1995, o GATT correspondia a uma instituição fundamental no campo das relações internacionais. Os acordos firmados apresentavam proporções significativas e a complexidade das relações entre seus signatários era digna de uma organização internacional. Assim, com o fim da Guerra Fria no início dos anos 1990, surge um ambiente propício para que seja dado um passo adiante: durante a Rodada Uruguai, acordou-se entre seus membros a criação da OMC, que incorporou e consolidou todas as conquistas até então obtidas pelo GATT. Atualmente, a organização conta com quase 160 membros, delibera sobre uma ampla gama de produtos e serviços, disponibiliza espaços para a negociação e formalização de acordos plurilaterais, dispõe de um fórum específico para resolução de litígios entre seus membros, com poder sancionatório, enfim, detém uma estrutura robusta e consolidada para possibilitar a tomada de decisões complexas e efetivas. Até mesmo a visão acerca do conceito de desenvolvimento foi aperfeiçoado: se, durante o período do GATT, o termo era entendido como sinônimo de industrialização, hoje há contornos mais amplos, atingindo aspectos políticos, sociais e culturais. No entanto, apesar de todo este aparato à disposição da OMC, seu protagonismo parece estar diminuindo a cada dia. A maior parte das discussões que ocorrem na organização ainda são pautadas sobre acordos firmados durante a vigência do GATT, há mais de 20 anos. A Rodada Doha, primeira e única até hoje, não consegue chegar a conclusões e resultados satisfatórios ou produtivos. Negociações são ineficientes, improdutivas e compostas por bancadas buscando puramente seus interesses próprios, em detrimento do desenvolvimento coletivo. A OMC não exerce sua legítima função de articuladora do comércio mundial, não acompanha o dinamismo dos mercados e caminha para uma posição de coadjuvante. Trata-se, portanto, de uma enorme oportunidade para o atual Diretor Geral Roberto Azevêdo, brasileiro, mas que assume papel desvinculado dos interesses brasileiros e trabalha em prol da OMC como um todo. É preciso que as causas estruturais dos impasses sejam identificadas. Estariam elas ligadas ao processo decisório de consenso, que, apesar do nome, mais funciona como uma ferramenta protelatória, regido sob o princípio do “toma lá, dá cá”? Ou seria o tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento, cujas concessões não necessariamente devem ser nas mesmas proporções que as de países desenvolvidos? Tal princípio da reciprocidade menos que total parece abrir excessiva margem para uma improdutiva auto-vitimização de alguns países emergentes. É essencial que a estrutura à disposição dos integrantes da OMC seja utilizada em prol da conjuntura internacional, no mesmo espírito de cooperação que marcou o período do pós-guerra e é intrínseco às origens do GATT. O resgate desses valores deve ser prioridade. Enfim, não há dúvidas que a OMC corresponde ao principal fórum internacional da atualidade para endereçar o atual sistema multi-lateral de comércio. Arena de embates, discussões e negociações pelos principais agentes do comércio internacional, a instituição deveria assumir maior importância diante de um ambiente econômico marcado pela luta por sobrevivência econômica, disputa de mercados e expansão das grandes corporações. A OMC deve reassumir o protagonismo que lhe foi característico ao longo da segunda metade do século XX, e não perder o foco pela busca do desenvolvimento dos mercados e pela busca de um comércio internacional eficiente, conjunto e igualitário. Fernando W. Bunemer Nahas