62 Tatyana Scheila Friedrich & Sandro Lunard Nicoladeli Mas também houve alteração no que restou da produção normativa estatal, que não mais se limita a regulamentar as tensões internas, mas está cada vez mais condicionada pela conjuntura econômico-financeira internacional, que define os princípios fundamentadores e o conteúdo material das novas normas10. Também se verifica o surgimento de um direito próprio dos conglomerados econômicos, os quais estabelecem suas normas a partir de um acordo entre as matrizes das empresas transnacionais fornecedoras dos diversos componentes e serviços, feitos em diversas partes do mundo, que irão formar o produto final desterritorializado. Normalmente a grande empresa, “a montadora” que aglutina as demais, registra, no órgão competente do país onde está instalada, as cláusulas previamente acordadas pelas matrizes ou que vigoram por serem costume comercial, referentes aos diversos aspectos da transação econômica, como preço, entrega, inspeção, garantia, rescisão, foro, que formam uma espécie de guia de contratação. Essa prática gera um outro fator relacionado a mudanças na contratualidade jurídica: nessas relações, não há mais previsão exaustiva dos contratos, mas apenas autonegociação dos problemas ao longo da cadeia produtiva, conforme eles vão acontecendo. Isso faz com que quase não haja conflitos, pois as regras são sabidas e compartilhadas previamente, antes da contratação. Além disso, acaba existindo uma verdadeira rede de cooperação, em que não vale a pena descumprir o estipulado para não impedir futuros negócios11. Em relação ao costume no comércio internacional, citado anteriormente, o mundo globalizado assiste a uma valorização da lex mercatoria, que já regia as relações mercantis mas que retorna com novas características. Capella (1997, p. 2.610-2612) define lex mercatoria como o conjunto de normas acordadas explícita ou implicitamente pelos grandes agentes econômicos, com independência dos poderes públicos para regularem suas relações recíprocas ou com os Estados abertos e para determinarem 10 11 O GATT estabelece alguns procedimentos que devem ser observados no caso de o Poder Legislativo de um Estado-membro criar uma norma que seja incompatível com suas cláusulas: se a lei é mandatória e pode ser implementada e viola o acordo do GATT ela é anulada, mesmo que não tenha se tornado efetiva; se a lei não é mandatória e pode ser implementada de acordo com o GATT, então ela não é considerada contrária ipso facto ao GATT. Sobre este assunto, ver: FARIA, 2007, p. 199ss.