CEFALÉIAS PRIMÁRIAS Marília Aoki Settanni Victor Augusto Leite Giorgenon 4º ano de medicina Ambulatório de Cefaléia INTRODUÇÃO: Cefaléia é todo processo doloroso referido no segmento cefálico, podendo envolver tanto estruturas faciais quanto cranianas. A “dor de cabeça” é o sintoma mais referido pelos pacientes na prática clínica. Durante a vida, 90% das pessoas apresentarão um episódio de cefaléia. Em geral, o sexo feminino é mais acometido, variando a proporção de acordo com o tipo da cefaléia. BASES ANATÔMICAS: Os mecanismos envolvidos no surgimento da dor incluem basicamente: 1) Deslocamento, tração, distensão, irritação ou inflamação das estruturas sensíveis à dor (estruturas faciais superficiais e profundas, couro cabeludo, periósteo craniano, os vasos sanguíneos extracranianos, os grandes vasos intracranianos, a parte basal da dura-máter e os nervos sensitivos. 2) Vasodilatação CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ETIOLOGIA: Primárias: não estão associadas a anomalias estruturais, ou seja, a dor e suas manifestações associadas constituem o distúrbio em si, sem relação com doença orgânica. Secundárias: apresentam estreita associação com doença orgânica, tanto no envolvimento do processo fisiopatogênico da mesma, quanto em seu aspecto temporal. Prevalecem por infecção sistêmica, traumatismo craniano, hemorragia subaracnóidea, HAS e tumor cerebral. NA ANAMNESE Primárias: geralmente o paciente refere episódios que mantêm suas características, sem comemorativos novos ao longo da evolução. Pode referir conhecimento dos fatores desencadeantes e crises entremeadas de grandes períodos de acalmia (períodos sem dor, sintomas associados ou crises completas). NA ANAMNESE Secundárias: estão sugeridas quando o paciente apresentar fatores como: a “pior” cefaléia da vida exame neurológico anormal febre ou sinais sistêmicos inexplicados vômitos que precedem a cefaléia Dor induzida por alterações de decúbito ou tosse Dor que perturba o sono ou se inicia ao despertar Doença sistêmica conhecida Início após 55 anos de idade INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA A determinação etiológica relaciona-se principalmente com a realização de uma boa anamnese e exame físico adequado. Caso a suspeita de cefaléia secundária não esteja esclarecida, o médico pode solicitar exames como: TC, RM, punção lombar, dentre outros. TIPOS DE CEFALÉIA PRIMÁRIA E SEUS PRINCIPAIS SUBTIPOS (*): 1. Enxaqueca ou Migrânea 1.1. enxaqueca sem aura ou comum 1.2. enxaqueca com aura ou clássica 2. Cefaléia tensional (CT) 2.1. CT episódica 2.2. CT crônica 3. Cefaléia em salvas (CS) 3.1. CS de periodicidade indeterminada 3.2. CS episódica 3.3. CS crônica 4. Miscelânea de cefaléias não associadas com outra lesões estruturais (outras cefaléias primárias) (*) segundo a Sociedade Internacional de Cefaléias (SIC) ENXAQUECA Trata-se de uma reação neurovascular anormal, relacionada à herança genética multifatorial, desencadeada por fatores ambientais (gatilhos) 15 a 25% da população é afetada, com prevalência do sexo feminino, na proporção de 3:1 A enxaqueca sem aura representa 80% das enxaquecas, enquanto a com aura, representa entre 10 – 15%. Na grande maioria dos casos, a primeira manifestação ocorre antes dos 20 anos de idade FATORES DESENCADEANTES: Problemas emocionais (ansiedade ou depressão) Modificação do ciclo vigília-sono (excesso ou privação de sono) Ingestão de bebidas alcoólicas (particularmente de vinho tinto) Ingestão de determinados alimentos (chocolate, certos queijos, defumados) Jejum prolongado (estados hipoglicêmicos) Exposição a odores fortes e penetrantes Exposição a estímulos luminosos intensos e/ou intermitentes. Influências hormonais, como ciclo menstrual e anticoncepcionais CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS SIMPLIFICADOS, SEGUNDO A SIC: Crises repetidas de cefaléia que duram de 4 – 72 horas em pacientes com exame físico normal, nenhuma outra causa razoável para cefaléia e: 1- Pelo menos duas das seguintes manifestações: - Dor unilateral - Dor latejante - Agravamento por movimento 2- Além de pelo menos uma das seguintes manifestações: - Náuseas ou vômitos -Fotofobia e fonofobia -Intensidade moderada ou grave MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Enxaqueca sem aura ou comum: Apresenta preferencialmente cefaléia de caráter pulsátil, unilateral, de localização variável, predominando temporal, frontal e occipital. A duração também é variável, podendo atingir horas a dias, geralmente de intensidade moderada a forte, incapacitando as atividades diárias. São freqüentes sintomas associados como foto e fonofobia, náuseas e vômitos durante a crise, perda de apetite, sudorese e palidez. A dor piora com as atividades físicas. Na crise, o paciente refere buscar por repouso absoluto. Os episódios podem ocorrer diariamente a algumas vezes por ano. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Enxaqueca com aura ou clássica: Apresenta quadro semelhante ao da enxaqueca comum, entretanto possui sintomas de aura que precedem as crises álgicas. A aura precede a fase álgica de maneira subseqüente. Pode durar até uma hora, entretanto costuma durar de 5 a 20 minutos. AURA Traduzem-se como manifestações visuais, sensitivas, motoras e/ou afásicas. A aura visual é a mais comum, respondendo por mais da metade das manifestações de aura. Prevalecem os escotomas dentre os sintomas negativos (falta de visão em uma porção ou ponto do campo visual) e nos positivos, moscas volantes, espectros de fortificação e ilusões de flashes de luz ou fosfenos. Alguns pacientes se queixam de borramento visual. As manifestações sensitivas incluem parestesias, geralmente unilaterais. MIDAS - Migrane Disability Assessment Program Questionário de Avaliação da Incapacidade por Enxaqueca Instruções: por favor responda as seguintes questões sobre TODAS as dores de cabeça que você tenha tido durante os últimos três meses. Escreva sua resposta no espaço ao lado de cada questão. Escreva zero se você não teve aquela atividade durante os últimos três meses. 1. Quantos dias de trabalho ou de escola você perdeu nos últimos três meses por causa de suas dores de cabeça? 2. Em quantos dias dos últimos três meses você observou que seu rendimento no trabalho ou na escola estava reduzido pela metade ou mais, devido às suas dores de cabeça? (Não inclua os dias que você contou na questão 1, onde dia de trabalho ou de aula foi perdido). 3. Em quantos dias dos últimos três meses você não foi capaz de executar o trabalho de casa por causa de suas dores de cabeça? 4. Em quantos dias dos últimos três meses seu rendimento no trabalho de casa foi reduzido pela metade ou mais devido as suas dores de cabeça? (Não inclua os dias que você contou na questão 3, onde você não pôde fazer o trabalho de casa). 5. Em quantos dias dos últimos três meses você perdeu atividades familiares, sociais ou de lazer por causa das suas dores de cabeça? A. Em quantos dias dos últimos três meses você teve dor de cabeça? (Se a dor durou mais que um dia, conte cada um dos dias). B . Em uma escala de 0 - 10, em média qual a intensidade da dor destas dores de cabeça? (0 = nenhuma dor; 10 = dor máxima possível). Escore: Grau I – Incapacidade mínima ou infreqüente: 0 a 5 ; Grau II - Incapacidade branda ou infreqüente: 6 a 10; Grau III – Incapacidade moderada: 1 a 20; Grau IV – Incapacidade grave: >20. TRATAMENTO DA ENXAQUECA 1) Quando as crises são esparsas ou eventuais (2 ou menos ao mês), deve-se optar apenas por tratar as crises: Analgésicos comuns, como aspirina, dipirona e paracetamol, em doses habituais. Antiinflamatórios não-esteróides (AINES), como naproxeno 220 a 550mg 2x/dia, ibuprofeno 400mg 46x/dia, diclofenaco, ácido mefenâmico e cetoprofeno. Agem rapidamente como analgésicos, diminuindo a sensibilização de nociceptores periféricos. Vasoconstritores são usados quando não há resposta a analgésicos comuns, ainda que em associação com os mesmos. São usados derivados do ergot (agonistas serotoninérgicos), isometepteno, triptanos e rizatriptano. TRATAMENTO DA ENXAQUECA 2) Profilático, quando o indivíduo apresenta 2 ou mais crises fortes por mês: a) Primeiro grupo, para casos menos graves e poucas reações adversas, são os anti-histamínicos e anti-serotonínicos. b) Segundo grupo, para casos mais graves e necessidade de controle médico periódico: Vasodilatadores betabloqueadores, como Propanolol 60 a 160mg/dia, com dose máxima de 240 mg/dia e Atenolol 50 a 200 mg/dia. Vasodilatadores antagonistas dos canais de cálcio, como verapamil160 a 240 mg/dia e flunarizina 5 a 20 mg/dia. Não usar nifedipina, pois pode causar cefaléia. Antidepressivos tricíclicos 25 a 75 mg/dia, como amitriptilina e nortriptilina. Inibidores específicos da recaptação de serotonina, como fluoxetina 20 a 80 mg/dia, sertralina e paroxetina. Agonistas gabaérgicos anticonvulsivantes, como ácido valpróico 500 a 2000 mg/dia e topiramato 100 a 400 mg/dia. CEFALÉIA TENSIONAL (CT) Também chamada de cefaléia psicogênica e cefaléia da contração muscular, relaciona-se com a contração prolongada dos músculos esqueléticos do segmento cefálico e cervical. Geralmente as primeiras manifestações iniciamse a partir da terceira década de vida. É a cefaléia mais freqüente, encontrada em cerca de 40% da população. A incidência é a mesma para ambos os sexos. FATORES DESENCADEANTES É a cefaléia geralmente relacionada a períodos estressantes, de tensão prolongada e exercícios físicos intensos e extenuantes. São freqüentes as cefaléias de “fim de expediente”, esforços visuais contínuos, longas viagens e após briga familiar ou conjugal. CLASSIFICAÇÃO, SEGUNDO A SIC: Divide-se em: Episódica: Ocorre em menos de 15 dias por mês e é facilmente atrelada a um fator desencadeante conhecido ou percebido. Crônica: Ocorre em mais de 15 dias por mês por mais de 6 meses, entremeadas por períodos de acalmia, mas sem desaparecimento completo da dor. Além disso, o fator desencadeante nem sempre é evidente, sendo muitas vezes decorrentes de um quadro depressivo. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A dor geralmente é caracterizada como “peso” ou “aperto”, holocraniana, variáveis em freqüência, duração e intensidade, na maioria da vezes fraca e moderada. As localizações mais comuns são occipital, suboccipital, frontal, temporal, e periorbitária. Não associam-se a vômitos ou náuseas, e podem apresentar, somado à dor, ou fotofobia ou fonofobia, não em conjunto. Na CT de intensidade alta, exercícios físicos e movimentos da cabeça podem piorar a dor. Raramente as crises impossibilitam a realização das atividades diárias. TRATAMENTO DA CT Revela condutas muito diferentes em relação ao aspecto episódico ou crônico. 1) CT episódicas: muitos pacientes convivem com sua dor, na maioria das vezes não chegando a procurar assistência médica e praticando automedicação. Analgésicos comuns são eficazes no tratamento da dor, como aspirina, dipirona e paracetamol, em doses habituais. TRATAMENTO DA CT 2) CT crônicas: O tratamento com analgésicos comuns não resolvem a dor, gerando excesso de seu emprego e automedicação compulsiva. Os antidepressivos , preferencialmente os tricíclicos, como a amitriptilina 50 a 100 mg/dia, beneficiam mais da metade dos pacientes. Os Inibidores específicos da recaptação de serotonina (IERS), como fluoxetina, paroxetina e sertralina também são indicados, principalmente em casos de contraindicação de tricíclicos. Cabe observar que, em muitos casos, o tratamento nãomedicamentoso de acompanhamento psicológico é indicado. CEFALÉIA EM SALVAS (CS) Relaciona-se com períodos de dor intensa e contínua, atribuídos a disfunções autonômicas. Possui sinonímia de “cefaléia histamínica”. É de menor aparecimento na prática clínica. Geralmente manifesta-se entre 20 e 30 anos de idade. A prevalência é no sexo masculino, na proporção 6:1. CLASSIFICAÇÃO, SEGUNDO SIC: CS episódica: os surtos de salvas ocorrem dentro do período de 7 dias a 1 ano, separados por intervalos de acalmia de 14 dias ou mais. CS crônica: os surtos de salvas ocorrem por mais de um ano sem remissão, ou com intervalos de remissão menores que 14 dias. Além disso, podem evoluir para a ausência de períodos de acalmia, mas tal condição é rara. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS São cefaléias intensas, unilaterais e sempre do mesmo lado, referidas no fundo do olho e de caráter latejante, associadas a congestão conjuntival, nasal e lacrimejamento ipsilateral a dor, com início agudo e duração da fase álgica entre 15 minutos e 2 horas, tendendo a desaparecer abruptamente. Os episódios de cefaléia podem ocorrer de 1 a 8 vezes por dia, em surtos denominados “salvas” ou “cachos”, contínuos por 3 a 8 semanas. Intervalos entre os surtos revelam grandes períodos de acalmia, normalmente caracterizando 1 a 2 surtos por ano. Os pacientes costumam referir que nada parece aliviar a crise, e mostram-se extremamente inquietos e nervosos com a condição. TRATAMENTO DA CS A CS é de difícil tratamento: 1- Nas crises álgicas: Preconiza-se a inalação de oxigênio puro (7L/min) por máscara, durante 15 minutos, sendo referido como eficaz em metade dos casos. Vasoconstritores derivados do ergot, injetáveis, são indicados, mas apresentam eficácia controversa. Os medicamentos sintomáticos tidos como mais eficazes durante as crises são os vasoconstritores triptanos (agonistas dos receptores HT1b), principalmente o sumatriptano injetável , por via subcutânea na dose de 6 mg, ou spray nasal 20 mg. O rizatriptano também é indicado por possuir efeito mais rápido. TRATAMENTO DA CS 2- Para interrupção dos surtos: São usados vasodilatadores derivados do ergot, como a metsergida 3 a 12 mg/dia e bloqueadores dos canais de cálcio, como o verapamil 160 a 960 mg/dia. Glicocorticóides, como predinizona 1mg/kg até 60 mg por dia, reduzindo gradualmente durante 21 dias. Agonistas gabaérgicos anticonvulsivantes, como o ácido valpróico ou topiramato 100 a 400 mg/dia. Cabe ressaltar que os surtos vão se tornando resistentes aos tratamentos conforme o tempo passa e as doses medicamentosas aumentam. REFERÊNCIAS 1. Clínica médica: doença dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais – Barueri, São Paulo: Manole, 2009. 2. Harrison Medicina Interna – 17ª ed. – Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2008. 3. NITRINI, Ricardo; A neurologia que todo médico deve saber - 2ª ed. - São Paulo: Editora Atheneu, 2008. 4. SANVITO W. L. & MONZILLO P. H. . Cefaléias primárias: aspectos cínicos e terapêuticos. Medicina, Ribeirão Preto, 30: 437-448, out./dez. 1997.