PARA ONDE VAMOS? Uma reflexão sobre o destino das Ongs na Região Sul do Brasil Mauri J.V. Cruz Introdução O objetivo deste texto é contribuir num processo de reflexão sobre o papel das ONGs na região sul do Brasil neste determinado momento histórico.Coube a mim a provocação, apesar de não ter presente toda a história das articulações na região. A idéia é discutimos os caminhos em cada estado em reuniões menores e reunirmos as idéias e sugestões num debate regional para apontarmos nossos e novos caminhos. Recentemente ouvi uma educadora dar um tom quase científico a um ditado popular que usamos muito por aqui que diz que “duas cabeças pensam melhor do que uma”. Dizia a educadora que o processo de criação em grupo denomina-se “inteligência coletiva” que é algo muito além da somo das inteligências individuais. Que este nosso processo esteja iluminado por essa crença, de que unidos somos uma coletividade para além da soma de nossas forças. Este é nosso desejo. Um bom debate para tod@s nós. Para onde vamos? Desde o final dos anos 90 esta pergunta tem sido repetida no interior da maioria das organizações não governamentais comprometidas com o processo de mudança social no Brasil. As razões desde questionamento decorrem de alguns fatores da nova conjuntura: 1. Há uma paulatina e constante redução de recursos da cooperação internacional para a região sul do Brasil, que tem concentrado seus apoios para o nordeste brasileiro ou redirecionado para a África, Ásia ou mesmo os países da União Européia; 2. Houve um crescente redirecionamento das ações do estado para questões de caráter social, fazendo com que um leque entidades e setores que antes não atuavam neste segmento, iniciassem uma atuação focada, assistencial com os mesmos públicos de atuação das ongs; 3. Os movimentos sociais cresceram e criaram seus próprios mecanismos de arrecadação, formação e capacitação, diminuindo a necessidade (ou seria dependência) de entidades de apoio como as ongs; 4. Proliferam dezenas de entidades de consultoria destinadas a realizar serviços para o Poder Público, mas que se organizam em forma de ONGs o que confunde a sociedade civil sobre o caráter das ongs e dificulta a afirmação de uma identidade social das entidades de educação popular que já atuam com os movimentos a mais tempo; 5. As próprias universidades constituíram entidades autônomas, denominadas de fundações ou institutos com a intenção de realizarem projetos de caráter social; 6. O próprio setor empresarial vem constituindo suas fundações e institutos com o objetivo de reforçar a imagem institucional de suas marcas e de disputar recursos públicos para estas atividades; 7. Além destes fatores há uma crescente cobrança por resultados concretos na mudança da vida das pessoas que são o público alvo das ações sociais e do apoio nacional e internacional e uma dificuldade das ongs em apresentarem resultados visto que as transformações estruturais são lentas e de longo prazo dependendo da conjuntura mais geral. Com o advento do Governo Lula estas questões se intensificaram de forma crescente, tanto a redução de recursos da cooperação internacional, como a pulverização e o surgimento de inúmeras entidades de caráter social semelhantes as nossas tradicionais Ongs. O que mudou? Afinal de contas, o que mudou? Mudou o Brasil. Queiramos ou não estamos em outro momento histórico onde a simplicidade da luta de classes não explica a complexidade dos conflitos sociais – e de classes sociais – existentes em nosso país. Isso não quer dizer que acabou a égide do capital sobre o trabalho, nem que o povo brasileiro não vive sob o manto da dominação dos grandes oligopólios internacionais. Apenas quer dizer que a organização da mudança é mais complexa do que mobilizar a classe popular contra a tirania do capital. Mais do que isso, a temática social domina as pautas políticas transformando-se num instrumento de ação política do próprio capital. Temas como excluídos, controle social, participação popular, democracia participativa, desenvolvimento sustentável, entre outros estão nas mesas de debates de todos os segmentos. Há uma “miscigenação ideológica” 1 onde segmentos historicamente responsáveis pela miséria de nosso povo, agem como se fossem os defensores da justiça social. Por isso, é necessário dizer também que o Brasil não mudou. Continua a concentração da propriedade da terra e o massacre dos trabalhadores que lutam contra o latifúndio, a automação industrial e a concentração do capital só fazem crescer o desemprego e a exclusão, a economia está alicerçada na especulação do capital financeiro, cresce o poder do tráfico de drogas, da impunidade da violência policial, da violência contra a mulher, da fome de milhões, da exploração do trabalho infantil, da degradação do meio ambiente, da falta de moradia, de saúde, de perspectiva de melhoria de vida para os milhões de excluídos. A causa da nossa luta é a injustiça social e por isso, temos cada vez mais motivos para lutar. Assim, é correto concluir que a nossa luta, na realidade, é a mesma de 30 anos atrás quando iniciamos a constituição de nossas ongs. A diferença é a complexidade do momento histórico. Nossa luta é a mesma, mas a realidade em que ela está inserida é bastante diferente. A diferença é o amadurecimento da sociedade civil, dos próprios movimentos sociais que ajudamos a construir. A diferença é que o estado brasileiro está mais acessível, no entanto, sua estrutura não condiz com as necessidades da participação popular, da democracia participativa e do controle social de verdade. A diferença é que há outros segmentos disputando a liderança da consciência popular, como o tráfico de drogas, os empresários, os partidos tradicionais, as igrejas messiânicas. As temáticas sociais como os direitos estão na pauta, mas há um longo caminho de conquistas e consolidação a ser trilhado. Esse caminho passa certamente pela consolidação da democracia participativa, pela reestruturação do estado, pela mudança das leis, pela mudança da cultura política brasileira onde vale o interesse individual em detrimento dos interesses coletivos. Construir e consolidar este novo momento leva 1 O termo miscigenação ideológica não pretende colocar todas as ideologias num mesmo saco de gatos, apenas aponta para o fato que a sociedade brasileira tem dificuldade de identificar diferenças entre os projetos para o Brasil dos vários setores sociais. Olhando com pouca atenção parece quase tudo a mesma coisa. um certo tempo. Provavelmente novos 30 anos. A questão é: estamos preparados para isso? Este novo quadro coloca para as ongs novos desafios e alguns questionamentos: 1. Qual deve ser o Papel Político das ONGs neste novo quadro? Atuar como apoio dos movimentos sociais, ser ator disputando diretamente na sociedade posições? Agir em parceria com o estado? Qual o novo papel das ONGs neste momento? 2. Como equacionar a questão da Sustentabilidade? É possível constituir uma política de sustentabilidade sem comprometer o caráter e a autonomia das ONGs? È possível realizar parcerias com o Poder Público sem substituir o papel do estado e sem ser meramente executar de ações e programas governamentais? E a relação com a cooperação internacional, como deve ser enfrentada neste momento conjuntural, será que não haverá mais recursos a fundo perdido num curto espaço de tempo? 3. Articulações e redes – Como atuar de forma articulada sem que as lutas específicas se sobreponham as lutas gerais? Como construir um processo onde as agendas e as ações se integrem sem parecer que estamos sobrepondo atividades, lutas e tarefas? Como construir relações de parceria reais e não apenas o somatório de ações das entidades? Como unificar e integrar as várias lutas de caráter nacional nos espaços locais onde as pessoas vivem e é onde acontece a mudança? Seria neste ponto a mudança de estratégia onde deveríamos apostar na articulação das experiências de desenvolvimento local? 4. Qual deve ser o caráter da nossa Articulação Regional? Apenas para não deixar de pautar um dos temas de nosso debate. Temos realizado, nos últimos anos, um processo de articulação regional que integrava as ONGs filiadas à ABONG com as redes e articulações de movimentos sociais populares da região. Estratégia acertada, no sentido de fortalecer a unidade de ação do campo popular. No entanto, há dois problemas neste momento: (1) a maioria dos movimentos não tem apostado no Fórum Sul como espaço de discussão e elaboração de sua estratégia regional; (2) O Fórum Sul não tem sido um espaço de debate das questões das ONGs propriamente ditas, em especial, os debates internos da ABONG. Como exemplo podemos referir todo o processo do FSM2005 onde nossa atuação não se deu de forma articulada, sobrecarregando algumas organizações. Há uma proposta de reestruturamos o papel dos fóruns, definindo o Fórum Sul como o espaço de articulação das redes e movimentos da região sul do Brasil e criando a REGIONAL SUL DA ABONG. O que acham desta idéia? Um bom debate à tod@s nós! Mauri Cruz Coordenação do CAMP