O TOMBAMENTO COMO FORMA DE INTERVENÇÃO NA
PROPRIEDADE E MEIO DE PROTEÇÃO AO PATRIMONIO
CULTURAL
Júlio José Saborito 1
Leiner Marchetti Pereira 2
RESUMO
O presente trabalho acadêmico aborda o instituto do tombamento como forma de
intervenção na propriedade privada e meio de proteção do patrimônio histórico e cultural,
destacando seus principais aspectos. O Estado quando intervém na propriedade privada para
proteger o patrimônio cultural, pretende preservar a memória nacional. A abordagem do
tema se inicia na conceituação do direito de propriedade, após menciona as principais
formas de intervenção do Estado na propriedade privada.Por fim adentra no estudo do
Tombamento propriamente dito, enfatizando suas espécies, natureza jurídica e
procedimento, salientando inclusive a grande importância do instituto para a preservação do
patrimônio histórico e cultural do nosso país.
Palavras-chave: Tombamento. Intervenção. Patrimônio Histórico
ABSTRACT
The academic work considers the institute of building´s registration as a form of intervention
in private property and means of protection of historical and cultural heritage, highlighting
1
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos –
UNIFEOB; Pós-graduado em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e
cursando pós graduação em Gestão Pública no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Muzambinho – IF SUL DE MINAS; Advogado, Procurador-Geral do Município de Nova Resende; e-mail:
[email protected].
2
Mestre em Direito pela Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações – UNINCOR. Especialista em
Administração Pública pela FEAD/BH. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha –
FADIVA. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Faculdade de Três Pontas –
FATEPS. Assessor Jurídico da Associação de Municípios da Micro Região da Baixa Mogiana – AMOG; email: [email protected].
2
its main points. The State intervenes when private property to protect cultural heritage,
intended to preserve the national memory. The approach of the theme starts in the
conceptualization of the right to property, after mentions the main forms of State
intervention in private property. Finally enters the study listing itself, emphasizing their
species, nature and legal procedure, stressing the great importance of the Institute for the
preservation of historical and cultural heritage of our country.
Keywords: Registration. Intervention. Historical Patrimony.
INTRODUÇÃO
Muitas vezes o ser humano depara-se com lembranças do passado ou imagens
retratadas em velhas fotografias de locais que já não existem mais, locais outros que com o
passar do tempo perderam suas características originais, devido ao crescimento das cidades,
aumento populacional e inovações tecnológicas.
Pensando dessa maneira chega-se a conclusão de que vários casarões antigos, já não
existem mais nas cidades brasileiras, quantas praças foram remodeladas, perdendo suas
características originais, quantos bens de valor históricos foram destruídos em nome de
interesses egoísticos dos proprietários e com a omissão do Poder Público.
O patrimônio cultural é uma das maiores riquezas de um povo, bens naturais ou
criados pela mão humana, por sua beleza, sua importância histórica, arqueológica,
etnográfica, bibliográfica ou artística, precisam ser preservadas como garantia de
preservação da própria cultura em seu sentido mais amplo.
O tombamento como forma de intervenção na propriedade particular e meio de
proteção ao patrimônio cultural, objetiva preservar os bens de importância preservacionista e
histórica, para que os povos se lembrem quem são, de onde veem e, por consequência, como
serão.
Dessa forma, haja vista a necessidade de se conhecer melhor o tombamento, e suas
especificações é que foi desenvolvido este estudo, com o objetivo de esclarecer o tema, que
apesar de muito importante para a sociedade brasileira, se vê pouco discutido.
3
Para execução do presente trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica de livros
voltados a estudos do Direito Administrativo e publicações especializadas, trata-se, portanto
de um artigo de revisão, ao passo que foi estabelecido um comparativo entre várias doutrinas
que tratam do tema tombamento.
A seção seguinte trata do direito de propriedade, e tem como objetivo demonstrar
que tal direito, apesar de previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, dentre
aqueles elencados como direitos fundamentais, não é um direito absoluto em razão de que
poderá sofrer a intervenção do Estado.
A terceira seção abordará a intervenção do Estado na propriedade particular, visando
demonstrar que o objetivo dessa intervenção é de sempre resguardar o interesse público,
após apresentará de forma sintética as formas de intervenção do Estado na propriedade
particular.
O tombamento, tema central do trabalho, será abordado na quarta seção, esta
subdividida em cinco seções secundárias que tratarão sobre o sentido do tombamento, seu
objeto, natureza jurídica, espécies de tombamento e seu procedimento. O objetivo desta
seção é discutir a problemática relacionada ao tema tombamento esclarecer suas
peculiaridades e possibilitar seu entendimento de forma simples e clara.
O trabalho se encerra apresentando nas conclusões os resultados alcançados e
reafirmando a importância do instituto do tombamento para a proteção do patrimônio
histórico e cultural brasileiro.
2 DO DIREITO DE PROPRIEDADE
A doutrina classifica a propriedade como um instituto de caráter político, para
Carvalho Filho (2011, p. 712) “historicamente, a propriedade constituiu verdadeiro direito
natural, sendo erigida a direito fundamental nas declarações de direito da época do
constitucionalismo.”
Para Marinela (2012, p. 863) “a propriedade consiste em um direito individual que
assegura a seu titular uma série de poderes de cunho privado, civilista, dentre os quais estão
4
os poderes de usar, gozar, usufruir, dispor e reaver um bem, de modo absoluto, exclusivo e
perpétuo.”
Consoante determina o artigo 5° da Constituição Federal, mais especificamente nos
incisos XXII, XXIII, XXIV, XXV e XXVI, é garantido o direito de propriedade, estando ele
elencado dentre aqueles declarados como direitos fundamentais. A Carta Magna Brasileira
cuida, em seu Título II, dos Direitos e Garantias Fundamentais. Dessa forma antes de
adentrar no Direito de Propriedade convém diferenciar de forma sintética o que são direitos
fundamentais do conceito de garantias fundamentais.
Ao discorrer sobre o tema Lenza (2004) ensina-nos que os direitos são bens e
vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos
através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos.
A propriedade é um direito fundamental, uma vez que a norma citada em epígrafe
tem natureza declaratória possibilitando assim a existência legal do direito reconhecido.
Apesar de ser um direito fundamental, a propriedade vem sofrendo inúmeras limitações que
visam manter a supremacia do interesse público sobre o privado, devendo a propriedade
cumprir um pressuposto denominado função social para não passível da intervenção do
Estado .
O artigo 182 da Constituição Federal reza, em seu parágrafo segundo, que a
propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade, já o artigo 186 defende que a função social da propriedade rural
depende do cumprimento de alguns requisitos, quais sejam, aproveitamento racional e
adequado, utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente, a
observância das disposições que regulam as relações de trabalho e por fim a exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O doutrinador Lenza (2004, p. 422), assevera que “o direito de propriedade não é um
direito absoluto, visto que a propriedade poderá ser desapropriada por necessidade ou
utilidade pública e, desde que esteja cumprindo sua função social, será paga justa e prévia
indenização em dinheiro”, e, ainda completa:
Por outro lado, caso a propriedade não esteja atendendo a sua função social,
poderá haver a chamada desapropriação-sanção pelo Município com pagamentos
em títulos da dívida pública (art. 182, § 4.º, III) ou com títulos da dívida agrária
pela União Federal para fins de reforma agrária (art. 184), não abrangendo, nessa
última hipótese de desapropriação para fins de reforma agrária, a pequena e média
5
propriedade rural, assim definida em lei, e não tendo o seu proprietário outra, e a
propriedade produtiva (art. 185, I e II).
Dessa forma, caso a propriedade não esteja satisfazendo a função social, certamente
sofrerá o crivo da intervenção estatal, para Carvalho Filho (2011, p.712) “essa função
autoriza não só a determinação de obrigações de fazer, como de deixar de fazer, sempre para
impedir o uso egoístico e anti-social da propriedade.” Por isso, o direito de propriedade é
relativo e condicionado.
3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE
Estudando o direito de propriedade chega-se a regra de que o Poder Público não
intervirá na propriedade particular a não ser nos casos expressamente previstos no
ordenamento jurídico.
Antes de conceituar a intervenção do Estado na propriedade, deve-se entender que o
Poder de Polícia segundo Marinela (2012, P.864) “é um instrumento do qual se vale o
administrador para compatibilizar o interesse público com o particular, restringindo o
exercício do direito na busca do bem-estar social.”
O poder de polícia inclui obrigações de fazer, de tolerar e de não fazer, portanto está
presente em todas as modalidades de restrição do Estado sobre a propriedade particular. 3
3.1 Conceito
A intervenção estatal na propriedade está embasada no princípio da supremacia do
interesse público sobre o particular, o que garante a sujeição do interesse particular em
benefício do bem comum.
3
Art. 78 - Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando
direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade
pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Código Tributário Nacional)
.
6
Segundo Carvalho filho (2011, p.713) “considera-se intervenção do Estado na
propriedade toda e qualquer atividade estatal que, amparada por lei, tenha o fim de ajustá-la
aos inúmeros fatores exigidos pela função social a que está condicionada.”
Embora o conceito de intervenção na propriedade seja bem uniforme entre
doutrinadores, Marinela (2012, p. 864) de modo restrito, completa:
Para autorizar a intervenção na propriedade, é possível a utilização de dois grandes
fundamentos. O primeiro é a Supremacia do interesse público e, em segundo lugar,
há de ser verifica a prática de uma ilegalidade. Para alguns autores haveria a
necessidade de apontar um terceiro fundamento, que é a obediência à função social
da propriedade, o que parece não ter sentido, tendo em vista que o desrespeito à
função social da propriedade pode ser incluído na caracterização de prática de
ilegalidade, dada sua previsão na CF e no ordenamento infraconstitucional, não
havendo que se falar, em um terceiro fundamento.
3.2 Principais Formas de Intervenção
O Poder Público visando manter uma harmonia social dispõe de uma gama de
modalidades de intervenção na propriedade do particular, por esta razão se torna necessária
a divisão dessas modalidades em duas formas básicas de intervenção. A primeira forma é
chamada de intervenção supressiva, onde o Estado transfere a propriedade do particular para
si, de forma coercitiva, em nome do interesse público. A espécie desta forma de intervenção
é a desapropriação.
Para Mello (2004, p. 758) “desapropriação é o procedimento através do qual o Poder
Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante
indenização, fundado em um interesse público.”
A segunda forma de intervenção na propriedade é a denominada intervenção
restritiva, na qual o Estado coloca restrições ao uso da propriedade privada, porém ao
contrário do que ocorre na intervenção supressiva, esta não transfere a propriedade ao
Estado, permanecendo a mesma com seu dono original.
Nas modalidades de intervenção restritiva o Estado apenas condiciona o uso da
propriedade pelo particular, segundo Carvalho Filho (2011, p.717) “o dono não poderá
utilizá-la a seu exclusivo critério e conforme seus próprios padrões, devendo subordinar-se
às imposições emanadas pelo Poder Público, mas, em compensação, conservará a
propriedade em sua esfera jurídica.”
7
A intervenção restritiva possui as seguintes modalidades, a servidão administrativa, a
requisição, a ocupação temporária, as limitações administrativa e por fim o tombamento. De
forma sintética serão comentadas todas as modalidades de intervenção restritiva até chegar
ao tombamento, tema do presente trabalho.
3.2.1 Servidão Administrativa
A servidão administrativa é uma das modalidades de intervenção restritiva onde o
Poder Público impõe ao proprietário a obrigação de suportar uma restrição parcial de seu
patrimônio com a finalidade de beneficiar um serviço ou obra pública.
O professor Mazza (2012) ressalta que a servidão é um direito real público sobre
propriedade alheia, restringindo seu uso em favor do interesse público. Diferentemente da
desapropriação, a servidão não altera a propriedade, mas somente cria restrições na sua
utilização, transferindo a outrem as faculdades de uso e gozo.
Deve-se ressaltar que a servidão de direito público e a servidão de direito privado,
esta última prevista nos artigos 1.378 a 1.389 do Código Civil, são institutos muitos
semelhantes com núcleos idênticos, entretanto a primeira segue as regras de direito público e
visa atender o interesse público, por outro lado a servidão de direito privado atende o
interesse privado, onde o dono do prédio serviente se obriga a tolerar seu uso pelo dono do
prédio favorecido.
A instalação de redes elétricas, oleodutos e gasodutos e a colocação de placas com
nome de ruas e avenidas são os exemplos mais comuns de servidão administrativa.
3.2.2 Requisição
A requisição se apresenta como a modalidade de intervenção restritiva onde o Poder
Público requisita bens móveis e imóveis e serviços particulares em situações de perigo
público iminente.
Para melhor explicar essa modalidade de intervenção Di Pietro (2013, p.142)
menciona que:
8
Em suas origens no direito brasileiro, só se admitiam as requisições em tempo de
guerra ou de comoção intestina grave (art. 80 da Constituição de 1891 e art. 591 do
Código Civil de 1916). As constituições de 1934, 1946 e a de 1967 previam a
competência da União para legislar sobre requisições civis e militares em tempo de
guerra. Na legislação ordinária, tais requisições são regulamentadas pelo Decretolei nº 4.812, de 9-10-42, com as alterações introduzidas pelo decreto nº 5.451, de
30-4-43.
A Carta Magna de 1988 em seu artigo 22, inciso III, prevê que é competência da
União legislar sobre requisição civil e militar, em caso de iminente perigo e em tempo de
guerra.
A finalidade das requisições é, portanto, preservar a sociedade civil diante de
situações de perigo iminente. O proprietário, todavia poderá ser indenizado desde que a
atividade exercida pela requisição tiver provocado danos.
3.2.3 Ocupação Temporária
Após o estudo da requisição chega-se facilmente a conclusão que em algumas vezes
o Estado necessita utilizar a propriedade privada em casos que não são de perigo público
iminente. Contudo dessa conclusão surge a dúvida sobre quais são os objetos que seriam
passiveis da ocupação temporária.
Vários doutrinadores acreditam que a ocupação temporária incide tanto sobre bens
móveis ou imóveis, como cita Dromi (1995, p. 267) apud Carvalho Filho (2011, p.727)
“sobre los mismos bienes o cosas que pueden ser objeto de expropriación,” outros
entretanto acreditam que ela se limita à utilização em imóveis.
O caso mais comum de ocupação temporária é a utilização de terrenos particulares
nas margens das estradas, durante obras de pavimentação, para colocação de máquinas e
equipamentos.
3.2.4 Limitações Administrativas
As limitações administrativas são a modalidade de intervenção restritiva na
propriedade privada, onde o Estado impõe obrigações que visam moldar o uso da
propriedade para que alcance sua função social.
9
As obrigações impostas pelo Poder Público podem ter natureza de obrigação de
fazer, obrigação de não fazer ou finalmente natureza permissiva.
Carvalho Filho (2011, p. 731) exemplifica o tema da seguinte forma:
É exemplo de obrigação positiva aos proprietários a que impõe a limpeza de
terrenos ou que impõe o parcelamento ou a edificação compulsória. Podem ser
impostas também obrigações negativas: é o caso da proibição de construir além de
determinado número de pavimentos, limitação conhecida como gabarito de
prédios. Limita-se ainda a propriedade por meio de obrigações permissivas, ou
seja, aquelas em que o proprietário tem que tolerar a ação administrativa.
Exemplo: permissão de vistorias em elevadores de edifícios e ingresso de agentes
para fins de vigilância sanitária.
3.2.5 Tombamento
Para Carvalho Filho (2011, p.734) “o tombamento é a forma de intervenção na
propriedade pela qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro.”
O tombamento é a modalidade de intervenção restritiva da propriedade particular
onde o Estado intervém com o intuito de preservar o patrimônio cultural, histórico,
arqueológico, artístico, turístico e paisagístico, porém por ser matéria de maior amplitude e
complexidade, além de ser o tema principal desse trabalho, será estudado no capítulo
seguinte.
4 TOMBAMENTO
Tombamento é a modalidade de intervenção na propriedade na qual o Poder Público
objetiva proteger o patrimônio histórico e artístico nacional, no que se refere à fatos
memoráveis da história do Brasil, que por seu excepcional valor arqueológico, etnográfico,
bibliográfico ou artístico, nos termos do art. 1º do Decreto-lei nº 25/37.
4.1 Sentido
Meirelles (2011) conceitua tombamento como sendo a declaração pelo Poder Público
do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais
que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio.
10
O Dicionário Aurélio (2009) define que tombamento significa o ato ou efeito de
tombar e consideram-se sinônimos de tombar os vocábulos inventariar, arrolar e registrar.
A palavra tombamento é proveniente do Direito Português onde tombar é sinônimo
de inventariar, arrolar e inscrever. O arrolamento de bens era feito no Livro de Tombo, que
recebeu este nome uma vez que era guardado na Torre de Tombo. Por essa razão o termo
tombamento passou a ser utilizado para representar o registro de todos os bens que estão
sobre a proteção do Poder Público.
Carvalho Filho (2011, p.734) entende “que o proprietário não pode, em nome de
interesses egoísticos, usar e fruir livremente seus bens se estes traduzem interesse público
atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística.”
4.2 Objeto
O Estado ao intervir na propriedade para proteger o patrimônio cultural visa
preservar a memória cultural de um povo. O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 reza
que constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
A Carta Magna enumera nos incisos do artigo 216 os bens que se incluem no
conceito de Patrimônio Cultural, dentre os quais se destacam as formas de expressão, as
criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos e edificações destinados as
manifestações artístico-culturais e também os conjuntos urbanos e sítios de valores
históricos, paisagísticos, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Para Carvalho Filho (2011, p. 737) os bens suscetíveis de tombamento são aqueles
que traduzem aspectos de relevância para a noção de patrimônio cultural brasileiro. Como
diz a Lei do Tombamento, são bens do patrimônio histórico e artístico.
Deve-se destacar que o tombamento não é o instrumento adequado para proteção de
floresta, parques ecológicos, fauna e flora, sendo que estes são protegidos, entre outros
11
instrumentos legais, pela ação civil pública, lembrando que aqueles bens tratam-se de
interesse difuso da coletividade.
4.3 Natureza Jurídica
A natureza jurídica do tombamento é um tema que encontra vários posicionamentos
distintos dentre os autores de direito administrativo. Alguns doutrinadores entendem que a
natureza jurídica do tombamento é uma espécie de servidão administrativa 4, outros
acreditam se tratar de limitação administrativa 5, ainda existe um entendimento de que o bem
tombado seria um instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade
privada 6.
Contudo o tombamento não se enquadra aos padrões exigidos pela servidão
administrativa, primeiro por não se tratar de direito real e segundo pelo fato de na servidão
ser exigido as figuras do dominante e do serviente, ao passo de que no tombamento não
existem tais figuras.
Classificar o tombamento como limitação administrativa também se torna
inadequado, porque a limitação tem caráter geral e o tombamento tem caráter específico,
incidindo sobre bem determinado pelo ato. O tombamento pode incidir sobre uma cidade
inteira, porém cada bem sofre restrição individualmente, devendo cada proprietário ser
notificado individualmente do tombamento.
Outros autores como Di Pietro (2013) e Carvalho Filho (2011) entendem que o
tombamento é um instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade
privada. Para esses autores o tombamento se classifica como um instrumento sui generis de
intervenção restritiva na propriedade privada.
4
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, (2004, p. 799).
É o entendimento de Cretella Junior (1986, p.149) apud Mazza (2012, p.276).
6
José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, (2011, p. 738) e Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, Direito Administrativo, (2013, p. 154).
5
12
Carvalho Filho (2011, p.738) conclui dizendo que “a natureza jurídica do
tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado consistente na
restrição do uso de propriedades determinadas.”
Deve-se salientar ainda que o tombamento é ato administrativo e não procedimento
administrativo. Todavia o tombamento é precedido de uma serie de atos e formalidade que
culminam com o ato do tombamento que é único.
4.4 Espécies de Tombamento
As espécies de tombamento são classificadas quanto à vontade, em voluntário e
compulsório, quanto à eficácia do ato, em provisório ou definitivo e quanto ao caráter, em
individual e geral.
No que se refere à vontade o tombamento pode ser voluntário, quando a iniciativa é
do proprietário, que reconhecendo o valor cultural do bem, faz ele próprio o requerimento ao
Poder Público solicitando o tombamento. Considera-se ainda como tombamento voluntário,
quando o proprietário devidamente notificado sobre a inscrição do bem, concorda com o ato
administrativo. Por outro lado o Tombamento classifica-se como compulsório, quando o
proprietário não concorda com o ato e tenta resistir a sua concretização.
O tombamento também é classificado quanto a sua eficácia em provisório quando
ainda em curso e definitivo quando o bem já foi inscrito no Livro do Tombo. O STJ proferiu
decisão na qual não considera o tombamento provisório como fase que antecede o
tombamento definitivo, mas sim medida assecuratória de proteção do bem a ser tombado 7.
Por fim o tombamento também se classifica, de acordo com alguns autores, em
individual e geral, individual quando atinge bem determinado e geral quando atinge um
grupo de bens, bairro e até uma cidade inteira. Entretanto o entendimento mais correto é de
que o tombamento tem apenas caráter individual, e o fator que confirma este
posicionamento é que os efeitos do tombamento, mesmo quando denominado coletivo,
alcançam o direito de propriedade de cada dono individualmente.
7
RMS 8.252-SP, 2ª Turma, Rel. Laurita Vaz, Jul. em 22/10/2002.
13
4.5 Processo Administrativo
O tombamento é o ato administrativo que conclui o processo administrativo que
apurou os elementos necessários para a intervenção restritiva na propriedade particular,
objetivando a proteção do patrimônio cultural.
O Decreto-lei n° 25, de 30 de novembro de 1937, organizou a proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional, estabeleceu diretrizes, editou regras, porém não
estabeleceu um rito predefinido, por essa razão o tombamento poderá sofrer variações em
sua tramitação de acordo com a espécie adotada. Contudo há alguns atos que
necessariamente deverão fazer parte do procedimento independente da espécie de
tombamento, como é o caso do parecer do órgão técnico cultural.
O órgão técnico de nível federal que analisa os bens para efeito de tombamento é o
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), instituído como Autarquia
pelo Decreto nº 99.492, de 03 de setembro de 1990.
A notificação do proprietário é outro ato imprescindível ao procedimento prévio ao
tombamento, lembrando que o proprietário poderá anuir ou impugnar o procedimento. Caso
o proprietário concorde com o tombamento será procedida a inscrição no livro do tombo, ao
contrário se desejar impugnar e oferecer suas razões ele terá o prazo de quinze dias.
Para Di Pietro (2013, p. 149) o procedimento do tombamento compulsório
compreende os seguintes atos:
Manifestação do órgão técnico, notificação ao proprietário, impugnação,
manifestação do órgão que tomou a iniciativa do tombamento, decisão pelo órgão
técnico, homologação pelo ministro da cultura, inscrição no livro do tombo. A
transcrição no registro de Imóveis não integra o procedimento, pois mesmo sem
ela o tombamento produz seus efeitos jurídicos para o proprietário. Tem-se
entendido que a falta de registro apenas impede as entidades públicas de
exercerem o direito de preferência para aquisição do bem tombado conforme
previsto no artigo 22 do Decreto-lei n° 25.
Por fim deve-se ressaltar a possibilidade de cancelamento do tombamento, o artigo
10 do Decreto-lei 25/37 previa que a decisão do tombamento não era passível de recurso,
entretanto esse artigo ficou revogado pelo Decreto-lei n° 3.866, de 29 de novembro de 1941,
que autorizou ao Presidente da República, que motivado pelo interesse público, poderá
determinar de ofício ou em grau de recurso, interposto por qualquer legítimo interessado,
14
seja cancelado o tombamento de bens pertencentes a União, aos Estados, aos Municípios ou
pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no IPHAN.
Consumado o tombamento o proprietário estará sujeito a realizar obras de
conservação no bem tombado ou comunicar, quando não tiver meios ao órgão competente.
O proprietário também não poderá demolir, mutilar ou destruir o bem tombado. Também
não poderá restaurá-lo sem prévia autorização do IPHAN. O órgão técnico poderá fiscalizar
o imóvel não podendo o proprietário se opor nem colocar obstáculos. No caso de
transgressão a qualquer das regras acima citadas ao proprietário incidirá em multa de acordo
com a infração cometida.
CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou analisar, ainda que de forma sintética, o tombamento,
como forma de intervenção do Estado na propriedade privada e também como meio de
preservação do patrimônio histórico e cultural.
O artigo iniciou-se com o direito de propriedade, passando-se pelas principais formas
de intervenção do Estado na propriedade particular e chegando ao tombamento,
propriamente dito, onde foram estudados o seu sentido, natureza jurídica, suas espécies e seu
procedimento.
Constatou-se que graças ao instituto do tombamento muitos bens de valor histórico
conseguem sobreviver ao tempo e hoje formam o patrimônio cultural do nosso país. É
importante frisar que no Brasil ainda não existe uma cultura de valorização do patrimônio
cultural, os brasileiros ainda não tem plena consciência da importância de conservar o
patrimônio histórico e cultural. Muitas vezes, por interesses egoísticos, vê-se destruídos bens
com valor histórico, principalmente bens imóveis localizados nas cidades brasileiras, são os
interesses financeiros particulares colocados a frente dos interesses culturais da coletividade.
Torna-se imprescindível o investimento por parte do Estado em educação, no que se
refere a importância da preservação do patrimônio cultural, para a memória, história e
cultura do país.
15
A Constituição Federal de 1988 garante como direito fundamental, a preservação ao
patrimônio cultural, deve-se frisar que esse direito diz respeito não só a coletividade, mas
como também a cada cidadão individualmente, sendo, portanto um direito difuso.
O tombamento protege bens de qualquer natureza, móveis ou imóveis, públicos ou
privados e materiais e imateriais, desde que representem valor quanto à identidade, à ação e
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Por essa razão o tombamento é instrumento de enorme importância para a proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional, visto que ele impõe restrições ao direito de
propriedade, visando à proteção de bens vinculados a fatos memoráveis da história nacional
ou por seu valor arqueológico, etnológico, bibliográfico ou artístico.
Este artigo científico é um trabalho de revisão que teve como objetivo elucidar de
forma simples as questões relacionadas ao tombamento, instituto este muito pouco estudado
e de certa forma desconhecido, no que se refere ao seu procedimento.
Contudo para chegar-se ao resultado almejado, foi necessário em um primeiro
momento conceituar o direito de propriedade, após adentrar nas formas de intervenção do
Estado na propriedade particular para só assim entrar no estudo do tombamento. Deve-se
destacar que este trabalho agrupou uma coletânea de entendimentos doutrinários buscando
harmonizar o tema central e assim possibilitar ao leitor uma visão global sobre o
tombamento.
O tombamento é um tema aberto a novos trabalhos e estudos, o presente artigo
apenas pincelou as diretrizes básicas dessa forma singular de intervenção na propriedade
particular, não tendo a pretensão de esgotar tão vasto instituto, que esta aberto a novas
investigações.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasilia,
DF: Senado, 1988.
16
______. Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro, Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de
2002, Brasilia, DF: Presidência da República, 2002.
______. Código Tributário (1966). Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172 de 25 de
outubro de 1966, Brasilia, DF: Presidência da República, 1966.
______. Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 24ª Ed. Rio de
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo, 26ª ed. São Paulo: Editora
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua
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Júlio José Saborito