O TOMBAMENTO COMO FORMA DE INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE E MEIO DE PROTEÇÃO AO PATRIMONIO CULTURAL Júlio José Saborito 1 Leiner Marchetti Pereira 2 RESUMO O presente trabalho acadêmico aborda o instituto do tombamento como forma de intervenção na propriedade privada e meio de proteção do patrimônio histórico e cultural, destacando seus principais aspectos. O Estado quando intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio cultural, pretende preservar a memória nacional. A abordagem do tema se inicia na conceituação do direito de propriedade, após menciona as principais formas de intervenção do Estado na propriedade privada.Por fim adentra no estudo do Tombamento propriamente dito, enfatizando suas espécies, natureza jurídica e procedimento, salientando inclusive a grande importância do instituto para a preservação do patrimônio histórico e cultural do nosso país. Palavras-chave: Tombamento. Intervenção. Patrimônio Histórico ABSTRACT The academic work considers the institute of building´s registration as a form of intervention in private property and means of protection of historical and cultural heritage, highlighting 1 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB; Pós-graduado em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e cursando pós graduação em Gestão Pública no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Muzambinho – IF SUL DE MINAS; Advogado, Procurador-Geral do Município de Nova Resende; e-mail: [email protected]. 2 Mestre em Direito pela Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações – UNINCOR. Especialista em Administração Pública pela FEAD/BH. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha – FADIVA. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Faculdade de Três Pontas – FATEPS. Assessor Jurídico da Associação de Municípios da Micro Região da Baixa Mogiana – AMOG; email: [email protected]. 2 its main points. The State intervenes when private property to protect cultural heritage, intended to preserve the national memory. The approach of the theme starts in the conceptualization of the right to property, after mentions the main forms of State intervention in private property. Finally enters the study listing itself, emphasizing their species, nature and legal procedure, stressing the great importance of the Institute for the preservation of historical and cultural heritage of our country. Keywords: Registration. Intervention. Historical Patrimony. INTRODUÇÃO Muitas vezes o ser humano depara-se com lembranças do passado ou imagens retratadas em velhas fotografias de locais que já não existem mais, locais outros que com o passar do tempo perderam suas características originais, devido ao crescimento das cidades, aumento populacional e inovações tecnológicas. Pensando dessa maneira chega-se a conclusão de que vários casarões antigos, já não existem mais nas cidades brasileiras, quantas praças foram remodeladas, perdendo suas características originais, quantos bens de valor históricos foram destruídos em nome de interesses egoísticos dos proprietários e com a omissão do Poder Público. O patrimônio cultural é uma das maiores riquezas de um povo, bens naturais ou criados pela mão humana, por sua beleza, sua importância histórica, arqueológica, etnográfica, bibliográfica ou artística, precisam ser preservadas como garantia de preservação da própria cultura em seu sentido mais amplo. O tombamento como forma de intervenção na propriedade particular e meio de proteção ao patrimônio cultural, objetiva preservar os bens de importância preservacionista e histórica, para que os povos se lembrem quem são, de onde veem e, por consequência, como serão. Dessa forma, haja vista a necessidade de se conhecer melhor o tombamento, e suas especificações é que foi desenvolvido este estudo, com o objetivo de esclarecer o tema, que apesar de muito importante para a sociedade brasileira, se vê pouco discutido. 3 Para execução do presente trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica de livros voltados a estudos do Direito Administrativo e publicações especializadas, trata-se, portanto de um artigo de revisão, ao passo que foi estabelecido um comparativo entre várias doutrinas que tratam do tema tombamento. A seção seguinte trata do direito de propriedade, e tem como objetivo demonstrar que tal direito, apesar de previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, dentre aqueles elencados como direitos fundamentais, não é um direito absoluto em razão de que poderá sofrer a intervenção do Estado. A terceira seção abordará a intervenção do Estado na propriedade particular, visando demonstrar que o objetivo dessa intervenção é de sempre resguardar o interesse público, após apresentará de forma sintética as formas de intervenção do Estado na propriedade particular. O tombamento, tema central do trabalho, será abordado na quarta seção, esta subdividida em cinco seções secundárias que tratarão sobre o sentido do tombamento, seu objeto, natureza jurídica, espécies de tombamento e seu procedimento. O objetivo desta seção é discutir a problemática relacionada ao tema tombamento esclarecer suas peculiaridades e possibilitar seu entendimento de forma simples e clara. O trabalho se encerra apresentando nas conclusões os resultados alcançados e reafirmando a importância do instituto do tombamento para a proteção do patrimônio histórico e cultural brasileiro. 2 DO DIREITO DE PROPRIEDADE A doutrina classifica a propriedade como um instituto de caráter político, para Carvalho Filho (2011, p. 712) “historicamente, a propriedade constituiu verdadeiro direito natural, sendo erigida a direito fundamental nas declarações de direito da época do constitucionalismo.” Para Marinela (2012, p. 863) “a propriedade consiste em um direito individual que assegura a seu titular uma série de poderes de cunho privado, civilista, dentre os quais estão 4 os poderes de usar, gozar, usufruir, dispor e reaver um bem, de modo absoluto, exclusivo e perpétuo.” Consoante determina o artigo 5° da Constituição Federal, mais especificamente nos incisos XXII, XXIII, XXIV, XXV e XXVI, é garantido o direito de propriedade, estando ele elencado dentre aqueles declarados como direitos fundamentais. A Carta Magna Brasileira cuida, em seu Título II, dos Direitos e Garantias Fundamentais. Dessa forma antes de adentrar no Direito de Propriedade convém diferenciar de forma sintética o que são direitos fundamentais do conceito de garantias fundamentais. Ao discorrer sobre o tema Lenza (2004) ensina-nos que os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos. A propriedade é um direito fundamental, uma vez que a norma citada em epígrafe tem natureza declaratória possibilitando assim a existência legal do direito reconhecido. Apesar de ser um direito fundamental, a propriedade vem sofrendo inúmeras limitações que visam manter a supremacia do interesse público sobre o privado, devendo a propriedade cumprir um pressuposto denominado função social para não passível da intervenção do Estado . O artigo 182 da Constituição Federal reza, em seu parágrafo segundo, que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, já o artigo 186 defende que a função social da propriedade rural depende do cumprimento de alguns requisitos, quais sejam, aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e por fim a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. O doutrinador Lenza (2004, p. 422), assevera que “o direito de propriedade não é um direito absoluto, visto que a propriedade poderá ser desapropriada por necessidade ou utilidade pública e, desde que esteja cumprindo sua função social, será paga justa e prévia indenização em dinheiro”, e, ainda completa: Por outro lado, caso a propriedade não esteja atendendo a sua função social, poderá haver a chamada desapropriação-sanção pelo Município com pagamentos em títulos da dívida pública (art. 182, § 4.º, III) ou com títulos da dívida agrária pela União Federal para fins de reforma agrária (art. 184), não abrangendo, nessa última hipótese de desapropriação para fins de reforma agrária, a pequena e média 5 propriedade rural, assim definida em lei, e não tendo o seu proprietário outra, e a propriedade produtiva (art. 185, I e II). Dessa forma, caso a propriedade não esteja satisfazendo a função social, certamente sofrerá o crivo da intervenção estatal, para Carvalho Filho (2011, p.712) “essa função autoriza não só a determinação de obrigações de fazer, como de deixar de fazer, sempre para impedir o uso egoístico e anti-social da propriedade.” Por isso, o direito de propriedade é relativo e condicionado. 3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE Estudando o direito de propriedade chega-se a regra de que o Poder Público não intervirá na propriedade particular a não ser nos casos expressamente previstos no ordenamento jurídico. Antes de conceituar a intervenção do Estado na propriedade, deve-se entender que o Poder de Polícia segundo Marinela (2012, P.864) “é um instrumento do qual se vale o administrador para compatibilizar o interesse público com o particular, restringindo o exercício do direito na busca do bem-estar social.” O poder de polícia inclui obrigações de fazer, de tolerar e de não fazer, portanto está presente em todas as modalidades de restrição do Estado sobre a propriedade particular. 3 3.1 Conceito A intervenção estatal na propriedade está embasada no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, o que garante a sujeição do interesse particular em benefício do bem comum. 3 Art. 78 - Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Código Tributário Nacional) . 6 Segundo Carvalho filho (2011, p.713) “considera-se intervenção do Estado na propriedade toda e qualquer atividade estatal que, amparada por lei, tenha o fim de ajustá-la aos inúmeros fatores exigidos pela função social a que está condicionada.” Embora o conceito de intervenção na propriedade seja bem uniforme entre doutrinadores, Marinela (2012, p. 864) de modo restrito, completa: Para autorizar a intervenção na propriedade, é possível a utilização de dois grandes fundamentos. O primeiro é a Supremacia do interesse público e, em segundo lugar, há de ser verifica a prática de uma ilegalidade. Para alguns autores haveria a necessidade de apontar um terceiro fundamento, que é a obediência à função social da propriedade, o que parece não ter sentido, tendo em vista que o desrespeito à função social da propriedade pode ser incluído na caracterização de prática de ilegalidade, dada sua previsão na CF e no ordenamento infraconstitucional, não havendo que se falar, em um terceiro fundamento. 3.2 Principais Formas de Intervenção O Poder Público visando manter uma harmonia social dispõe de uma gama de modalidades de intervenção na propriedade do particular, por esta razão se torna necessária a divisão dessas modalidades em duas formas básicas de intervenção. A primeira forma é chamada de intervenção supressiva, onde o Estado transfere a propriedade do particular para si, de forma coercitiva, em nome do interesse público. A espécie desta forma de intervenção é a desapropriação. Para Mello (2004, p. 758) “desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público.” A segunda forma de intervenção na propriedade é a denominada intervenção restritiva, na qual o Estado coloca restrições ao uso da propriedade privada, porém ao contrário do que ocorre na intervenção supressiva, esta não transfere a propriedade ao Estado, permanecendo a mesma com seu dono original. Nas modalidades de intervenção restritiva o Estado apenas condiciona o uso da propriedade pelo particular, segundo Carvalho Filho (2011, p.717) “o dono não poderá utilizá-la a seu exclusivo critério e conforme seus próprios padrões, devendo subordinar-se às imposições emanadas pelo Poder Público, mas, em compensação, conservará a propriedade em sua esfera jurídica.” 7 A intervenção restritiva possui as seguintes modalidades, a servidão administrativa, a requisição, a ocupação temporária, as limitações administrativa e por fim o tombamento. De forma sintética serão comentadas todas as modalidades de intervenção restritiva até chegar ao tombamento, tema do presente trabalho. 3.2.1 Servidão Administrativa A servidão administrativa é uma das modalidades de intervenção restritiva onde o Poder Público impõe ao proprietário a obrigação de suportar uma restrição parcial de seu patrimônio com a finalidade de beneficiar um serviço ou obra pública. O professor Mazza (2012) ressalta que a servidão é um direito real público sobre propriedade alheia, restringindo seu uso em favor do interesse público. Diferentemente da desapropriação, a servidão não altera a propriedade, mas somente cria restrições na sua utilização, transferindo a outrem as faculdades de uso e gozo. Deve-se ressaltar que a servidão de direito público e a servidão de direito privado, esta última prevista nos artigos 1.378 a 1.389 do Código Civil, são institutos muitos semelhantes com núcleos idênticos, entretanto a primeira segue as regras de direito público e visa atender o interesse público, por outro lado a servidão de direito privado atende o interesse privado, onde o dono do prédio serviente se obriga a tolerar seu uso pelo dono do prédio favorecido. A instalação de redes elétricas, oleodutos e gasodutos e a colocação de placas com nome de ruas e avenidas são os exemplos mais comuns de servidão administrativa. 3.2.2 Requisição A requisição se apresenta como a modalidade de intervenção restritiva onde o Poder Público requisita bens móveis e imóveis e serviços particulares em situações de perigo público iminente. Para melhor explicar essa modalidade de intervenção Di Pietro (2013, p.142) menciona que: 8 Em suas origens no direito brasileiro, só se admitiam as requisições em tempo de guerra ou de comoção intestina grave (art. 80 da Constituição de 1891 e art. 591 do Código Civil de 1916). As constituições de 1934, 1946 e a de 1967 previam a competência da União para legislar sobre requisições civis e militares em tempo de guerra. Na legislação ordinária, tais requisições são regulamentadas pelo Decretolei nº 4.812, de 9-10-42, com as alterações introduzidas pelo decreto nº 5.451, de 30-4-43. A Carta Magna de 1988 em seu artigo 22, inciso III, prevê que é competência da União legislar sobre requisição civil e militar, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra. A finalidade das requisições é, portanto, preservar a sociedade civil diante de situações de perigo iminente. O proprietário, todavia poderá ser indenizado desde que a atividade exercida pela requisição tiver provocado danos. 3.2.3 Ocupação Temporária Após o estudo da requisição chega-se facilmente a conclusão que em algumas vezes o Estado necessita utilizar a propriedade privada em casos que não são de perigo público iminente. Contudo dessa conclusão surge a dúvida sobre quais são os objetos que seriam passiveis da ocupação temporária. Vários doutrinadores acreditam que a ocupação temporária incide tanto sobre bens móveis ou imóveis, como cita Dromi (1995, p. 267) apud Carvalho Filho (2011, p.727) “sobre los mismos bienes o cosas que pueden ser objeto de expropriación,” outros entretanto acreditam que ela se limita à utilização em imóveis. O caso mais comum de ocupação temporária é a utilização de terrenos particulares nas margens das estradas, durante obras de pavimentação, para colocação de máquinas e equipamentos. 3.2.4 Limitações Administrativas As limitações administrativas são a modalidade de intervenção restritiva na propriedade privada, onde o Estado impõe obrigações que visam moldar o uso da propriedade para que alcance sua função social. 9 As obrigações impostas pelo Poder Público podem ter natureza de obrigação de fazer, obrigação de não fazer ou finalmente natureza permissiva. Carvalho Filho (2011, p. 731) exemplifica o tema da seguinte forma: É exemplo de obrigação positiva aos proprietários a que impõe a limpeza de terrenos ou que impõe o parcelamento ou a edificação compulsória. Podem ser impostas também obrigações negativas: é o caso da proibição de construir além de determinado número de pavimentos, limitação conhecida como gabarito de prédios. Limita-se ainda a propriedade por meio de obrigações permissivas, ou seja, aquelas em que o proprietário tem que tolerar a ação administrativa. Exemplo: permissão de vistorias em elevadores de edifícios e ingresso de agentes para fins de vigilância sanitária. 3.2.5 Tombamento Para Carvalho Filho (2011, p.734) “o tombamento é a forma de intervenção na propriedade pela qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro.” O tombamento é a modalidade de intervenção restritiva da propriedade particular onde o Estado intervém com o intuito de preservar o patrimônio cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico e paisagístico, porém por ser matéria de maior amplitude e complexidade, além de ser o tema principal desse trabalho, será estudado no capítulo seguinte. 4 TOMBAMENTO Tombamento é a modalidade de intervenção na propriedade na qual o Poder Público objetiva proteger o patrimônio histórico e artístico nacional, no que se refere à fatos memoráveis da história do Brasil, que por seu excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico, nos termos do art. 1º do Decreto-lei nº 25/37. 4.1 Sentido Meirelles (2011) conceitua tombamento como sendo a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio. 10 O Dicionário Aurélio (2009) define que tombamento significa o ato ou efeito de tombar e consideram-se sinônimos de tombar os vocábulos inventariar, arrolar e registrar. A palavra tombamento é proveniente do Direito Português onde tombar é sinônimo de inventariar, arrolar e inscrever. O arrolamento de bens era feito no Livro de Tombo, que recebeu este nome uma vez que era guardado na Torre de Tombo. Por essa razão o termo tombamento passou a ser utilizado para representar o registro de todos os bens que estão sobre a proteção do Poder Público. Carvalho Filho (2011, p.734) entende “que o proprietário não pode, em nome de interesses egoísticos, usar e fruir livremente seus bens se estes traduzem interesse público atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística.” 4.2 Objeto O Estado ao intervir na propriedade para proteger o patrimônio cultural visa preservar a memória cultural de um povo. O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 reza que constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. A Carta Magna enumera nos incisos do artigo 216 os bens que se incluem no conceito de Patrimônio Cultural, dentre os quais se destacam as formas de expressão, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos e edificações destinados as manifestações artístico-culturais e também os conjuntos urbanos e sítios de valores históricos, paisagísticos, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Para Carvalho Filho (2011, p. 737) os bens suscetíveis de tombamento são aqueles que traduzem aspectos de relevância para a noção de patrimônio cultural brasileiro. Como diz a Lei do Tombamento, são bens do patrimônio histórico e artístico. Deve-se destacar que o tombamento não é o instrumento adequado para proteção de floresta, parques ecológicos, fauna e flora, sendo que estes são protegidos, entre outros 11 instrumentos legais, pela ação civil pública, lembrando que aqueles bens tratam-se de interesse difuso da coletividade. 4.3 Natureza Jurídica A natureza jurídica do tombamento é um tema que encontra vários posicionamentos distintos dentre os autores de direito administrativo. Alguns doutrinadores entendem que a natureza jurídica do tombamento é uma espécie de servidão administrativa 4, outros acreditam se tratar de limitação administrativa 5, ainda existe um entendimento de que o bem tombado seria um instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada 6. Contudo o tombamento não se enquadra aos padrões exigidos pela servidão administrativa, primeiro por não se tratar de direito real e segundo pelo fato de na servidão ser exigido as figuras do dominante e do serviente, ao passo de que no tombamento não existem tais figuras. Classificar o tombamento como limitação administrativa também se torna inadequado, porque a limitação tem caráter geral e o tombamento tem caráter específico, incidindo sobre bem determinado pelo ato. O tombamento pode incidir sobre uma cidade inteira, porém cada bem sofre restrição individualmente, devendo cada proprietário ser notificado individualmente do tombamento. Outros autores como Di Pietro (2013) e Carvalho Filho (2011) entendem que o tombamento é um instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada. Para esses autores o tombamento se classifica como um instrumento sui generis de intervenção restritiva na propriedade privada. 4 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, (2004, p. 799). É o entendimento de Cretella Junior (1986, p.149) apud Mazza (2012, p.276). 6 José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, (2011, p. 738) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, (2013, p. 154). 5 12 Carvalho Filho (2011, p.738) conclui dizendo que “a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado consistente na restrição do uso de propriedades determinadas.” Deve-se salientar ainda que o tombamento é ato administrativo e não procedimento administrativo. Todavia o tombamento é precedido de uma serie de atos e formalidade que culminam com o ato do tombamento que é único. 4.4 Espécies de Tombamento As espécies de tombamento são classificadas quanto à vontade, em voluntário e compulsório, quanto à eficácia do ato, em provisório ou definitivo e quanto ao caráter, em individual e geral. No que se refere à vontade o tombamento pode ser voluntário, quando a iniciativa é do proprietário, que reconhecendo o valor cultural do bem, faz ele próprio o requerimento ao Poder Público solicitando o tombamento. Considera-se ainda como tombamento voluntário, quando o proprietário devidamente notificado sobre a inscrição do bem, concorda com o ato administrativo. Por outro lado o Tombamento classifica-se como compulsório, quando o proprietário não concorda com o ato e tenta resistir a sua concretização. O tombamento também é classificado quanto a sua eficácia em provisório quando ainda em curso e definitivo quando o bem já foi inscrito no Livro do Tombo. O STJ proferiu decisão na qual não considera o tombamento provisório como fase que antecede o tombamento definitivo, mas sim medida assecuratória de proteção do bem a ser tombado 7. Por fim o tombamento também se classifica, de acordo com alguns autores, em individual e geral, individual quando atinge bem determinado e geral quando atinge um grupo de bens, bairro e até uma cidade inteira. Entretanto o entendimento mais correto é de que o tombamento tem apenas caráter individual, e o fator que confirma este posicionamento é que os efeitos do tombamento, mesmo quando denominado coletivo, alcançam o direito de propriedade de cada dono individualmente. 7 RMS 8.252-SP, 2ª Turma, Rel. Laurita Vaz, Jul. em 22/10/2002. 13 4.5 Processo Administrativo O tombamento é o ato administrativo que conclui o processo administrativo que apurou os elementos necessários para a intervenção restritiva na propriedade particular, objetivando a proteção do patrimônio cultural. O Decreto-lei n° 25, de 30 de novembro de 1937, organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabeleceu diretrizes, editou regras, porém não estabeleceu um rito predefinido, por essa razão o tombamento poderá sofrer variações em sua tramitação de acordo com a espécie adotada. Contudo há alguns atos que necessariamente deverão fazer parte do procedimento independente da espécie de tombamento, como é o caso do parecer do órgão técnico cultural. O órgão técnico de nível federal que analisa os bens para efeito de tombamento é o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), instituído como Autarquia pelo Decreto nº 99.492, de 03 de setembro de 1990. A notificação do proprietário é outro ato imprescindível ao procedimento prévio ao tombamento, lembrando que o proprietário poderá anuir ou impugnar o procedimento. Caso o proprietário concorde com o tombamento será procedida a inscrição no livro do tombo, ao contrário se desejar impugnar e oferecer suas razões ele terá o prazo de quinze dias. Para Di Pietro (2013, p. 149) o procedimento do tombamento compulsório compreende os seguintes atos: Manifestação do órgão técnico, notificação ao proprietário, impugnação, manifestação do órgão que tomou a iniciativa do tombamento, decisão pelo órgão técnico, homologação pelo ministro da cultura, inscrição no livro do tombo. A transcrição no registro de Imóveis não integra o procedimento, pois mesmo sem ela o tombamento produz seus efeitos jurídicos para o proprietário. Tem-se entendido que a falta de registro apenas impede as entidades públicas de exercerem o direito de preferência para aquisição do bem tombado conforme previsto no artigo 22 do Decreto-lei n° 25. Por fim deve-se ressaltar a possibilidade de cancelamento do tombamento, o artigo 10 do Decreto-lei 25/37 previa que a decisão do tombamento não era passível de recurso, entretanto esse artigo ficou revogado pelo Decreto-lei n° 3.866, de 29 de novembro de 1941, que autorizou ao Presidente da República, que motivado pelo interesse público, poderá determinar de ofício ou em grau de recurso, interposto por qualquer legítimo interessado, 14 seja cancelado o tombamento de bens pertencentes a União, aos Estados, aos Municípios ou pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no IPHAN. Consumado o tombamento o proprietário estará sujeito a realizar obras de conservação no bem tombado ou comunicar, quando não tiver meios ao órgão competente. O proprietário também não poderá demolir, mutilar ou destruir o bem tombado. Também não poderá restaurá-lo sem prévia autorização do IPHAN. O órgão técnico poderá fiscalizar o imóvel não podendo o proprietário se opor nem colocar obstáculos. No caso de transgressão a qualquer das regras acima citadas ao proprietário incidirá em multa de acordo com a infração cometida. CONCLUSÃO O presente trabalho buscou analisar, ainda que de forma sintética, o tombamento, como forma de intervenção do Estado na propriedade privada e também como meio de preservação do patrimônio histórico e cultural. O artigo iniciou-se com o direito de propriedade, passando-se pelas principais formas de intervenção do Estado na propriedade particular e chegando ao tombamento, propriamente dito, onde foram estudados o seu sentido, natureza jurídica, suas espécies e seu procedimento. Constatou-se que graças ao instituto do tombamento muitos bens de valor histórico conseguem sobreviver ao tempo e hoje formam o patrimônio cultural do nosso país. É importante frisar que no Brasil ainda não existe uma cultura de valorização do patrimônio cultural, os brasileiros ainda não tem plena consciência da importância de conservar o patrimônio histórico e cultural. Muitas vezes, por interesses egoísticos, vê-se destruídos bens com valor histórico, principalmente bens imóveis localizados nas cidades brasileiras, são os interesses financeiros particulares colocados a frente dos interesses culturais da coletividade. Torna-se imprescindível o investimento por parte do Estado em educação, no que se refere a importância da preservação do patrimônio cultural, para a memória, história e cultura do país. 15 A Constituição Federal de 1988 garante como direito fundamental, a preservação ao patrimônio cultural, deve-se frisar que esse direito diz respeito não só a coletividade, mas como também a cada cidadão individualmente, sendo, portanto um direito difuso. O tombamento protege bens de qualquer natureza, móveis ou imóveis, públicos ou privados e materiais e imateriais, desde que representem valor quanto à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Por essa razão o tombamento é instrumento de enorme importância para a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, visto que ele impõe restrições ao direito de propriedade, visando à proteção de bens vinculados a fatos memoráveis da história nacional ou por seu valor arqueológico, etnológico, bibliográfico ou artístico. Este artigo científico é um trabalho de revisão que teve como objetivo elucidar de forma simples as questões relacionadas ao tombamento, instituto este muito pouco estudado e de certa forma desconhecido, no que se refere ao seu procedimento. Contudo para chegar-se ao resultado almejado, foi necessário em um primeiro momento conceituar o direito de propriedade, após adentrar nas formas de intervenção do Estado na propriedade particular para só assim entrar no estudo do tombamento. Deve-se destacar que este trabalho agrupou uma coletânea de entendimentos doutrinários buscando harmonizar o tema central e assim possibilitar ao leitor uma visão global sobre o tombamento. O tombamento é um tema aberto a novos trabalhos e estudos, o presente artigo apenas pincelou as diretrizes básicas dessa forma singular de intervenção na propriedade particular, não tendo a pretensão de esgotar tão vasto instituto, que esta aberto a novas investigações. REFERÊNCIAS BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasilia, DF: Senado, 1988. 16 ______. Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro, Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002, Brasilia, DF: Presidência da República, 2002. ______. Código Tributário (1966). Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966, Brasilia, DF: Presidência da República, 1966. ______. Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. 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