Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP Uma Visão da Interdependência Organizacional e Tecnológica na Cadeia de Abastecimento da Rede McDonald’s Francisco Carlos Borges Assis Moura Martin-Brower Mauro Vivaldini Martin-Brower Resumo Através da análise das práticas de gestão da cadeia de suprimentos da rede McDonald’s, baseada em abordagem teórica sobre a interdependência dos aspectos tecnológicos e organizacionais entre os agentes da cadeia, o estudo procura entender a influência que a cultura organizacional da organização focal exerce sobre os diversos atores sociais e os processos que fluem na cadeia de suprimentos. Palavras chaves: Cadeia de Suprimentos, Gestão da Cadeia de Suprimentos, Fornecedores, Operador Logístico. 1 Introdução Talvez a característica mais marcante da passagem para o terceiro milênio seja o processo de globalização. Nesse contexto de expansão, no qual as empresas têm possibilidade de trabalhar com fornecedores, clientes, mercados e processos de forma mundial, a necessidade de coordenação e cooperação entre os diversos agentes envolvidos no atendimento ao cliente final é fundamental para a viabilização das operações. Juntamente com a globalização tem-se observado um acirramento da competição, em todos os níveis, tanto em termos geográficos, como pela busca de oferecimento de novos produtos e serviços aos consumidores. A conseqüência direta do maior nível de concorrência é a pressão sobre a rentabilidade das empresas. Ao longo dos últimos anos, várias abordagens têm sido utilizadas para dar competitividade às empresas, de forma a recuperar a rentabilidade pressionada pelo novo ambiente de negócios. Atualmente o gerenciamento da cadeia de suprimentos é o campo onde a maioria das empresas vê a possibilidade de conseguir reduções de custo e/ou de agregar valor aos seus produtos e serviços. Entretanto, essa tarefa não é fácil, e especialistas como DORNIER, observam que tradicionalmente, a logística e operações desenvolveram-se dentro de áreas geográficas, e eram controladas por uma área funcional (isto é, marketing ou produção). Hoje, novas pressões estão mudando as definições e estruturas utilizadas pelas empresas. Essas pressões incluem a duplicação de estoques, a incompatibilidade das infra-estruturas logísticas e a limitada capacidade de reação individual às mudanças na cadeia de suprimentos. Muitos estudos têm sido feitos e publicados sobre o tema gerenciamento da cadeia de abastecimento, aumentando a compreensão do assunto e avançando o conhecimento. Dentro desse contexto, parece oportuno descrever e analisar a cadeia de abastecimento de uma empresa de atuação global, reconhecida em todo o planeta como um ícone do capitalismo e da cultura americana (FONTENELLE, 2002), que tem na gestão dos suprimentos um dos seus diferenciais competitivos, servindo de modelo para inúmeras outras firmas: a rede de Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP restaurantes fast food McDonald’s. Segundo o site institucional da companhia, o faturamento bruto da empresa em 2000 foi de US$ 40 bilhões, e sua receita operacional de US$ 3,3 bilhões; o número de restaurantes atendidos em 31/12/2000 era de mais de 28.000 no mundo inteiro. Buscando uma descrição de forma mais sistêmica do assunto, o presente estudo baseou-se na abordagem proposta por GONÇALVES (1990), de uma visão da interdependência dos aspectos organizacionais e tecnológicos entre os agentes da cadeia de abastecimento. Dado o porte da empresa McDonald´s e a sua visibilidade no mundo corporativo, podendo ser considerada como um exemplo a ser seguido, supõe-se que haja grande interesse no estudo e no conhecimento de suas atividades, notadamente na forma como é administrada a sua cadeia de abastecimento, apontada por muitos como um dos fatores que mais contribuem para o sucesso de suas operações. Além desse resultado, a contribuição deste artigo é a utilização de uma abordagem ainda alternativa para descrever uma situação encontrada na prática. Com isso, além do emprego de um instrumento novo, colaborando para um entendimento mais amplo da situação, também será possível verificar os benefícios decorrentes da sua utilização. Metodologicamente o objetivo do presente estudo é descrever e analisar uma cadeia de abastecimento reconhecida como referência em termos de eficácia e de eficiência, segundo uma visão da interdependência dos seus aspectos organizacionais e tecnológicos. A possibilidade de descrever a cadeia de abastecimento do sistema McDonald´s no Brasil situa-se então, no estudo de um caso em que o pesquisador tem a oportunidade de observar e analisar um fenômeno previamente inacessível à investigação científica, principalmente ao considerar que a possibilidade de utilização de informações interna para um estudo acadêmico é original. O motivo da escolha do McDonald´s foi a posição da empresa como um símbolo do modo de produção e da cultura do capitalismo do final do Século XX e pelo fato dessa empresa contar com a sua cadeia de abastecimento como uma fonte de vantagem competitiva. A existência de cultura muito facilmente identificável na empresa, por outro lado, favorece a análise da interdependência dos aspectos organizacionais e tecnológicos. Os dados da cadeia de abastecimento, tanto do próprio McDonald´s, como dos seus parceiros, foram obtidos junto aos executivos dessas empresas, por meio de entrevistas semi estruturadas e visitas às suas instalações. 2 Quadro teórico 2.1 Gestão da cadeia de suprimentos A literatura registra muitas definições de logística. Um dos autores mais conhecidos na área, BALLOU (1995), diz que a “Logística empresarial trata de todas atividades de movimentação e armazenagem, que facilitam o fluxo de produtos desde o ponto de aquisição da matériaprima até o ponto de consumo final, assim como dos fluxos de informação que colocam os produtos em movimento, com o propósito de providenciar níveis de serviço adequados aos clientes a um custo razoável”. Idéias semelhantes são apresentadas por BLANCHARD (1974), mas de forma um pouco mais genérica. Para esse autor, “a logística está sendo vista como a combinação de todas as considerações necessárias para assegurar o apoio eficaz e econômico a um sistema, ao longo do seu ciclo de vida programada”. Percebe-se que nessas Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP definições há uma preocupação clara com a busca da eficiência, isto é, a minimização da utilização dos recursos para a realização das tarefas. Também são encontradas definições de logística que incorporam uma visão sistêmica da empresa, considerando especificamente o seu relacionamento com o marketing. DORNIER et al (2000) dizem que a “logística é a gestão de fluxos entre marketing e produção”, ou “ a gestão de fluxos entre funções de negócio”. Para CHRISTOPHER (2001), “a logística é o processo de gerenciar estrategicamente a aquisição, movimentação e armazenagem de materiais, peças e produtos acabados (e os fluxos de informações correlatas) através da organização e seus canais de marketing, de modo a poder maximizar as lucratividades presente e futura através do atendimento dos pedidos a baixo custo” . Incorporando a preocupação com a busca da eficiência e a visão sistêmica, estendida á toda a cadeia de abastecimento, BOWERSOX & CLOSS (1996) apresentam a definição do Council of Logistic Management, de 1991, dos Estados Unidos: “logística é o processo de planejamento, implementação e controle, de forma eficiente e eficaz, do fluxo e armazenamento de bens, serviços e informação a eles relacionada, desde o ponto de origem até o ponto de consumo, para o propósito de corresponder às necessidades do cliente”. Por ser a mais abrangente e por adequar-se bem aos propósitos deste estudo, esta última definição é a que será usada no desenvolvimento do presente trabalho. O conceito de cadeia de abastecimento – ou de suprimento – também deve ser examinado, pois é o centro de todas as considerações e análises a serem feitas neste estudo. Inicialmente a idéia de uma seqüência de atividades concorrendo para um fim comum foi observada por PORTER (1989) dentro das empresas. Esse autor diz que “ toda empresa é uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar seu produto. [...] A cadeia de valores de uma empresa e o modo como ela executa atividades individuais são um reflexo de sua história, de sua estratégia, de seu método de implementação de sua estratégia, e da economia básica das próprias atividades”. A seguir PORTER (1989) estendeu o conceito de cadeia de valores além dos limites da empresa, dizendo que “os elos existem não só dentro da cadeia de valores de uma empresa, mas também entre a cadeia de uma empresa e as cadeias de valores dos fornecedores e dos canais. Estes elos, que denomino elos verticais, são similares aos elos dentro da cadeia de valores – o modo como as atividades do fornecedor ou do canal são executadas afeta o custo ou o desempenho das atividades da empresa (e vice – versa)”. Nessa visão de integração entre as atividades realizadas por várias empresas está o conceito de cadeia de abastecimento. Atualmente, de uma forma bastante objetiva poder-se-ia utilizar a definição de CHOPRA & MEINDL (2001), de que “uma cadeia de abastecimento consiste em todos os estágios envolvidos no atendimento a um pedido do cliente” . CHRISTOPHER&RYALS (1999) definem cadeia de suprimentos representa como uma rede de organizações que estão envolvidas, através de links a montante e a jusante (upstream e downstream), nos diferentes processos e atividades que produzem valor na forma de produtos e serviços nas mãos do cliente final. O The Global Supply Chain Forum elaborou uma definição de gestão da cadeia de suprimentos em 1994 e a modificou em 1998. Esta definição tem sido aceita e utilizada pela maioria dos pesquisadores na área de gestão da cadeia de suprimentos, e será a definição adotada neste trabalho. Segundo o The Global Supply Chain Fórum, “a gestão da cadeia de suprimentos é a integração de processos chave de negócio do cliente final até os fornecedores originais que provê produtos, serviços e informações que agregam valor para os clientes e outros stakeholders.” Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP Há várias perspectivas teóricas que podem ser utilizadas para o entendimento da gestão da cadeia de suprimentos. SKJOETT-LARSEN (1999) realizou uma revisão da literatura sobre as perspectivas teóricas utilizadas para se analisar a cadeia de fornecimento, e identificou três que considerou as mais importantes: o enfoque dos custos de transação, a perspectiva de rede organizacional e a visão baseada em recursos (resource-based view). O presente estudo adotará a perspectiva de rede organizacional. COOPER et al (1997) propuseram um esquema conceitual da gestão da cadeia de suprimentos que inclui três elementos principais ou três áreas chave de decisão correlacionadas: os processos de negócio, os componentes de gerenciamento, e a estrutura da cadeia. Os processos de negócio são as atividades que produzem um resultado específico de valor para os clientes; os componentes de gestão são os componentes pelos quais os processos de negócio são estruturados e gerenciados; e a estrutura da cadeia é a configuração de companhias dentro da cadeia de suprimentos. COOPER et al (1997) relacionam oito processos como os mais importantes para a gestão da cadeia de suprimentos: gestão do relacionamento com clientes, atendimento aos clientes, atendimento de pedidos, planejamento da demanda, fluxo de manufatura, comercialização e desenvolvimento de novos produtos, gestão do relacionamento com fornecedores e gestão de retornos. Uma vez verificada a interdependência das ações dos vários elos da cadeia de abastecimento, faz sentido que se busque a sua coordenação, visando o bem comum. BALLOU (1995), que afirma que “as atividades logísticas, como quaisquer outras, exigem elevado grau de gestão inter e intra firmas. Mercadorias fluem de fornecedores para compradores por intermédio de transportadores. Estas três categorias representam os elementos básicos do canal logístico. São, geralmente, razões sociais distintas. Este canal, ou sistema interorganizacional, deve ser estruturado e gerenciado pelas mesmas razões que as atividades logísticas internas de uma firma, isto é, para balancear custos de comportamento conflitante. Os membros do canal não experimentam necessariamente os mesmos custos, assim como não têm o mesmo grau de envolvimento nas decisões de movimentação de mercadorias. Mesmo assim, compartilham o impacto dessas decisões nos custos do canal, mesmo que de forma diferenciada. Boa organização do canal reverte em benefícios para todos os seus membros”. Evidentemente a idéia de integração das atividades de várias empresas que atuam dentro de um mesmo canal não é algo fácil de ser conseguido, posto que envolve inúmeros aspectos complexos, inclusive valores pessoais e culturais. Entretanto, em uma época de operações globalizadas e de alto grau de competição entre as empresas, a integração e o gerenciamento da cadeia pode ser uma fonte importante de vantagem competitiva. A visão de gerenciamento da cadeia de abastecimento é sintetizada por CHRISTOPHER (2001), que diz que esse gerenciamento “...é significativamente diferente dos controles clássicos de materiais e de fabricação em quatro sentidos. Primeiro, ele vê a cadeia de suprimentos como uma entidade única, em vez de confiar responsabilidade fragmentada para áreas funcionais, tais como compras, fabricação, distribuição e vendas. A segunda característica do gerenciamento da cadeia de suprimentos deriva diretamente da primeira: ela requer – e, ao final, depende da – tomada de decisão estratégica. O ‘suprimento’ é um objetivo compartilhado por praticamente todas as funções na cadeia e tem significado estratégico particular devido ao seu impacto sobre os custos totais e participação de mercado. Em terceiro lugar, o gerenciamento da cadeia de suprimentos fornece uma perspectiva diferente sobre os estoques que são usados como mecanismo de balanceamento, como último, não primeiro recurso. Finalmente, o gerenciamento da cadeia de suprimentos exige uma nova abordagem de sistemas: a chave é a integração, não simplesmente interface”. Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP É importante notar que os conceitos acima expostos, ao expandirem o gerenciamento da cadeia de abastecimento para além dos limites da empresa, trazem a reboque a questão de como deverá se dar esse gerenciamento e quais as pessoas – ou grupos ou entidades – que resolverão eventuais conflitos e disputas. 2.2 Interdependência organizacional e Tecnológica Seguindo o entendimento de diversos autores ((PARSONS (1956); GONÇALVES (1981 e 1990); MESAROVIC (1981); MACKO &TANAKA(1970); ZACCARELLI (1975)), para GONÇALVES (1996) toda organização pode ser visualizada como um sistema de quatro níveis hierarquizados e interdependentes de processos (descritos a seguir no texto) : nível operacional, nível processual, nível relacional e nível institucional, respectivamente, da base ao topo da hierarquia. A figura 1 a seguir ilustra a hierarquia. O nível operacional abrange o processo de adicionamento de valor econômico. Envolve recursos materiais, financeiros, humanos e informacionais, que são ordenados pelo nível processual a fim de se produzir bens e serviços. Caracteriza-se por fluxos e estoque de materiais, energia, equipamentos, dados e pessoas e é avaliado pela produtividade dos fatores de produção empregados e pela qualidade dos bens e serviços produzidos. O nível processual compreende o processo de gestão operacional, e é responsável pelas ordens de compra e produção, além de alocações de recursos de nível operacional ao longo da estrutura de vinculação tecnológica. Caracteriza-se por fluxos de informação, sistemas de trabalho, acordos e contratos e é avaliado pela capacidade de resposta operacional a variações na natureza e no volume de bens e serviços gerados pelo nível operacional. Institucional Relacional Processual Operacional Figura 1: Níveis hierárquicos O nível relacional compreende os processos de relações interpessoais e os processos de desenvolvimento de capacitação tecnológica e de aprendizagem organizacional. Abrange percepções e expectativas dos atores sociais na formação e coesão de grupos informais, e, também, estabelece políticas e regras de decisão e avaliação da performance da gestão e ações operacionais. Caracteriza-se por atitudes de maior ou menor agressividade, afetividade, bom humor, indiferença, participação, cooperação, comunicação, apoio, tolerância, recompensa e negociação. Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP O nível institucional envolve valores culturais determinantes na formação e manutenção da identidade institucional e da coerência estratégica da organização. Caracteriza-se por missões, objetivos, planos, programas e projetos – formais e informais – e é avaliado pelas vantagens competitivas que consegue obter com os recursos organizacionais disponíveis. O Autor afirma ainda, que a ação conjunta dos quatro níveis de processo resulta no sucesso ou fracasso das organizações, e que um desajuste em qualquer um deles necessariamente se reflete em um desequilíbrio na organização como um todo. A perda de harmonia entre os níveis de uma organização faz com que esta tente compensar o desequilíbrio estabelecendo vinculações de um ou mais níveis com um ou mais níveis de outras organizações. Assim, consegue-se entender o processo de conexão interorganizacional . A perda de sintonia entre os níveis de uma organização é chamada de desacoplamento. Este pode ser tanto uma decorrência natural do processo de crescimento e desenvolvimento da organização, como proveniente de necessidades inerentes à evolução dos negócios ou da missão da organização. A constante mutação dos cenários econômico, político, social, tecnológico, institucional e governamental acabam por exigir mudanças da e na organização frente a seus concorrentes, fornecedores, clientes, governo e outras organizações afins. 3. Estudo de caso 3. 1 História do sistema McDonald’s A história da corporação McDonald’s - a maior empresa de food service do mundo - está intimamente ligada à história de seu fundador, Ray Kroc, que foi a primeira pessoa a comercializar em massa os produtos e a marca McDonald’s . Kroc recebeu a fama de criador do restaurante de self service e atendimento rápido, apesar de não tê-lo inventado. O crédito da invenção pertence aos irmãos McDonald, Richard e Maurice. Por volta de 1937 os californianos já começavam a sentir uma extraordinária dependência do automóvel, o que fez com que alguns comerciantes que antes possuíam restaurantes convencionais introduzissem um novo ramo de negócios, isto é, restaurantes para clientes motorizados, chamados de restaurantes drive in. Pátios de estacionamento grandes e de fácil acesso, aliados a um serviço de garçonetes contratadas para servir aos clientes em seus automóveis, eram a essência do novo negócio. Os irmãos McDonald abriram em 1937 seu primeiro restaurante drive-in, a leste de Pasadena. Era um restaurante pequeno, mas que levou os irmãos McDonald a abrir um outro restaurante em San Bernardino, cerca de 80 quilômetros a leste de Los Angeles, uma cidade que estava se tornando uma próspera moradia da classe trabalhadora. Em meados dos anos 40, o restaurante era o principal ponto de encontro dos adolescentes da cidade, e 25 garçonetes serviam cerca de 125 automóveis que lotavam o pátio de estacionamento nos finais de semana. A partir de 1948, os irmãos McDonald começaram a sentir a pressão da concorrência, além de considerarem que o sistema de operação do restaurante drive in estava limitado economicamente. Decidiram, então, que deveriam mudar totalmente seu modo de atuação, baseados na descoberta de que os hambúrgueres representavam 80% do negócio. Segundo LOVE (1996), “...essa descoberta foi o princípio de uma revolução no food service”. As mudanças ocorridas foram: • Foco do negócio em velocidade, preços baixos e volumes elevados. • Cardápio reduzido de 25 itens para 9 itens (principalmente hambúrgueres). Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP • Eliminação das garçonetes, e conseqüente introdução do sistema self service. • Introdução de conceitos ligados a linha de produção nos restaurantes, como reconfiguração de layout da cozinha para gerar rapidez e grandes volumes de produção, rígidos procedimentos operacionais para eliminar a influência do elemento humano, pratos pré-temperados (redução da variedade de produtos), e produção make to stock. • Substituição de louças e talheres por sacos de papel, papel de embrulho, invólucros e copos de papel. • Novo segmento de mercado : famílias, com apelo especial para crianças. • Desenvolvimento de equipamentos feitos sob medida para as novas necessidades das cozinhas. Segundo LOVE (1996), “... os irmãos McDonald tinham claramente desenvolvido um sistema muito diferente, feito sob medida para a América pós-guerra, mais rápida, mais móvel e mais orientada para a conveniência e a gratificação imediatas. Os irmãos estavam se atrelando às mesmas tendências que substituíam os armazéns da esquina por supermercados, e criavam o desconto no varejo não-alimentício”. O sucesso do restaurante dos irmãos McDonald, em San Bernardino, provocou o interesse de terceiros em abrir franquias do restaurante. O sistema de franquias iniciado pelos dois irmãos foi um fracasso, principalmente pela falta de energia e habilidades organizacionais dos inventores do novo tipo de restaurante, bem como pela visão de lucro imediato e falta de comprometimento com os franqueados. LOVE (1996) comenta até que não havia interesse por parte dos irmãos McDonald’s em expandir geograficamente a atuação de seus restaurantes, já que estavam satisfeitos com a situação em que se encontravam, e a idéia de viajar constantemente não lhes agradava. Em 1954, Ray Kroc, um vendedor de equipamentos para a indústria de food service, na época com 52 anos, reconheceu a oportunidade de expandir a rede de restaurantes em escala nacional. Kroc presenciou o sucesso do restaurante em San Bernardino, e, dado o baixo custo de construção do mesmo, percebeu que ele preenchia um vazio no food service, e era perfeito para um sistema de franchising. Assim, depois de uma breve negociação com os irmãos McDonald, Kroc fundou em 2 de março de 1955 uma nova firma de franchising, a McDonald’s System. 3.2 Disseminação dos princípios e valores de Ray Kroc Kroc introduziu uma nova abordagem para o sistema de franquias, onde seu objetivo era o sucesso imediato dos franqueados, para a longo prazo o sistema como um todo se beneficiar . Sua idéia era prestar aos franqueados serviços suficientes para que fossem bem sucedidos. Essa filosofia era similar à filosofia que adotou quando vendia suprimentos para o setor de food service, em que o sucesso se baseava em descobrir meios de fazer seus clientes bemsucedidos com o seu produto. Segundo LOVE (1996), “... a noção de Kroc de uma sociedade em justa e balanceada franchise é, sem dúvida, seu maior legado”. Ray Kroc acreditava que estava no negócio para servir seus franqueados e desenvolver sua lealdade, e que os mesmos eram seus clientes, e, se falhassem, ele falharia também. Assim, o relacionamento entre corporação e franqueados foi sendo pautado sempre em termos de Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP lealdade, confiança e comprometimento, induzindo um comportamento colaborativo e harmonioso. O mesmo relacionamento aberto Kroc esperava dos fornecedores, e exigia que os custos e preços dos mesmos fossem inteiramente abertos para que os franqueados soubessem que a corporação não estava se beneficiando de quaisquer parcelas. Assim, Ray Kroc conseguiu unir os três elementos do sistema McDonald’s – franqueados, corporação e fornecedores – numa só família, com um propósito comum. Os participantes do sistema tinham incentivos comuns e um padrão comum de qualidade, serviço e asseio, além de existir um controle mútuo entre todos os elementos. O sistema deveria ser controlado por decisões e políticas consideradas pelo bem comum, sendo bem comum definido como a interação entre todos os participantes. Os princípios e valores de Ray Kroc são sempre citados para justificar comportamentos e atitudes dos indivíduos tanto dentro da empresa como no relacionamento com outros atores sociais . Por exemplo, na Revista Exame (Guia de Boa Cidadania Corporativa 2001), justifica-se a iniciativa de responsabilidade social da corporação McDonald’s no Brasil por meio de um dos princípios de Kroc, “...ele afirmava que era preciso devolver à comunidade o que a empresa recebia dela”. LOVE (1996) afirma que “ ... a história do McDonald’s System é a história de uma organização que aprendeu como aproveitar a força de empresários – não um punhado, mas centenas deles”. 3.3 A história da cadeia de suprimentos As inovações promovidas pelos restaurantes McDonald’s, a partir da década de 50, trouxeram consigo a necessidade de desenvolvimento de novos equipamentos e produtos adequados a uma nova realidade. A princípio, os grandes fornecedores da indústria de food service fizeram tentativas para abastecer os restaurantes, porém não foram capazes de atender as exigências mais severas que a da maioria dos restaurantes da época, ou não tinham interesse em fazer nada diferente do que vendiam aos demais.Para esses grandes fornecedores, segundo LOVE (1996), “Maximizar a capacidade produtiva em uso era bem mais seguro do que construir uma nova capacidade e arriscar em negócios futuros do McDonald’s”. Assim, os fornecedores selecionados para atender aos restaurantes eram pequenos, e estavam também iniciando seus negócios. Eles estavam dispostos a dividir os riscos e customizar suas operações produtivas e áreas de serviços, de forma a atender todas as inovações de produtos e processos requeridas pelo McDonald’s. Em meados da década de 60, o crescimento da cadeia de restaurantes, aliada à crescente competitividade de seus concorrentes, fez com que a cadeia de suprimentos assumisse papel de destaque nas estratégias do McDonald’s: era necessário a expansão em escala nacional, porém a fonte de fornecimento era composta de pequenos produtores, e a utilização de grandes fornecedores seria a escolha mais lógica. Contudo, o McDonald’s, ao invés de trabalhar com um grupo desorganizado de fornecedores independentes, criou , como atesta LOVE (1996), “...o mais integrado, eficiente e inovador sistema de abastecimento da indústria de food service, conforme reconhecem até os seus maiores competidores”. É interessante destacar que a estratégia adotada na cadeia de suprimentos se baseou na transferência de parte da mão-de-obra envolvida no preparo de alimentos nas lojas de volta às fábricas que os forneciam. Os produtos eram fabricados de modo mais padronizado, fazendo com que a preparação de alimentos na loja se tornasse quase infalível. É interessante notar a Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP estratégia de especulação na cadeia de suprimentos, antecipando a transformação dos produtos, ao invés de postponement, estratégia bastante utilizada nas cadeias de suprimento atualmente. A produção concentrava-se em imensas fábricas dedicadas exclusivamente ao McDonald’s, o número de fornecedores era bastante reduzido, e as companhias responsáveis pela distribuição eram poucas. O McDonald’s desenvolveu em seus fornecedores um compromisso fortíssimo de atendimento ao sistema, mcdonaldizando-os. Uma vez que esses fornecedores eram pequenos e cresceram junto com a rede McDonald’s, compartilhando missões, objetivos, crenças e valores, o comportamento sempre se deu de forma colaborativa e cooperativa. A própria cultura organizacional das empresas pertencentes ao sistema McDonald’s reflete a cultura do McDonald’s. Como atesta LOVE (1996), os fornecedores tornam-se tão dedicados à manutenção e melhoria da qualidade do sistema como se fossem propriedade do McDonald’s. A extensão da cultura McDonald’s à cadeia de suprimentos pode ser entendida visualizandose a rotina diária dos funcionários dos fornecedores; por exemplo, nos centros de distribuição da Martin-Brower no Brasil, os funcionários vêem mais os símbolos do McDonald’s do que os da própria Martin-Brower. O símbolo tradicional do McDonald’s está espalhado por toda a companhia, desde os “broches”, caixas movimentadas no armazém, cartazes de promoções nos corredores principais, logotipos nos caminhões, até brindes promocionais distribuídos nos restaurantes em cima das mesas dos gerentes, e, o mais intrigante, alguns pensamentos da filosofia de Ray Kroc estão presentes no vídeo institucional da empresa. Embora atualmente a Martin-Brower tenha outros clientes, seu propósito principal sempre será atender o sistema McDonald’s, como citado na Martin-Brower World Class (Summer 2001). O principal executivo da Martin-Brower comenta que “ ... as expectativas do McDonald’s são muito altas... e atendê-las é a essência do nosso negócio” (In Martin-Brower World Class). A base do relacionamento com os fornecedores foi pautada da mesma forma como com os franqueados, tendo em vista sempre a lealdade, confiança e comprometimento. Como atesta LOVE (1996), “... a cadeia não se acha presa por nenhum requisito legal a qualquer um de seus fornecedores. Seus ’contratos‘ são firmados apenas com um aperto de mão, nunca por escrito, mesmo com companhias cujos negócios dependem totalmente do McDonald’s”. A negociação baseada em planilhas de custos abertas e a instalação de parcerias na área operacional, como a construção do condomínio Food Town, em São Paulo, ilustram a transparência e cooperação entre os diversos elos da cadeia de abastecimento. Os principais fornecedores do sistema McDonald’s são: Martin-Brower, GSF, OSI, Simplot, McCain, Schreiber, Fresh Start. 3.4 Cadeia de Suprimentos no Brasil A cadeia de suprimentos do sistema McDonald’s no Brasil apresenta-se ilustrada na figura 2, a seguir . Os principais agentes presentes são : McDonald’s (corporação e franqueados), Martin-Brower (distribuidor), Interbakers (produtor de pães), Braslo (produtor de carnes), Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP McCain (produtor de batata), Refricon (produtor de hortifrutis), Parmalat, Polenghi, Vally, Coca-Cola e Ambev . Coca-Cola e Ambev são as únicas empresas que distribuem seus produtos diretamente para os restaurantes, sem a presença da Martin-Brower. Como a participação sobre a distribuição total dessas duas empresas é pequena, para efeitos de melhor visualização elas não foram explicitadas na ilustração. Fluxo de Fluxo de crédito ® V Consum Franqui Corpora Fluxo de Programação de Pedidos Fluxo de caixa Figura 2: A cadeia de abastecimento do McDonald’s Os principais papéis desempenhados na cadeia são: McDonald’s: operação dos restaurantes, estabelecimento de promoções e propagandas, seleção de fornecedores, preços e produtos, desenvolvimento de novos produtos, elaboração de planos de médio e longo prazo, avaliação da qualidade e padronização dos processos, resolução de conflitos na cadeia. Martin-Brower: a empresa é um operador logístico, responsável pela gestão de compras e estoques, atendimento aos clientes, armazenagem, distribuição em três temperaturas, transporte de transferências entre centros de distribuição, gestão financeira da cadeia, Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP planejamento logístico, planejamento fiscal, serviço de campo, e coordenação das operações na cadeia. Fornecedores: Manufatura, desenvolvimento de novos produtos e processos, planejamento de expansões de capacidade, serviço de campo, gestão da cadeia de suprimentos a montante. O comportamento dos atores na cadeia é regido por políticas e regras ditadas pela organização focal, a corporação McDonald’s. Assim, por exemplo, como cita ANDRADE (2000), o McDonald’s não permite que seus fornecedores de carne criem rebanhos em áreas desmatadas. É importante citar, também, que os fornecedores exclusivos da cadeia, se tiverem interesse em atender a outros clientes, devem obedecer a regras da corporação McDonald’s, como não prestar serviço a companhias concorrentes na área de fast food. O condomínio Food Town, ou a cidade da alimentação é a reunião de três dos principais fornecedores do sistema McDonald’s em uma mesma propriedade. Estão localizados no Food Town a Martin-Brower (distribuidor), a Interbakers (produtor de pães) e a Braslo (produtor de carnes). A construção e operação do Food Town comprova a existência de um relacionamento baseado em cooperação e colaboração, onde o objetivo principal é a maximização dos benefícios ao sistema McDonald’s. O surgimento do Food Town permitiu, segundo executivos da companhia M, o crescimento sustentável do McDonald’s, através da prestação de serviços com valor agregado, ou seja, novas tecnologias, aumento de produtividade e treinamento de pessoal. Os benefícios da construção do condomínio Food Town são vários, e fazem-se sentir principalmente numa melhor gestão das atividades operacionais, além da divisão de despesas como construção e manutenção das instalações, sistemas de telefonia, limpeza, segurança e primeiros socorros. A gestão operacional da cadeia de suprimentos sofreu profundas melhorias com a introdução do Food Town ; a fronteira de eficiência relativa a Custos-Responsividade foi expandida, reduzindo-se assim os custos para atender a determinado nível de responsividade. 4 Conclusão Na área empresarial são freqüentes as críticas às propostas de integração da cadeia de abastecimento baseadas nas dificuldades decorrentes das diferenças culturais entre as várias empresas. Essas diferenças poderiam constituir um fator restritivo, que limitaria a cooperação e colaboração entre os diversos elos da cadeia. Por sua vez, a falta de cooperação e colaboração poderia constituir um entrave à gestão operacional integrada da cadeia como um todo, levando a ineficiências, que comprometeriam os níveis de responsividade e de custos. No caso do sistema McDonald’s a existência de uma cultura homogênea em toda a cadeia, contribui para um alinhamento ou compartilhamento de objetivos, crenças e valores. Essa integração cultural, resultante da interação entre os níveis institucionais, criou a base para um comportamento coletivo de colaboração e cooperação, que viabiliza a gestão operacional de forma integrada, a qual, por sua vez, traduz-se em uma expansão da fronteira de eficiência custo-responsividade do sistema como um todo. Anais do VII Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI 2004 – FGV-EAESP Essa conclusão, na contramão do que se propala no âmbito do mercado, novamente justifica a escolha deste único caso para a realização do estudo, já que trata-se de uma situação rara e exemplar. Parece ser razoável supor que tão importante quanto a existência de uma cultura comum permeando toda a rede organizacional, seja a continuidade dessa cultura ao longo do tempo, desde o início baseada nas idéias de Ray Kroc. Possivelmente a manutenção dos elementos culturais por quase 50 anos levou a sua sedimentação e propagação por toda a rede. A concentração dos três principais fornecedores do sistema McDonald’s, no Brasil e no mundo, em um condomínio como o Food Town, sintetiza a filosofia e a visão de negócios de Ray Kroc. Nesse sentido, o grande legado de Ray Kroc, além de criar uma das empresas mais bem sucedidas do mundo, foi mostrar que é possível alinhar interesses e objetivos de milhares de pessoas e empresas em prol de um objetivo comum. Deve-se destacar que a abordagem proposta por GONÇALVES (1996) para análise de redes organizacionais mostrou-se extremamente adequada à finalidade deste trabalho, colaborando para o entendimento e compreensão do fenômeno em estudo. Os autores esperam que o presente trabalho, dentro de suas limitações, tenha contribuído para a discussão das várias maneiras possíveis de se enxergar a cadeia de abastecimento e seu gerenciamento, e esperam que outros trabalhos venham a dar prosseguimento ao que foi aqui discutido, sendo especialmente bem vindas análises semelhantes em outras redes organizacionais. 5. Referências bibliográficas ANDRADE, R. O. B. , TACHIZAWA, T. , CARVALHO, A . B. , Gestão Ambiental – Enfoque estratégico aplicado ao Desenvolvimento Sustentável. São Paulo, Makron Books, 2000. BALLOU, R. H., Logística empresarial, São Paulo: Atlas, 1995. BLANCHARD, B. S., Logistics engineering and management, Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1974. BOWERSOX, D. J. & CLOSS, D. J., Logistical management: the integrated supply chain process, New York: McGraw-Hill, 1996. CHOPRA, S. & MEINDL,P., Supply chain management, New Jersey: Prentice Hall, 2001. 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