MEDIDAS DE SEGURANÇA Espécie de sanção penal, de caráter preventivo, fundada na periculosidade do agente, aplicada pelo juiz da sentença, por prazo indeterminado, aos inimputáveis e, eventualmente, aos semiimputáveis, a fim de evitar que tornem a delinquir. Como já mencionado, a finalidade da medida de segurança é exclusivamente preventiva, ou seja, impor tratamento especial ao inimputável ou semi-imputável que cometeu infração penal demonstrando com isso sua periculosidade, no intuito de serem evitadas novas ações ilícitas. DISTINÇÕES ENTRE AS PENAS E AS MEDIDAS DE SEGURANÇA a) Quanto ao fundamento: as penas têm caráter retributivo e preventivo, enquanto as medidas de segurança têm apenas caráter preventivo especial — conferir compulsoriamente tratamento ao seu destinatário. A pena, portanto, tem caráter aflitivo e a medida de segurança, caráter curativo. b) Quanto ao pressuposto em que se baseiam: as penas refletem a culpabilidade do agente, isto é, devem-se à demonstração de sua responsabilidade pelo ilícito penal. As medidas de segurança fundam-se na periculosidade, assim entendida a probabilidade de voltar a cometer delitos. c) Quanto à duração: as penas são aplicadas por tempo determinado. As medidas de segurança são aplicadas por período indeterminado, terminando apenas quando comprovada a cessação da periculosidade. d) Quanto aos destinatários: as penas destinam-se aos imputáveis e aos semiimputáveis cuja periculosidade tenha sido pericialmente demonstrada e que, por isso, necessitam de tratamento. SISTEMAS DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA Sistema Vicariante No âmbito penal, são possíveis dois sistemas para a aplicação das medidas de segurança. O sistema vicariante só permite a aplicação de uma espécie de sanção penal ao acusado, enquanto o sistema do duplo binário permite a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança. Para os semi-imputáveis, será aplicada pena ou medida de segurança. Quanto a estes, o juiz deve aplicar a pena privativa de liberdade necessariamente reduzida de 1/3 a 2/3 (art. 26, parágrafo único, do CP). Em seguida, se estiver demonstrada a periculosidade em razão de perturbação mental, o juiz substituirá a pena por medida de segurança (art. 98 do CP). Não havendo prova de tal periculosidade, o magistrado manterá a pena privativa de liberdade. PRESSUPOSTOS E APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA Para que o magistrado possa, ao proferir sentença, determinar a aplicação de medida de segurança, são necessários os seguintes pressupostos: a) Que haja prova de que o acusado cometeu fato típico e antijurídico. Assim, se ficar demonstrado que o fato é atípico ou se não houver prova de que o réu cometeu a infração penal, deve ser absolvido sem a adoção de qualquer outra providência, ainda que a perícia ateste tratar-se de pessoa perigosa. Da mesma maneira, se ficar demonstrado que agiu em legítima defesa, estado de necessidade etc. b) Que exista prova da periculosidade do agente em razão de inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou semi-imputabilidade decorrente de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou Retardado. ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA De acordo com o art. 96 do Código Penal, existem apenas duas modalidades de medida de segurança: a) Detentiva: consiste em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I, do CP). De acordo com os arts. 97, caput, e 98, do Código Penal, se o crime for apenado com reclusão, esta deverá ser a medida de segurança aplicada, quer se trate de réu inimputável, quer semi-imputável (cuja periculosidade tenha sido constatada, tornando necessária a medida). De acordo com o art. 99 do Código Penal, o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares. Na falta de vaga em hospital psiquiátrico, a internação pode se dar em hospital comum ou particular, constituindo constrangimento ilegal, sanável por habeas corpus, a manutenção em penitenciária ou cadeia pública de pessoa a quem tiver sido determinada medida de segurança. b) Restritiva: consiste na sujeição a tratamento ambulatorial, ou seja, na necessidade de comparecimento regular para consultas pessoais com psiquiatras e equipe multidisciplinar. Aplica-se aos crimes apenados com detenção, quer se trate de réu inimputável ou semi-imputável. Observação: os critérios, de acordo com texto expresso de lei, são os anteriormente mencionados. Na prática entretanto, os juízes só têm decretado medida de internação naqueles crimes apenados com reclusão em que o montante da pena justificaria a aplicação de regime de pena inicial fechado ou semiaberto (se o réu fosse imputável). Tal providência se deve à escassez de vagas nos hospitais psiquiátricos e à desnecessidade de internação, quando cometidos crimes menos graves (ainda que apenados com reclusão). Ex.: crime de furto simples. DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA Quer se trate de inimputável ou de semiimputável, a internação ou o tratamento ambulatorial serão aplicados sempre por tempo indeterminado, perdurando enquanto não averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. Em qualquer hipótese, o período mínimo de internação será decidido pelo juiz na sentença, podendo variar de 1 a 3 anos (arts. 97, § 1º, e 98 do CP). Na escolha do período mínimo, o juiz deve levar em conta a gravidade da infração praticada. A referida perícia médica será realizada ao término do prazo mínimo fixado na sentença e, posteriormente, será repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se assim determinar o juiz das execuções. Nota-se, claramente, portanto, que a lei não prevê prazo máximo para o término da medida de segurança, caso não constatada a cessação da periculosidade. Existem, entretanto, alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça estabelecendo que o condenado não pode ser submetido à medida de segurança por tempo superior ao máximo previsto em abstrato no tipo penal como pena. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, decidiu em definitivo a questão, firmando interpretação no sentido de que o prazo máximo é o de 30 anos mencionado no art. 75 do Código Penal, não guardando, assim, relação com o montante previsto em abstrato para a infração penal cometida. ATENÇÃO Por isso, após os 30 anos, deverá ser declarada extinta a medida de segurança e, se constatada persistência do estado de periculosidade, deve o Ministério Público ingressar com ação civil visando a interdição da pessoa perigosa, uma vez que o art. 1.769 do Código Civil e o art. 9º da Lei n. 10.216/2001 permitem a internação compulsória de pessoa perigosa, mesmo que desvinculada da prática de ilícito penal. Caso constatada pericialmente a cessação da periculosidade, “a desinternação, ou a liberação, será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade” (art. 97, § 3º, do CP). Esse fato pode ser uma nova infração penal ou qualquer atividade que demonstre ser aconselhável a reinternação ou o reinício do tratamento ambulatorial. Por sua vez, estabelece o art. 97, § 4º, que, em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. A mesma providência poderá ser tomada se o agente, por seu comportamento durante a medida, revelar incompatibilidade com o tratamento ambulatorial (ausência contumaz às sessões agendadas, por exemplo) — art. 184 da Lei de Execuções Penais. Neste caso, o prazo mínimo de internação será de 1 ano (art. 184, parágrafo único, da LEP). Apesar de não haver previsão legal expressa, é possível que o juiz, diante da melhora no quadro da pessoa sujeita à medida de segurança de internação, substitua-a pelo tratamento ambulatorial. EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA O procedimento da execução das medidas de segurança é regulado pelos arts. 171 a 179 da Lei de Execuções Penais. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA OU PREVENTIVA A Lei n. 12.403/2011 modificou drasticamente o sistema da prisão preventiva, bem como criou diversas outras medidas cautelares, dentre elas a internação provisória que, de acordo com a nova redação do art. 319, VII, do Código de Processo Penal (dada por referida lei), poderá ser decretada nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser o réu inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração. Cuida-se, portanto, de medida aplicável somente em relação a infrações graves, praticadas com violência ou grave ameaça, e que pressupõe, além da constatação, em decorrência da instauração de incidente de insanidade, de que o indiciado ou réu é inimputável ou semi-imputável, a conclusão de que apresenta considerável potencial de reincidência. A internação deve ocorrer em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. DETRAÇÃO PENAL E MEDIDA DE SEGURANÇA De acordo com o art. 42 do Código Penal, detração é o cômputo, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança aplicadas na sentença, do tempo de prisão provisória cumprida no Brasil ou no estrangeiro, de prisão administrativa e o de internação em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico. ATENÇÃO O problema é que, nas medidas de segurança, o juiz fixa apenas o prazo mínimo de cumprimento (1 a 3 anos), sendo que o período indeterminado perdura enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade (art. 97, § 1º, do CP). Desse modo, entende-se que a detração será aplicada em relação ao prazo mínimo para a primeira perícia, ou seja, se, na sentença, o juiz fixou o período mínimo de 1 ano para a primeira verificação, mas o acusado já havia ficado preso ou internado provisoriamente por 4 meses, o exame deverá ser feito após 8 meses. SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL As hipóteses de aplicação de medida de segurança já estudadas dizem respeito ao acusado que, ao tempo do crime, era inimputável ou semi-imputável em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. É possível, contudo, que a doença mental somente tenha se manifestado após a prática do ilícito penal. Na hipótese acima, estando a ação penal ainda em tramitação, o processo, que estava paralisado para a realização do exame de sanidade mental (art. 149, § 2º, do CPP), continuará suspenso, aguardando o restabelecimento do acusado ou a ocorrência da prescrição. Nessa hipótese, poderá o juiz ordenar a internação do acusado em manicômio judiciário, desde que presentes os requisitos para a aplicação da medida cautelar pessoal prevista no art. 319, VII, do Código de Processo Penal (internação provisória nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser ele inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração). Se a doença ou perturbação mental sobrevierem no curso da execução da pena privativa de liberdade, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, determinar a substituição da pena por medida de segurança (art. 183 da LEP), caso se trate de doença grave, de difícil restabelecimento. Nessa situação, o prosseguimento da execução dar-se-á de acordo com as regras da Lei de Execuções atinentes às medidas de segurança. Se, entretanto, tratar-se de um surto psicótico breve ou de quadro de perturbação passageira das faculdades mentais, o sentenciado deverá ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado, até que se recupere (art. 41 do CP), hipótese em que será retomado o cumprimento da pena originária. INIMPUTABILIDADE POR DEPENDÊNCIA ENTORPECENTE Dispõe o art. 45, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei Antidrogas) que o réu é considerado inimputável quando, em razão da dependência, era, ao tempo da ação ou da omissão criminosa, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. A constatação desta falta de capacidade de entendimento ou autodeterminação deve ser feita pericialmente, pelo chamado exame de dependência toxicológica. Comprovada, então, a inimputabilidade, o réu ficará isento de pena, qualquer que tenha sido o crime por ele cometido — da própria Lei Antidrogas ou não. Ex.: prática de furto ou roubo para sustentar o vício; venda de droga para conseguir dinheiro para comprar suas próprias substâncias etc. Nos termos do art. 45, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, o juiz deverá absolver o réu e submetê-lo a tratamento médico. Trata-se aqui de medida de segurança, em relação à qual deverão ser aplicadas, no que couber, as regras do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, posto que não há regramento específico na Lei n. 11.343/2006. SEMI-IMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE DEPENDÊNCIA ENTORPECENTE DE SUBSTÂNCIA O art. 46 da Lei n. 11.343/2006 considera semiimputável quem, em razão da dependência, estava, ao tempo da ação ou omissão criminosa, parcialmente privado de sua capacidade de entendimento ou autodeterminação, qualquer que seja a espécie de infração praticada. De acordo com o art. 47 da mesma lei, esses semiimputáveis não são isentos de pena e, portanto, devem ser condenados. Haverá, entretanto, uma redução de um a dois terços do montante da reprimenda e o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, determinará que se proceda de tal forma no local em que tiver de cumprir a pena imposta. Nesse caso, portanto, não há substituição da pena por medida de segurança. O réu é condenado e, concomitantemente com o cumprimento da pena, é submetido a tratamento médico.