CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR COMUNITÁRIO E TRABALHO DOCENTE: EXPERIÊNCIA DOS FORMADORES DO GRUPO PRÓ-ESTUDAR/MATÃO (SP) Natália Souza Nogueira (UNESP) Naiara Souza Nogueira (UNICAMP) Luci Regina Muzzeti (UFSCar/UNESP) Resumo Os cursinhos pré-vestibulares comunitários são iniciativas para a democratização do ensino superior e têm como público-alvo estudantes oriundos de escolas públicas. Sendo assim, esta pesquisa, de caráter qualitativo, teve por objetivo compreender o trabalho docente por meio da formação acadêmica, da experiência profissional e da avaliação da participação dos voluntários de um cursinho comunitário localizado na cidade de Matão, no interior do Estado de São Paulo. Os resultados mostraram que os professores buscam minimizar a defasagem de aprendizado de seus alunos e prepará-los melhor para o vestibular, por meio de aulas expositivas, práticas e debates. Como conclusão, se percebe que iniciativas como desses voluntários têm contribuições relevantes para que os alunos ingressem no ensino superior. Palavras-chave: Cursinho comunitário. Trabalho docente. Ensino superior. Abstract The community courses college preparatory are initiatives for the democratization of higher education whose public are students from public schools. Thus, this research is qualitative and your objective was understand the teacher's work, therefore the academic background, professional experience and assessment of participation as volunteers in a community course located in the city Matão, in the State of São Paulo, Brazil. The results showed that teachers seek to minimize the difference of learning of their students and better prepare them for the exam through lectures, discussions and Mestre em Educação Sexual pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) Araraquara – SP. Psicóloga pelo Instituto Taquaritinguense de Ensino Superior (ITES/FETAQ). [email protected] Graduada em Gestão de Empresas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). [email protected] Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). [email protected] 1 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs practical. Therefore, those initiatives such as these volunteers have relevant contributions that students have more opportunities to enter higher education. Keywords: Community course. Teacher work. Higher education. Introdução O presente artigo aborda resultados de uma pesquisa, em que foi analisada a experiência e a avaliação do trabalho docente dos voluntários do Cursinho PréVestibular Comunitário do Grupo Pró-Estudar da cidade de Matão, no interior do Estado de São Paulo. Os cursos comunitários são ações afirmativas que visam proporcionar aos alunos oriundos do ensino público os conteúdos pré-vestibulares, assim como diminuir a disparidade entre os estudantes do ensino público e privado no processo seletivo para a entrada na universidade, seja nos exames vestibulares ou no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Inicialmente, vale ressaltar a trajetória do Grupo Pró-Estudar, curso prévestibular que surgiu em 2012 a partir da iniciativa de diminuir a desigualdade dos alunos de escolas públicas, no ingresso ao ensino superior. O grupo é formado por voluntários que são universitários ou que já concluíram a graduação e que moram (ou não) na cidade em que o projeto é realizado. O cursinho oferece aulas complementares nas manhãs de sábado e aborda conteúdo pré-vestibular. As disciplinas trabalhadas são matemática, física, química, biologia, redação, história, geografia, literatura e orientação vocacional (esta realizada por uma psicóloga). Também são oferecidas palestras com estudantes e professores de universidades públicas e particulares para apresentação dos cursos, a fim de proporcionar aos alunos o conhecimento sobre o ambiente universitário e as oportunidades como futuros estudantes de graduação. Mitrulis e Penin (2006) ressaltam que a escola e os professores não conversam com seus alunos sobre a universidade, pois é uma “[...] tarefa que parece não ter sido assumida pelo curso regular de nível médio, ou seja, a responsabilidade de preparar seus alunos para os desafios de um futuro quase presente” (MITRULIS; PENIN, 2006, p. 295). É neste contexto de desinformação que o Grupo Pró-Estudar tenta minimizar, com as palestras, as dúvidas existentes dos estudantes mediante a universidade, os cursos e as profissões. 2 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs O cursinho é voltado para estudantes do terceiro ano do ensino médio e estudantes que concluíram o segundo grau em escolas públicas da cidade; são oferecidas cinquenta vagas e a admissão é realizada por meio de uma prova inicial no formato de vestibular, com noventa questões de múltiplas escolhas. Os melhores colocados têm o direito de participar das atividades realizadas durante o ano. 1 Referencial teórico Refletindo sobre os cursinhos pré-vestibulares populares, Zago (2008) diz que são iniciativas importantes para o acesso ao ensino superior e que eles vêm ganhando espaço e visibilidade no cenário nacional. Os cursinhos também exercem função política ao apontar as desigualdades existentes no âmbito escolar e social. Ainda de acordo com a autora (Zago, 2006), apesar do aumento das vagas nas universidades, a polarização no ensino pago não reduziu as desigualdades dos grupos sociais. Por isso, programas de iniciativas governamentais foram criados para promoverem o acesso ao ensino superior pelos estudantes de baixa renda. Por exemplo, o Programa Universidade para Todos (PROUNI) que concede bolsas de estudos em instituições privadas institucionalizado pela Lei nº 11.096 em 2005, e a Lei de Cotas Sociais, sancionada em 2012, na qual 50% das vagas em universidades federais são destinadas aos estudantes oriundos de escolas públicas (PORTAL BRASIL, 2012). É importante ressaltar que o estudo pode gerar diferentes expectativas nos estudantes já que é por meio da capacitação que os alunos vislumbram a ascensão social, econômica e cultural. Sendo assim, compreende-se que os voluntários fazem parte desse processo de conquista dos estudantes. Segundo Bourdieu (2013), a representação cultural e social aponta que: [...] o sistema escolar cumpre uma função de legitimação cada vez mais necessária à perpetuação da “ordem social” uma vez que a evolução das relações de força entre as classes tende a excluir de modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada na afirmação bruta e brutal das relações de força. (BOURDIEU, 2013, p. 311) Portanto, apesar do atual sistema educacional reproduzir as relações de dominação, o docente voluntário é fundamental na trajetória escolar de seus alunos, e no caminho de ingresso no ensino superior. 3 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs Ao conferir ao capital cultural possuído por determinado agente um reconhecimento institucional, o certificado escolar permite, além disso, a comparação entre os diplomados e, até mesmo, sua “permuta” (substituindo-os uns pelos outros na sucessão). (BOURDIEU, 2002, p. 78) Nas palavras do autor, o diploma tende a ter função primordial na vida desses jovens que, por meio da participação no cursinho, almejam maiores oportunidades para a entrada no ensino superior. Ademais, os cursinhos pré-vestibulares comunitários possibilitam aos estudantes a aquisição de capital cultural legítimo. Posteriormente, esse capital cultural será convertido em capital econômico, permitindo, assim, a ascensão social. Após as colocações feitas, se torna essencial compreender o trabalho docente em um curso pré-vestibular comunitário na atual estrutura educacional brasileira. 2 Método Esta pesquisa é qualitativa e participaram dela 11 professores1 do Curso PréVestibular do Grupo Pró-Estudar, situado na cidade de Matão, Estado de São Paulo. O corpo docente que participou desta investigação é composto por voluntários entre 19 e 27 anos de idade. O instrumento consistiu em um questionário, com perguntas abertas e fechadas, voltadas à formação acadêmica, à experiência profissional, e à participação e avaliação da experiência como docente voluntário. Os professores foram convidados a participar da pesquisa durante uma reunião do grupo de amigos voluntários e foram informados dos objetivos da investigação, dos instrumentos a serem utilizados e dos cuidados em relação ao sigilo das informações. Também foram apresentados os termos de consentimento livre e esclarecido para serem assinados. Em seguida, procedeu-se à análise dos textos produzidos em resposta às questões. Os resultados foram divididos em quatro tópicos de análise. 3 Resultados e discussão Neste momento, será apresentada a análise dos dados relacionada à compreensão e interpretação das categorias emergidas das respostas dos professores voluntários, por meio do questionário. 1 O corpo docente é composto por outros professores que não se disponibilizaram a responder o questionário ou não se encontravam presentes em reunião para esclarecer as diretrizes da pesquisa em questão. 4 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs 3.1 Perfil social, acadêmico e profissional dos docentes e de seus pais Os participantes são cinco docentes do sexo masculino e seis docentes do sexo feminino, sendo dez solteiros e um casado. Do total de onze professores, nove são estudantes universitários e dois já concluíram o ensino superior em universidades públicas. Os voluntários relataram manter algum vínculo empregatício ou de estágio, além da atividade voluntária. Os professores são originários de diferentes áreas de formação: exatas (06), humanas (03) e biológicas (02). Questionados se realizaram cursinho pré-vestibular comunitário ou popular, apenas uma professora respondeu positivamente e seis professores responderam que frequentaram cursinho pré-vestibular particular. Em relação à família de origem, os pais possuem: pós-graduação (01), ensino superior completo (02), ensino superior incompleto (02), ensino médio completo (03), ensino médio técnico (02) e ensino médio incompleto (01). Entre as mães, ensino superior completo (03), ensino médio completo (03), ensino fundamental completo (02) e ensino fundamental incompleto (03). Observa-se que os progenitores destes professores-voluntários detêm um capital cultural constituído desde o ensino fundamental incompleto à universidade. Nesta informação, ainda aparece uma questão de gênero, uma vez que os níveis de escolarização alcançados pelos pais são superiores aos das mães. Apesar da baixa escolarização de alguns pais, os filhos foram incentivados a ingressarem no ensino superior. Portanto, o capital cultural familiar foi cultivado na prole. Em relação ao êxito escolar Bourdieu (2002, p. 42) expõe que: Mais que os diplomas obtidos pelo pai, mais mesmo do que o tipo de escolaridade que ele seguiu, é o nível cultural global do grupo familiar que mantém a relação mais estreita com o êxito escolar da criança. Ainda que o êxito escolar pareça ligado igualmente ao nível cultural do pai ou da mãe, percebem-se ainda variações significativas no êxito da criança quando os pais são de nível desigual. Neste sentido, apesar dos pais dos professores voluntários não terem iniciado ou completado o ensino superior, os filhos manifestaram, por meio da entrada na universidade pública, o desejo de ascensão, diferente da maioria que faz parte da classe social à qual pertencem, sendo que, por diversos fatores, eles não conseguem ingressar na universidade ou escolheram outras alternativas, como fazer parte do mercado de trabalho, por exemplo. 5 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs 3.2 Estratégias educativas: práticas pedagógicas no processo de ensino-aprendizagem Os métodos e as técnicas utilizados pelos professores no decorrer das aulas são importantes no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, são relevantes na assimilação do conteúdo proposto aos estudantes. Desta forma, abaixo se encontram os métodos de ensino utilizados, por meio do relato dos professores (cada um dos professores é denominado como P, a fim de resguardar suas identidades): “Aulas expositivas e exercícios durante a aula; participação dos alunos em exercícios na lousa e apoio na resolução de exercícios” (P1); “Aula teórico-prática através de grande exibição de conteúdos e exercícios” (P4); “Explicação do conteúdo, desenvolvimento de exercícios, debates em aula e produção das redações” (P5); “Aulas predominantemente teóricas, mas com exercícios sempre que possível; lista de exercícios e exercícios suplementares; plantões online e aulas extras de exercícios à tarde” (P7). Como se nota nos discursos dos docentes, os métodos mais utilizados são aulas expositivas, resolução de lista de exercícios e debates. Rangel (2006) expõe que o método corresponde ao caminho escolhido para que os objetivos sejam alcançados. Por isso, a aprendizagem e as técnicas representam os procedimentos para percorrerem esse caminho. Nesse processo, focalizar as questões essenciais e significativas do conhecimento é importante. Ainda nessa linha, segundo Cordeiro (2010), na relação pedagógica a linguagem estabelecida em sala de aula ganha relevância na prática. Deste modo, o autor diz que: Se o diálogo não resume todo o processo educacional, certamente ele é o seu núcleo, a sua porção principal e central. Nesse sentido, devemos concluir que a linguagem é estruturante da relação pedagógica e tem poderosa influência na aprendizagem dos estudantes. (CORDEIRO, 2010, p. 98-99) Outro aspecto fundamental é o processo de interação do professor com seus alunos, pois este pode despertar o interesse dos estudantes pelo conteúdo transmitido, facilitando o processo de aprendizagem. Os recursos empregados em sala de aula destacados pelos participantes foram: “Montagem de slides, busca de imagens e questões; busca de matérias práticas (ex: animais invertebrados para uma aula de zoologia dos 6 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs invertebrados, etc.). Aula: busco passar a matéria numa linguagem simples e detalhada; procuro descontraí-los em certos momentos” (P2); “Incentivo motivacional levando em consideração a necessidade de cada aluno” (P4); “Ao ministrar as aulas procuro ser clara e deixar os alunos à vontade, para que eles possam interagir, eliminando dúvidas e contribuindo para o rendimento da aula” (P5); “Uso do quadro e de giz” (P6); “Experimentos em sala de aula” (em pequeno grupo) (P7); “Aula sempre no quadro negro pra eles serem forçados a copiar e prestarem atenção; uso de giz colorido para chamar a atenção aos detalhes” (P8); “Uso dos slides, imagens, textos curtos e de fácil entendimento, em linguagem simples e próxima dos alunos” (P9). Entre os recursos utilizados pelos docentes em sala de aula, os mais recorrentes são: a lousa, o giz e os slides, assim como os experimentos em grupos. Para Rangel (2006) o ensino coletivo proporciona aos alunos interação, parceria, diálogo, trocas e discussões. Nesse caso, os trabalhos realizados em pequenos grupos também são estratégias escolares que possibilitam a aprendizagem de maneira diferente e, ao mesmo tempo, auxiliam no reforço dos conceitos das disciplinas. Diante disso, as estratégias educativas dos professores são representadas pelos recursos utilizados por eles em sala de aula. Nesse aspecto, Bourdieu (2007, p. 169) diz que a estratégia corresponde: A linguagem da estratégia, que somos forçados a empregar para designar as sequências de ações objetivamente orientadas para uma finalidade e observáveis em todos os campos, não deve nos enganar: as estratégias mais eficazes, sobretudo em campos dominados por valores de desinteresse, sendo o produto de disposições modeladas pela necessidade imanente do campo, são aquelas tendentes a se ajustar espontaneamente a essa necessidade, sem qualquer intenção manifesta nem cálculo. Nas palavras do teórico, os indivíduos se ajustam ao campo no qual estão inseridos; nesse caso, o trabalho docente representa oportunidades escolares de complementação ou revisão de matérias para o vestibular, com o intuito de auxiliar os adolescentes oriundos do ensino público nas dificuldades enfrentadas nas disciplinas cursadas no ensino regular. 7 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs 3.3 Estratégias de investimento social e ideológico: motivações para participar do Projeto Comunitário Muitos são os motivos para uma pessoa participar de um projeto comunitário e destinar algumas horas por semana para preparar e ministrar aulas para alunos que frequentam um cursinho pré-vestibular. Em específico, esses docentes destacam algumas motivações, sendo elas: 3.3.1 Colaborar e apoiar os alunos “Vontade de dar aulas de química e poder ajudar os alunos a conquistarem seus objetivos” (P1); “Busca de realização pessoal; participar de um projeto voluntário ajudando pessoas que têm um sonho/objetivo em comum comigo; oferecer um suporte que eu gostaria de ter nessa fase pré-vestibular” (P2); “Acredito que somando possamos ajudar as pessoas que querem realizar seus objetivos mostrando de uma maneira/visão mais próxima da realidade que já passamos em experiências anteriores” (P3); “Oportunidade de fazer parte do sonho de pessoas que provavelmente não teriam oportunidade em pagar um cursinho particular e criar uma oportunidade de ingresso na faculdade pública desejada” (P8). 3.3.2 Amenizar as desigualdades existentes no âmbito educacional e possibilitar transformações “Acreditando que essa seria a fórmula de ajudar estudantes a ingressarem em universidade pública, conseguindo assim disponibilizar uma base e carga motivacional para que cada estudante faça isso” (P4); “Desde o princípio, tive interesse em participar do projeto, pois acredito que a maior riqueza que o ser humano possui é o conhecimento e transmiti-lo é algo extremamente satisfatório e gratificante. Além disso, sabemos que os problemas educacionais são intrínsecos à sociedade brasileira, portanto é necessário ajudar os que estão próximos ao invés de ficar apenas cobrando atitudes dos governantes” (P5); “Grande interesse na área de educação, em especial na área de exatas, e na possibilidade da transformação social” (P6); “Noção da dificuldade e falta de apoio necessário (principalmente em termos de conteúdo) dos alunos da rede pública; prazer de ensinar; vontade de colaborar para a qualidade de vida dos alunos” (P7); 8 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs “Poder proporcionar a pessoas com menos condições financeiras a oportunidade de agregar conhecimento, e criar uma rotina de estudos com o objetivo de prestar o vestibular. Não tenho a pretensão de substituir o que eles aprendem na escola, mas sim servir de ferramenta para dúvidas e conselhos” (P11). 3.3.3 Ter estudado em escola pública “Por ter sempre estudado em escola pública, e conhecer as dificuldades cada vez maiores sentia a necessidade de ajudar de alguma forma. O projeto do grupo Pró-Estudar sempre focou nos estudos como um agente de transformação social e pessoal” (P9). 3.3.4 Ajudar e se desenvolver como professor “Além disso, dar aula, ajudou muito no meu desenvolvimento de liderança e falar em público” (P9); “Além de, é claro, ajudar outras pessoas nesse momento bastante difícil, que é a escolha da faculdade, e posteriormente a profissão, desenvolver o meu conhecimento, habilidade de lidar com as pessoas, com as diferenças, e ter uma bagagem na área educacional. Para num futuro pensar em algo na área acadêmica” (P10). Aqui se pode observar que a defazagem dos alunos existente pela diferença entre o ensino público e particular é um dos principais fatores que levaram os docentes à aderirem ao projeto. Os voluntários ressaltaram, também, a importância de diminuir essa disparidade de conteúdos e possibilitar melhores condições para o momento do vestibular. Nos discursos, o trabalho voluntário visa proporcionar aos alunos o alcance de suas metas e, portanto, o ingresso no ensino superior. Para Bourdieu (2002, p. 53): Se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda sociedade onde se proclamam ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios. De acordo com essa perspectiva, mediante as injustiças estabelecidas no sistema educacional, compreende-se que um dos fatores relevantes para aderir aos projetos sociais é o voluntário ter vivenciado uma situação similar aos beneficiados pela iniciativa, ou seja, conhecer as dificuldades se torna incentivo para ajudar àqueles que precisam. Zago (2009) ressalta que: O dado mais recorrente é o de uma motivação inicial geralmente associada com uma identificação entre sua própria trajetória social e escolar e aquela dos seus alunos (baixo capital econômico e cultural familiar, egressos de escolas públicas, escolaridade associada ao 9 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs trabalho, conforme características já destacadas), e uma mobilização imbuída de uma espécie de missão – voltada para a redução das desigualdades sociais que a maior parte sofreu os efeitos. (ZAGO, 2009, p. 25) Outro aspecto de ser docente voluntário, caracterizado como um fator positivo pelos participantes, reside no fato de se aperfeiçoar as habilidades como professor. Portanto, muitos são os motivos para que universitários ou profissionais que se graduaram em universidades públicas (ou privadas) participem de um cursinho prévestibular comunitário. Conseguir o ingresso em uma universidade pública, para muitos alunos que terminaram o ensino médio em escolas públicas não é regra; por isso, na compreensão dos participantes, o curso pré-vestibular é uma oportunidade para diminuir as desigualdades existentes no âmbito educacional e possibilitar transformação. Apesar de o sistema educacional tender a reproduzir as relações de dominação, aderir ao projeto e propiciar aos alunos o conteúdo pré-vestibuar, assim como dedicar tempo à preparação das aulas, remete a esperanças objetivas que os docentes têm para auxiliarem seus alunos no ingresso à universidade. Nesse sentido, Bourdieu diz que (2009): [...] Mas esse espaço é construído de tal maneira que, quanto mais próximos estiverem os grupos ou instituições ali situados, mais propriedades em comum eles terão. As distâncias espaciais – no papel – coincidem com as distâncias sociais. Isso não acontece no espaço real. Embora se observe praticamente em todos os lugares uma tendência para a segregação do espaço, as pessoas próximas no espaço social tendem a se encontrar próximas – por opção ou por força – no espaço geográfico; as pessoas muito afastadas no espaço social podem se encontrar, entrar em interação, ao menos por um breve tempo e por intermitência, no espaço físico. (BOURDIEU, 2009, p. 153) Têm-se, então, voluntários dispostos a compartilhar momentos de interação com os alunos, alunos que, por sua vez, almejam adquirir certificado escolar. 3.4 Avaliação da experiência como docente Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2000, p. 716), voluntário significa: “adj. 1. Que age espontaneamente. 2. Derivado da vontade própria; espontâneo. sm. 3. O que se alista espontaneamente nas forças armadas”. Refletindo-se sobre o conceito de voluntário (indivíduo que se dedica a fazer ou exercer algo, espontaneamente), se observa que esses docentes se sentem realizados com o trabalho desempenhado no 10 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs cursinho e que essa experiência os auxilia no crescimento profissional e na prática da docência. Além disso, faz parte do habitus2 dos participantes manter uma relação próxima com a escola por intermédio do cursinho, e transmitir o conhecimento por meio das disciplinas ministradas. 3.4.1 Gratificação pessoal “Minha experiência tem sido ótima, muito gratificante e construtiva estou aprendendo muito e me sentindo muito realizada em poder ajudar” (P1); “O projeto começou com muitas dificuldades e limitações, porém ao passar o tempo conseguimos nos adequar às mesmas, sempre em busca de melhores resultados. Acredito que conseguimos não 100%, mas em uma boa parte cumprimos nossa meta que é somar na vida dos alunos” (P3); “Satisfatório; vem se tornando mais organizado e nota-se grande comprometimento por parte dos voluntários e dos alunos” (P6); “Avalio como positiva, visto que os nossos objetivos estão sendo cumpridos, e é gratificante ver seus ex-alunos hoje universitários e que de fato pudemos contribuir para que os sonhos deles se realizassem” (P9). 3.4.2 Experiência e desenvolvimento pedagógico “Tem sido uma experiência realizadora, até pelo fato de estar conseguindo superar a timidez e a insegurança. Sinto-me bem de ajudar os alunos, de estar contribuindo para o futuro deles” (P2); “Percebi que ao longo do andamento desse projeto, cresci como ser humano e profissional. Desenvolvendo aspecto pedagógico e de comunicação. Outro ponto é que pelo bem que o cursinho está fazendo, pelas quantidades de aprovações, que o objetivo está sendo cumprido” (P4); “Participar do projeto só me trouxe boas experiências. Ministrar aulas, conhecer pessoas, ensinar, e colaborar para que o sonho de um jovem se concretize é muito gratificante e enriquecedor” (P5); “Tem gerado maior motivação inclusive para os estudos da graduação; tem sido muito prazeroso ensinar e apadrinhar os alunos; foi motivador trabalhar com um grupo de voluntários igualmente interessados e dedicados” (P7). 2 Segundo Bourdieu (1983) habitus consiste no processo de socialização do indivíduo em relação ao meio que ele está inserido. As primeiras relações acontecem dentro da família e depois nas diferentes agências de socialização, por exemplo, a universidade. 11 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs “Positiva; para mim o projeto agrega muito valor, na medida em que damos um pouco da nossa experiência, estamos desenvolvendo os alunos, e nós como pessoa, profissionais” (P10); “Desde o inicio o projeto vem se mostrando positivo, principalmente pra mim como professor, afinal de contas a possibilidade de melhorar minha didática [...] Além de acreditar na soma de valores com os alunos, à medida que nos encontramos aos sábados, os vínculos crescem e nos estimulamos para os desafios do ano” (P11). 3.4.3 Melhorar didática “Positiva, porém, há mitos fatores que devo melhorar em minha didática para transmitir o conhecimento de maneira mais eficiente” (P8). Considerações finais Compreende-se que os cursinhos pré-vestibulares comunitários são iniciativas relevantes na busca pelo aumento das aprovações, nas universidades, de alunos oriundos do ensino público. Neste estudo, procurou-se evidenciar a importância do professor voluntário por meio da sua formação acadêmica, de sua experiência profissional, de sua participação e avaliação da experiência como docente voluntário. Nas concepções dos professores, o trabalho voluntário se mostra gratificante, proporcionando o aprendizado do conteúdo pré-vestibular através de aulas expositivas, grupos, slides, entre outros. Ademais, o aprendizado pessoal é caracterizado pelo aperfeiçoamento da didática em sala de aula, ponto considerado essencial para os voluntários. Por fim, pode-se concluir que o cursinho, por meio da participação dos docentes voluntários, possibilita um espaço de aprendizado, troca de experiências e informações acerca do ensino superior para estudantes ao longo de todo o ano letivo, além de visar desenvolver capacidades dos próprios voluntários. Referências bibliográficas BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013. ____________. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007. ____________. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2009. 12 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 19, agosto de 2015. www.faceq.edu.br/regs ____________. Os três estados do capital cultural. IN: NOGUEIRA, M. A; CATANI, A. (Orgs.). Escritos de Educação (Pierre Bourdieu). Petrópolis: Vozes, 2002. ____________. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. CORDEIRO, J. A relação pedagógica: a didática em ação. In:________. Didática. 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