A CONCRETIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA PELA
SUA ATIVIDADE-FIM
Frederico Ribeiro de Freitas Mendes
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Função Social da Empresa segundo a Ótica
Empresarial. 3 O Novo Paradigma da Função Social da Empresa. 4
Conclusão. 5 Referências.
1 Introdução
Com o recrudescimento na Baixa Idade Média, os empresários foram
se articulando e formando corporações de ofício, de modo que foram
unificando o tratamento normativo referente à empresa, uma vez que existia
uma grande fragmentação política na Europa que impedia a atuação das
empresas.
Desse modo, as corporações de ofício induziram a formação dos
Estados unitários, o que facilitaria a atuação das empresas e o tratamento
normativo de todas as atividades comerciais.
Essa lógica continua a funcionar até os tempos hodiernos, que
trabalham com a ideia de uma união de Estados para fortalecê-los
economicamente, como demonstra a atuação da União Europeia e o
Mercosul, estreitando, dessa forma, os laços entre as empresas, sociedade e
Estado.
Frente ao exposto, o presente trabalho consiste em discutir o novo
paradigma da função social da empresa tendo como fonte primária a
1
Constituição Republicana de 1988, levando-se em consideração duas
correntes que partem de pressupostos distintos.
De um lado, uma corrente, que leva em consideração apenas aspectos
do Direito Empresarial, entende que a função social da empresa tem um
campo de atuação mais restrito, de modo que o aspecto social da empresa é
tratado de forma técnica, com enfoque nos conceitos do Direito de Empresa.
De outro lado, uma corrente defende que a empresa tem um papel
fundamental no desenvolvimento da sociedade e do Estado, influenciando
diretamente na manutenção daquela.
Todavia, mesmo com
a necessidade
do
Direito
Empresarial de
regulamentar grande parte das relações privadas, principalmente no que
tange ao Direito de Empresa, deve-se ampliar o conceito e a compreensão da
função social da empresa, englobando aspectos externos ao direito, como,
por exemplo, os aspectos sociais e de desenvolvimento de uma sociedade,
conforme será demonstrado.
2 Função Social da Empresa segundo a Ótica Empresarial
Empresa, grosso modo, é a atividade exercida pelo empresário. Para
ser considerado empresário, ou seja, exercer a atividade empresária, exigese os seguintes requisitos segundo a melhor doutrina: organização dos
trabalhos, produção ou circulação de bens ou serviços, o profissionalismo e a
atividade econômica.
Nesse sentido, explica a clássica doutrina de Fran Martins:
"Entende-se por comerciante a pessoa natural ou jurídica, que,
profissionalmente, exercita atos de intermediação ou prestação de serviços
2
com intuito de lucro. Os atos praticados pelos comerciantes, no exercício de
sua profissão, são denominados atos de comércio (...).
Com a evolução da importância das empresa no exercício das
atividades comerciais, os comerciantes são considerados empresários, isto é,
os chefes das empresas (Código Civil italiano de 1942, art. 2.086). Tendo-se
em conta que é considerado empresário ‘quem exerce profissionalmente a
atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou
serviços’ (Código Civil - art. 966), vê-se que o campo de atuação do
comerciante foi ampliado com o conceito de empresário, pois se no Direito
tradicional o comerciante era um simples intermediário, no novo Direito as
atividades de empresa podem ser de produção." 1
A organização dos trabalhos, em posição majoritária de Arnoldo
Wald, é caracterizada pela organização dos fatores de produção pelo
empresário, que são divididos em três categorias: o capital (aspecto
econômico), o trabalho e a atividade.
A
produção de
circulação de bens ou serviços deve
ser
direcionada ao mercado, ainda que o mercado seja constituído por um único
tomador. Por sua vez, o profissionalismo é a qualidade em que o empresário,
pessoa natural ou jurídica que exerce com habitualidade, em nome próprio,
uma atividade, extraindo dela as condições necessárias para se estabelecer
e se desenvolver.
A atividade econômica engloba o animus lucrandi, ou seja, a
intenção de lucro. Verifica-se que o lucro nem sempre é obrigatório para
caracterizar a atividade empresária, motivo pelo qual existem institutos como
a Falência e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/05). Por sua vez, a
1
MARTINS, Fran. Curso de direito empresarial. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 83.
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intenção de lucro é obrigatória, uma vez que é inerente à atividade
empresária.
A sociedade empresária tem por objeto o exercício de atividade própria
do
empresário,
de
modo
que
seus
diversos
tipos
societários
são
caracterizados de acordo com a análise de dois aspectos: o modo como se
dá o fracionamento do capital social e a forma pela qual se dá a
responsabilidade dos sócios.
Partindo do raciocínio que uma das características inerentes da
atividade empresária é a intenção de lucro, sob a ótica de uma perspectiva
mais estrita, constata-se que a função social de uma empresa é tão somente
gerar lucros para seus sócios e redistribuí-los a quem de direito, tendo em
vista o modo pelo qual o capital social da sociedade é fracionado.
Ressalta-se que é uma visão um tanto quanto estrita, uma vez que
somente
são
levados
em
consideração
conceitos
e
pressupostos
relacionados à atividade empresária, visando o seu pleno desenvolvimento,
não considerando outros aspectos se não as características próprias da
autonomia privada e do Direito Empresarial, não havendo, portanto, relação
de interdependência direta com fatores externos à atividade empresária.
3 O Novo Paradigma da Função Social da Empresa
A sociedade moderna possui características das mais diversificadas,
sendo que, dentre essas, verifica-se a complexidade dos relacionamentos
existentes. Entre as diferentes relações podem ser citadas as Estadoadministrado, Estado-Estado, administrado-administrado, etc.
4
O novo paradigma da função social da propriedade está contido no
Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, previsto no art. 170, II, III e IV,
da Constituição da República de 1988, que assim dispõe:
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre-concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei." (grifei)
Com o advento da CR/88, surge uma nova interpretação da função
social da propriedade que repercutiu no novo paradigma da função social da
empresa dentro da sociedade. Com esse novo entendimento, o Estado deve
buscar dentro da livre-iniciativa e da função social da propriedade a
valorização do trabalho humano. Como consequências, surgem reflexos
dentro de outros microssistemas brasileiros, citando-se, por exemplo, a
função social do contrato no direito civil e a proteção ao consumidor.
5
Quanto maior o nível de desenvolvimento de sua sociedade, maior a
interdependência dos diversos setores atuantes, criando laços mais estreitos
em relação às atividades desempenhadas por cada setor.
Partindo desse pressuposto e interpretando o art. 170, II, III e IV, da
CR/88,
através
de
uma
perspectiva
ampliada,
considera-se
que
os
mencionados dispositivos e seus incisos tratam não apenas da perspectiva
do Direito de Empresa, mas de todo o complexo de relações entrelaçadas
que envolvem a empresa, conjugando os interesses dos empreendedores,
dos empregados, fornecedores, sócios, credores, Estado, consumidores, etc.
Nesse sentido, explica a Ministra do Superior Tribunal de Justiça,
Fátima Nancy Andrighi:
"Assim, a organização empresarial deixa de ser vista como mera criatura,
feita a imagem e semelhança do empresário, para ser encarada como um
complexo múltiplo de interesses. A atividade empresarial não pode se desviar
de sua função social, ou seja, não deve ser exercida pelo empresário em seu
exclusivo interesse. Por isso sancionam-se atos lesivos ao interesse de
credores, consumidores e da sociedade. Ora, na medida em que pode
favorecer a pluralidade de agentes que com ela se relacionam, a organização
empresarial torna-se um bem em si mesma, devendo ser conservada." 2
A interdependência entre Estado, empresa e sociedade é cada vez
mais intensa. A título de exemplo, cita-se a atual crise financeira mundial,
que teve como origem a crise financeira imobiliária nos Estados Unidos, onde
devido aos juros baixos houve uma grande venda e especulação desenfreada
de imóveis. Ocorre que, quando os juros foram elevados no ano de 2008 pelo
FED (Banco Central Americano), os compradores de imóveis e as empresas
2
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Da falência. In: LIMA, Osmar Brina Corrêa; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa
(Coord.). Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas: Lei 11.101, de 09 de fevereiro
de 2005. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 491.
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do setor imobiliário não conseguiram cumprir seus compromissos contratuais,
gerando uma grande crise em cascata, que posteriormente se alastrou para o
mundo.
Não se pode tratar a empresa como uma mera coadjuvante dentro do
desenvolvimento pleno de uma sociedade. Através dela, a economia se
desenvolve, e, consequentemente, empregos são criados, tributos são
devidos ao Estado, que direcionará o valor arrecadado, para a prestação de
serviços e utilidades públicas, melhora-se a qualidade de vida e o poder
aquisitivo da classe baixa e média, fortalece-se a economia e cria-se maior
segurança
para
investimentos
no
país,
estabelecendo,
dessa
forma,
desenvolvimento amplo, não se restringindo apenas ao setor empresarial.
4 Conclusão
Com a evolução da sociedade e do Direito como Ciência, a discussão
travada em relação à divisão dos ramos do Direto Público e do Direto Privado
torna-se cada vez mais intensa. Apesar da atividade empresarial e dos
estudos
da
sociedade
predominantemente
do
empresária
Direito
Privado
serem
objetos
e,
especial,
em
de
do
estudo
Direito
Empresarial, tal distinção, na prática, encontra-se em uma linha tênue, haja
vista, conforme foi demonstrado, que atos relacionados ao Direito Privado
podem ter reflexos diretos na esfera do Direto Público.
Não restam dúvidas que, com o novo paradigma construído pela CR/88,
a função social da empresa não está adstrita apenas em gerar lucros e
reparti-los a quem de direito.
A função social da empresa foi ampliada, alcançando outros sujeitos
nas suas relações, adquirindo papel fundamental na manutenção e no
desenvolvimento regular do Estado e da Sociedade. Com o desenvolvimento
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do ramo empresarial, torna-se evidente que existem, proporcionalmente,
avanços na área social, como a criação de empregos e fomento de obras
públicas com recursos provenientes de tributos arrecadados pelo Estado,
demonstrando, dessa forma, que o desenvolvimento da atividade empresária
está diretamente relacionado com o desenvolvimento da sociedade e do
Estado.
5 Referências
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Da falência. In: LIMA, Osmar Brina Corrêa; LIMA,
Sérgio Mourão Corrêa (Coord.). Comentários à nova lei de falência e
recuperação de empresas: Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 1. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2009.
BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. 5. ed. rev. e
atual. São Paulo: RT, 2009.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 22.
ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MARTINS, Fran. Curso de direito empresarial. 29. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar: falência. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1995.
VALVERDE, Trajano de Miranda; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS, Paulo
Penalva. Comentários à lei de falências. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 1999.
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