FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: o Programa de Qualificação Docente – PQD no Maranhão Antonia Márcia Sousa Torres 1 Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a importância da continuidade da formação do professor como política de educação. Para tal, analisa o Programa de Qualificação Docente – PQD, no Estado do Maranhão, programa este que foi implementado em 1993. O PQD tinha por objetivo estabelecer uma política de desenvolvimento de recursos humanos, voltada para os docentes do Sistema Educacional do Maranhão, a partir da criação de Cursos de Licenciatura Plena, a fim de graduar os professores do sistema de ensino oficial. A análise posta aponta para a necessidade de repensar o papel da universidade junto às políticas de formação de professores para o Estado, diante do grave quadro das demandas sociais contemporâneas. Palavras-chave: Universidade, políticas públicas, formação de professores. Abstract: This text discusses the matter of the maintenance of teacher’s formation as a policy of public education. For so, it analyses the Programa de Qualificação Docente – PQD, at the Estate of Maranhão, project implemented in 1993. PQD aimed the establishment of a development policy of human resources, turned to Sistema Educacional do Maranhão teachers, by the creation of the Cursos de Licenciatura Plena, so as to graduate official education system teachers. This text’s analysis shows the necessity of university’s role reevaluation together to teacher formation policies to The Estate, in respect to the tremendous social necessities nowadays. Keywords: University, public policies, teacher’s formation. 1 Graduada. Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected] “Antes de ensinar há uma formalidadezinha a cumprir – saber.” (Eça de Queirós) 1 INTRODUÇÃO A continuidade da formação profissional do professor é fator fundamental, embora não o único, na qualidade de seu trabalho. Sem dúvidas, um profissional bem formado tem maior possibilidade de desenvolver seu trabalho com qualidade. Entretanto, essa qualidade está determinada, também, por inúmeros outros fatores que não podem ser olvidados, tais como as condições materiais concretas de trabalho desse profissional. Esquecer isso acarretaria uma responsabilização do professor por todos os problemas encontrados na educação, desresponsabilizando o poder público. É em seu cotidiano que o professor irá perceber a necessidade de continuidade de sua formação. Teoria e prática andam juntas nesse processo. O professor deverá estudar; preparar-se para melhorar o seu trabalho. A indicação de continuidade de sua formação não deverá ser de fora, de outrem, de seus gestores, porém dele mesmo. Assim como não deverá ser periódica sua formação, mas ter uma continuidade, ser permanente. Acreditamos que questões como a formação de professores não pode ser tratada isoladamente, mas ligada a todas as questões relacionadas diretamente ao contexto educacional, inseridas numa realidade social, histórica, política e também econômica, assim como as idéias de neoliberalismo e globalização que afetam todas as relações que envolvem esse processo. 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO Para pensarmos o sistema educacional brasileiro à luz das políticas de formação de professores é necessário discutirmos as políticas públicas sobre a educação em nosso país, assim como sobre o cenário com que são desenvolvidas as mudanças nesse contexto. Um cenário norteado pela ideologia neoliberal à luz da globalização, duas noções que precisam também ser discutidas. Nesse sentido faz-se necessário a compreensão das funções e do papel do Estado frente a essas políticas, não apenas por ser um debate já clássico, nas mais diversas áreas de conhecimento, mas para justificar o seu percurso histórico e político. Veremos o que nos diz Shiroma a esse respeito: O Estado, impossibilitado de superar contradições que são constitutivas da sociedade – e dele próprio, portanto -, administra-as, suprimindo-as no plano formal, mantendo-as sob controle do plano real, como um poder que, procedendo da sociedade, coloca-se acima dela, estranhando-se cada vez mais em relação a ela. As políticas públicas emanadas do Estado anunciam-se nessa correlação de forças, e nesse confronto abrem-se as possibilidades para implementar sua face social, em um equilíbrio instável de compromissos, empenhos e responsabilidades (Shiroma, 2004, p. 8). Apesar do termo “políticas públicas” referir-se a todas as políticas implementadas pelo Estado, que englobam as políticas econômicas (cambiais, fiscais, monetárias) e políticas sociais (saúde, educação, transporte, assistência social, etc.), utilizaremos em nosso texto o termo políticas públicas por ser usado com freqüência pelos pesquisadores, referindo-se a políticas sociais já que trataremos de um tipo de política social que é a educação. As políticas educacionais empreendidas no Brasil têm sofrido, ao longo dos anos, bruscas e contraditórias modificações, de acordo com a ordem social e política. Limitar-nosemos aqui em citar apenas alguns dos aspectos que nos pareçam esclarecer a compreensão das reformas educacionais em alguns períodos. No caso do Brasil, o processo expansionista de industrialização, quase totalmente assente no endividamento externo, entre 1968 e 1979, conduziu, sobretudo depois de 1975, a uma profunda crise financeira cujos efeitos se tornaram particularmente graves a partir de 1981-1983 e que se prolonga até hoje. A crise financeira do Estado repercutiu de forma brutal na universidade pública, tanto mais que simultaneamente aumentou a demanda social pela expansão da educação básica (Santos, 2005, p.13). Na linha de continuidade das reformas, os anos de 1990 foram marcados pelas políticas neoliberais que desenvolveram uma verdadeira cruzada privatista. Os governos neoliberais adotaram políticas socialmente perversas que desmontaram o sistema público estatal brasileiro. No campo da educação, as políticas implementadas conduziram as universidades a um processo crescente de privatização, iniciada no governo Collor e continuada nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, sem falar da expansão desenfreada da rede privada de ensino superior, induzida pelo próprio Estado. A perda de prioridade na universidade pública nas políticas públicas do Estado foi, antes de mais, o resultado da perda geral de prioridade das políticas sociais (educação, saúde, previdência) induzida pelo modelo de desenvolvimento econômico conhecido por neoliberalismo ou globalização neoliberal que, a partir da década de 1980, se impôs internacionalmente. Na universidade pública ele significou que as debilidades – e não eram poucas -, em vez de servirem de justificação a um vasto programa político-pedagógico de reforma da universidade pública, foram declaradas insuperáveis e utilizadas para justificar a abertura generalizada do bem público universitário à exploração comercial (Santos, 2005.p.16). O Maranhão, como parte desta totalidade, insere-se no contexto do capitalismo neoliberal seguindo estritamente o receituário da política desenvolvida no âmbito federal. Em meados da década de 1990, ocorreu a reforma administrativa do governo Roseana Sarney que adotou amplamente as políticas neoliberais a partir das quais implementou o corte nos gastos públicos, iniciando o seu programa de privatização considerado o lado racional do seu governo porque aparentava alocar eficazmente recursos públicos e humanos e agilizar a máquina estatal. 3 O PROGRAMA DE QUALIFICAÇÃO DOCENTE – PQD COMO FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES A formação de professores tem sido uma constante preocupação para os estudiosos que se dedicam a pesquisas sobre a educação. Nesse processo, os educadores têm se deparado com o desafio permanente de atualizar as suas formas de intervenção, seja na formação inicial como na formação continuada, bem como em sua prática educativa. Tendo como uma das mais recorrentes formas de intervenção, o estudo sobre os saberes necessários para essa formação, os cursos de formação, as políticas e o trabalho docente. Os saberes docentes não se limita apenas aos conteúdos específicos que professores transmitem em suas salas de aulas, mas relaciona-se a todos os saberes que abrangem a sua formação, tanto inicial quanto continuada. Alguns autores comungam da idéia de que os saberes docentes provém de fontes diversas, Tardif apud Tardif, Lessard & Lahaye (1991): os professores, em suas atividades profissionais se apóiam em diversas formas de saberes: o saber curricular, proveniente dos programas e dos manuais escolares; o saber disciplinar, que constitui o conteúdo das matérias ensinadas na escola; o saber da formação profissional, adquirido por ocasião da formação inicial ou contínua; o saber experiencial, oriundo da prática da profissão, e, enfim, o saber cultural herdado de sua trajetória de vida e de sua pertença a uma cultura particular, que eles partilham em maior ou menor grau com os alunos”. (Tardif, 2007, p. 297). A formação de professores deve iniciar-se com a valorização do magistério, prática que somente se efetiva por meio de políticas públicas voltadas para sua formação inicial e formação continuada, que ajudem a produzir a qualidade do ensino em nosso país, tão martirizado ao longo da historia em seu sistema educacional. A ausência de políticas eficientes e eficazes, voltadas para a realidade de cada contexto e, somadas às mudanças bruscas, por vezes, contraditórias no âmbito pedagógico e político, e às insuficientes condições de trabalho do professor (baixos salários; difícil acesso às instituições superiores para sua formação; sobrecarga de trabalho; desgaste dos professores-intinerantes; ausência de livros; ausência e/ou precária formação continuada; contradição entre a teoria e a prática pedagógica, além das dificuldades de lhe dar com os difíceis comportamentos dos alunos em sala de aula; precárias condições materiais de funcionamento; dificuldades com as atividades de ensino e aprendizagem; falta de acompanhamento dos pais; precário ambiente de trabalho e infra-estrutura; falta de engajamento político da classe, etc.), como nos mostra VIEIRA (2002), fazem com que o entusiasmo com que os professores saem dos cursos de formação das universidades e faculdades de educação, e com que iniciam suas carreiras, seja diluído ao longo dela. Sabemos que a formação do professor, assim como a formação de qualquer profissional, inicia-se antes mesmo de sua inserção no ensino superior. A psicologia sóciocultural concebe o processo de aprendizagem humana desde o nascimento do indivíduo. Para esta concepção, nascemos indivíduos e nos tornamos pessoas (personalidades). E ainda, que é a partir da nossa interação dialética com o meio social, que apreendemos os conteúdos dos grupos sociais aos quais fazemos parte, desde o nascimento, para formarmos gradativa e, ativamente nossas concepções de mundo, para sermos o que somos a todo tempo e, principalmente, nos orientar no mundo em que vivemos. Nilda Alves (2001) discute a formação de professores a partir da idéia de tessitura do conhecimento, ou seja, de que a formação de professores se dá na articulação de quatro esferas: a formação acadêmica; a da ação governamental; a da prática pedagógica; e por fim a da prática política. Afirma ainda que a crise que vivemos hoje está, sem dúvida, ligada ao tecido de relações entre essas esferas, nas duas ultimas décadas e que é necessário reforçar a idéia de que nossa prática se dá em diferentes contextos. Para reforçar essa idéia, lembramos que a maior preocupação de Tardif, é exatamente mostrar, como o conhecimento do trabalho dos professores e o fato de levar em consideração os seus saberes cotidianos permitem renovar sua concepção não só a respeito da formação dos professores, mas também de suas identidades, contribuições e papéis profissionais. Sem uma adequada formação inicial e continuada, o professor não estará preparado para enfrentar, por exemplo, a tão falada e não praticada, inclusão escolar. Se esse aluno, futuro professor, não vivenciar a prática pedagógica no contexto escolar, desde o início de seu curso, com supervisão e avaliação permanentes e de qualidade, não podemos pensar que estamos resolvendo o problema da educação em nosso país. Falar de formação de professores é falar inicialmente da necessidade e importância do investimento pessoal, político, científico e social do profissional de educação em nossa sociedade através dos cursos de formação inicial e continuada e das políticas que norteiam esse universo. O professor e sua prática docente dependem de sua formação profissional e pessoal, assim como de contextos e saberes que inter-relacionam permanentemente entre si. Para que o professor obtenha sucesso em sua prática profissional, é necessária uma formação que esteja relacionada com a sua realidade contextual, assim como uma formação que contenha os saberes necessários para a sua realidade e de seus alunos. E mais, que esse professor esteja consciente da sua função social de forma crítica e reflexiva para o desenvolvimento de uma educação democrática para a formação da cidadania. O Programa de Qualificação Docente, intitulado PQD, é a terceira versão de um programa que foi implementado no Maranhão no início da década de 1990 com o objetivo de formar professores em nível superior, devido ao elevado índice de analfabetismo e professores “leigos” (sem formação de nível superior), a partir de cinco cursos de Licenciatura Plena, começando pela capital, São Luis, e se estendendo ao longo dos anos por todo o Estado através da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA em parceria com o governo do Estado. Sua primeira versão, denominado PROCAD – Programa de Capacitação de Docentes do Sistema (Oficial) Educacional do Estado do Maranhão, teve início no ano de 1993 e término no ano de 1999. Já a segunda versão surgiu para dar continuidade à primeira, visto que a situação da educação pública no Maranhão continuava preocupante, tendo se estendido por mais pólossedes atingindo mais municípios, denominado PROCAD Versão II, também com tempo previsto para seu término, até 2003. Da mesma forma que a segunda, a terceira versão do programa, com objetivos ampliados e atualizados após avaliação das versões anteriores, surge então o PQD – Programa de Qualificação de Docentes, com término previsto para o ano de 2007, atingindo desta vez, quase que a totalidade dos municípios do Estado (cerca de 120 em um total de 217). O referido Programa surgiu com os objetivos de: “estabelecer e implementar uma política de desenvolvimento de recursos humanos voltada para os docentes do Sistema Educacional do Maranhão que considerasse, de forma sistêmica, as necessidades de treinamento e capacitação de pessoal, nas áreas de conteúdos específicos do ensino básico; implementar Cursos de Licenciatura Plena nos Campi da UEMA, em regime regular e parcelado/intensivo; graduar os professores do sistema de ensino oficial através dos Cursos de Licenciatura Plena; graduar os professores da rede pública para ministrarem as disciplinas profissionalizantes do ensino médio através da oferta de Curso Emergencial de Licenciatura Plena para Graduação de Professores da parte Especial do Currículo de Ensino do 2º Grau – Esquema I; reciclar os professores do ensino de 1º Grau da rede estadual e municipal em conteúdos e metodologias da 1ª a 8ª série, com ênfase nas séries iniciais; capacitar pessoal docente na rede oficial de ensino na área de alfabetização, na perspectiva da pré-escola e do atendimento aos jovens e adultos; treinar os professores leigos da zona rural da rede municipal, considerando os conteúdos básicos específicos e respectivas metodologias, em função das peculiaridades de cada contexto; oferecer cursos e treinamentos aos professores dos cursos de Formação para o Magistério da rede pública, buscando a revitalização da sua prática profissional; realizar levantamento de dados do Ensino Oficial, com vistas a definir, anualmente, as necessidades e interesses do pessoal docente para o estabelecimento da programação e estabelecer mecanismos de avaliação das ações desenvolvidas, bem como do desempenho dos docentes em treinamento. Não havia cursos de licenciaturas nos Campus da Universidade Estadual do Maranhão até o ano de 1993 quando da implementação desse programa. Foram criados cinco cursos em regime regular e parcelado. Os cursos chamados regulares acontecem nos dois semestres do ano com intervalos de férias no início e no meio de cada ano letivo. Nos períodos de férias, respectivamente nos meses de janeiro e fevereiro e em julho, foram implementados os cursos em regime “parcelado” e intensivo, para corresponder aos dois semestres como nos cursos de regime regular. Nesse caso a carga horária de cada curso foi então dividida nos meses de janeiro e fevereiro correspondendo ao primeiro semestre e em julho correspondendo ao segundo semestre de cada ano, até completar a carga horária exigida nos cursos de licenciatura plena. 4 CONCLUSÃO O trabalho docente dá-se no cotidiano escolar, na prática profissional do professor, nas suas relações com a escola, com os alunos, com os pais dos alunos, com outros professores, consigo mesmo, com a sua realidade social, política e histórica. Portanto o trabalho do professor é um processo sistemático, contínuo e permanente. Ele necessita da continuidade de sua formação. Inicialmente pelas transformações sociais gerais e educativas e em seguida pelas alterações das funções pedagógicas, além de atender às especificidades de cada contexto profissional. A atualização do processo educativo se faz necessária durante toda a formação do professor, pois se inicia antes mesmo de um curso específico de formação e se prossegue durante toda a sua vida profissional. A melhor formação continuada é aquela na qual o professorado participe ativamente dela, desde seu inicial planejamento. Deve ser o professor o profissional quem, inicialmente, deseja a continuidade de sua formação. É ele quem detecta suas necessidades de aprimoramento, assim como a melhor forma e quais conhecimentos deverão ser trabalhados ao longo desse processo. Junto a ele outros atores fazem parte do processo de planejamento para justificar a continuidade de formação: as instituições escolares; as políticas de desenvolvimento curriculares e as possibilidades e limites interpretados e mediatizados pela preparação cultural e profissional dos docentes. Apenas as informações absorvidas durante os cursos de formação, não são suficientes para uma adequada atuação docente. É somente com a prática que o professor irá se aperfeiçoando e desenvolvendo-se enquanto profissional, como também é a sua prática que vai determinar a necessidade de permanente formação/aperfeiçoamento. Somente em contato com os alunos, com os currículos, com outros profissionais, com metodologias, planejamentos e tudo o mais que compõe o trabalho do professor é que são percebidas as necessidades de mudanças no processo educativo da escola. 5 BIBLIOGRAFIA LINHARES, Célia; SILVA, Waldeck Carneiro da. Formação de Professores: travessia crítica de um labirinto legal.Brasília: Editora Plano, 2003. LINHARES, Célia; GARCIA, Regina (Org.). Simpósio Internacional: Crise da Razão e da Política na Formação Docente. Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói-RJ: Editora Ágora da Vida, 2001. SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2005. SHIROMA, Eneida; MORAES, Maria Célia de; EVANGELISTA, Olinda. Política Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. TARDIF, M.; LESSARD, C. O Trabalho Docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. VIEIRA, Sofia. Ser Professor: pistas de investigação. Brasília: Plano Editora, 2002 (Série Educação em Movimento).