Francini Feversani IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Direito – Mestrado. Área de concentração em demandas sociais e políticas publicas, Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Dr. Hugo Thamir Rodrigues Santa Cruz do Sul, março de 2007 2 Francini Feversani IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Dr. Hugo Thamir Rodrigues Professor Orientador nome Dr. nome Dr. 3 Dedicatória De todos os papéis que desempenho na vida, aquele no qual sou mais ausente é o de filha. As escolhas que fiz me impediram de estar em casa, ao fim da tarde, para tomar um chimarrão ao redor daqueles que mais amo. Entre o magistério, a especialização, o mestrado e a advocacia observei, de longe, que me abstive dos prazeres simples em família. E se hoje estou aqui é porque sempre contei com olhar atento e carinhoso de meus pais, é porque sempre recebi um tipo de amor incondicional que me formou enquanto ser humano e que me permitiu a independência. Tudo que sou devo a vocês, meu alicerce, minha família: Luiz Antônio, Rosa, Fernanda e Christian. 4 Agradecimentos Agradeço Professor Doutor Hugo Thamir Rodrigues pelo auxílio e orientação na elaboração deste trabalho, sempre observando com olhar atento as dúvidas suscitadas, fazendo sugestões que enriqueceram o estudo. Agradeço ao Dr. Pedrinho Antônio Bortoluzzi e ao Dr. Cláudio Alves Malgarin pela aposta que fizeram em mim, possibilitando a concretização dos meus anseios profissionais. O meu muito obrigada aos amigos que fiz neste período de Mestrado e àqueles amigos que se sempre estiveram presentes ou que mostram a sua força exatamente nos momentos difíceis: Carline, Felipe, Fernanda, Luiza, Marcinho, Roberta... E ao Fabricio, muito mais do que pela paciência, e pela compreensão... agradeço pelo amor, pelo incentivo, por me fazer querer ser sempre uma pessoa melhor. Se nem sempre consigo, sou teimosa o suficiente para continuar tentando. Aprendi, nestes anos que estamos juntos, que nem sempre aquilo que se apresenta como certo é a verdade, pois o que realmente importa acaba ficando em um cantinho do coração, nem sempre explorado, nem sempre conhecido. 5 SUMÁRIO RESUMO........................................................................................................... 07 INTRODUÇÃO................................................................................................... 08 1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS................................................................ 13 1.1 O Estado e o trato das políticas públicas.................................................... 14 1.2 O Estado como fomentador de políticas públicas....................................... 27 1.3 Imposição de tributos e histórico dos tributos no ordenamento jurídico brasileiro............................................................................................................. 37 2 SOCIEDADE CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL.............................................. 49 2.1 O público não-estatal na concretização dos direitos sociais....................... 49 2.2 Evolução histórica-constitucional da idéia de assistência social................. 62 2.3 Delimitação do conceito jurídico de instituição de assistência social e interpretação constitucional das imunidades tributárias..................................... 72 3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL............................................................................................................... 83 3.1 Natureza jurídica das imunidades tributárias............................................... 83 3.2 Imunidades tributárias condicionadas e regulamentação Infraconstitucional............................................................................................... 93 CONCLUSÃO..................................................................................................... 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 117 6 RESUMO O presente trabalho centra-se na compreensão dos requisitos constitucionais e infraconstitucionais apresentados para o gozo da imunidade tributária pelas instituições de assistência social, objetivando-se analisar a concretização dos artigos 150, VI, “c” e 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, em especial tendo em vista a implementação de políticas públicas de inclusão social. O que se busca, desse modo, é compreender a atuação do Estado enquanto fomentador de políticas públicas e a importância assumida pela imunidade tributária neste contexto. Para o desenvolvimento do trabalho, foi utilizado como método de abordagem o dedutivo, e, como método de procedimento foi utilizado o monográfico, utilizando-se conceitos doutrinários, legais e provindos da jurisprudência. A justificativa do tema proposto centra-se na própria atuação do terceiro setor e nas políticas públicas por ele implementadas, com o fomento do Estado, estando o problema direcionado ao alcance, através da concretização, da imunidade tributária das instituições de assistência social com vistas à identificação de tal instituto como mecanismo de consecução de uma política pública de inclusão social. Assim, uma vez tendo-se no presente trabalho um problema que envolve a análise de questões interdisciplinares, são utilizados diferentes referenciais teóricos quanto ao tema a ser explorado, sendo que quanto à atuação do Estado fomentador, parte-se da doutrina de Bernardo Kliksberg (1998). Para a compreensão do dever fundamental de pagar tributos temse como referencial teórico José Casalta Nabais (1998) e quanto à extensão do termo ‘instituição de assistência social’, o referencial teórico é Leopoldo Braga (1969), permeando-se com a idéia de concretização da imunidade tributária, utilizando-se a doutrina de J.J. Gomes Canotilho (1998). Tem-se, desse modo, que com as crescentes deficiências encontradas no agir Estatal, o chamado terceiro setor vem atuando de uma forma cada vez mais significativa nas relações organizacionais, de modo a suplementar atividades essenciais do Estado, sendo que, em contrapartida, o Estado lhes garante um regime tributário diferenciado, de modo a se configurar um equilíbrio entre os valores despendidos na manutenção da atividade e aqueles que seriam devidos ao Estado em decorrência de seu poder indelegável de tributar. É necessário que se compreenda, portanto, o papel do Estado na efetivação de políticas públicas que promovam inclusão social, em especial tendo em vista a necessidade de o Estado encontrar soluções alternativas para a consecução dos direitos sociais. É neste ponto que se pode falar na idéia do Estado inteligente, enquanto Estado fomentador da sociedade civil, através do alcance da imunidade tributária ao terceiro setor. O Estado, nesse sentido, assume função primordial na efetivação de políticas públicas, seja implementando-as, seja viabilizando-as. Sua atividade dever ser, assim, subsidiária, reconhecendo e valorizando a atividade do terceiro setor, resguardando-se a atuação direta estatal apenas nas hipóteses que se mostrem necessárias. O grande desafio é tornar o Estado fomentador eficiente, com o manejo cauteloso da imunidade tributária. Palavras-chave: Estado. Sociedade civil. Direitos sociais. Imunidade tributária. Instituições de assistência social. 7 ABSTRACT The present work is centered in the understanding of the constitutional and legal requirements presented for the efficiency of the immunity tax for the institutions of social assistance, objectifying the analysis of the concretion of articles 150, VI, “c” and 195, § 7º, of the Federal Constitution of 1988, in special having in sight the implementation of public politics of social inclusion. What has been searched, in this manner, was the understanding of the performance of the State as a promoter of public politics and the importance assumed for the immunity tax in this context. For the development of this work, the deductive method has been used as boarding method, and, as procedure method, it has been used the monographic one, using concepts found in doctrine, in the law itself and the ones brought from the jurisprudence. The justification of the considered theme is centered in the proper performance of the third sector and in the public politics by it implemented, with the promotion of the State, being the problem directed to the reach, through the concretion of the immunity tax of the institutions of social assistance longing to the identificate such institute as mechanism of achievement of the public politics of social inclusion. Thus, once we have, in the present work, a problem that involves the analysis of questions that involves more than one discipline, it has been used different theoretical references in relation to the theme to be explored, in the part that concernes to the performance of the promoter State, it has been used the doctrine of Bernardo Kliksberg (1998). For the understanding of the basic duty to pay tributes, the theoretical reference is Jose Casalta Nabais (1998), and in the matter of the extension of the term `institution of social assistance', the theoretical reference has been found in Leopoldo Braga (1969), completing with the idea of concretion of the immunity tax, using, for that subject, the doctrine of J.J. Gomes Canotilho (1998). This way, considering the increasing deficiencies found in State acting, the called third sector has been acting each time in a more important way in relation to organizational relations, in order to supply the essential activity of the State. On the other hand, the State guarantees them a different tributary regimen, in order to configure a balance between the expended values in the maintenance of the activity and the ones that would be owed to the State in result of its exclusive power to tax. Therefore, it is vital to understand the paper of the State in the effectiveness of public politics that promote social inclusion, in special in view of the necessity of the State to find alternative solutions for the achievement of the social rights. At this point we can bring the idea of the intelligent State, as a promoter of the civil society, through the reach of the immunity tax to the third sector. The State, at this point, assumes primordial function in the effectiveness of public politics, either implemented them, either making them possible. Its activity must be, thus, subsidiary, recognizing and valuing the activity of the third sector, keeping the state direct performance only in the hypotheses that really show necessity. The great challenge is to make the promoter State efficient, with the cautious handling of the immunity tax. Word-key: State. Civil society. Social rights. Immunity tax. Institutions of social assistance. 8 INTRODUÇÃO A vida em sociedade importa na imprescindibilidade de satisfação de determinadas necessidades públicas. Com efeito, se a convivência humana em grupos faz com se tenha a edição de normas que objetivam o regramento da vida social, é também a partir da convivência em sociedade que se percebe que os homens possuem objetivos comuns, como a realização de saneamento básico, educação e segurança pública. Ocorre que nem todos os indivíduos conseguem, por si só, conviver socialmente com a garantia de sua dignidade, vivendo isso sim à margem daquilo que se considera essencial à sobrevivência humana digna. A marginalização, aqui entendida como a colocação de determinados indivíduos à margem da satisfação das necessidades vitais básicas, ocorre tendo em vista processos históricos de segregação e imposição arbitrária de poder, que fazem com que a igualdade material torne-se inviável no contexto social. É nesta circunstância de desigualdade e, por que não dizer, de indignidade, que a prestação da assistência social mostrase imprescindível para que se possa falar em igualdade formal. A realização da assistência social se dá, deste modo, com o objetivo de permitir que os indivíduos concretizem seus direitos individuais e sociais, com a prestação de serviços à população menos favorecida. Fala-se, assim, em proteção às crianças, adolescentes e idosos, assim como àqueles que necessitam de prestações positivas para garantir sua dignidade. A prestação da assistência social, nesta idéia, viabiliza que aqueles que se encontram à margem da concretização sejam incluídos na idéia, hoje constitucional, de dignidade da pessoa humana. No entanto, a forma inadequada de prestação da assistência social pode colocar os indivíduos em uma situação de dependência, inviabilizando que os mesmos consigam manter-se sem tais prestações. É por esta razão que se faz necessária a compreensão dos efetivos contornos constitucionais da assistência social, depurando sua importância no contexto de uma vida social eqüitativa. 9 O Estado, tradicional prestador da assistência social, necessita de recursos para a satisfação das necessidades sociais. O poder estatal impositivo de estabelecer tributos fundamenta-se, desse modo, na imperiosidade de recursos públicos para a satisfação dos interesses sociais. A esfera particular dos indivíduos (consubstancializada, no caso, em sua liberdade e propriedade particular) sofre a intervenção do Poder Público com a imposição de tributos, fonte principal de receitas públicas. É com o produto da arrecadação de tributos que se possibilitam as prestações estatais positivas na área social, bem como a viabilização das atividades burocráticas. Ocorre que o Estado, por si só, não se mostra eficiente na satisfação das necessidades sociais. É neste contexto que a sociedade civil se organiza e passa a prestar serviços públicos que objetivam a concretização da assistência social. Em contrapartida, a tais instituições é oferecida a imunidade tributária a impostos (artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal) e contribuições para a seguridade social (artigo 195, § 7o, da Constituição Federal). Com efeito, a imunidade tributária é uma forma de desonerar estas instituições que atuam como um verdadeiro braço do Estado. Assim, o problema a ser enfrentado relaciona-se ao alcance, através da concretização, da imunidade tributária das instituições de assistência social com vistas à identificação de tal instituto como mecanismo de consecução de uma política pública de inclusão social. Enfrentar tal ponto justifica-se na medida em que para que se possa delimitar o real alcance da competência negativa instituída pelo legislador constituinte nas normas de imunidade tributária é preciso que se perceba os motivos que fizeram com que tal questão fosse elevada à ordem constitucional, de modo a se possibilitar que as imunidades tributárias das instituições de assistência social sejam efetivamente concretizadas em seu alcance constitucional. Para tanto, faz-se necessária a compreensão da importância do terceiro setor e do papel do Estado enquanto fomentador da sociedade civil, de modo que o sistema tributário nacional seja analisado com vistas ao seu fim social, encarando-se o direito de acordo com os fatos sociais que regula. 10 A justificativa do tema proposto centra-se, pois, na própria atuação do terceiro setor e nas políticas públicas por ele implementadas, com o fomento do Estado. Nessa realidade, a atuação do Estado seria como intermediador de políticas de inclusão social, reconhecendo e estimulando a atuação da sociedade civil organizada. Analisando-se o problema a ser tratado, percebe-se que trabalho encontra-se inserto na linha de pesquisa relativa a políticas públicas de inclusão social, mais especialmente no que se refere às políticas tributárias que a promovam. Isso porque ao se ter o trato adequado das referidas imunidades tributárias possibilita-se que a desoneração seja alcançada apenas às instituições de assistência social que atuem como um verdadeiro braço do Estado, promovendo a inclusão social. Frise-se que a análise científica de tais questões poderá auxiliar para uma maior sistematização na atividade legiferante, evitando-se a edição de regras que não se coadunem com os requisitos objetivos (espécie de instrumento normativo a ser utilizado para a obtenção da imunidade tributária) e subjetivos (como é o caso do próprio conceito de instituições de assistência social) postos pela ordem constitucional no que se refere ao trato das imunidades. Para desenvolver o trabalho, será utilizado como método de abordagem o dedutivo, por importar na análise do geral para o particular, analisando-se a relação entre premissas. Como método de procedimento, será utilizado o monográfico, tendo em vista a necessidade de análise do objeto de forma a se obter generalizações. A técnica, compreendida como o instrumento posto a serviço do processo investigatório, consiste na pesquisa doutrinária, jurisprudencial e junto à legislação, de modo a proceder-se a coleta dos dados, sua organização, análise e interpretação para então passar-se à redação do texto monográfico. De outro lado, uma vez tendo-se no presente trabalho um problema que envolve a análise de questões interdisciplinares serão utilizados diferentes referenciais teóricos quanto ao tema a ser explorado. Assim, no que se refere à 11 atuação do Estado fomentador, parte-se da doutrina de Bernardo Kliksberg (1998), sendo que para se compreender o dever fundamental de pagar tributos tem-se como referencial teórico José Casalta Nabais (1998). Já no que se refere à extensão do termo ‘instituição de assistência social’, o referencial teórico é Leopoldo Braga (1969), sendo que para a concretização da imunidade tributária utiliza-se a doutrina de J.J. Gomes Canotilho (1998). Desse modo, o objetivo do presente trabalho é exatamente o de analisar as imunidades tributárias oferecidas a tais instituições e sua importância no contexto de um pretendido Estado Democrático de Direito. Para tanto, iniciar-se-á com uma abordagem sobre a atuação do Estado e sua postura enquanto fomentador de políticas públicas. Compreendido tal ponto, passar-se-á à análise do poder de tributar do Estado e o histórico de tributos no contexto brasileiro, sempre se tendo em mente os motivos que fizeram com que o legislador constituinte estipulasse as normas constitucionais relativas ao sistema constitucional tributário. O segundo capítulo inicia com a abordagem relativa ao público não-estatal, ressaltando-se a atuação das associações civis na concretização dos direitos sociais. Especificado o público não-estatal, passar-se-á a compreender a prestação da assistência social e seu contexto constitucional, passando-se à análise da extensão do termo ‘instituição de assistência social’. O terceiro capítulo, por sua vez, é destinado à imunidade tributária, sua natureza jurídica e fundamentos para a estipulação da norma constitucional de competência negativa. Finalizando, a abordagem circundará em torno das imunidades previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195, § 7o, ambos da Constituição Federal de 1988, e sua regulamentação infraconstitucional. A fim de alcançar os objetivos propostos, a abordagem do trabalho se dará de modo crítico-reflexivo, compreendendo-se a importância da imunidade tributária para a concretização das necessidades sociais. Assim, mesmo não se tendo o objetivo de 12 esgotar a matéria, o que se busca é colaborar para o incremento da discussão dos temas que circundam o presente trabalho. 13 1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS A vida em sociedade e a necessidade de realização de objetivos comuns fez com que o homem passasse a organizar-se coletivamente, de modo a desenvolver atividades sociais básicas e permitir a consecução do bem comum. O Estado, em si, é responsável pela organização e pelo controle social em prol do benefício e bem estar da população. Ou seja, o Estado possui o poder institucionalizado de modo a atender aos interesses da sociedade, assegurando-se as garantias constitucionais. Nesse ponto, é importante frisar que atender aos interesses da coletividade não é sinônimo de soma dos interesses de todos, mas sim da realização de objetivos comuns que se fazem indispensáveis à vida em sociedade. A vontade geral não se confunde com a vontade de todos, sendo que através do Contrato Social o homem deixa de ter uma liberdade irrestrita e passa a ter a liberdade civil. Os limites da vontade social estão exatamente no exercício da vontade geral. (ROUSSEAU, 1998). A vida em sociedade e a atuação do próprio Estado, portanto, incrementam-se dia-a-dia, na medida em que a vontade geral é emanada em normas jurídicas. E estas, de outro lado, acabam sendo reflexo das alterações sociais, o que não se mostra distinto em âmbito tributário. É neste sentido que se faz necessário compreender a atuação do Estado, mesmo não se tendo o objetivo de conceituá-lo. Em um primeiro momento, e sem a pretensão de esgotar a matéria, o que se busca é traçar as linhas básicas que são relativas à atuação estatal para então se compreender a forma com que as políticas públicas são desenvolvidas pelo Estado ou mesmo por este fomentadas. É neste sentido que serão abordadas as questões relativas ao Estado mínimo e ao Estado máximo, para então falar-se no Estado fomentador de políticas públicas e sua atuação em matéria de políticas tributárias. 14 De qualquer forma, é necessário que se tenha em mente pelo menos uma noção do que se entende por Estado na atualidade, para que se possa falar nas políticas tributárias por ele desenvolvidas. Nesse sentido, tem-se a lição de Wolkmer (1990, p.9): [...] a categoria teórica Estado deve ser entendida, no presente ensaio, como a instância politicamente organizada, munida de coerção e de poder, que, pela legitimidade da maioria, administra os múltiplos interesses antagônicos e os objetivos do todo social, sendo sua área de atuação 1 delimitada a um determinado espaço físico . Um Estado tem atividades exclusivas como firmar e fiscalizar o cumprimento de leis, regulamentar atividades econômicas em todo o seu território e através de acordo internacionais, manter a ordem, arrecadar tributos entre outros. Com a arrecadação pertinente ao Estado, cabe a ele o repasse para áreas como educação, saúde, assistência social e defesa do meio ambiente, entre outras, pretendendo-se oferecer uma relativa estabilidade e garantia de sobrevivência à sociedade. Assim sendo, para que se possa compreender o trato do Estado no que se refere às políticas públicas, passa-se a analisar a atuação estatal em dados momentos históricos. 1.1 O Estado e o trato das políticas públicas A vida em sociedade e a complexidade das relações entre os indivíduos passou por características diferentes conforme o período histórico. As sociedades até o ano de 1300 d.C. eram terminantemente rurais, sendo que seus membros eram nômades ou seminômades2 e em muitas dessas tribos não havia alguém que 1 WOLKMER (1990, p.22), ainda remete que “[...] o Estado enquanto fenômeno histórico de dominação apresenta originalidade, desenvolvimento e características próprias para cada momento histórico e para cada modo de produção, com a subordinação plena das organizações políticas ao poder da Igreja no feudalismo e com a secularização e unidade nacional da modernidade [...]”. 2 Van Creveld (2004, p. 29) ressalta ainda que “[...] seu sustento dependia quase exclusivamente da caça-coleta, da criação de gado, pesca e da agricultura, quase sempre de subsistência [...]”. 15 governasse. É neste contexto de relativa desordem social que a Igreja ganha sua força. (VAN CREVELD, 2004). A Idade Média fica marcada exatamente pela confusão entre Estado e Igreja (VAN CREVELD, 2004), sendo que o trato do direito por filósofos teológicos desta época pode denotar um certo protecionismo ao jusnaturalismo teológico3, pois no momento em que a Lei Divina era superior à lei humana, a Igreja poderia manter uma tutela sobre o poder temporal. A Igreja, assim, recebe um tratamento diferenciado, mantendo inclusive um sistema de tributação paralela, de modo a perpetuar sua força e influência (VAN CREVELD, 2004). O pagamento de dízimos fortalecia a estrutura da Igreja e a colocava em uma situação de prestígio, fazendo com que os ciadadãos e, por vezes, até mesmo os próprios governantes ficassem submetídios à sua força. Ocorreram profundas mudanças nessa nova sociedade, e o Estado precisou se tornar forte e centralizado, como mostra Van Creveld (2004, p. 83): No feudalismo, o governo não era “público” nem se concentrava nas mãos de um único monarca ou imperador; pelo contrário, dividia-se entre um grande número de governantes desiguais que tinham entre si relações de lealdade e que o tratavam como propriedade privada. Na Europa ocidental, porém, a situação se complicava ainda mais em razão da posição excepcional ocupada pela Igreja. No feudalismo o trabalho servil era eminente e o senhor feudal detinha grande poder sobre seus servos, que eram obrigados a pagar-lhe tributos pelo uso da terra. As transformações que ocorreram no século XIV, XV e XVI, com a vinda do capitalismo mercantil e com a mudança radical do modo de produção feudal, ocasionaram a redefinição do Estado. (VAN CREVELD, 2004). 3 Na Idade Média, a natureza era considerada o produto da inteligência e da potência criadora de Deus. Sendo a lei natural encarada como divina, surge ela com a criação do mundo, de forma que Deus, Onipotente e Onipresente na vida do homem, cria-os como iguais e livres. A liberdade, por assim dizer, é aquela vivida conforme os ensinamentos de Deus. É neste sentido que Tomás de Aquino (1954) afirma que por serem os homens livres eles podem vir a violar a lei natural, mas essa violação não retira sua validade. Já na Idade Moderna, a idéia de direitos fundamentais deixa de residir sob a fé divina, e passa a ser considerada sob critérios racionais. Consoante ensina Herkenhoff (1994, p.30-31), entende-se modernamente por Direitos do Homem “[...] aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política . Pelo contrário, são direitos que a sociedade tem o dever de consagrar e garantir [...]”. 16 Essa redefinição de Estado está intimamente relacionada com a própria sedimentação da idéia de sociedade e com o surgimento da burguesia, sendo que para Bonavides (1999, p.60): A sociedade, algo interposto entre o indivíduo e o Estado, é a realidade intermediária, mais larga e externa, superior ao Estado, porém inferior ainda ao indivíduo, enquanto medida de valor. A expressão sociedade, depois de haver sido usada pela primeira vez por Ferguson com o nome de sociedade civil (civil society), se afirma no uso político graças ao aparaceimento da burguesia. Com o desaparecimento gradual da servidão, diante de uma opressão política e econômica exercida sobre os camponeses, houve o nascimento de uma nova diretriz, denominada Estado absolutista (ANDERSON, 1989). Os camponeses, que até então sofriam pressão política e econômica por intermédio da exploração pelos senhores feudais, migraram do campo para as cidades, passando a sofrer a exploração de um Estado absolutista.4 O absolutismo é uma teoria política que defende que um indivíduo detenha todo o poder, ou seja, um governo autoritário, tendo vigorado na Europa da Idade Moderna, conferindo ao soberano um poder ilimitado. Hobbes (1979), ao tratar do estado de natureza, afirma que as leis naturais não alcançavam eficácia devido à situação de todos contra todos e, portanto, os homens renunciavam aos direitos que tinham, exceto o direito à vida, transferindo-os ao soberano, que ficava responsável pelo cumprimento das leis civis. O fortalecimento do Estado absolutista está calcado exatamente nesta idéia de delegação de poderes por parte dos súditos aos soberanos, sem pensar-se em participação social no processo de tomada de decisões. No que se refere ao cumprimento das obrigações, assim, o que se observava era uma obrigação puramente nominal do soberano para com os súditos, e, de outro lado, uma efetividade no cumprimento das leis impostas pelo soberano aos súditos. Isso porque caso viessem os súditos a contrariar a ordem do soberano a eles seriam impostas severas sanções. Porém, não poderia um súdito inquirir se o que o 4 Anderson (1989, p. 19) ressalta: “[...] o advento do absolutismo nunca foi, para a própria classe dominante, um suave processo de evolução: ele foi marcado por rupturas e conflitos extremamente agudos no seio da aristocracia feudal, cujos interesses coletivos em última análise servia”. 17 soberano ordenava era justo ou não, “[...] dado que todo súdito é por instituição autor de todos os atos e decisões do soberano instituído [...]” (HOBBES, 1979, p.109). Maquiavel (1955, p. 38), por sua vez, chega a afirmar que um príncipe sábio não pode, nem deve, “[...] manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo [...]”. Percebe-se, então, que à época do absolutismo não era conferida aos súditos nenhuma garantia das responsabilidades assumidas pelo soberano no contrato social. Por outro lado, os teóricos iluministas, ao pregarem a liberdade dos homens, pretendiam exatamente limitar o poder do Estado, sendo que “[...] a liberdade, por sua vez, é concebida como corolário da igualdade [...]" (MALFATTI, 1985, p. 52). Em que pese ter havido abusos de poder por parte dos governantes nessa época, o Estado absolutista foi um processo importante para a modernização administrativa. Com efeito, precisou-se passar por desigualdades sociais e abitrariedades visíveis, para que pensadores políticos repenssassem suas teorias, dando início a uma participação mais efetiva à população. A modernidade é importante para o desenvolvimento eficaz de uma sociedade, mas claro, com transparência e ética. Essa transição fica marcada pela importância assumida pela burguesia, mesmo no que se refere à autuação estatal. Bonavides (1999, p. 60) afirma: A burguesia triunfante abraça-se acariciadora a esse conceito que faz do Estado à ordem jurídica, o corpo normativo, a máquina do poder político, exterior a Sociedade, compreendida esta como esfera mais dilatadora, de substrato materialmente econômico, onde os indivíduos dinamizaram sua ação e expandem seu trabalho. Tendo em vista todos os problemas sociais provenientes da instalação e detenção de poder a uma única pessoa através do Estado absolutista, e especialmente tendo em vista a grande carga tributária suportada pela classe burguesa, a Revolução Francesa com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, pode ser considerada um divisor de águas. A partir dela surge o liberalismo, dando ênfase à concepção de cidadania e à idéia de contrapor e efetivar uma política mais 18 participativa a toda a sociedade5. Nas suas origens, o liberalismo tinha como objetivo condicionar a participação mais eficaz nas instituições do Estado, por meio de votações e da elaboração das leis. (BONAVIDES, 1972). O combate à monarquia pode ser percebido em Thomas Paine (1964), que defende a república e a democracia como formas mais acertadas de governar, devido, entre outros, ao fato de ser a vitaliciedade uma característica extremamente falha ao passo de não ser possível afirmar que o filho de um Rei justo será, por conseqüência, justo também. A democracia, o sistema representativo e o processo legislativo ganham força e se solidificam na idéia de Estado Liberal. A defesa das liberdades individuais e da propriedade privada tornam-se um ícone do liberalismo, visando proteger o indivíduo das arbitrariedades estatais. “Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como maior inimigo da liberdade” (BONAVIDES, 1972, p. 02). É nesta ânsia por liberdade e respeito à livre iniciativa que o Estado Liberal acaba mostrando as suas fragilidades. A idéia de que o mercado conseguiria regular as situações sem a intervenção do Estado mostrou-se relativizada, tendo em vista uma parcela da população que depende de políticas públicas eficazes para que se possa, efetivamente, construir e garantir a dignidade. Sendo assim, sem um órgão regulador eficaz, a livre-concorrência se acentua e o capitalismo além das fronteiras toma conta das negociações e acaba tornandose prejudicial, não só às novas políticas implantadas em prol do desenvolvimento, mas também à sociedade e ao próprio governo. Com a crise do Estado Liberal, o século XX foi marcado pela implementação, nos países europeus, de Estados de Bem-Estar Social, havendo uma preocupação 5 Torres (2005, p. 33) ainda ressalta: “A cidadania em sua expressão moderna tem, entre os seus desdobramentos, a de ser cidadania fiscal. O dever/direito de pagar impostos se coloca vértice da multiplicidade de enfoques que a idéia de cidadania exibe. Cidadão e contribuinte são conceitos coextensivos desde o início do liberalismo”. 19 latente com a efetivação dos direitos sociais. A justificativa para esta implementação remonta à constatação de que a experiência liberal acabou por denotar a própria importância do Estado, na medida em que reflexos práticos demonstram que o mercado não é, por si só, capaz de satisfazer as necessidades públicas. (BONAVIDES, 1972). Nesse sentido, importante que se diferencie o Estado social do Estado socialista, sendo oportuno o ensinamento de Bonavides (1972, p. 205): O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado proletário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que êle conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardial a que não renuncia. Daí compadecer-se o Estado social no capitalismo com os mais variados sistemas de organização política, cujo programa não importe em modificações fundamentais de certos postulados econômicos e sociais. O Estado de Bem-Estar Social é uma organização política e econômica que objetiva a proteção e a defesa de interesses sociais e econômicos, não se esquecendo do capitalismo e do princípio da livre iniciativa, mas agindo de modo a harmonizar os interesses do mercado e a consecução do bem comum. Preocupa-se, acima de tudo, com a dignidade da pessoa humana e com a satisfação do mínimo vital. O Estado age, assim, de modo a regulamentar a saúde social, política e econômica do país em parceria com os demais setores. Cabe ao Estado de Bem-estar Social garantir a toda a sociedade serviços públicos, proteção de qualidade e uma base econômica satisfatória. Vale ainda ressaltar que também é de responsabilidade do Estado a cobrança e a administração dos tributos, buscando-se a distribuição de renda e fontes financeiras para realização de seus supostos deveres. Tendo em vista o crescimento econômico, a estabilidade da nação e serviços sociais de qualidade, cabe ao Estado, através de novas diretrizes políticas, o cuidado permanente com a economia e a viabilização de infra-estruturas. 20 Com isso, os chamados Welfare States ganharam força, incrementando a institucionalização de políticas públicas6 para a satisfação dos direitos sociais. Nesse sentido, quanto ao papel a ser assumido pelo Estado, Hespanha (2002, p. 179) afirma: À comunidade devem ser garantidos, pelo Estado, padrões sociais básicos que lhe permitam exercer seu papel. Daqui decorre que os direitos individuais só reflexamente têm relevância, isto é, de acordo com os níveis de proteção reconhecidos à comunidade e no quadro das relações de direitos e deveres que identificam os membros da comunidade. É esta a reconceitualização ou ressocialização dos direitos sociais centrados no indivíduo em direitos sociais centrados na comunidade que fundamenta a proposta de se instituir um sistema universal de bem-estar que reconheça os diferentes níveis de desenvolvimento econômico e as diferentes capacidades das nações e que, portanto, possa reduzir as contradições entre as dimensões econômicas e sociais do capitalismo onde quer que seja. Como se observa das palavras acima, o Estado é visto como responsável pela satisfação dos direitos sociais, não podendo se permitir um avanço econômico que importe em descrédito social. Em outras palavras, a constatação a que se chega é que somente um Estado que consegue implementar satisfatoriamente suas políticas públicas para a satisfação dos direitos sociais pode ser considerado desenvolvido. Ao tratar sobre as dimensões do Welfare State antes da existência de economias globalmente integradas, Esping-Andersen (1995, p. 73) afirma que este: [...] representou um esforço na reconstrução econômica, moral e política. Economicamente, significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da exigência da extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direitos de cidadania; moralmente, a defesa das idéias de justiça social, solidariedade e universalismo. Politicamente, o welfare state foi parte de um projeto de construção nacional, a democracia liberal contra o duplo perigo do fascismo e do bolchevismo. 6 Ao tratar das dimensões da política, FREY (s.d, p. 216) refere: ”A dimensão institucional ‘polity’ se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; No quadro da dimensão processual ‘politics’ tem-se em vista o processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; A dimensão material ‘policy’ refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas [...]”. 21 Tendo-se em mente que o Estado Social objetiva a construção de justiça social e fortificação de cidadania7, percebe-se que a sua implementação de direitos sociais não está ligada à idéia de políticas assistencialistas que coloquem o indivíduo em situação de dependência da atuação estatal. A satisfação dos mínimos constitucionais e a garantia da dignidade da pessoa humana perpassam a idéia de emancipação do indivíduo, não estando ligada à noção de populismo, mais visível nos países da América Latina. Ademais, sabe-se que um dos principais problemas dos países latino americanos é a alta carga tributária, sendo que uma política tributária como a implementada, de fato, não promove com eficácia o bem-estar social. No caso desses países, a forte pressão financeira internacional fez com que os mesmos optassem pelo ajustamento econômico e fiscal, deixando o lado social em segundo plano. Esse tipo de atitude governamentista acaba por denegrir o verdadeiro sentido do Estado de Bem-Estar Social. (KLIKSBERG, 2000). Assim, a realidade de desempregos ou de empregos com baixa remuneração e de relações flexibilizadas, aliando-se a outros fatores estruturais8, faz com que seja necessário repensar a atuação Estatal. Frise-se que, a par da grande tributação vinda com a pretensão do Welfare State, em países como os da América Latina a efetiva implementação de políticas públicas eficazes não passou de uma expectativa, não sendo o Estado eficiente sequer na atenção das necessidades vitais do cidadão. Explicitando as dificuldades existentes na implantação de uma política de Estado na América Latina, Van Creveld (2004, p. 449) afirma: 7 O termo cidadania é entendido aqui como a coletividade de cidadãos que efetivamente participam do contexto social, não sendo meramente assistidos. Tem-se, assim, a idéia de cidadania plena, compreendida em conformidade com as influências do mercado, mas não a este subalterna (DEMO, 1995). Cidadania, assim, é “[...] a competência humana de fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente organizada [...]”(DEMO, 1995, p. 01). 8 Esping-Andersen (1995, p. 73) coloca as seguintes situações: “[...]o crescimento não-inflacionário induzido pela demanda, no interior de um único país, parece hoje impossível; cabe aos serviços, mais do que à indústria, a garantia do pleno emprego; a população está envelhecendo rapidamente; a família convencional, dependente provedor masculino, está em declínio, e o ciclo da vida está mudando e se diversificando, e tais modificações estruturais desafiam o pensamento tradicional sobre a política social [...]”. 22 [...] justamente quando os Estados latino-americanos parecem estar se aproximando de algum tipo de estabilidade política no topo, parece que a maioria deles também fracassou na tentativa de integrar as partes mais pobres de suas cidades como fizeram os europeus durante o século XIX. Pelo contrário, tendo em conta a pressão ainda contínua da população, a situação em muitos lugares talvez esteja pior do que há vinte ou trinta anos [...]. Diante disso, a desigualdade social e todos os problemas dela decorrentes, contribuem para a falta de êxito total na implantação de um Estado Social na América Latina, contrapondo-se aos países europeus. O descompasso gerado pelo desequilíbrio instalado tende a impedir que se ponha em prática a adoção de uma nova política de Estado, como mostra Van Creveld (2004, p. 451) 9: Em contraste marcante com a situação nos Estados Unidos e no domínios britânicos, a construção dos Estados da América Latina só teve êxito até certo ponto. Com poucas exceções, a maioria não conseguiu incluir todo o povo sob o regime do estado de direito nem implantar um firme controle civil sobre os militares e a policia, nem encontrar um equilíbrio entre a ordem e a liberdade [...]. A prática latina de Estado não pode, portanto, ser denominada de social. A experiência de Estado social acaba por ser visualizada de forma relevante nos países europeus, preocupados com a satisfação de direitos sociais como educação e saúde. Esse embate entre Estado Social e Liberal leva à percepção de que embora a efetivação de Estados sociais seja de difícil consecução, não se pode ignorar a importância de implementação de políticas públicas que satisfaçam os direitos sociais. A intervenção do Estado torna-se imprescindível para a consecução das necessidades coletivas, visto que a sociedade e o mercado, por si só, não conseguem atingir objetivos de redução das grandes desigualdades existentes. 9 Como coloca ainda Van Creveld (2004, p.451): “[...] do ponto de vista externo, é vidente que as invasões sofridas por Granada em 1983, Panamá em 1989 e Haiti 1993 (para não falar do papel da CIA no Chile ainda de 1973) são apenas os mais recentes de uma longa série de lembretes de que a soberania dos menores é, em todo o caso, condicional à boa vontade do Grande Irmão e depende dela [...]”. 23 O que se tem, assim, é a insuficiência do Estado mínimo e a insustentabilidade do Estado máximo em determinadas realidades, sendo necessária a equação de tais medidas para se delimitar a atuação estatal.10 No caso do Brasil, inúmeros são os problemas de realidade social apresentados que contribuem para a não-efetividade da adoção de um Estado social. No entanto, não se pode negar a importância da atuação estatal, especialmente tendo em vista o advento de uma sociedade urbano-industrial. A partir dos anos trinta, esse processo ficou mais visível com os esforços para modernizar e tornar mais eficiente a administração. Na década de trinta, verificou-se a superação do Estado clássico liberal e a construção do modelo de Estado novo11, o qual foi considerado um divisor na história institucional do país. O primeiro projeto de modernização no Brasil foi levado a cabo pelo governo de Getúlio Vargas, e tinha como objetivo a industrialização nacional12. (MENDES JÚNIOR; MARANHÃO ,1981). De qualquer forma, a experiência brasileira vivida na chamada Era Vargas denotou uma política assistencialista que visava manter o indivíduo dependente da atuação estatal, fragilizando-se a própria idéia de justiça social. (MENDES JÚNIOR; MARANHÃO ,1981). 10 Bobbio (1992, p. 126) lembra que a simples colocação de um Estado como mínimo ou máximo não o faz fraco ou forte: “[...] não se pode confundir a antítese estado mínimo/estado máximo, que é o mais freqüente objeto de debate, com a antítese estado forte/estado fraco. Trata-se de duas antíteses diversas, que não se superpõem necessariamente. A acusação que o neoliberalismo faz ao estado de bem estar social não é apenas a de ter violado o princípio do estado mínimo, mas também a de ter dado vida a um estado que não consegue mais cumprir a própria função, que é a de governar (o estado fraco). O ideal do liberalismo torna-se então o de estado simultaneamente mínimo e forte. De resto, que as duas antíteses não se superpõem é demonstrado pelo espetáculo de um estado simultaneamente máximo e fraco que temos permanentemente sob os olhos [...]”. 11 Mendes Jr. e Maranhão (1981, p. 181) afirmam: “podemos dizer que o golpe de novembro de 1937 que instaurou o Estado Novo tendia a concluir, de forma mais ‘aperfeiçoada’ o que havia começado de 1930. os sindicatos, que conseguiriam manter uma relativa independência até 1935, passaram totalmente para a tutela do Estado, que os atrelou. Sem dúvida, o Estado Novo ‘legalmente’ iniciou-se com os golpes de novembro. Mas para os trabalhadores a repressão desencadeada a partir da tentativa do levante da ANL em novembro de 1935 (ver Cap. XC) deve ser considerada o marco inicial desses Estado repressivo.” 12 Mendes Jr. e Maranhão (1981, p. 173) ressaltam que “antes mesmo da implantação do Estado novo, o governo Vargas passava a interferir cada vez mais na esfera econômica, principalmente no combate a problemas inerentes à nova realidade industrializante, como a questão da ‘superprodução ou consumo’”. 24 Com o fim do Estado Novo em 1945 e a chegada, mais tarde, de Juscelino Kubitschek ao poder, a teoria de industrialização nacional permaneceu, porém, com algumas diferenças. Passou-se a primar pela participação conjunta dos setores público e privado, bem como o estímulo a sua expansão simultânea (MENDES JR; MARANHÃO, 1981). A estrutura de Estado foi sendo adequada com o passar dos anos, primandose pela descentralização administrativa. As autarquias e fundações ganham força ao lado das sociedades de economia mista e das empresas públicas. Já com o governo Fernando Henrique Cardoso13, percebeu-se uma aceleração de privatizações, reformulando-se políticas administrativas de modo a liberar-se o Estado de certas incumbências, de modo a permitir-se que a atenção estatal ficasse voltada a questões essenciais. Em 1999, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, com a organização do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão14, criou-se uma oportunidade para o avanço da reforma do Estado no sentido da ampliação do seu aspecto definido até então e do seu alcance sobre as políticas públicas, ao possibilitar a integração das importantes funções de planejamento, orçamento e gestão. No entanto a reforma do Estado continuou a ser um mito, permanecendo-se as ambições não concretizadas de construção de uma sociedade justa. (SOUZA, 2004). É exatamente com o propósito de uma sociedade mais justa que o governo busca um limiar de integração da sociedade nas suas decisões. O Estado Democrático de Direito15 firma a participação popular no processo político da nação 13 Souza (2004, p.523) afirma que “[...] ao mesmo tempo que escancarava nosso mercado interno à produção estrangeira, o grupo fernandista também orquestrava a maior desnacionalização de que se tem notícia em tão curto período de tempo. Na gestão Itamar, apesar de ele haver abdicado de governar em favor da equipe de FH, o capital estrangeiro ainda não tinha realizado uma invasão maciça [...]”. 14 Órgão que coordena e supervisiona normas para a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do orçamento geral da União. 15 Morais (2002, p. 38) mostra que “O Estado Democrático de Direto emerge, neste quadro de idéias, como aprofundamento/transformação da fórmula, de um lado, do Estado de Direito e, de outro, do Welfare State. Resumidamente, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se tem a permanência em voga da já tradicional questão social, há como que a sua qualificação pela questão da igualdade [...]”. 25 possibilitando uma legitimação da democracia, frisando, assim, um caráter de cunho social, no qual a sociedade exerce seus direitos de cidadania participando (ou pretendendo participar) ativamente das decisões de melhoria das políticas públicas. Em suma, o Estado Democrático de Direito tem como objetivo principal a concretização da igualdade formal, impondo garantias ao cumprimento da ordem dos direitos humanos16 e gerando uma modificação constante na situação real da sociedade. O objetivo é a redemocratização e a concretização das ações de caráter minimizador de deficiências. Na procura de um meio termo entre Estado Liberal e Estado Social, constitui-se o Estado Democrático de Direito no qual este, possuindo um conteúdo que preza pela mudança da realidade, também se envolve com a capacitação da sociedade a para a prática da democracia e a concretização de uma vida digna17. Desse modo, o Estado Constitucional Democrático pressupõe a legitimação do poder, visando-se o respeito à ordem constitucional, entendendo-se esta como fruto da soberania popular. Tem-se, assim, a idéia de que o poder político deriva do poder dos cidadãos, sendo que o elemento democrático não é tido apenas para travar o poder da Administração Pública, mas também para conferir a legitimidade deste poder (CANOTILHO, 1998). Canotilho (1998, p. 94) assim explica os fundamentos do Estado Constitucional: 16 Morais (2002, p. 64) mostra que: “Resumidamente poderíamos dizer, então, que os direitos humanos, como conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito a vida digna jurídico-politico-psiquico-economico-fisica e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daquele do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes político-juridico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em beneficio próprio e comum ao mesmo tempo. Assim como os direitos humanos se dirigem a todos, o compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de todos, em um comprometimento comuns a todos [...]”. 17 Bonavides (2001, p. 190) esclarece que ”O emprego correto do conceito poderá assim explicar a variação havida nas distintas modalidades de democracia, que correspondem, por exemplo, à concepção democrática do Estado liberal (democracia individualista) ou à concepção democrática do Estado social (democracia de forte pendor coletivista). O conteúdo democrático fica, pois, explicitado pelo conteúdo ideológico, ou seja, por um sistema coerente de idéias e crenças [...]”. 26 Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. Existe, nesta realidade, uma preocupação evidente quanto à participação social, objetivando-se resultados eficientes para a efetiva concretização de um Estado de Direito. Isso porque a cada dia surgem novos problemas que merecem atenção especial, sendo que a democracia deve propiciar a diminuição das deficiências sociais. Assim, a busca pelo verdadeiro sentido democrático é uma constante da reforma do Estado. É neste sentido que a participação da sociedade importa na legitimidade política, sendo as demandas sociais consideradas metas para a concretização da eqüidade, diminuindo com as desigualdades com o respeito à Constituição.18 Inegável, portanto, a importância que o Estado há de assumir na construção dos objetivos constitucionalmente expressos, oferecendo a garantia da ordem social e a satisfação dos direitos fundamentais. O estado brasileiro, enquanto instituição jurídica e política, neste contexto, vai ter uma função importantíssima, na medida em que pelos termos da dicção constitucional vigente, se responsabiliza pela mediação da ordenação do social e pela garantia de algumas prerrogativas/direitos que irão se ampliar no âmbito do processo de desenvolvimento das lutas sociais e políticas contemporâneas (LEAL, 2006, p. 33). O que se percebe é que a concretização dos direitos garantidos constitucionalmente relaciona-se com a própria atuação do Estado e sua postura perante a sociedade civil. É nesta circunstância que as lutas sociais acabam por influenciar a política contemporânea, sendo que a complexidade dos anseios públicos não pode ser ignorada pelo Estado. 18 “Com o novo caráter social do Estado, inúmeras garantias passaram a ser constitucionalmente asseguradas aos cidadãos, ampliando a função da administração pública detentora do poder-dever de satisfazer as necessidades da coletividade, em nome da qual adota como lema a prevalência do interesse publico sobre o particular [...]” (TUPIASSU, 2006, p. 31). 27 A ótica capitalista, neste sentido, não pode ser simplesmente desconsiderada, tendo em vista a constituição de uma sociedade pautada na livre iniciativa. Para que se tenham políticas públicas eficientes, não se pode esquecer que ordenamento brasileiro é pautado em uma economia capitalista19, sendo que o diálogo correto entre mercado e sociedade civil permite que se realizem políticas emancipatórias. O que se tem, assim, é que os interesses individuais não podem ditar a regra da vida em sociedade, sendo que o Estado possui um papel importante na mediação dos interesses particulares em consonância com a consecução dos objetivos públicos.20 A grande questão, nesse sentido, é de que forma o Estado deve agir para que os direitos constitucionalmente previstos sejam efetivados, sendo que no ponto seguinte passa-se a analisar a atuação do Estado enquanto fomentador de políticas públicas. 1.2 O Estado como fomentador de políticas públicas A atividade do Estado mostra-se, como se pode perceber até o presente momento, indispensável à vida em sociedade. No entanto, as dificuldades enfrentadas na consecução do bem comum e a inefetividade dos direitos sociais em realidades como a brasileira, faz com que seja necessário que se analise de que forma o Estado pode agir eficientemente para a mudança de tal panorama social. É preciso advertir que por maiores que sejam as críticas que se teçam sobre a atuação do Estado, sua atuação é simplesmente indispensável. Os problemas apresentados reafirmam a necessidade de uma discussão mais apurada no que se 19 “É balela, para não dizer incompetência, imaginar políticas sociais desvinculadas das condições de mercado que continuam, também no welfare state, e mais ainda num sistema capitalista perverso, o regulador decisivo da sociedade e da economia. Dois seriam os principais disparates: dar maior importância à assistência do que ao emprego, reproduzindo a cidadania assistida, ou seja, atrelada a benefícios, em vez de emancipada; e fantasiar a geração de excedente econômico, como se recursos pudessem ser ideologicamente inventados [...]” (DEMO, 1995, p. 80). 20 Quanto à atuação do Estado e a economia capitalista, Grau (2000, p. 28) afirma: “[...] o Estado, ao atuar como agente de implementação de políticas públicas, enriquece suas funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista [...]”. 28 refere ao trato das políticas públicas, em especial tendo em vista a necessidade de satisfação do mínimo existencial. O Estado, não mais restrito à dialética desenvolvimentista ou socialista, deverá ser atuante, regulando e impulsionando a economia (SCHMIDT, INÉDITO), agindo de modo a garantir ao indivíduo a satisfação de suas necessidades essenciais, sempre com a cautela de não torná-lo dependente da atuação estatal para a realização de suas necessidades vitais básicas. A política pública deve, portanto, ser satisfativa mas também emancipadora, contribuindo-se na efetivação da cidadania plena. A grande questão é como se faz possível a equação de tais medidas e a implementação de políticas públicas viáveis, em especial políticas tributárias que atuem na implementação dos direitos sociais. A atividade administrativa, como se sabe, nada mais é do que uma atividade de gestão, que leva em conta os recursos disponíveis e as necessidades apresentadas. E, em uma realidade como a brasileira, o que se percebe são inúmeras demandas sociais que não recebem a devida satisfação. Nesse sentido, considerando o contexto da América Latina, a situação não é nada favorável. O que se tem é a percepção cada vez maior de indivíduos que podem ser considerados excluídos. Nas palavras de Klibsberg (2000, p. 99-100): Os processos de polarização social em curso estão substituindo o perfil de sociedades duais que, com freqüência, serviu para descrever as latinoamericanas, como áreas de modernidade e de atraso, por outro diferente. As sociedades passam a estar integradas por dois grupos básicos: os incluídos e os excluídos. Os processos de exclusão vão além das divisões traçadas pelas dualidades. Produzem profundas segregações. Um percentual significativo da população não tem acesso a trabalhos produtivos, a uma educação de qualidade, à cultura, ao mercado. Vão se criando nas grandes cidades áreas fechadas para excluídos e incluídos, com limitadas comunicações entre si. Multiplicam-se nos excluídos destinos inelutáveis de pobreza, que se reproduzem de geração em geração. Debilita-se a unidade familiar, base de uma vida humana plena. Os excluídos sentem tremer suas bases estratégicas de vida e sua possibilidade de se integrar. Esta realidade ratifica a afirmação de que a atuação do Estado é imprescindível no atual momento. Os rumos das políticas públicas determinarão se tais 29 desigualdades irão minimizar ou, ao contrário, enraizar-se ainda mais. O grande desafio, portanto, é tornar o Estado eficiente. Exatamente tendo-se em vista as crescentes deficiências do poder estatal que as discussões que envolvem sua atuação têm merecido destaque no cenário político-jurídico. Isso porque, de um lado, tem-se que sua atuação encontra-se restrita aos recursos financeiros disponíveis, que não se mostram suficientes tendo em vista a grande demanda social. De outro lado, há que se ponderar que o mesmo não pode ficar inerte perante os acontecimentos sociais, sendo sua atribuição fazer com que sejam alcançadas à população carente políticas públicas de inclusão social eficientes. O problema, portanto, não é nada singelo: é necessário que se equacione a função do Estado perante as necessidades sociais e se viabilize maneiras de implementar políticas públicas de inclusão social eficientes. Com efeito, o Estado atua como regulador das necessidades públicas e sujeito ativo na satisfação das necessidades sociais, sendo que ao exercer suas tarefas gerencias e satisfativas, deverá atentar à liberdade dos cidadãos. O que se tem, em outras palavras, é a instituição de um pacto social no qual o indivíduo mantém sua prerrogativa de liberdade, sujeitando-se à atuação do Estado naquilo que é eminentemente público. Nesse sentido, a única forma legítima pela qual a liberdade pode ser sustentada e efetivada se dá com a conferência do poder aos cidadãos, sempre em atendimento à ordem constitucional, a qual é considerada norma fundamental informativa das possibilidades/necessidades de ordenação social (LEAL, s.d). É por esta razão que se tem a máxima de que o indivíduo somente pode ser compelido à determinada atitude por força de lei. Ao Estado, portanto, cumpre a tarefa de agir como gestor dos interesses públicos sem atuar em detrimento às garantias constitucionais, evitando-se qualquer arbitrariedade. 30 No entanto, como já dito, a realidade visualizada é que as crescentes demandas sociais existentes fazem com que o Estado enfrente problemas cada vez maiores de gestão, sendo que as receitas arrecadadas não se mostram suficientes para a satisfação de todas as necessidades públicas. Assim sendo, o Poder Executivo, especialmente, tem enfrentado inúmeras dificuldades para equacionar o binômio possibilidade financeira e demandas sociais, o que faz com que a arte de bem gerir se torne cada vez mais relevante enquanto governo. Em conseqüência das dificuldades enfrentadas, é preciso que se discuta questões como a reforma do Estado, de modo a “enxugar” as atividades por ele atualmente exercidas mas que não se mostram essenciais, transpondo-se tais atividades para o setor privado. De outro lado, tendo em vista a necessidade de atenção a ditames eminentementes públicos, o Estado volta a chamar para si a tarefa de regulação e satisfação de questões anteriormente repassadas ao mercado, atentando-se a patamares mínimos de dignidade aos cidadãos envolvidos. Com isso, o que se visualiza é a tentativa de reestruturação estatal, com a especificação das funções que devem ser exercidas e garantidas pela Administração Pública, submetendo-se às leis de mercado as restantes. Boaventura de Souza Santos (1995), ao discorrer sobre a reforma do Estado e os pilares sobre os quais essa reforma se assenta, afirma que a fase do Estado irreformável se relaciona com a concepção de que ele é ineficaz, parasitário e predador, e por tal razão a sua única reforma possível e legítima seria reduzi-lo ao mínimo necessário ao funcionamento de mercado. Parte-se, assim, da idéia neoliberalista, com a análise da força e dos interesses do capitalismo. Esta primeira fase da reforma do Estado, a fase do Estado mínimo, atingiu o seu clímax com as convulsões políticas nos países comunistas da Europa Central e do Leste, mas foi aí também que os limites da sua lógica reformadora se começaram a manifestar. A emergência das máfias, a corrupção política generalizada e o colapso de alguns estados do chamado Terceiro Mundo vieram mostrar os dilemas do consenso do Estado fraco. É que, como a reforma do Estado tem de ser levada a cabo por ele próprio, só um Estado forte pode produzir eficazmente sua fraqueza. Por outro lado, como toda a desresgulamentação, o Estado, paradoxalmente, tem de intervir para deixar de intervir. Em face disto, passou a ser claro que o capitalismo 31 global não pode dispensar a existência de estados fortes, ainda que a força estatal tenha de ser de um tipo muito diferente daquele que vigorou no período do reformismo e se traduziu no Estado-Providência no Estado de desenvolvimentista (SANTOS, 1995, p. 249). Pelo que se vê, a realidade social de corrupção, por exemplo, levou ao entendimento de que os objetivos de reforma não seriam alcançados com a simples e pura redução do âmbito de atuação do Estado. Surgiu, assim, a idéia de Estado reformável, que se mostra política e socialmente mais complexa que a anterior. O Estado reformável assenta-se em dois pilares fundamentais: a reforma do sistema jurídico e o papel do chamado terceiro setor na reforma do Estado (SANTOS, 1995). Especialmente sobre o terceiro setor, sua atuação será analisada no item 2.1, ao se tratar da idéia de público não-estatal, limitando-se, neste ponto, a trazer-se a colocação de que este [...] é uma designação residual e vaga com que se pretende dar conta de um vastíssimo conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas, não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais [...] (SANTOS, 1995, p. 250251). As entidades do terceiro setor são, pois, privadas e atuam em atenção ao interesse público sobressaletente, sendo que o terceiro setor emerge tanto em países periféricos como em semi-periféricos, sob a forma de organizações nãogovernamentais nacionais ou transnacionais. Sua atuação se dá em consenso com a idéia de reforma do Estado, com o resgate da atenção pública para questões que são consideradas essenciais tanto para a dignidade dos indivíduos como para a realização das funções tecno-burocráticas do Estado. Em outras palavras, pode-se dizer que o terceiro setor tem assumido papel fundamental na atual concepção de Estado, ainda que, em tese, não se considere que o princípio do Estado esteja em uma crise generalizada, mas sim que o que está em crise no Estado é o seu papel na promoção de intermediações não-mercantis entre cidadãos (política fiscal e políticas sociais). O grande mérito do terceiro setor foi o de conseguir manter a tensão entre a eficiência e a eqüidade na agenda política, gerando essa tensão e gerando compromissos (SANTOS, 1995). 32 Assim, a reforma do Estado traz consigo o anseio imediato de que os organismos funcionem melhor e/ou custem menos (KETTL, 1998), ligando-se à idéia de satisfação dos interesses públicos com o dispêndio da menor quantia de verbas públicas que se faça possível. Com isso, passa-se a falar em eficiência na Administração Pública e no serviço público, princípio este que, vale ressaltar, encontra-se transcrito no artigo 37 da Constituição Federal Brasileira. Com efeito, a fim de garantir a eficiência dos serviços públicos, a Administração Pública passa a implementar conceitos que até então somente eram compreendidos na ótica de entidades privadas, primando-se por questões como a avaliação do desempenho das funções públicas. Kettl (1998, p. 91) afirma que as avaliações desempenhadas: [...] precisam ocorrer em dois planos diferentes: no da produção, para poder modelar o comportamento dos administradores e gestores; e no dos resultados, para que possam ser elaboradas políticas consistentes. Esses dois planos , é claro, são inter-relacionados. A avaliação dos resultados pode ajudar os administradores a aprimorar suas estratégias; e a avaliação de produção pode oferecer a chave para a explicação de problemas que surjam nos resultados. Entretanto, seja qual for o sistema de administração, se estiver baseado no desempenho, terá de começar entendendo claramente que avaliações de resultado e avaliações de desempenho oferecem respostas diferentes para problemas diferentes; que envolvem de modos diferentes o administrador; e que estimulam de forma diferente o comportamento. No que se refere às dificuldades enfrentadas pelo Poder Executivo na gerência dos gastos públicos, importante ressaltar que se presencia um expressivo número de processos judiciais, o que denota a incapacidade pública na satisfação dos interesses sociais. Essa incapacidade se dá tanto tem decorrência da insuficiência de recursos financeiros como devido a problemas estruturais. Ciente do embate, o Estado tem desenvolvido mecanismos operacionais que objetivam uma melhoria na gestão pública, lançando mão, em especial, de instrumentos que visam a descentralização. Com efeito, o que se busca com a idéia de Administração Pública gerencial é a efetiva satisfação por parte do Estado de funções que o mercado não consegue regular. Surge, desse modo, a idéia de Estado Gestor (PEREIRA, 1988). 33 Pereira (1998, p. 36), ao tratar sobre os rumos do Estado gestor, assim afirma: O objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus cidadãos; um Estado democrático, no qual seja possível aos políticos fiscalizar o desempenho dos burocratas e estes sejam obrigados por lei a lhes prestar contas e onde os eleitores possam fiscalizar o desempenho dos políticos e estes também sejam obrigados por lei a lhes prestar contas. Para tanto, são essenciais uma reforma política que dê maior legitimidade ao governo, o ajuste fiscal, a privatização, a desregulamentação – que reduz o “tamanho” do Estado – e uma reforma administrativa que crie os meios de se obter uma boa governança. A indagação que resta diz respeito aos efeitos da reforma sobre a dimensão do Estado, o que não significa tratar-se exatamente de seu “tamanho”. Trata-se, isso sim, de analisar a capacidade do mesmo cumprir suas funções institucionais. Em essência, a tarefa básica do Estado é a de assegurar a satisfação do interesse público, objetivando-se a participação da sociedade civil. Como se percebe, as idéias lançadas para que se visualize uma Administração Pública Gerencial, ainda não foram alcançadas. O que se tem é, isso sim, é uma discussão teórica a respeito, sem que a grande maioria das medidas tenham sido realmente implementadas. As medidas estatais lançadas não têm se mostrado suficientes a garantir o êxito das atividades técnico-burocráticas do Estado, tendo tampouco assegurado um plano de visibilidade imediata dos seus comportamentos oficiosos. Compreende-se, assim, que a prática rotineira de elaboração de normas cogentes a orientar a atividade administrativa não são, muitas vezes, suficientes para garantir a efetividade e a publicidade dos atos do Estado (LEAL, INÉDITO). Nesse sentido, o que se tem é que a produção legislativa surte pouquíssimos efeitos quando não se tem uma cultura de efetiva aplicação, ou mesmo quando não existentes recursos financeiros suficientes à sua aplicação. Tal lógica vale tanto para as questões burocráticas quanto para as políticas públicas que se pretende implementar, sendo que a ausência de políticas de efetivação de direitos sociais pode se dar tanto pela ausência de vontade política como pela simples insuficiência financeira. 34 Não se pode negar que as dificuldades na gestão dos interesses públicos se apresentam também por decorrência da insuficiência das receitas públicas se comparadas com as necessidades sociais existentes. Paradoxalmente, o principal problema enfrentado é a insuficiência de políticas públicas sérias que atuem na origem dos problemas, enquanto que boa parte das verbas públicas é empregada em ações assistencialistas e não emancipatórias. Cria-se, assim, uma rede de dependência ao Estado, o que evidencia um sério problema de gestão. Isso porque ao contrário de se minimizar as demandas sociais com sua satisfação gradual, acaba-se, em última análise, por maximizá-las. De qualquer modo, é preciso que se lembre que função do Executivo enquanto gestor de gatos públicos é, entre outros aspectos, a de bem administrar, de modo que suas atitudes estejam em conformidade com as verbas arrecadadas. Melo (2000, p. 80), ao tratar da discricionariedade conferida ao Administrador Público, afirma competir a ele a função de efetivar suas escolhas de modo a alcançar o máximo de satisfação pública possível: Certamente cabe advertir que, embora a discricionariedade exista para que o administrador adote providência ótima para o caso, inúmeras vezes, se não na maioria delas, nem ele nem terceiro poderiam desvendar com certeza inobjetável qual seria essa providência ideal. Como se percebe de suas palavras, o ato de administrar denota uma escolha operada pelo Administrador Público, e essa escolha, em tese, deve ser a melhor possível diante das circunstâncias apresentadas. A dificuldade reside exatamente na indicação de qual seria a melhor escolha a ser realizada. Assim, a função de gerir os gastos públicos se mostra bastante árdua, tendo em vista a latente dificuldade de se apontar qual a medida que se mostra mais urgente e necessária dentro das possibilidades financeiras apresentadas. É exatamente neste sentido que, por exemplo, passa-se a primar pela participação popular no processo de tomada de decisões e mesmo na fiscalização dos gatos públicos, tendo-se esta como uma medida relevante na consecução de políticas públicas eficientes. 35 A participação da sociedade civil no processo de tomada de decisões e mesmo na implementação de políticas públicas mostra-se, pois, um indicador significativo do capital social. No presente trabalho, tem-se a preocupação de tratar da atuação de entidades privadas na consecução de políticas que atendam aos direitos sociais, analisando-se, em contrapartida, a imunidade tributária que lhes é oferecida. E não se faz possível analisar tal tema sem que se compreenda a atuação esperada do Estado e a importância da sociedade civil. O foco da questão aqui tratada reside exatamente na atuação da sociedade civil enquanto viabilizadora de objetivos públicos e o tratamento tributário que o Estado, em contrapartida, lhe oferece. É nesse sentido que se faz necessária a compreensão da atuação Estatal de uma forma eficiente sendo que Kliksberg (1998, p. 40-41), ao traçar as linhas mestres sobre o papel estatal nos países em desenvolvimento, esclarece que: O tema central não pode ser o tamanho em abstrato, mas qual é a função que deveria cumprir o Estado no processo histórico e como dotá-lo da capacidade de gestão necessária para levá-lo a cabo com eficiência. [...] Coloca-se, então, a necessidade de se reconstruir o Estado, tendo como horizonte desejável a conformação do que se poderia chamar um “Estado inteligente”. Um Estado concentrado em funções estratégicas para a sociedade e com um desenho institucional e um desenvolvimento de capacidades gerenciais que lhe permitam concretizá-las com alta eficiência. Um dos papéis-chave do “Estado inteligente” encontra-se nas numerosas evidências no campo do desenvolvimento social. A busca pela perfectibilização de um “Estado Inteligente” passa pelo reconhecimento de suas próprias limitações, devendo o Estado atuar tendo em vista as possibilidades a ele oferecidas para que possa tornar seus serviços eficientes. Assim, se há uma limitação de ordem financeira, e se os níveis de capital social são medidos também pela participação da comunidade no processo de tomada de decisões e na resolução dos problemas, é possível que o Estado incremente sua atuação como fomentador de políticas públicas, não sendo necessário que ele mesmo as implemente. Em outras palavras, o que se está a dizer é que o Estado pode atuar como intermediador destas políticas de inclusão social, reconhecendo e estimulando a atuação do chamado terceiro setor. 36 No âmbito social, por conseqüência, o Estado necessita do auxílio da própria comunidade para que os desafios de desenvolvimento sustentável sejam alcançados, em especial quando se tem em mente que a área social necessita da criação de meta-redes entre os atores sociais. É exatamente nesse sentido a colocação de Kliksberg (1998, p. 47-48) quanto ao novo papel do Estado: [...] parte fundamental do novo papel é o de agregar aliados no esforço de enfrentar os problemas sociais. O Estado deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço dos atores sociais básicos, empresa privada, sindicatos, universidades e da sociedade civil em todas as suas expressões. Um Estado inteligente na área social não é um Estado mínimo nem ausente, nem de ações pontuais de base assistencial, mas um Estado com uma “política de Estado”, não de partidos, e sim de educação, saúde, nutrição, cultura, orientado para superar as graves iniqüidades, capaz de impulsionar a harmonia entre o econômico e o social, promotor da sociedade civil, com um papel sinergizante permanente.” Percebe-se, pois, que o “Estado inteligente” é aquele que é capaz de agregar atores sociais, incentivando a promoção pela sociedade civil de políticas eficientes, que satisfaçam as necessidades públicas. O incentivo à sociedade civil pode ser garantido através da imunidade tributária, permitindo-se que o particular realize diretamente uma política pública, obedecidos os critérios legais. É neste contexto que o Estado tem de agir de forma inteligente na satisfação dos interesses públicos, promovendo a consecução dos direitos sociais em harmonia com os mecanismos que a própria Constituição Federal alcança21. A imunidade tributária pode ser encarada como uma ferramenta à disposição do Estado para que este fomente a atuação da sociedade civil, na medida em que possibilita a desoneração tributária daquelas instituições que atuam em suplementação à atividade estatal. No entanto, para que se possa analisar com pormenores esta problemática, é necessário, primeiramente, que se compreenda a sistemática de atuação do Direito 21 Quanto à atual situação de descaso com os direitos sociais, Rodrigues (2003, p. 06). refere que “Parece claro que o crescimento econômico de alguns não significa desenvolvimento da coletividade, o que pode gerar o descontentamento manifesto de segmentos sociais de um determinado povo, o que não impede a impregnação do mundo com a ideologia neoliberal, a qual encontra importante aliado na tecnologia, o que fomenta o desemprego estrutural. Assim, vislumbra-se uma fragmentação de direitos sociais, caminhando-se, quem sabe, para o fim das relações de trabalho como hoje se conhece, transmutando-os para simples contratos de prestação de serviços regidos pelo Direito Civil”. 37 Tributário no ordenamento brasileiro, através da análise de seu histórico constitucional e, antes disto, dos fundamentos jurídicos que permitem a imposição de tributos, o que passa a ser objeto de discussão no ponto seguinte. 1.3 Imposição de tributos e seu histórico constitucional brasileiro A sobrevivência da idéia de Estado só se faz possível tendo em vista seu poder impositivo, sendo que a arrecadação de tributos permite a realização das atividades gerenciais e a satisfação dos direitos expressos em ordem constitucional. A imposição de tributos aperfeiçoa-se, assim, tendo em vista a prerrogativa do Estado alcançar aos cidadãos o mínimo necessário à sua existência enquanto sociedade, oferecendo serviços como saúde, educação e assistência. O fundamento para a imposição de tributos reside exatamente na perspectiva de que a vida em sociedade ocasiona o surgimento de determinadas necessidades públicas, que somente são satisfeitas com o emprego de recursos públicos. Assim, o custeio das atividades públicas é patrocinado pelos contribuintes, sendo que ao Estado é conferida a competência indelegável para instituir tributos. É nesse sentido que a estrutura do ordenamento jurídico pauta-se na instituição de direitos e deveres fundamentais, os quais devidamente cumpridos asseguram o bom convívio social. Percebe-se, pois, que embora a discussão freqüente gire em torno dos direitos constitucionalmente garantidos, o Estado possui a prerrogativa de, no exercício de sua soberania, primar também pelo cumprimento dos deveres fundamentais dos cidadãos22, dentre os quais está incluso o dever de pagar tributos. É este dever de pagamento de tributos que faz com seja possível falar-se em coisa pública e na própria satisfação de interesses sociais. 22 No que se refere aos deveres fundamentais, Nabais (1998, p. 59) afirma que “os deveres fundamentais, para além de constituírem o pressuposto geral da existência e funcionamento do estado e do conseqüente reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto, se apresentam, singularmente considerados, como específicos pressupostos de proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos indivíduos”. 38 No entanto, este indispensável poder de tributar do Estado não é absoluto, encontrando limitações no próprio ordenamento. O sistema constitucional tributário preocupa-se em limitar este poder impositivo na medida em que assegura aos contribuintes determinadas garantias, como é o caso da norma de legalidade tributária23, expressa no inciso I do artigo 150 da Constituição Federal, a qual afirma ser vedado exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça24. Em igual sentido, pode-se mencionar normas da anterioridade e da noventena, as quais indicam, respeitadas as exceções legais, que a instituição ou aumento deve se dar no exercício financeiro anterior e respeitado o período mínimo de noventa dias25. Tais normas específicas possuem o objetivo de afastar-se arbitrariedades, conferindo-se aos contribuintes uma certa previsão quanto aos encargos a serem suportados. Tratam-se de normativos rígidos e cuja inobservância importa em inconstitucionalidade da exigência tributária. 23 23 O princípio da legalidade tributária afirma que as pessoas políticas de direito público interno somente podem colocar a obrigatoriedade dos contribuintes de pagar tributos ainda não instituídos ou aumentar o valor relativo aos que já constam no ordenamento através de lei. A lei a que se refere a Constituição Federal neste ponto é a ordinária, equiparando-se a tais as Medidas Provisórias, que possuem força de lei e as leis delegadas. Não se pode ter, no entanto, o aumento ou a instituição de tributo por qualquer outra forma infralegal, como, por exemplo, por resoluções ou portarias. No o entanto, existem exceções a este princípio, como se pode apontar do exposto no artigo 153, § 1 da Carta Maior, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V do mesmo dispositivo legal. Tratam-se dos impostos sobre a importação, sobre a exportação, sobre produtos industrializados, e sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários. 24 A doutrinadora Germana de Oliveira Moraes (1999) coloca de maneira bastante precisa que no que se refere à atuação da Administração Pública, o princípio da legalidade encontra-se superado pelo princípio da juridicidade, exatamente pela necessidade de se observar também os princípios jurídicos e não apenas a lei para poder considerar-se como juridicamente válido o agir estatal. Nesse sentido, ainda que em âmbito diferenciado, é possível se afirmar sem qualquer receio que o hoje é entendido como princípio da legalidade tributária deverá ter seu entendimento alargado para que se possa ver compreendido os princípios jurídicos e não apenas a lei para que não haja afronta à ordem constitucional na elaboração do tributo. Ou seja, se é fato incontroverso que o Poder Público não poderá dar exigibilidade a um tributo que não tenha sido instituído através de lei, também é verdade que o legislador deverá atentar minunciosamente aos princípios jurídicos para a elaboração dessa lei. Por conseguinte, mesmo que algum tributo tenha sido instituído ou majorado em conformidade com o que dispõe o inciso I do artigo 150 da Carta Magna, se a elencação do fato gerador ou a majoração da alíquota tenha afrontado algum dos princípios jurídicos informadores da ordem constitucionaltributária, tal tributo não poderá ser considerado juridicamente válido. 25 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumento; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;” 39 Ao lado de tais especificações, residem normativas constitucionais que traçam as diretrizes para a atividade legiferante, preocupando-se em expressar objetivos a serem realizados na legislação tributária. É Importante que se compreenda, pois, que não apenas de requisitos estanques e objetivos é constituída a ordem fundamental tributária, mas também de diretrizes e de limitações que se relacionam com o próprio objetivo da existência de um sistema constitucional tributário. Assim, na ordem tributária, ao lado de requisitos formais para a instituição ou majoração de um tributo, como é o caso da legalidade tributária, observam-se também normas abstratas e genéricas, cuja existência e positividade não podem ser ignoradas. O mais comum exemplo é a questão da capacidade contributiva26, mas este não é o único ponto a ser indicado. É neste aspecto que se mostra relevante a compreensão dos motivos que autorizam a instituição de tributos para, por via de conseqüência, depreender-se as razões constitucionais que fazem com que se deixe de conferir ao Estado a sua competência tributária, em especial tendo em vista a atuação da sociedade civil. Com efeito, compreender-se os motivos que autorizam a instituição de tributos permite que se compreenda, em última análise, as situações que levam o legislador constituinte a delimitar a competência tributária, traçando-se os contornos de um sistema constitucional tributário que tem a pretensão de ser eficiente. Frise-se que o pagamento de tributos não pode ser relacionado com a idéia de imposição indiscriminada de poder do Estado27, servindo isso sim como fonte para que a contraprestação seja conferida aos cidadãos através da realização de políticas públicas que atuem no incremento de direitos constitucionais. O cumprimento do 26 “Art. 145. [...] § 2º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. 27 “[...] o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como um contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado [...]” (NABAIS, 1998, p. 185). 40 dever fundamental de pagar tributos é o que possibilita a própria vida em sociedade, visto que [...] os deveres fundamentais, para além de constituírem o pressuposto geral da existência e funcionamento do estado e do conseqüente reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto, se apresentam, singularmente considerados, como específicos pressupostos da proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos indivíduos. Prova disso temo-la, por exemplo, no dever que é objecto do presente estudo: efectivamente, o dever de pagar impostos é um pressuposto necessário da garantia do direito de propriedade, na medida em que esta é de todo incompatível com um estado proprietário e implica inevitavelmente um estado fiscal (NABAIS, 1998, p. 59-60). Desse modo, partindo-se da perspectiva que o sustento da atividade estatal se dá mediante a arrecadação de tributos, tem-se que o Estado moderno é marcado pela característica de Estado fiscal, significando “uma separação fundamental entre estado e economia e a conseqüente sustentação financeira daquele através da sua participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto” (NABAIS, 1988, p. 196). É neste aspecto que se tem que um dos fatores a indicar o desenvolvimento de uma nação é o que ela arrecada com a tributação e como ela designa isso ao bem da relação do indivíduo com a sociedade e o governo. O tributo e sua legislação de arrecadação demonstram a capacidade econômica do país de transferir as suas riquezas, dos cofres públicos, para as necessidades de sua população. No entanto, enquanto na atualidade a relação tributária não pode ser considerada uma relação de poder, nos primórdios das sociedades a carga tributária cobrada dos povos vencidos na guerra era elevadíssima. Assim, os povos derrotados se subordinavam às leis impostas à nação vitoriosa, sendo que o objetivo principal era de evitar novos confrontos. Já na Idade Média, como afirma Balthazar (2005, p. 17), “[...] os tributos não eram pagos a um Estado, mas sim a uma pessoa, o senhor feudal, perdendo, desta maneira, o caráter fiscal [...]”. E esta realidade permaneceu até o surgimento dos Estados Nacionais. É com o aparecimento dos Estados Nacionais que começamos a ter uma noção de tributos mais aproximada da atualidade. O rei, porém, não 41 separava suas riquezas das do operário público. Os tributos eram cobrados de acordo com os interesses do governante e não do Estado. A idéia de tributo e, sobretudo, de imposto consolidou-se após a Revolução Francesa, com a conseqüente distinção entre patrimônio do governante e o erário público, surgindo daí a noção do Orçamento Público (BALTHAZAR, 2005, p. 17). O histórico do tributo pelo mundo mostra que, na antigüidade, a implantação da política de arrecadação era exercida por um governo de uma maneira ineficaz e desorganizada, tendo, em muitos casos, a apelação da força bruta para que tal regra tomasse forma. Os tributos eram originários, em grande parte das vezes, da vontade de um governante, o qual utilizava sua força e influência. No entanto, não havia uma eficiência na arrecadação destes tributos ou tampouco a efetiva contraprestação do Estado com a implementação de políticas públicas preocupadas com o bem-estar social, sendo que cobrança de valores elevados acabava por colocar a camada mais pobre da população em situação de nítida desvantagem. (BALTHAZAR, 2005). Com o passar dos tempos, a tributação foi ganhando um expressivo destaque para o desenvolvimento das nações, este entendido como expansão territorial e de poder. Tal se deu, especialmente, tendo em vista as vitórias dos exércitos e o crescimento dos territórios. (AMARAL, 2002). Assim, embora a tributação tratava-se de algo relevante para o crescimento das nações, a falta de preocupação com uma diretriz justa para o método arrecadatório se fez presente por longos tempos na história mundial. Isso acabou por gerar uma grande aversão à tributação, incrementando-se o descrédito na própria atuação estatal. Paradoxalmente, foi a própria organização da vida em sociedade e o incremento da estrutura estatal que passou a demonstrar a necessidade da prestação de políticas públicas em um grau mais acentuado. É o que ressalta Amaral (2002, p. 14): O Estado, seus governos e respectivas estruturas cresceram em tamanho e importância. Conforme os governos foram se estabelecendo e as sociedades se organizando, maiores foram as suas exigências com relação à manutenção de suas benesses e na extensão de políticas sociais a camadas mais amplas da população. 42 Internamente, como medida adotada para uma evolução tributária, passou-se de prestação de trabalho (tributum in labore) para as prestações em espécie (tributum in natura) e em seguida, para a prestação em dinheiro (tributum in pecúnia)28, prestações essas que acabaram sendo definidas em lei. (BALTHAZAR, 2005). No Brasil, com a imposição de uma diretriz tributária portuguesa, houve a condução para uma estrutura baseada em modelo liberal. Tal modelo se estendeu desde o seu descobrimento, com o início da colonização e, também, no decorrer do período colonial, mesclando-se com princípios religiosos que também influenciaram para a criação de um sistema tributário no Brasil, ainda que de contornos frágeis. Com o lucro obtido da extratividade do pau-brasil, começou a ser cobrado, no país, o primeiro tributo que se tem conhecimento: o quinto do pau-brasil. (BALTHAZAR, 2005). Efetivamente, [...] o Brasil Colônia foi marcado por um período de intensa exploração portuguesa. Portugal não tinha nenhuma preocupação e interesse pelo desenvolvimento de nossa terra. A ausência de um comércio forte, conseqüência de uma escassa população, não exigia um direito positivo fiscal e tributário próprio (BALTHAZAR, 2005, p. 35). Com a instituição das Companhias Hereditárias e a produção da cana-deaçúcar, novos tributos começaram a surgir e serem cobrados, como os relativos às mercadorias exportadas e importadas, sobre a produção das colheitas, metais, especiarias, entre outros. (BALTHAZAR, 2005). Não havendo uma organização fiscal eficiente e existindo assim, um real distanciamento entre a colônia e a metrópole, instaurou-se uma forte sonegação fiscal29, fazendo com que o propósito inicial do sistema das Capitanias Hereditárias 28 Balthazar (2005, p. 20) ressalta ainda: “Nota-se que ainda temos no direito brasileiro, imposições sob a forma de trabalho (serviço militar, eleitoral, tribunal de júri), mas que não mais se confundem com o moderno conceito de tributo”. 29 Balthazar (2005, p. 40-41) explana: “Os ‘contribuintes’ passaram a desenvolver diversas maneiras de driblar o fisco, aliando-se aos ‘interesses’ dos funcionários da Coroa, que implantaram um sistema fortemente marcado pela corrupção. Em menos de vinte anos, ficou patente que o sistema de Capitanias Hereditárias não funcionou no Brasil. No contexto geral, um fracasso [...]”. 43 não alcançasse seus objetivos no Brasil. Com a vinda da família Real para o Brasil, modificações importantes diante a tributação foram impostas gerando novos tributos sobre a importação, sobre selos e também para a criação de um fundo para a criação do Banco do Brasil. E, como não poderia deixar de ser, a instalação da família Real portuguesa no Brasil também importou na incrementação de vícios comuns à cultura portuguesa em relação à sua política fiscal. Assim, buscando uma maior efetividade e regulamentação da política econômica instaurada desde então, em 28 de janeiro de 1808, o príncipe D. João VI promulga a Carta Regia. Este documento possibilita o livre comércio de qualquer produto, o nascimento da Imprensa Nacional, a criação do Banco do Brasil, entre outros. (BALTHAZAR, 2005). A partir do fim do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX, intensificou-se a insatisfação popular com o sistema fiscal implantando no Brasil, especialmente no que concerne à questão tributária, eclodindo revoltas por todo o país, tais como a Inconfidência Mineira e Conjuração Baiana, duramente reprimidas pelo governo português. As revoltas continuaram a acontecer no período do governo de D. João VI; tal processo culminou com a Proclamação da Independência, em 1822 (BALTHAZAR, 2005, p. 77). Com a proclamação da independência, a época imperial no Brasil foi vitimada por dois reinados. O primeiro reinado, tendo como imperador Dom Pedro I, inicia-se com uma forte crise política e econômica, sendo que com a tentativa de amenizar os problemas, cria-se a Constituição Imperial, a qual não resolveu as dificuldades oriundas da tributação já existentes. Já o segundo reinado, assumindo por Dom Pedro II, foi conhecido por uma economia agroexportadora. O sistema tributário nesse período é mais bem organizado, mas a sistemática ainda tinha vícios, o que acabava acarretando um prejuízo na arrecadação tributária. (BALTHAZAR, 2005).30 No entanto, não se pode negar que o segundo reinado teve momentos históricos importantes que alavancaram um aprofundamento na política tributária. Nesse sentido, pode-se mencionar a Guerra do Paraguai, que acarretou uma majoração na alíquota de vários impostos e o término de outros, e Abolição da Escravatura em 1888, que acabou por gerar um profundo impacto no regime político 30 Balthazar (2005, p. 93) mostra que a fase durante o segundo império continuou registrando “[...] muitas falhas e constantes déficits orçamentários [...]”. 44 adotado até então, dando início à implantação dos ideais republicanos. (BALTHAZAR, 2005). Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, um novo período se inicia no Brasil, passando as províncias a ocupar o status de Estados federativos, com autonomia política e administrativa. No campo tributário, a Carta firmou a competência da União e dos Estados, por meio de um sistema de discriminação rígida de rendas tributárias. Contudo, se, por um lado muitos impostos foram aproveitados do Império, por outro, dois problemas sérios foram criados, sem que os constituintes, à época, percebessem suas repercussões futuras: a superposição de tributos, provocando uma concorrência tributária entre União e Estados, e o alijamento dos Municípios da discriminação de rendas tributárias. Os tributos destes ficavam a critério do Estado (BALTHAZAR, 2005, p. 106). Caracterizada pela política do “café-com-leite”, na qual o sistema de governo se entrelaçava entre São Paulo e Minas Gerais, a República Velha, também foi marcada por uma determinação divisória de impostos. Em âmbito federal, tinha-se a taxa de selos e impostos sobre importação estrangeira; em âmbito estadual, observavam-se impostos sobre imóveis rurais e urbanos, e transmissão de propriedade; já na esfera municipal, os decorrentes da renda de estabelecimentos comerciais e de multas cobradas por infração municipal. Essa época também ficou marcada com a criação do Imposto sobre a Renda em 1921 que incidia sobre o capital como juros, lucro líquido das sociedades, lucro de fábricas, entre outros. (BALTHAZAR, 2005). A par das Constituições de 34 e 37, foi a Constituição de 1946 inovou e passou a relatar, com mais clareza, a política tributária, e conseqüentemente a competência para a instituição de tributos pela União, Estados e Municípios. Com o golpe de 1964, a preocupação com a economia do país ficou evidente. Tendo por base o anteprojeto de Lei do Código Tributário Nacional, encaminha-se uma reforma tributária (1965), com o propósito de estancar lacunas, contribuir para o crescimento e evitar as desigualdades econômicas regionais latentes que existiam na época. É neste sentido a Emenda Constititucional nº 18/65. (BALTHAZAR, 2005). 45 Em 25 de outubro de 1966 tem-se a criação da Lei n. 5.172, denominada de Código Tributário Nacional, a qual vem com o objetivo de favorecer para um equilíbrio financeiro no País. Trouxe com mais transparência os contextos das espécies tributárias, atribuindo assim, a importância dos tributos para o desenvolvimento crescente da política econômica. Com as reestruturações jurídicas, promulgando-se a Constituição Federal de 1967, a Emenda Constitucional n. 01, de 1969, e mesmo a Constituição Federal de 1988, evidenciam-se sucessivas alterações no Código Tributário Nacional, especialmente tendo em vista as necessidades pertinentes às épocas. Neste contexto, pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 representa um divisor de águas no que se refere ao Direito Tributário Brasileiro, tendo por objetivo a instituição de um sistema tributário eficiente, estabelecendo-se normas a serem atendidas para a criação de tributos e alargando-se o rol de garantias asseguradas aos contribuintes. A Constituição Federal de 1988 reservou seu Título VI para a tributação e o orçamento, sendo que o Capítulo I deste Título é voltado exatamente ao sistema tributário nacional, especificando-se os princípios gerais da ordem tributária, as limitações ao poder de tributar, os impostos de competência de cada um dos entes federados e a repartição de receitas tributárias. Tornou-se, assim, a principal fonte do Direito Tributário no ordenamento brasileiro, tratando das prerrogativas da fazenda pública e das garantias dos contribuintes. Depreende-se que o Direito Tributário possui efetiva dignidade constitucional devido ao significativo, peculiar e minucioso tratamento que lhe conferido pelo constituinte, o que tem o condão de revelar sua considerável importância no ordenamento jurídico, pela circunstancia especial de, por um lado, representar fonte de receita para o Poder Público, e de outro, acarretar ingerência no patrimônio dos particulares. A Constituição contém conceitos e diretrizes e básicas que devem ser rigorosamente obedecidas por todos os seus destinatários , e perseguidas até suas últimas conseqüências, sendo inadmissível ao intérprete e aplicador do Direito tomar como ponto de partida norma infraconstitucional (a lei ou o regulamento), uma vez que esta deve sempre estar fundamentada em norma de escalão superior (como se caracteriza a Constituição) (MELO, 2004, p. 12). 46 A colocação da ordem tributária em âmbito constitucional evidencia sua importância para o desenvolvimento dos objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil. Em regra, não há como se visualizar a concretização de qualquer dos fundamentos ou objetivos da República sem a utilização de políticas tributárias eficientes, observando-se o direito tributário como um instrumento a ser utilizado na consecução do bem comum. A grande questão, que ultrapassa a discussão acadêmica, é viabilizar a utilização adequada do direito tributário, especialmente tendo em vista a alta carga tributária31 e a insuficiência de políticas públicas que atuem na concretização dos direitos constitucionalmente garantidos. Amaral (2002, p. 21-22) chega a afirmar que o que se observa exemplifica uma inversão de valores, privilegiando-se a desonestidade: Nenhum país cresce sem uma arrecadação tributária confiável e tampouco consegue aplacar graves desequilíbrios sociais, como é o caso brasileiro. Entretanto, também não se modifica uma economia cujos fundamentos estão corroídos por uma sistemática tributária maléfica e obtusa, que pune o honesto e premia o sonegador. Aquele que consegue fugir da tributação seja por meios lícitos (benefícios, por exemplo, da deletéria guerra fiscal entre Estados e também entre Municípios) ou não (pela sonegação pura e simples), impõe uma séria concorrência desleal para a economia formalizada ou incapaz de usufruir das distorções impositivas pátrias. De qualquer forma, não se pode desconsiderar que a atuação do Estado fazse primordial na consecução dos valores tributários, sendo que as distorções observadas no governos não pode afetar o alcance da importância da matéria tratada neste trabalho. Com efeito, se atuação governamental desprestigia a honestidade e premia a utilização de meios como podem ser tidos como incorretos, a necessidade de discussão do tema e mesmo a fortificação dos conceitos básicos de direito tributário torna-se ainda mais latente. A construção de um Estado Democrático de Direito, nos moldes do preâmbulo da Constituição Federal de 1988, mostra-se possível na medida em que as instituições jurídicas sejam fortes o suficiente para sustentar os princípios 31 Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, no ano de 2006 a carga tributária atingiu 38,8% do Produto Interno Bruto (INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO, 2007). 47 fundamentais e os objetivos da República, o que não se mostra diverso em âmbito tributário. Ao se analisar o próprio conceito de tributo32 expresso no artigo 3o do Código Tributário Nacional, tem-se que seu pagamento de tributo não é facultativo, mas sim obrigatório, devendo ser realizado em pecúnia. Percebe-se, igualmente, que o seu pagamento não se dá tendo em vista a existência de qualquer ilícito, sendo isto sim a contribuição paga pelo indivíduo para que as necessidades sociais sejam satisfeitas. E a satisfação das necessidades sociais é a contraprestação que o Estado deve alcançar. Com efeito, o que se está a dizer é que o fundamento para o poder impositivo do Estado de exercer a tributação reside em prerrogativas constitucionais que objetivam, em última análise, a realização dos próprios direitos fundamentais33. Isso porque “a legitimidade do poder tributário se afirma pelo respeito aos direitos da liberdade e pela atualização dos princípios constitucionais” (TORRES, 2005, p. 37). É neste sentido que a utilização incorreta dos mecanismos de direito tributário acaba por importar em uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais, tendo em vista que a permissão para se atingir o direito de propriedade dos indivíduos e sua própria liberdade se dá, exatamente, em nome da necessidade de preservação de tais desideratos.34 Assim, e retomando a idéia inicial deste ponto do trabalho, o que se tem é que o poder de tributar possui limitações não apenas formais, mas também (e especialmente) limitações que se depreendem da própria estrutura do ordenamento 32 Para Cassone (2002, p. 27), tributo “[...] é certa quantia em dinheiro que os contribuintes (Pessoas físicas ou jurídicas) são obrigadas a pagar ao estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) quando praticam certos fatos geradores previstos pelas leis tributárias. Representa ele o ponto central do direito tributário [...]”. 33 a a Os direitos de 1 geração ou dimensão são os chamados direitos individuais sendo que os de 2 a geração ou dimensão são os sociais. Já os direitos de 3 geração são os direitos dos povos ou da solidariedade, como o direito à paz e a um meio ambiente saudável (DORNELLES, 1993). 34 “Na práxis da atualidade observa-se que o poder de tributar reveste-se da possibilidade de legislar em matéria tributária conforme as competências constitucionalmente conferidas, as quais devem ser obviamente exercidas em consonância com os valores retores do ordenamento jurídico, integrandose sistematicamente aos princípios constitucionais. Assim, considerando que os valores inafastáveis do ordenamento jurídico são exatamente os direitos fundamentais, deve o poder de tributar com eles se compatibilizar [...]” (TUPIASSU, 2006, p. 101). 48 jurídico. Ratificando este entendimento, Tupiassu (2006, p. 105-106) afirma perceber-se que: [...] o Poder de Tributar é limitado não apenas por um conteúdo formal, mas também por critérios materiais, substanciais e finalísticos que obrigam sua utilização de acordo com as políticas públicas, devendo estas levar em conta todos os valores constitucionalmente assegurados, principalmente aqueles que se revestem de caráter de direitos fundamentais, cuja eficácia deve ser imediata. A legitimidade da tributação, então deve ser vinculada à consecução dos objetivos do Estado Social, atuando também de forma positiva na promoção da justiça e dos direitos sociais, econômicos, culturais e difusos, sob pena de obrar ao completo arrepio do disposto na Carta Constitucional. Assim, as receitas arrecadas em tributos possuem o fim precípuo de viabilizar a consecução do bem comum, sendo este o objetivo da vida em sociedade a ser alcançado. E as impropriedades da prática tributária adotada por governos não preocupados com a satisfação dos direitos fundamentais não possui o condão de aniquilar os fundamentos de direito tributário. O que se tem, efetivamente, é a necessidade de se analisar os instrumentos de Direito Tributário que podem ser utilizados para a implementação de políticas públicas eficientes, viabilizando-se os objetivos constitucionais. É neste sentido que se fala em Estado fomentador de políticas públicas, incrementando-se a atuação da sociedade civil na implementação de políticas que satisfaçam as necessidades sociais. O manejo adequado da imunidade tributária oferecida à instituição que atua em prol dos interesses sociais possibilita, desse modo, que os direitos fundamentais sejam incrementados. Torna-se necessário, pois, compreender-se a atuação da sociedade civil organizada e aquilo que pode ser delineado sob a idéia de assistência social, para que só então possa compreender-se a o mecanismo da imunidade tributária como um instrumento que aprimore o verdadeiro sentido da arrecadação para o desenvolvimento social. É preciso que compreenda a atuação da sociedade civil na implementação de políticas públicas e os contornos constitucionais da assistência social. 49 2 SOCIEDADE CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL A organização da vida em sociedade e a própria ineficiência do Estado em prover as necessidades sociais básicas fez com que a sociedade civil viesse a organizar-se de modo a incrementar as atividades púbicas. O que se tem, efetivamente, é que no âmbito social o Estado necessita do auxílio da própria comunidade para que os desafios de desenvolvimento sustentável sejam alcançados. Ketll (1998, p. 115) afirma que [...] as pressões pela redução do tamanho do Estado têm feito com que o governo passe cada vez mais atividades ao setor privado a organizações sem fins lucrativos, a concessionários (sobretudo os sistemas federais) e aos cidadãos. É neste contexto que a sociedade civil passa a organizar-se, incrementado suas atividades para a atenção às necessidades vitais daqueles indivíduos que não conseguem, por si só, garantir sua existência digna e que, tampouco, podem contar com o auxílio estatal. O objeto de análise no presente capítulo refere-se exatamente à atuação da sociedade civil de forma suplementar ao Estado, especialmente no que tange à assistência social e seus contornos constitucionais. Parte-se, assim, da análise do público não-estatal e a satisfação dos direitos sociais. 2.1 O público não-estatal na concretização dos direitos sociais A incapacidade do Estado, por si só, implementar políticas públicas35 faz surgir uma nova ordem social com o objetivo de prover serviços sociais de qualidade aos cidadãos. Com efeito, a sociedade civil se organiza com o propósito de amenizar as deficiências sociais na qualidade de vida dos indivíduos. 35 Melo Neto (1999, p. 02) ressalta: “[...] a falência do Estado e o apogeu do liberalismo, com a concepção do Estado Mínimo, paralisou o Primeiro Setor, que é o próprio Estado [...]”. 50 O chamado terceiro setor passa a atuar, assim, ao lado do Estado e do mercado, sendo que Rocha (2003, p. 13) afirma que: Os entes que integram o Terceiro setor são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública, mas que não almejam, entretanto, entre seus objetivos sociais, o lucro e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público. O terceiro setor surge com o propósito de resgatar o espírito de solidariedade, cidadania, humanização, tendo por objetivo promover a igualdade e a própria dignidade da pessoa humana. O que se objetiva é possibilitar um acesso mais facilitado aos benefícios sociais, de modo que aqueles indivíduos que ficam à margem da prestação dos serviços públicos recebam a devida atenção pública, ainda que esta atenção não seja estatal. A definição de terceiro setor surgiu já na primeira metade do século, nos Estados Unidos. Ele seria uma mistura dos dois setores econômicos clássicos da sociedade: o público, representado pelo Estado, e o privado, representado pelo empresariado em geral. Segundo o Professor Luís Carlos Merege, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro setor da Fundação Getulio Vargas se São Paulo, a noção vem do comportamento filantrópico que a maioria das empresas norte-americanas sempre manteve ao longo da história (MELO NETO, 1999, p. 05). O que se observa, neste segmento, é a transferência das atividades não essenciais para a sociedade civil, tendo-se a atuação direta do Estado apenas subsidiariamente. O princípio da subsidiariedade surge como uma alternativa às idéias de intervenção máxima e mínima do Estado, de modo a não admitir sua interferência injustificada e, de outro lado, assegurar sua ação indispensável. Suas origens e conceito jurídico remontam a Aristóteles e ao pensamento cristão, sendo que foi com a doutrina social da Igreja Católica que nasceu a concepção que se tem atualmente do princípio da subsidiariedade. Este preceito já estava previsto implicitamente na Encíclica Rerum Novarum, que data de 1891 e eleva a dignidade da pessoa humana através de dois mecanismos: a proteção da propriedade privada tendo em vista a ameaça do socialismo; e a defesa do proletariado das ganâncias do liberalismo econômico (BARACHO, 1996). 51 No entanto, a clara definição do princípio da subsidiariedade vem expressa somente na Encíclica Quadragésimo Anno, a qual baseia-se na estrutura hierarquizada da sociedade36. Prevê o enunciado no 79 da Encíclica: Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los e nem absorvelos. A previsão do princípio da subsidiariedade não ficou expresso apenas na referida Encíclica, sendo que em 1961 o princípio foi reproduzido literalmente na Encíclica Mater et Magistra. Já em 1991, o Papa João Paulo II refere o princípio da subsidiariedade como regente das relações dos Poderes Públicos com os demais atores sociais, refutando a interferência e consagrando o apoio e a ajuda em caso de necessidade para o fim de coordenar sua ação com os demais componentes sociais, sempre objetivando a satisfação do bem comum. (ROCHA, 2003). As especificações do princípio da subsidiariedade ultrapassaram os limites da Igreja Católica, sendo estendidas a outras organizações. Nesse sentido, é necessário que se compreenda sua atuação no que se refere à sociedade civil e ao Estado, tendo em vista que o princípio da subsidiariedade pode ser visto como uma garantia contra a arbitrariedade. Seu objetivo também é o de limitar a ação do Poder Público, tendo-se em mente que a efetiva legitimação do poder encontra-se no povo. O princípio da subsidiariedade atua, assim, como moderador da ação pública, devendo ser analisado conforme as particularidades da situação que se mostra. É nesse aspecto que se ressalta a necessidade de se justificar as decisões judiciais e administrativas, primando-se pela coerência com a segurança e com a eficácia, de modo a satisfazer as necessidades públicas. (BARACHO, 1996). 36 Ao tratar da atuação do princípio da subsidiariedade no que tange ao disposto na Encíclica Quadragésimo Anno, Rocha (2003, p. 14) afirma: “Seu conteúdo precípuo está em que uma entidade superior não deve realizar os interesses da coletividade inferior quando esta puder supri-los por si mesma de maneira mais eficaz; ou, sob uma perspectiva positiva, em que somente cabe ao ente maior atuar nas matérias que não possam ser assumidas, ou não o possam ser de maneira mais adequada, pelos grupos sociais menores [...]”. 52 Baracho (1996, p. 86), ao discorrer sobre o princípio da subsidiariedade, afirma: A característica essencial do princípio é sua flexibilidade, pela qual em qualquer circunstância ele implica efetivação do equilíbrio. Não será nunca rígido, como, por exemplo, quando se trata de prescrição jurídica, no domínio das competências reservadas. Para sua compreensão, em seu sentido contrário, entende-se que não existem competências reservadas. Sua formulação jurídica evita excessos das ingerências e as lacunas da não-ingerência, abrindo a possibilidade de invocação da lei em caso de conflito. A aplicação cotidiana demonstra o conhecimento exato de cada situação. Nesse sentido, o princípio da subsidiariedade não pode ser aplicado diretamente, mas serve como guia para apreciação dos agentes políticos e sociais. Como se observa dos ensinamentos acima, o princípio da subsidiariedade atua como um guia do sistema posto, de modo a pautar a atuação do Administrador Público. Na estruturação do Estado, igualmente, o princípio da subsidiariedade deve se fazer presente, na medida que é atribuição do Poder Público agir com equilíbrio, de modo a reconhecer suas limitações e fomentar a atividade do terceiro setor. Em atenção à subsidiariedade, a atuação do Estado, de forma direta, deve se dar naquelas situações em que a atividade exclusiva seja exclusiva. Ensina Bresser Pereira (1998, p. 33-34) que: Atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado. São as atividades que garantem diretamente que as leis e as políticas públicas sejam cumpridas e financiadas. Integram esse setor as forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos – as funções tradicionais do Estado – e também as agências reguladoras, as agências de financiamento, fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social. As atividades exclusivas, portanto, não devem ser identificadas como o Estado liberal clássico, para o qual bastam a polícia e as forças armadas. [...] Serviços não-exclusivos são todos aqueles que o Estado provê, mas que, como não envolvem o exercício do poder extroverso do Estado, podem ser também oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não-estatal (‘não governamental’). Esse setor compreende os serviços de educação, saúde, cultura e de pesquisa científica. O terceiro setor, desse modo, refere-se àquelas entidades de direito privado que atuam de acordo com o interesse público, sem o objetivo de lucro. Segundo Boaventura de Souza Santos (1995), o terceiro setor é formado pelas organizações sociais que não são estatais ou empresariais, e que mesmo sendo privadas não 53 objetivam lucro, atuando, isso sim, na consecução de objetivos sociais, públicos ou coletivos. Desse modo, as entidades que integram o terceiro setor são aquelas que possuem finalidade não-lucrativa e objetivo de intervenção social em áreas relevantes, como saúde, educação e cultura. Com efeito, em toda a América Latina, notou-se uma expansão das teorias e suas ações nos anos 70, mesmo os países estando sob domínio de regimes autoritários. Na década de 80, com a democratização em evidência, o conceito se expandiu, ocasionando um aparecimento maior de entidades sem fins lucrativos (MELO NETO, 1999).37 O chamado terceiro setor liga-se, assim, à idéia de participação social e importa na constatação de que o incremento de sua força relaciona-se a uma sociedade mais bem estruturada, sendo que a própria forma de gerir a coisa pública deve ser diferenciada. Isso porque na medida em que a sociedade civil se faz mais presente, a idéia de democracia se solidifica, intensificando-se a relação entre os vários atores sociais. Embora a gestão da coisa pública apresente indubitáveis problemas na ordem brasileira, não se pode negar que a atuação do terceiro setor aumentou nos últimos anos. As necessidades socioeconômicas latentes, a crise do setor público e uma participação encorpada das empresas buscando a cidadania empresarial são alguns dos fatores que fizeram com que o terceiro setor tivesse um incremento, fazendo com que a responsabilidade social e ética se tornasse ação preocupante das empresas, refletindo no andamento dos seus negócios. (MELO NETO, 1999). 37 “Os processos de democratização vivenciados na América Latina nos anos 80 têm como idéias nucleares a sociedade civil e a cidadania. Com esses conceitos, os movimentos sociais adoram um horizonte universalista e passam a se considerar como partes de um conjunto maior, uma sociedade legalmente constituída. O comportamento de acordo com as leis, bem como o interesse e o direito de influir no estabelecimento das leis relacionam-se com a necessidade e o desejo de participação política sempre crescentes. Em lugar da comunidade e de movimentos locais, a democratização propicia e reforça a presença participativa dos indivíduos-cidadãos [...]” (MELO NETO, 1999, p. 15). 54 Nesta realidade de incremento da atuação em prol do social, também não se pode desconsiderar que muitas empresas que agem com suposta responsabilidade social estão, na verdade, realizando uma espécie de marketing social, não se preocupando especialmente com os interesses sociais, mas sim com sua imagem perante seu público-alvo. Este tipo de atuação não pode ser considerada social. No entanto, as distorções de empresas que objetivam única e exclusivamente o incremento de seus lucros não possuem o condão de descaracterizar a postura comprometida de outras instituições, prevalecendo a força e importância do terceiro setor. As empresas que atuam no terceiro setor necessitam apresentar uma postura ética e sensível socialmente, a fim de que estas empresas engajadas em projetos sociais não levem em conta apenas suas necessidades. Como mostra Ferrel (2001, p. 78): A integridade e a observância de padrões éticos vão além do cumprimento de leis e regulamentos. Bons cidadãos empresariais adotam valores e princípios que não admitem que sejam postos em risco simplesmente para cumprir metas internas da empresa. Várias sociedades empresárias focam suas estratégias efetivando ações em responsabilidade social, com o objetivo de tornarem-se empresas cidadãs e diminuir efetivamente problemas decorrentes da desigualdade. Essa dinâmica do terceiro setor, além de estruturar uma meta de erradicar problemas existentes na população que seriam de ordem governamental e comum a todos os cidadãos, acaba por realizar uma competitividade empresarial, agregando valor social aos seus negócios. O grande crescimento desse tipo de prática social no Brasil se deu nos anos 90, principalmente na segunda metade da década, com o expressivo número de empresas constituindo fundações e institutos para agir de forma clara e concisa nas mais variadas deficiências que existem na sociedade de um modo geral. De lá pra cá, com os resultados satisfatórios, o número de organizações engajadas e solidárias com o propósito só cresceu. (MELO NETO, 1999). 55 Em verdade, o terceiro setor preenche lacunas esquecidas pelo Estado, sendo que com captação de recursos, alianças e parcerias, as instituições se unem para viabilizar ações promotoras da igualdade, objetivando oferecer eqüidade e dignidade à sociedade, já que o Estado não desenvolve com eficiência suas atividades obrigatórias. Com o surgimento de Organizações Não-Governamentais (ONG’s)38 e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s), a preocupação em estabelecer melhorias para a sociedade não se restringe apenas às empresas privadas. Com efeito, o surgimento de movimentos sociais faz com que se tenha a criação de Organizações Não-Governamentais, que atuam em uma área até então reservada à Igreja. É na atuação de tais entidades, da própria Igreja, bem como a mobilização dos cidadãos, entre outros fatores, que se caracteriza uma alteração na ordem social. Passou-se a perceber, assim, uma nova interface nas relações entre Estado, mercado e sociedade civil, importando em alterações quanto ao modelo de gestão utilizado, primando-se pela administração participativa com objetivo de solidariedade social. Como mostra Tachizawa (2004, p. 24): As ONG’s, historicamente, começaram a existir em anos de regime militar, acompanhando um padrão característico da sociedade brasileira, onde o período autoritário convive com a modernização do país e com o surgimento de uma nova sociedade organizada, baseada em ideários de autonomia e relação ao Estado, em que sociedade civil tende a confundirse, por si só, com oposição política. As OSCIP’s39, do mesmo modo, são muito importantes como suplemento do terceiro setor. Embora elas não idealizam o lucro como principal produto, são elas que fomentam o desenvolvimento humano, através de métodos transparentes. 38 Melo Neto (1999, p. 16) afirma ainda que se deve “[...] destacar que na dinâmica interna do setor terciário estão presentes as ONG’s – Organizações Não-Governamentais. São elas que, freqüentemente, implementam os projetos juntamente com as populações que demandam do Estado, bens e serviços, após organiza-las em movimentos sociais [...]”. 39 “As sociedades de interesse público devem estabelecer, nos respectivos estatutos, normas ou disposições, entre outras, que observem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, 56 Uma gama de entidades podem se qualificar como OSCIP’s. Como afirma Rocha (2003, p 62): Entre os entes autorizados a obter a qualificação de sociedades civis de interesse publico estão aqueles que se dedicam à promoção da assistência social; da cultura; prestam serviços gratuitos de educação e saúde e se dedicam à defesa dos direitos estabelecidos, à construção de novos direitos e à assessoria jurídica de interesse suplementar, à difusão de valores como ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e de outros valores universais. A Lei n. 9.970/99, por sua vez, dispõe sobre as OSCIP’s em seu artigo 1o , § 1o, como: o Art. 1 Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. o § 1 Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social. Essa lei veio a regulamentar e passar mais credibilidade às organizações da sociedade civil mediante a qualificação, no universo do terceiro setor. Atuando na esfera pública e na melhora do bem comum, esses mecanismos legais, implicam em uma maior transparência e ética de suas ações, permitindo, assim, um melhor beneficio destas à sociedade. Efetivamente, a grande maioria das direções de ONG’s e OSCIP’s é composta por pessoas efetivamente comprometidas com os problemas sociais, culturais e ambientais, fazendo isso sem vantagens financeiras ou salários. publicidade, economicidade e eficiência. Para José Eduardo Sabo Paes, ‘por certo entendeu o legislador que, pela importância e atuação destas organizações privadas na promoção e defesa do interesse público, deveriam elas sujeitar-se aos princípios fundamentais da administração publica’ [...]” (ROCHA, 2003, p. 63). 57 As Organizações Não-Governamentais40 agem de modo a amenizar as desigualdades eminentes em todo o Brasil. Voltadas às áreas de educação, saúde, cultura, meio ambiente, apoio à criança e adolescentes entre outras, tais instituições remontam à idéia de dignidade humana, dando conforto às mazelas esquecidas pelo Estado. Neste sentido, as Organizações Não-Governamentais, com todos os seus ramos de atuação, são de suma importância ao desenvolvimento da nação. Além de gerar condições mínimas de embasamento social elas contribuem para a população arraigar-se aos princípios básicos de cidadania41. O terceiro setor desenvolve estrutura importante para a consecução da dignidade da pessoa humana e para a construção da cidadania. Assim, foi exatamente a partir da Constituição Federal de 1988 que o assunto passa a ter maior importância para a sociedade com a discussão e incremento da cidadania. A atuação do terceiro setor interliga-se ao disposto no artigo 6o da Constituição Federal, o qual é responsável pela enumeração dos direitos sociais: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. A sociedade civil, ao agir de modo a efetivar os direitos sociais, promove uma verdadeira atividade pública, na medida em que propicia a concretização dos objetivos constitucionais, agindo em respeito à eficácia imediata dos direitos fundamentais e incrementando a própria noção de cidadania. 40 Tachizawa (2004, p. 21) mostra que “As organizações não governamentais sem fins lucrativos de finalidade ambiental, social, cultural e afins, ou organizações que caracterizam o Terceiro setor, segundo a Gazeta Mercantil (maio 2002), movimenta mais de US$ 1 trilhão em investimentos no mundo, sendo cerca de US$ 10 bilhões deles no Brasil, o equivalente a 1,5% do PIB [...]”. 41 Tachizawa (2004, p. 29) destaca ainda: “[...] essa pluralidade indica tendências que se foram afirmando sobretudo através da segunda metade dos anos 80, com o crescimento na sociedade brasileira de novos movimentos sociais e sujeitos coletivos. As ONGs ao mesmo tempo refletem esse processo e representam um papel, por meio de sua intervenção, na construção desses movimentos e grupos sociais diversificados. Como se viu, essa intervenção que contempla a diversidade traz, ao mesmo tempo, a marca dos valores universalizantes de cidadania [...]”. 58 Quanto à idéia de cidadania, mesmo não se tendo uma precisão conceitual, observa-se uma ligação aos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, relacionando-se com os diretos fundamentais. Efetivamente, a concepção do termo cidadania é vasta e se estende tanto na área individual, quanto coletiva da sociedade. Sendo assim, é importante lembrar que, o entendimento da terminação cidadania, consolida um processo político, social e histórico em uma nação, construindo uma sociedade mais justa em todas as definições, sejam elas individuais ou em conjunto. Borja (2001, p. 365) afirma que a cidadania adquiriu um novo conteúdo: o social. Ser cidadão hoje é ter direito a receber educação e assistência, serviços sociais diversos, serviços públicos subvencionados, salário regulamentar, proteção trabalhista, etc. Em suma, podemos chamá-los como direitos humanos econômicos, sociais e culturais. O grande problema é que o Estado acaba criando políticas sociais sem um aprofundamento de estudo, o que acaba acarretando a construção de uma cidadania deficitária em termos de participação social de qualidade. Os investimentos do Estado brasileiro em políticas sociais, como forma de compensar a situação de sua população, não são satisfatórias. Ainda depara-se com a intenção econômica muito mais latente do que com os resultados das ações em si e sua real efetividade. Isso acaba não resolvendo a questão desde o seu princípio, resultando mais em uma medida de reparação do que no reforço da dignidade e da autonomia dos indivíduos. O que se tem é a necessidade de construção de uma cidadania plena, na qual a participação social se faz imprescindível. Milton Santos (1998) afirma que as relações entre Estado e sociedade tornaram-se objetos de deformações, distorcendo e desfigurando a vontade popular, fazendo-se necessária uma educação para a democracia numa prática que ultrapasse a mera eleição dos governantes. Como já dito, as questões que giram em torno do termo cidadania derivam de fenômenos políticos, históricos e sociais. Sendo assim, um dos desafios dos 59 movimentos sociais é justamente reforçar as bases do ordenamento jurídico, com atenção aos interesses sociais, facilitando a construção de um projeto democrático e popular na sociedade brasileira, possibilitando mudanças condizentes com as necessidades que são visíveis. Ressalta-se, assim, a atuação do público não estatal, o que incrementa a idéia de democracia participativa42, mas também pode representar um risco na estruturação da vida em sociedade, tendo em vista que o Estado não pode esquecer de suas atividades exclusivas e essenciais aos interesses sociais. Com efeito, a estrutura da vida em comum é formada por várias interfaces, sendo que para o setor social ser caracterizado por políticas eficientes, é necessário que se tenha um desenvolvimento sustentável, com atenção à economia. Por este motivo, as políticas voltadas ao social devem ser integradas às políticas econômicas, a fim de que o resultado em relação à emancipação da população que está sendo atendida por tais projetos sociais se dê de modo mais igualitário. Isso porque não se pode desconsiderar a importância da economia no trato das questões sociais. Se, de um lado, não é crível que se admita o desenvolvimento econômico em detrimento da atenção às questões de interesse coletivo, também não é possível se imaginar uma sociedade que satisfaça as necessidades sociais e apresente uma economia enfraquecida. A equação parece ser simples: se é da arrecadação de tributos que provém os recursos necessários para os investimentos em área social, sendo que às instituições do terceiro setor é oferecido um tratamento tributário diferenciado, como ainda será objeto de análise neste trabalho, por certo que a geração de riquezas é ingrediente indispensável na fórmula que permite um investimento maciço em âmbito social. Todavia, mesmo em realidades de economia nem tão fortalecidas assim, como é o caso do Brasil, também se observa um investimento crescente, por parte do terceiro setor, para o atendimento às questões sociais. É o que mostra Melo Neto (1999, p. 19): 42 VIEIRA (2001, p. 242) afirma que as “[...] associações da sociedade civil e os movimentos sociais têm sido mais analisados do ponto de vista da construção da cidadania democrática e das novas relações Estado-sociedade do que como instância de produção de bens e de serviços sociais. No entanto, vem-se intensificando cada vez mais a transferência de bem e serviços, anteriormente a cargo do Estado, para o setor público nãi-estatal [...]”. 60 A modalidade de ação em investimentos em projetos e programas sociais é a que mais cresce em nosso país. Empresas nacionais e muitas corporações multinacionais estão criando institutos sociais para gerir suas próprias ações sociais. Outras financiam diretamente projetos da comunidade, e algumas criam e desenvolvem seus próprios programas sociais. Cresce também o volume investido em patrocínio de programas e projetos sociais, sobretudo aqueles que contam com o apoio do governo e de outras entidades. O assunto desenvolvimento social, debatido e explorado com veemência na atualidade, reforça a necessidade de investimento em capital humano e social no país. Assim, o Estado tem de agir de forma a definir estratégias para erradicar os problemas decorrentes da desigualdade social, combatendo a pobreza, e incrementando políticas de crescimento sustentável, criando-se empregos e promovendo o equilíbrio fiscal. Essas medidas, juntamente com políticas sociais, investimento humano, qualificação e acompanhamento constantes, oportunizam a parte mais necessitada a se desenvolverem de forma crescente, ressaltando a importância do terceiro setor no desenvolvimento social. Mas ao se considerar a complexidade das relações humanas tem-se que a eficiência de qualquer medida de caráter público, seja estatal ou não, depende de sua proximidade com a realidade social. É neste sentido que a gestão social se reformula constantemente43. Novos modelos, novas metas, novos problemas surgem e o modelo burocrático da administração pública entra em conflito com essas novas sistemáticas. É requerida da administração pública uma maior flexibilidade para que as ações desenvolvidas sejam colocadas em prática mais rapidamente e tornar a eficiência delas mais coesa. E esta exigência se mostra de difícil atenção. 43 Melo Neto (1999, p. 66) mostra que “[...] a relevância, a gravidade e a complexidade dos problemas sociais estão provocando uma verdadeira revolução no processo de gerenciamento de planos, programas e projetos sociais. Tais problemas exigem soluções rápidas, precisas e viáveis, como o envolvimento da comunidade e a participação do governo e do setor privado [...]”. 61 Seria preciso, antes de qualquer coisa, renovar a institucionalidade do Estado para que novas ações sociais e as já existentes tivessem um resultado mais efetivo na sociedade, gerando um maior desenvolvimento sócio-econômico44. Em um mundo no qual a globalização e a competitividade se firmam como prerrogativas indispensáveis ao crescimento, a esfera privada se destaca, seja no desenvolvimento econômico, seja na contra-prestação social45. No Brasil, movimentos políticos, investimentos estatais, acadêmicos e na área de pesquisas sociais46, estão contribuindo para quantificar e qualificar os serviços prestados pelas entidades públicas gerando uma participação eloqüente na solidariedade social. A importância das pesquisas sociais é definida por Melo Neto (1999, p. 52): É através de uma pesquisa que são definidas as justificativas de um plano, programa ou projeto. A pesquisa é o ponto de partida para uma ação eficaz de planejamento e busca de soluções. Sem ela, corremos o risco de perder o foco da ação planejada – ações que se destinam a problemas não prioritários ou que focalizam sintomas de um problema maior, permanecendo suas verdadeiras causas como fatores geradores desses problemas. A pesquisa mostra-se indispensável na medida em que políticas eficientes só se fazem possíveis se analisadas as causas e os resultados esperados, caracterizando atividade anterior à implementação das medidas públicas. E a implementação de políticas públicas pode se dar diretamente pelo Estado ou mesmo pela sociedade civil organizada. 44 Rocha (2003, p. 81) ressalta a importância das organizações sociais para a reforma do estado, afirmando que “[...] as organizações sociais estariam inseridas nessa proposta de Reforma do Estado [...]”. 45 Lameira (2001, p. 19) afirma: “[...] ao longo dos últimos anos verificaram-se algumas alterações significativas no ambiente econômico brasileiro, como a abertura do mercado de consumo, o controle da inflação, o ingresso de capitais estrangeiros, a privatização de empresas estatais, entre outros tantos eventos[...]”. 46 Melo Neto (1999, p. 52) ressalta também: “A pesquisa também contribui para a formulação correta dos objetivos e metas, do público beneficiário, dos resultados a serem atingidos, dos pressupostos, meios de verificação e indicadores e da definição da estratégia de institucionalização do plano, programa ou projeto [...]”. 62 Seja como for, toda e qualquer medida que seja tomada sem que antes se avalie propriamente o problema tende a se mostrar insuficiente. É necessário que a postura pública seja pautada na satisfação das causas dos problemas sociais, não sendo suficientes respostas paliativas e que façam com que os indivíduos permaneçam dependestes da atuação pública. É neste sentido que o público não-estatal tem o objetivo principal de produzir bens e serviços sociais. Diferentemente do mercado, o terceiro setor atua solidariamente, trabalhando no sentido de cooperação e comunicação. Sendo assim, o setor público não-estatal, através de todas as entidades que o compõem, oferece uma forte condição de democratização solidária no país, agindo em prol da melhora do desempenho de cidadania na sociedade, incluindo aqueles que permaneciam à margem da sociedade. Os movimentos sociais decorrentes da organização da esfera pública não estatal contribuem efetivamente para uma maior participação, incrementado a democracia e politizando os cidadãos. O terceiro setor, neste sentido, atua em suplementação à atividade estatal viabilizando as ações em assistência social. O item seguinte trata exatamente dos contornos constitucionais da assistência social no Brasil, analisando-se a passagem da assistência social enquanto assistencialismo para a necessidade de implementação de uma política assistencial eficiente. 2.2 Evolução histórica-constitucional da idéia de assistência social A prestação de serviços assistenciais remonta ao direito romano, sendo baseada em ideais de caridade a ajuda à população carente (BASTOS, 1998). No Brasil, inicialmente, a assistência social era desenvolvida pela Igreja Católica e por entidades a ela relacionadas, tendo em vista que o clientelismo criado pelo sistema colonial impedia a formação espontânea de organizações formadas por membros 63 exclusivamente laicos. Nesse contexto, mesmo as entidades que possuíam entre seus integrantes membros tidos como laicos tinham presente uma fundamentação religiosa, o que demonstra a importância assumida pela Igreja Católica nessa fase inicial. (COUTO, 2003). Seguindo esta esteira, as demais religiões que foram surgindo aliaram-se a esse sentimento caritativo, sendo que a assistência social era prestada de forma filantrópica e sem qualquer auxílio estatal evidente. A definição de assistência social, então, estava ligada ao conceito de filantropia e ao propósito de caridade, tendo-se iniciativas voluntárias e isoladas, com ênfase à suplementação de condições aos carentes, em geral a partir de uma aparência de cunho religioso47. Efetivamente, tanto a Constituição Federal de 1824 como a de 1891 eram omissas quanto à assistência social (CRETELLA JÚNIOR, 1993), ao passo que a sociedade conservadora encarava a pobreza como um atributo daqueles não tinham empenhado seus esforços para superá-la (COUTO, 2003). A primeira inclusão expressa com relação à assistência social veio apenas na Constituição Federal de 1934, em razão da política adotada no governo Vargas, que não obstante utilizar a assistência social de uma forma populista, efetivamente foi responsável pelo início de sua normatização. No entanto, a previsão constitucional perdurou somente até a instituição do Estado Novo, sendo que a nova “Constituição” promulgada por Vargas, em 10 de novembro de 1937, não trouxe em seu texto a proteção à assistência social. De qualquer forma, a maneira com que o Estado tratava a questão continuou a ser a mesma, tendo em vista a total discricionariedade (para não dizer arbitrariedade) atribuída ao governante, sendo a assistência social prestada de acordo com intenções eleitorais. A Era Vargas foi marcada, desse modo, por uma postura clientelista na área social, sendo que a assistência social pode ser apontada como uma das “bandeiras” de seu governo. Na construção de sua imagem populista, 47 Voltolini (2003, p. 18) afirma: “Se, em termos históricos, tivemos a Igreja católica como o berço das ações assistenciais e filantrópicas no país, no que se refere ao reconhecimento e legitimação da área assistencial como campo de conhecimento e formação profissional, o berço foi, até recentemente, monopólio exclusivo, do Serviço Social [...]”. 64 Vargas lançou mão de políticas que objetivavam oferecer “benefícios” à população carente, de forma cativá-la e fazê-la dependente de tais benesses, personalizando o poder instituído. (MENDES JR; MARANHÃO, 1981). No entanto, não há como se negar que foi somente com a Revolução de 1930 que o Estado passou a regular a matéria relativa à assistência social, o que demonstra a importância da época para a concretização das forças que vieram, posteriormente, a lutar pela implementação de uma efetiva política pública de assistência social. Por tal razão, todo aquele que se dispuser a entender a sistemática da assistência social no Brasil terá, necessariamente, de analisar sua origem no governo Vargas, a fim de compreender os contornos que veio a assumir com a ordem constitucional ora vigente. Nesse sentido, a política clientelista adotada na Era Vargas fez com que as preocupações governamentais fossem voltadas à regulamentação da assistência social e à criação de mecanismos de controle sobre esta. A primeira ação adotada foi a criação do Título de Utilidade Pública Federal, objetivando a certificação das entidades privadas que atuavam na área assistencial, de forma a conceder-lhes certos benefícios. Em 1938, o governo instituiu o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), a fim de fiscalizar as entidades assistenciais e certificar sua idoneidade para o recebimento de verbas estatais. Em tal momento, ficou nítido o objetivo de controlar a atuação civil, sendo que as entidades eram submetidas a critérios discricionários de avaliação pelo referido conselho, cujos membros eram indicados pelo Presidente da República. (MESTRINER, 2001). O que se percebe é que uma vez sendo o governo Vargas marcado por um assistencialismo populista, sua caminhada na construção da imagem de “pais dos pobres” poderia ser prejudicada por entidades privadas que focalizavam seus esforços em auxiliar os mais necessitados a realmente sair de tal condição, ao contrário de simplesmente atuar de forma paliativa, como era de sua praxe. Por tal razão, muitas foram as entidades que encerraram suas atividades em tal época, sufocadas pelo regime autoritário implementado. (MESTRINER, 2001). 65 Desse modo, analisando a realidade configurada na Era Vargas, pode-se afirmar que em tal época não houve uma política pública desinteressada no âmbito social, mas sim o oferecimento de uma falsa sensação de bem-estar à população, sendo que mesmo os direitos trabalhistas reconhecidos não chegavam a afrontar a elite dominante, servindo na verdade como uma forma de “neutralizar” os descontentamentos da classe operária (SILVA, 2002). Na área da assistência social, a realidade não era distinta, sendo que as atuações do governo eram, como já dito, de cunho paliativo e visavam, em última análise, a permanência do indivíduo em sua situação marginalizada, de forma a torná-lo dependente do sistema. O que houve, inegavelmente, foi a implantação de uma política populista, sem qualquer atuação social desinteressada ou impessoal. O que se percebe é que não obstante a intensa intervenção estatal na área social, o que o governo buscava não era o bem-estar social dos cidadãos, mas sim um controle das entidades privadas e a utilização da assistência social como um mecanismo eleitoreiro. Já em 1946, a questão da assistência social voltou a ser tratada em âmbito constitucional, sendo previsto no artigo 164 da Constituição Federal na forma de assistência à maternidade, à infância e à adolescência. No entanto, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra e posterior retomada “democrática” de Vargas, bem como nos governos que os sucederam, a assistência social continuou a ser tratada da mesma forma clientelista, sem qualquer comprometimento público que não o de fomentar e solidificar as bases do Estado populista (MESTRINER, 2001). Em verdade, o Conselho Nacional de Serviço Social servia, antes de tudo, como um meio de fiscalização e, por que não dizer, tolhimento da atividade assistencial privada, não se prestando ao atendimento do interesse público, mas sim servindo como um instrumento na consecução de objetivos eleitorais. Essa situação de controle estatal veio a se agravar com o golpe militar de 1964, sendo que as entidades de assistência social mantiveram a mesma estrutura relativa à década de trinta. Com efeito, a implementação do regime militar importou em uma intervenção ainda maior do Estado, sendo que muitas entidades privadas passaram a atuar protegidas pela Igreja, tendo em vista que o governo não 66 intervinha, relativamente, na sua estrutura. Nesse momento histórico, mais uma vez se percebe a importância assumida pela Igreja na prestação de serviços assistenciais, especialmente sua atuação decisiva no auxílio às Organizações NãoGovernamentais. (MESTRINER, 2001). Nesse contexto, a Constituição Federal de 1967, trazia a questão originalmente em seu artigo 167, § 4º. Já com a Emenda Constitucional nº 01 de 1969, a questão passou a ser regulada no artigo 175, § 4º, sendo que Pontes de Miranda (1974, p. 332), ao comentar o dispositivo, afirma: A regra jurídica do art. 175, § 4º, não é apenas programática. A expressão ‘instituirá’ mostra-o bem. Mas onde a sanção? À lei cabe criá-la. Criá-la-á? A ênfase do legislador constituinte – assistência à maternidade, à infância e à adolescência, excusez du peu! – sem a lei que, executada, crie os serviços e os realize, os faça funcionar e obrigue o Poder Executivo a mantê-los, cairá no vácuo. Conforme se percebe, a regra constitucional não apresentou qualquer diferença substancial, sendo que somente com as crescentes críticas surgidas no início da década de oitenta, pelas chamadas Organizações Não Governamentais, iniciou-se uma alteração na visão oferecida à assistência social (ARRETCHE, 2000), deixando a mesma de se constituir uma benesse oferecida pelo governante. Desse modo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a assistência social se firmou como uma política pública, tendo sido oferecida a seguinte redação ao seu artigo 203: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A primeira conclusão que se tira do dispositivo em comento, é que a assistência social independe de prévia contribuição ao sistema, devendo ser 67 prestada a quem dela necessitar, indistintamente. Tal questão será melhor analisada no tópico seguinte, quando tratar-se-á dos contornos do conceito jurídico de instituição de assistência social, sendo que para evitar tautologia, remete-se para tal tópico. A outra consideração a ser feita é que houve um inegável alargamento do rol de direitos inclusos na proteção constitucional, sendo que a norma contida no artigo 203 deve ser interpretada em consonância com o artigo 6º da Constituição Federal, o qual afirma que serem “[...] direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição [...]“. O artigo 6o da Constituição Federal48 demonstra que o Estado coloca como prioridade a realização de ações efetivas na promoção do bem comum, ainda que estas ações não sejam executadas por ele próprio, mas sim pelas instituições que integram o público não-estatal. 48 Duras têm sido as críticas lançadas pela doutrina quanto ao largo rol de direitos enumerados no artigo 203 sem que lhe fosse assegurada qualquer eficácia. Na visão de Bastos (1998), o legislador constituinte teria ignorado a conjuntura econômica da época, a qual indicava a necessidade de oferecimento de produtos competitivos e de qualidade, exigindo uma maior austeridade fiscal. Afira o mesmo que “esses sintomas já eram perfeitamente sensíveis ao olhar atento de quem observasse o mundo no ano da promulgação de nossa Carta Maior. O constituinte, contudo, fez ouvidos moucos a essas vozes e preferiu enveredar pelo caminho de uma generosa política de amparo estatal aos carentes. Atualmente, dez anos depois da vigência da Lei Maior, o País continua envolvido em sérios problemas sociais, o que não surpreende, quando se sabe que esses problemas são antigos e não são de resolução estritamente jurídica. Não basta a Lei Fundamental erigir direito em favor dos necessitados se não houver uma correta alocação de recursos para atendê-los. Nosso Estado timbra pela sua ineficiência burocrática e pela má qualidade de seus serviços públicos. A corrupção também medra, a despeito da grande indignação do povo. Os tributos são mal arrecadados, embora com alíquotas altas [...]” (BASTOS, 1998, p. 344). O constitucionalista prossegue afirmando a ambivalência de alguns dispositivos constitucionais, firmando posicionamento de que o rol de ideais firmados é de realização plena imprevisível, “[...] nada obstante a aparência e mesmo a pretensão de estarem conferindo direitos subjetivos aos cidadãos [...]” (BASTOS, 1998, p. 344). Efetivamente, a criação de um Estado Providência no que se refere à assistência social (CRETELLA JÚNIOR, 1993), sem que a enumeração dos direitos viesse acompanhada de uma política fiscal que permitisse sua implementação não satisfaz os anseios da população. No que se refere a direitos subjetivos, sua maior problemática reside realmente no campo da eficácia, não bastando a mera declaração de um direito. No entanto, mesmo se tendo em mente as falhas do legislador constituinte, não se pode deixar de reconhecer que a Constituição Federal de 1988 representa um avanço no que se refere à assistência social, ao contrário do que pretende dizer Bastos (1998). Isso porque os problemas orçamentários não podem vir a justificar a ausência do reconhecimento de direitos que devem ser assegurados a todos os cidadãos, como são os enumerados no artigo 203 da Constituição Federal. 68 É bem verdade que a mera colocação em ordem constitucional não se faz suficiente, sendo que o maior desafio, no que se refere a direitos de tal natureza, é a sua efetivação (BOBBIO, 1998). E o grande número de demandas públicas coloca o Estado em uma situação de eminente dificuldade na implementação dos direitos sociais. O legislador constituinte, exatamente por ter consciência das dificuldades na implementação de políticas públicas eficientes na atenção às necessidades sociais, ofereceu determinadas desonerações tributárias às entidades que atuam na consecução de fins públicos. Por via de conseqüência, as imunidades tributárias de que trata o presente trabalho são exemplos do reconhecimento de que o Estado, por si só, não teria condições de implementar em todas as suas facetas uma política pública capaz de efetivar os direitos relativos à assistência social, razão pela qual tais desonerações deverão ser alcançadas àquelas instituições que estejam a atuar ao lado do Estado, implementando uma política de assistência social. Nesse sentido, para se compreender a idéia de assistência social, é necessário que se lembre que a mesma é um dos pilares sustentadores da seguridade social, na forma da redação oferecida ao caput do artigo 194 da Constituição Federal49. A saúde, a assistência social e previdência, integram o denominado tripé da seguridade social, sendo que Balera (2004) afirma que a fim de alcançar a satisfação dos problemas sociais a seguridade tem à sua disposição duas vias: a previdenciária, visualizada no seguro social, e a assistencial, composta pelo sistema de saúde e pelo sistema de assistência social. Assim, se a assistência social é parte integrante da seguridade social, tem-se que a mesma tem por objetivo garantir o direito à cidadania e a eqüidade de acesso aos serviços públicos indispensáveis à vida digna. A Lei n. 8.112/99, que regulamenta seguridade social, traz seu conceito e diretrizes, afirmando em seu artigo 1o a necessidade de ações integradas, dos 49 “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. 69 poderes públicos e da sociedade, objetivando-se assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social. O mesmo dispositivo legal ainda enumera os princípios e diretrizes a serem seguidos pela seguridade social, estando entre eles a universalidade da cobertura e do atendimento e o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, garantido-se a participação da comunidade, especialmente de trabalhadores, empresários e aposentados. Estes caracteres gerais são aplicados aos três setores da seguridade social, sendo que a assistência social, vista individualmente, possui regramentos próprios a serem observados, especialmente tendo em vista a necessidade de avaliação das atividades desenvolvidas. Isso porque somente por intermédio de uma avaliação eficiente é possível encontrar eventuais falhas e promover melhoras nas políticas públicas. Pode-se afirmar, nesta linha de raciocínio, que a Lei n. 8742/93, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), traz a preocupação latente com uma maior efetividade e transparência da assistência social, dispondo sobre sua organização e no embate de projetos destinados ao enfrentamento da exclusão social dos segmentos populacionais mais vulneráveis. Já logo em seu artigo 1o, tem-se a preocupação com os mínimos sociais e com a garantia de atendimento às necessidades básicas, colocando-os com uma questão a ser tratada conjuntamente, integrando-se ações de iniciativa pública e da sociedade. Tem-se, ainda, reafirmação da assistência social como política de seguridade social não contributiva. O seu artigo 2o, de igual importância, traz os objetivos da assistência social, como a proteção à família, e a promoção da integração ao mercado de trabalho, tendo-se, a colocação de objetivos de enfrentamento da pobreza e provimento de condições para a universalização dos direitos sociais, entre outros. Como se observa, o foco principal das ações assistenciais é direcionando às camadas da população caracterizadas pela pobreza e exclusão social. O ponto principal da efetividade da lei é a dignidade da pessoa humana, implementando-se ações e serviços nas mais variadas frentes, como saúde, proteção à família e incremento das possibilidade de trabalho. Estas ações e serviços devem ter 70 objetivos que desenvolvam o processo de proteção e alteração da qualidade de vida de um grupo de indivíduos até então colocados à margem da atenção pública. Sendo assim, o objetivo principal da lei orgânica da assistência social é o de universalizar os direitos sociais, proporcionando uma melhor qualidade de vida, com a garantia das condições mínimas de sobrevivência. Para tanto, os princípios básicos da lei a serem atendido estão expressos em seu artigo 4o: Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. O que se tem, assim, é a colocação da assistência social como uma política de inclusão social, não se admitindo que a mesma seja tratada de uma forma clientelista e em atendimento a interesses eleitorais. O fundamento da assistência social é, pois, incluir o indivíduo no processo produtivo, de modo a não torná-lo dependente do sistema, mas sim, a médio e longo prazo, independe de atuação pública para a realização de seus mínimos existenciais. Os fundamentos da assistência social conferem, assim, um importante indicativo para que se tenha uma inclusão social eficaz, garantindo-se a autonomia dos indivíduos envolvidos. As políticas sociais, além da extensão ética e moral de garantir ao cidadão o direito à vida, têm o efeito prático de contribuir para a promoção do crescimento econômico, com distribuição adequada de renda. Desse modo, a assistência social é dever do Estado e deve ser prestada de forma integrada com a sociedade, caracterizando-se como uma política pública com o objetivo de proporcionar satisfação de serviços básicos à população, garantido-se a dignidade da pessoa humana. O que não se deve é relacionar o conceito de 71 assistência social com a definição de caridade, tendo em vista que a assistência social não se caracteriza em favores, mas sim em efetiva política pública de inclusão social. O novo protótipo de assistência social pode ser encontrado em ações e atividades voltadas ao crescimento humano e ao desenvolvimento social, gerando, assim, condições mínimas de sobrevivência a todos que se encontram em situação de exclusão. Tendo em vista tais preceitos acerca do verdadeiro sentido de assistência social, o poder público, em conjunto com a sociedade, tem a obrigação de efetivar ou fomentar a implementação de políticas publicas que promovam a eqüidade e a própria cidadania. E o fomento do Estado se dá através do incremento das atividades exercidas pelo terceiro setor, como já tratado. Efetivamente, o terceiro setor, ao conviver com o primeiro setor (Estado) e com o segundo setor (mercado), dedica-se a amenizar problemas de caráter público. Na realidade brasileira, são marcos do desenvolvimento da assistência social pela sociedade civil organizada as tentativas de reforma do Estado, sendo que Rocha (2003, p. 81), afirma: Com efeito, não há como negar que a criação da organização social foi um dos frutos produzidos pela Reforma do Estado, iniciada pelo Governo Collor e levada adiante no governo Fernando Henrique, marcada por fortes traços do neoliberalismo e que recorre à desestatização, à privatização e à desregulamentação para reduzir sensivelmente a participação do Estado na atividade econômica e, sobretudo, na prestação de serviços públicos. No entanto, permanecem as distorções quanto ao exercício efetivo de políticas pública, bem como quanto ao próprio conceito de instituição de assistência social. É por esta razão que se faz necessária a compreensão da real extensão do termo instituição de assistência social, a fim de que as desonerações fiscais (em especial a imunidade tributária) sejam conferidas somente para aquelas instituições que satisfaçam a vontade constitucional. 72 2.3 Delimitação do conceito jurídico de instituição de assistência social e interpretação constitucional das imunidades tributárias Como já visto no tópico anterior, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a assistência social passou a ser vista como uma política pública, constituindo-se em verdadeiro direito subjetivo do cidadão. É nesse sentido que a prestação da assistência social deve se dar a quem dela necessitar, sem que seja lançada qualquer exigência para sua fruição por parte do indivíduo. A distinção entre a assistência social e previdência social reside exatamente no fato de que esta somente é prestada à população mediante a prévia contribuição ao sistema, funcionando o governo como uma espécie de gestor (ainda que também financiador) dos valores arrecadados e dispendidos com os beneficiários. Já a prestação da assistência social, como visto, independe de prévia contribuição à seguridade social, visto constituir-se em direito a ser assegurado pelo Estado, devendo o mesmo agir diretamente na promoção da assistência social ou viabilizar que pessoas jurídicas de direito privado o façam. Na idéia de atuação subsidiária do Estado, surgem instituições que atuam em segmentos de educação, saúde, amparo a idosos e crianças, entre outros. A questão que se faz objeto de análise é se o simples fato de uma entidade ter como objeto social a promoção de um direito social a faz, por si só, uma instituição de assistência social que satisfaz os requisitos constitucionais para a fruição da imunidade tributária. Neste ponto, é necessário que se advirta que as normas de imunidade tributária relativas às instituições de assistência social, assim como sua regulamentação infraconstitucional, serão objeto de análise no capítulo seguinte, servindo o estudo realizado neste ponto para a compreensão de um conceito básico para se analisar a imunidade tributária das instituições de assistência social: a extensão do termo ‘instituição de assistência social’. 73 Para tanto, tem-se como base de estudo a doutrina de Leopoldo Braga (1969), expressa em sua obra “Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social”, na qual o autor traz requisitos específicos para a conceituação do termo instituição, a fim de delimitar em quais situações persistiria a imunidade. Sua visão sobre o assunto influenciou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (FERREIRA, 2001), e ainda que sua doutrina não seja referida expressamente em todos os julgados, percebe-se que o referido Tribunal Superior permanece a fundamentar suas decisões quanto à referida matéria com base em tais lições. Tal fato demonstra que não obstante a data de sua publicação, por seus fundamentos e pela linha lógica de raciocínio expressada, a mesma continua atual e digna de reconhecimento. O fundamento dos requisitos trazidos pelo doutrinador se assenta no fato de que os termos técnicos – no caso, o de instituição – utilizados pelo legislador não podem ser desconsiderados, sob pena de desvirtuamento da regra jurídica (BRAGA, 1969). Desse modo, ao analisar a imunidade tributária concedida às instituições de assistência social à época, o doutrinador refere que o primeiro requisito a ser analisado seria exatamente o contido na norma constitucional, sendo que qualquer discussão sobre a regulamentação infraconstitucional somente pode ser realizada em momento posterior. Assim, [...] a primeira e indeclinável condição para que se reconheça a um ente jurídico de caráter educacional ou assistencial o direito ao gôzo do aludido benefício constitucional, vale dizer, o privilégio da imunidade tributária em conformidade à norma de exceção contida na letra e no espírito dos textos em exame, é a de que se trate de uma verdadeira e propriamente dita “instituição” (inconfundível, em sua acepção específica de direito administrativo, com a de “emprêsa”, de fins lucrativos, com a de “sociedade fechada” e com a simples “corporação” ou “associação” de indivíduos visando a consecução de fins de interêsse particular próprio, comum ou recíproco), isto é, que se trate de uma entidade – pública ou privada – instituída ou constituída com fim público educacional ou assistencial exclusivo (e, senão, ao menos, principal), de vocação altruísta e eminentemente desinteressada, visando, em suma, ao bem público, à utilidade coletiva, à satisfação de necessidade ou necessidades de interêsse geral da comunhão dos indivíduos ou ao menos de determinadas classes sociais (BRAGA, 1969, p. 09). 74 Nesse ponto, já se percebe a primeira questão a ser destacada: se tanto empresas como instituições de assistência social podem atuar representantes do terceiro setor, as empresas não podem ser consideradas instituições imunes para este fim constitucional. A lógica de raciocínio é bastante clara, tendo em vista que as ações sociais desenvolvidas por algumas empresas não constituem seu objeto social, sendo isto sim um desdobramento de sua atuação. Assim, ao constituir-se uma empresa, temse o desenvolvimento de uma atividade econômica, com a produção e circulação de bens e de serviços50, sendo que a atuação em âmbito social não é seu objeto-fim. As empresas que atuam como terceiro setor o fazem tendo em vista a consciência de sua função social, e mesmo por decorrência as exigências do mercado de que se tenha uma atuação empresarial com responsabilidade social. Desse modo, somente se tem uma verdadeira instituição de assistência social quando a mesma é instituída com o fim público exclusivo de atuar na efetivação da assistência social. Sua postura é eminentemente de auxiliar na construção do bem comum, e não apenas reflexamente agir de modo a contribuir para a realização de tal desiderato. Na seqüência, Braga (1969) Braga ratifica a idéia de atuação em prol de um fim público, afirmando que tais entidades são criadas com o desígnio de agir em colaboração com o Estado, a fim de que suas deficiências sejam suprimidas. Repudia, ainda, qualquer ação paternalista na realização de obras de educação e de assistência social. Refere, ainda, o doutrinador que o legislador constituinte preferiu o uso do termo ‘instituições’ tendo em vista que as associações podem agir apenas em favor dos seus associados, o que acaba por descaracterizar a necessidade de um fim público específico (BRAGA, 1969). 50 “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. 75 Analisando-se sua doutrina em consonância com o Código Civil percebe-se que o traço que distingue as associações e fundações das sociedades é que esta possui finalidade de lucro, ao passo que aquelas não. No entanto, tal não caracteriza que uma associação tenha sua postura voltada para o social. Com efeito, uma associação pode agir sem qualquer interesse público sobressalente, como também pode implementar uma política pública de assistência social. A fundação, de outro lado, por força do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil, deve ter por objeto social a cultura, a religião, a moral ou a assistência social. Percebe-se, assim, que o ponto a ser analisado diz respeito às atividades que realmente são desenvolvidas, tendo-se como requisito primeiro para a concessão da imunidade tributária para as instituições de assistência social. E esta finalidade pública relaciona-se, mesmo não sendo esta sua única característica, com a ausência de intuito lucrativo. Mas apenas tal ponto não seria suficiente para a perfeita caracterização da instituição que alcança os objetivos constitucionais, sendo que o autor, sinteticamente, três requisitos que devem ser analisados para a conceituação de uma instituição de assistência social, quais sejam: a) o fim público institucional, exclusivo, ou, ao menos, principal; b) a gratuidade e ausência de intuito lucrativo; e, c) a generalidade na prestação dos serviços ou na distribuição de utilidades e benefícios (BRAGA, 1969). Em obra destinada à análise da imunidade tributária das entidades de previdência fechada, Ferreira (2001, p. 51-100) tece inúmeras críticas à doutrina de Braga, afirmando que o termo instituição não foi utilizado pelo legislador constituinte com o rigor técnico que este pretendia parecer. Afirma, ainda, que essa falta de rigor teria se agravado com a ordem constitucional de 1988, razão pela qual os requisitos apontados não mais poderiam ser utilizados para a solução dos casos trazidos à análise do Judiciário. Conclui o autor, portanto, que as entidades de previdência fechada seriam imunes a impostos, na forma do artigo 150, VI, “c” da Carta Maior (FERREIRA, 2001). 76 No entanto, a conclusão apontada por Ferreira (2001, p. 151) não possui guarida nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, sendo entendimento pacífico que as entidades de previdência fechada não possuem a pretendida imunidade tributária. Tal se dá tendo em vista a ausência de universalidade e generalidade na prestação de seus serviços, como se observa da decisão paradigmática proferida pelo Tribunal Pleno: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA. 1. Entidade fechada de previdência privada. Concessão de benefícios Aos filiados mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imunidade tributária. Inexistência, dada a ausência das características de universalidade e generalidade na prestação, próprias dos órgãos de assistência social. 2. As instituições de assistência social, que trazem íncito em suas finalidades a observância ao princípio da universalidade, da generalidade e concede benefícios a toda a coletividade, independentemente de contraprestação, não se confundem e não podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma categoria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social dependente do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a respectiva integração ao sistema. Recurso Extraordinário conhecido e provido.” (Recurso Extraordinário nº 2027006,Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Maurício Corrêa, publicado em 01-03-2002) Como se depreende da leitura da decisão em questão, os requisitos apontados por Braga (1969) continuam a irradiar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ainda que não centrado especificamente na discussão sobre o termo instituição, como originalmente ocorria. E é a ausência de satisfação a estes requisitos que fez com que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse a pretendida imunidade tributária às entidades de previdência privada. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 730, na qual reconhece que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada na hipótese de não haver contribuição dos beneficiários. Mais uma vez, se vislumbra um dos requisitos apontados pelo doutrinador, qual seja, a gratuidade na prestação dos serviços. No que se refere à exigência de gratuidade das instituições de assistência social, no entanto, desde muito o Supremo Tribunal Federal possui entendimento 77 firmado de que os serviços não precisam ser prestados de forma totalmente gratuita, valendo-se muito mais do comprometimento social da instituição, que não é afastado pela cobrança dos serviços daqueles que possuem condições financeiras para tanto. Mesmo Braga (1969, p. 94) afirma que o conceito de gratuidade não é absoluto e “há de ser entendido em termos”, prevendo inclusive a cobrança pelos serviços prestados “a pessoas economicamente abonadas a fim de poderem manter os gratuitos ministrados aos menos favorecidos da fortuna” (1969, p. 95). Nesse sentido, no que se refere à Súmula 730 editada pelo Supremo Tribunal Federal, a previsão da gratuidade total se dá tendo em vista haver entidades de previdência complementar fechada que são custeadas integralmente pelos empregadores, ou seja, a mantenedora arca com todos os ônus. Nestes casos, haja vistas a total ausência de contribuição do beneficiado, efetivamente não haveria razão para o não reconhecimento da imunidade tributária, sendo este o motivo da manutenção do benefício, mas somente nestes termos. O reconhecimento de que as entidades de previdência privada não são, em regra, imunes ocorreu tendo em vista exatamente não poderem as mesmas serem consideradas instituições que atuem de forma a proteger o interesse público, de forma gratuita (ainda que parcialmente) e colocando seus serviços à disposição da generalidade das pessoas. Assim, a vontade constitucional que identifica uma instituição de assistência social assistência relaciona-se ao seu fim público, mesmo sendo uma pessoa jurídica de direito privado. A questão centra-se na efetiva implementação de uma política pública. De qualquer modo, o que se tem é que toda a discussão que envolveu as entidades de previdência privada deve servir como base para se compreender a questão das instituições de assistência social e sua imunidade tributária. Nesse aspecto, a prevalência dos requisitos apontados por Braga (1969) no que se refere às entidades de previdência privada pode ser apontada como mais um argumento no sentido de sua perfeita possibilidade de utilização mesmo sob a égide da Constituição Federal de 1988. 78 Em que pese a força das críticas trazidas por Ferreira (2001), os requisitos apresentados por Braga parecem se coadunar com o âmago constitucional ora vigente. Isso porque mesmo que na hipótese de não se considerar viável centrar a análise do tema no que se refere à extensão do termo instituição, haja vistas que inegavelmente o legislador constituinte não empregou o termo com o rigor científico que se fazia necessário, a imunidade somente poderá ser alcançada a uma instituição que esteja realmente prestando assistência social51, ou seja, a uma instituição que atue em prol de um fim público, colocando seus serviços à disposição da generalidade dos indivíduos e, conforme critérios de razoabilidade, de forma gratuita, sem qualquer objetivo de lucro. Nesse sentido, as ponderações trazidas por Ferreira (2001), ainda que metodologicamente corretas, sucumbem frente a princípios maiores que devem pautar o ordenamento, como a necessidade de uma interpretação sistemática das normas constitucionais, e de uma interpretação teleológica das imunidades tributárias. Por conseqüência, pretender que os objetivos constitucionais sejam deturpados por questões de mera nomenclatura seria efetivamente empregar um rigor excessivo, que acabaria por importar em descrédito e inefetividade do sistema. O maior exemplo que se pode oferecer é a própria regra expressa no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal, a qual, como será devidamente analisada, utiliza o termo isenção quando na verdade está a constituir verdadeira imunidade tributária. Nesse caso, a nomenclatura utilizada pelo legislador constituinte não impediu a doutrina e a jurisprudência de afirmar que se estava diante de uma regra de imunidade e que, portanto, se submetia às mesmas exigências da imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior. Pelos mesmos motivos, e em nome da eficácia do sistema constitucional, o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal deve ser compreendido pelo operador jurídico como se nele constasse o termo instituições beneficentes de assistência 51 o O artigo 3 da lei orgânica da assistência afirma que “Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos”. 79 social, e não entidades beneficentes de assistência social. Até porque a intenção do legislador constituinte de desonerar apenas aqueles entes que atuam realmente na consecução de interesses públicos é ainda mais nítida neste dispositivo, tendo em vista a inclusão do termo beneficentes. Desse modo, tanto a parte final da alínea “c” do inciso VI do artigo 150, como o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal, possuem a exigência constitucional de se tratarem de instituições de assistência social, sendo perfeitamente aplicável a doutrina de Braga (1969). Em verdade, sempre que se estiver diante de uma regra que por sua própria finalidade e razão de ser exige que a pessoa jurídica possua finalidade pública específica, com prestação de seus serviços à generalidade das pessoas e de forma gratuita (ainda que não totalmente), tal pessoa jurídica deverá ser encarada como uma instituição. Desse modo, para que a imunidade tributária possa ser alcançada somente àqueles que efetivamente a façam jus, é imprescindível que se contemple o caráter assistencial, sob pena de desatender-se o objetivo constitucional. O que se tem é que a desoneração indistinta não era o objetivo do legislador constituinte. Seu intuito foi, sim, o de reconhecer que existem instituições que prestam relevantes serviços sociais e, portanto, merecem uma tributação privilegiada. Nesse sentido, vale-se novamente dos ensinamentos de Braga (1969, p. 105): A razão político-social de conferir-se à instituição de educação e assistência social a prerrogativa excepcionalíssima, o privilégio da imunidade tributária outorgado pela Constituição, está em que ela – a ‘instituição’ – se propõe, por bem dizer, substituir parcialmente o Estado ou auxiliá-lo e secundá-lo, por vocação altruística ingênita, na tarefa, inerente a seus fins, de assistência, amparo e socorros públicos. Percebe-se, pois, que a imunidade conferida pelo constituinte diz respeito aos entes que atuam em suplementação à atividade estatal. A análise deverá ser sempre casuística e deverá ter em mente a real finalidade da entidade que pretende ser considerada imune, a fim de se confirmar seu comprometimento com um interesse público sobressalente, a caracterizando como uma instituição. 80 O fim pelo qual são alcançadas as imunidades diz respeito ao fato de estarem tais instituições atuando diretamente na área social, ou seja, preservando elas próprias, ao lado do Estado, o interesse público. E, se as circunstâncias fáticas deixam claro que tais instituições não estão atuando “ao lado do Estado”, não se visualiza qualquer razão evidente para se reconhecer a imunidade. Seu enquadramento como instituições de assistência social dependerá, pois, do comprometimento por elas assumido na implantação de políticas públicas, sendo que essa discussão deve ser transposta para uma análise casuística, interpretandose a Constituição tendo em vista o objetivo da norma imunizante. Por conseguinte, a assistência social deve ser realizada na forma de uma política pública, com a prestação dos serviços a quem deles necessitar. Sua atuação deve, pois, ser suplementar à do Estado. O primeiro requisito é, pois, constitucional e diz respeito às características que possibilitam a configuração de uma instituição de assistência social. Junto à Constituição Federal também se tem a vedação à finalidade lucrativa, como já referido. Nesse aspecto, é preciso que se esclareça desde já que a proibição ao objetivo de lucro não importa em uma vedação da entidade cobrar, de quem possui condições para tanto, pelos serviços que presta. Isso porque, inegavelmente, as instituições de assistência social não são mais custeadas por grandes doações de particulares ou mesmo de entes públicos, sendo que o exercício de suas atividades depende, em grande parte, exatamente do valor arrecadado daqueles que usufruem os serviços. O que não se pode admitir é que a atuação da entidade não esteja de acordo com o interesse público, em razão de que a imunidade apenas lhe é alcançada tendo em vista sua atuação como um “braço” do Estado. A gratuidade deve sim estar presente, mas conforme parâmetros de razoabilidade, tendo em vista a necessidade da instituição garantir a manutenção de suas atividades. 81 Assim, em que pese o reconhecimento de que as exigências não podem ser colocadas em mera lei ordinária, como será devidamente analisado, o que afasta a aplicação dos requisitos previstos na Lei n. 9.732/98 e, é bom que se lembre, também os contidos na redação original do artigo 55 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.212/93), a prestação da gratuidade é um dos elementos que traduz o comprometimento social da instituição, sendo necessário um equilíbrio entre os valores que seriam gastos com a tributação e os que são implementados diretamente no atendimento de forma gratuita. É imprescindível, pois, que haja no mínimo um equilíbrio entre o valor não recolhido aos cofres públicos em decorrência da desoneração tributária e o valor dispendido em serviços prestados de forma gratuita, devendo as atividades ser pautadas em prol do interesse público. Nesse sentido, em uma interpretação sistemática da Constituição Federal, levando-se em conta os princípios por ela adotados, como por exemplo o da impessoalidade nos atos da Administração Pública, percebe-se que a assistência social não mais pode ser encarada como um favor concedido pelo Estado ou pelo governante, mas sim como um direito subjetivo intimamente relacionado ao disposto no artigo 6º da Carta Maior. As normas de imunidade devem, pois, ser interpretadas de forma teleológica, de acordo com o fim a que foram instituídas, qual seja, desonerar aquelas instituições que atuam como um braço do Estado, na consecução de um interesse público sobressalente. No que se refere à interpretação das imunidades tributárias, observa-se a seguinte lição de Costa (2001, p. 117): As normas imunizantes têm seus objetivos facilmente identificáveis pelo intérprete, porquanto estampados na Constituição, quase sempre de modo explícito. A partir da identificação do objetivo (ou objetivos) da norma imunizante, deve o intérprete realizar a interpretação mediante a qual o mesmo será atingido em sua plenitude, sem restrições ou alargamentos do espectro eficacial da norma, não autorizados pela própria Lei Maior. 82 Em outras palavras, a interpretação há que ser teleológica e sistemática – vale dizer, consentânea com os princípios constitucionais envolvidos e o contexto a que se refere. Assim, o aplicador do direito deverá buscar sempre o objetivo da imunidade conferida, tendo em vista a bipolaridade que é relativa às relações jurídicas entre o Poder Público e o contribuinte. Tem-se, desse modo, que sempre que a imunidade for alcançada indistintamente o sistema constitucional não estará sendo efetivamente respeitado. É por esta razão que se fez necessária a abordagem sobre a extensão do termo ‘instituição de assistência social’, permitindo-se a perfeita aplicação da imunidade tributária conferida a estas instituições. Do mesmo modo, faz-se necessária a compreensão de termos próprios de direito tributário, como é o caso da própria imunidade tributária e sua regulamentação infraconstitucional. Passa-se, pois, à análise da imunidade tributária das instituições sociais e sua importância na idéia de Estado fomentador de políticas públicas. 83 3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Compreendidas as questões que se relacionam à atuação do público não estatal e de sua importância na idéia de Estado fomentador de políticas, passa-se a analisar a norma de imunidade propriamente dita. Com efeito, se o objetivo do presente trabalho é compreender a imunidade tributária das instituições de assistência social é necessário que as atenções sejam voltadas para a imunidade tributária, depreendendo-se sua natureza jurídica, a regulamentação infraconstitucional e a sua própria atuação enquanto política pública. Inicia-se, assim, com a abordagem relativa à natureza da imunidade tributária, ressaltando-se as discussões existentes na doutrina pátria. 3.1 Natureza jurídica das imunidades tributárias e sua atuação como instrumento do Estado fomentador A inintributabilidade é hoje considerada uma verdadeira garantia constitucional, servindo com um dos tantos suportes que podem ser interligados ao Estado Democrático de Direito. Entretanto, não obstante a inegável importância assumida pela imunidade tributária para o bom andamento do Estado, a doutrina pátria ainda não conseguiu chegar a um consenso quanto à exata definição e natureza jurídica do termo, sendo bastante apurada a discussão que perdura. Neste ponto, é bom que se diga, não possui o objetivo de exaurir a matéria, mas apenas o de fornecer os conceitos básicos que se fazem necessários para a perfeita compreensão do tema proposto, de forma a se instigar uma análise crítica-reflexiva quanto ao assunto. Parte-se, pois, da noção básica de que as imunidades tributárias52 podem ser consideradas normas constitucionais balizadoras, cujo atendimento se torna imprescindível para o perfeito andamento do Estado. As regras de imunidade serão 52 Torres (2005, p. 44-45) conceitua a imunidade tributária como “[...] uma relação jurídica que instrumentaliza os direitos fundamentais, ou uma qualidade da pessoa que lhe embasa o direito público subjetivo à não-incidência tributária ou a uma exteriorização dos direitos da liberdade que provoca a incompetência tributária do ente público”. 84 sempre decorrência do exposto da Constituição Federal, o que por si só já demonstra a sua relevância e seu grau de destaque junto ao ordenamento posto. É exatamente por decorrer de normas constitucionais que a imunidade se distingue da isenção, visto vir esta prevista em lei e ser passível de revogação a qualquer tempo, desde que ausente o interesse público que a originou e ressalvados os direitos adquiridos. Com efeito, cabe aos Poderes Legislativos da União, dos Estados e dos Municípios, por intermédio de lei complementar ou de lei ordinária, especificar as hipóteses em que o Poder Público concederá o benefício da isenção, sempre dentro de seu âmbito de competência. Para Amaro (2003, p. 273), a imunidade e a isenção distinguem-se em função do plano em que atuam. A primeira opera no plano da definição da competência, e a segunda atua no plano da definição da incidência. Ou seja, a imunidade é técnica utilizada pelo constituinte no momento em que define o campo sobre o qual outorga competência. (...) Já a isenção se coloca no plano de definição da incidência do tributo, a ser implementada pela lei (geralmente ordinária) por meio da qual se exercite a competência tributária. Pelo que se percebe, embora tanto a imunidade quanto a isenção sejam consideradas formas de desoneração tributária, ambas não se confundem, possuindo a imunidade características próprias. Da mesma forma, a imunidade igualmente não se equipara à hipótese de não incidência, já que esta se dá quando não há a ocorrência do fato gerador. Em verdade, para que haja a incidência tributária, é necessário que se visualize a ocorrência de todos os elementos previstos em lei, com a subsunção, conseqüentemente, de tais fatos à norma que prevê a tributação, sendo que somente em tal hipótese se pode falar em fato gerador e, por conseguinte, em incidência. Em sentido inverso, pode-se afirmar que a não incidência abrange aqueles fatos não alcançados nas definições da hipótese de incidência. Compreende-se, assim, que tanto a isenção quanto a não incidência são figuras totalmente diversas da imunidade tributária. Isso porque enquanto a isenção impede a incidência do tributo por determinação de lei específica, a não incidência 85 implica na não ocorrência do mesmo, já que ausentes os requisitos legais para a tributação. A imunidade, ao contrário, impede o surgimento do dever de pagar determinadas espécies de tributos tendo em vista regra constitucional que afasta o poder de tributar do Estado. Mas a própria conceituação do termo imunidade tributária causa grandes discussões, passando-se a analisar a conceituação do termo imunidade tributária. Inicia-se pela tese defendida por Falcão (1961, p. 370) de que a imunidade nada mais é que uma espécie de não-incidência constitucionalmente qualificada: O que há na imunidade, como se está a ver, é uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstos pelo estatuto supremo. Quanto a esse entendimento particularizado do autor, várias são as críticas apontadas, especialmente tendo em vista que a não-incidência significa ausência de fato tributável, simplesmente, e não uma delimitação de competência ou a instituição de uma competência negativa. Nesse sentido, Costa (2001, p. 41) esclarece que “[...] a não-incidência corresponde à inocorrência do impacto da norma jurídica sobre determinado fato[...]”, chegando a afirmar que a mesma se constituiria “[...] irrelevante para a Ciência Jurídica, posto que não se configura como fato jurídico [...]”. Segundo a doutrinadora, o maior erro daqueles que defendem que a imunidade e a isenção estariam inclusas em tal categoria seria basear a teoria em explicações sobre a fenomenologia da incidência tributária. De outro lado, Baleeiro (2003, p. 113), o autor clássico das imunidades, defende que a imunidade tributária nada mais é do que uma limitação constitucional ao poder de tributar, visto que extrai da competência do poder público seu poder imanente de tributação. Em suas palavras, as imunidades não se confundem com isenções, derivadas da lei ordinária ou da complementar (CF, art. 19, § 2º) que, decretando o tributo, exclui expressamente certos casos, pessoas ou bens, por motivos de política fiscal. A violação do dispositivo onde se contém a isenção importa em ilegalidade e não em inconstitucionalidade (CTN, arts. 175 a 179). 86 Não obstante ser necessário se reconhecer que Baleeiro (2003, p. 113) desenvolveu papel primordial na colocação em voga dos temas relativos ao Direito Tributário, a insuficiência da definição por ele oferecida à imunidade tributária salta aos olhos quando se depara com o fato de que a Constituição estabelece várias limitações ao poder de tributar do Estado, em especial as garantias oferecidas aos contribuintes. É bom que se diga, nesse aspecto, que é o próprio autor que afirma que enquanto toda imunidade pode ser considerada uma limitação ao poder de tributar, a recíproca não é verdadeira (BALLEIRO apud COSTA, 2001), haja vistas existir junto ao ordenamento outras limitações de tal espécie, como é o caso dos princípios constitucionais-tributários. Com efeito, a Constituição Federal traz em seu corpo uma série de princípios53 tributários a serem observados pelo Poder Executivo, pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo. Tratam-se de postulados constitucionais genéricos que informam a atuação do Estado, e cuja atenção faz-se imperiosa para a manutenção do Estado Democrático de Direito (CARVALHO, 2005). Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 148) afirma que os princípios são: [...] linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob o seu raio de influência e manifestam a força de sua presença. Como se vê, no sistema jurídico moderno os princípios assumem papel de destaque, superando a condição de meros mecanismos a serem utilizados para suprir as lacunas do Direito. Em verdade, servem como requisitos primordiais a serem observados em todos níveis da organização social. A proibição do confisco e a necessidade de que se atente ao princípio da capacidade contributiva dos indivíduos, são dentre tantos outros, exemplos do que se pode denominar de limitações constitucionais ao poder de tributar, e essas 53 Os princípios são espécies de normas jurídicas, do mesmo modo que o são as regras, possuindo força normativa e, assim sendo, devem ser aplicados seja qual for a ordem de discussão, haja vistas que irradiam seus efeitos sobre o ordenamento posto. 87 normas, no entanto, em nada se confundem com a imunidade tributária. Desse modo, ao redigir as Notas que atualizam a obra de Baleeiro (2003), Derzi (2003, p. 114) afirma: Aliomar Baleeiro, o autor clássico das imunidades, define-as, por seus efeitos, como limitações constitucionais ao poder de tributar. Não obstante, são limitações constitucionais ao poder de tributar, ainda, o princípio da legalidade, a da anterioridade, da igualdade, da vedação do confisco, etc. Também a Constituição Federal intitula a Seção II do Capítulo VI de “Das Limitações ao Poder de Tributar” e, dentro dela, inclui, de modo não exaustivo, as imunidades propriamente ditas e os demais princípios e normas reguladoras dos direitos e garantias dos contribuintes, como legalidade, irretroatividade, anterioridade, vedação do confisco e outros. Não bastasse tal, ao se analisar o critério cronológico, a definição oferecida também não subsistiria. Isso porque as regras de imunidade tributária, assim como as demais regras de competência, vêm expressas no texto constitucional, ou seja, ao mesmo tempo em que a competência é delimitada. Assim, não se pode considerar a mesma uma limitação à competência tributária. Ramos Filho (1999, p. 50), ao tecer suas críticas quanto à definição da imunidade tributária como limitação constitucional da competência tributária, afirma que: A norma constitucional da imunidade não atua, portanto, em um momento posterior à outorga de competência tributária, mas simultaneamente a este, colaborando na definição das faixas de competências tributárias entregues às entidades políticas. Não se trata de uma limitação ou supressão da competência tributária ou do poder de tributar, pela razão de que, nas situações imunes não existe (nem preexiste) poder de tributar ou competência impositiva. Pelo que se compreende, crescentes têm sido as complementações oferecidas à clássica definição de Baleeiro (2003, p. 113), o que demonstra a insubsistência da mesma. Isso porque a imunidade não vem para limitar a competência tributária (visto que essa já nasce delimitada), mas sim para instituir uma regra de estrutura direcionada especialmente ao legislador, estabelecendo uma espécie de competência negativa. A conclusão de que a imunidade é uma regra de estrutura se dá pelo fato de que a mesma possui um dever-ser neutro, não se preocupando em prescrever 88 condutas humanas, mas sim em fixar competência tributária. É o que se extrai da lição de Ferreira Sobrinho (1996, p. 78), o qual afirma que “a regra imunizante é uma regra de estrutura porque se presta à fixação da competência tributária e à regulação da edição de outras regras jurídicas. Não freqüenta, portanto, o plano da conduta”. E, uma vez se tratando a imunidade de uma regra de estrutura cuja definição deve ser buscada junto à Constituição, e se tendo em mente as especificações que a caracterizam e que excluem as definições da mesma como regra de nãoincidência constitucionalmente qualificada ou apenas como limitação à competência tributária, tem-se que a mesma efetivamente se trata de regra de competência negativa. Adota-se, pois, a conhecida definição de Carvalho (2005, p. 121), na qual o mesmo afirma que a imunidade é [...] a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. Assim, a imunidade efetivamente se caracteriza como uma regra de competência negativa contida no texto da Constituição Federal, que deve pautar a atuação dos poderes instituídos. Com efeito, ao exercer seu poder de tributar, o Estado deverá atentar às garantias fundamentais dos contribuintes, reconhecendo seu direito subjetivo à não tributação, desde que satisfeitos os requisitos constitucionais e, conforme o caso, também os expressos na legislação infraconstitucional. Ter-se a imunidade tributária como uma regra de competência negativa traça seu contorno como instrumento a ser utilizado pelo Estado para a fomentar a atuação da sociedade civil. É neste sentido que se tem que o Estado fiscal, caracterizado pelo custeio de suas atividades não tendo em vista seu próprio patrimônio, mas sim a intervenção do poder público no patrimônio dos particulares, coloca a imunidade tributária como um desiderato da democracia, sendo isto sim um instrumento de proteção da liberdade e da igualdade (TORRES, 2005). 89 Nesse sentido, a liberdade e suas implicações faz com que seja necessária a análise da imunidade tributária tendo em vista seus reflexos no ordenamento. Explica-se: se toda vez que se pensar em liberdade é necessário que se compreenda que este direito fundamental traz consigo questões que o complementam, como é a idéia da própria concretização da justiça, também é necessário que se entenda que o direito fundamental da liberdade tem uma coimplicação no que se refere ao poder público. Este é o contraponto da imunidade tributária. Assim, se a liberdade dos indivíduos e o direito à sua propriedade privada sucumbem frente ao poder impositivo do Estado no que se refere aos tributos, é o poder impositivo que deixa de existir quando se está diante de uma imunidade tributária. E para chegar-se a esta conclusão, basta que se compreenda os motivos que colocam determinada pessoa ou situação na condição de imunes tributariamente. É neste sentido que se tem que a liberdade fundamenta as garantias constitucionais oferecidas aos contribuintes, permite a tributação e ainda serve de base para que se possa falar em imunidade tributária. (TORRES, 2005). Consagrar a liberdade é compreender que a liberdade do indivíduo limita-se na liberdade do outro, como expresso no artigo 4o da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. A grande questão é como tratar o poder de tributar em consonância com os direitos fundamentais dos contribuintes. Ao tratar do assunto, Torres (2005, p. 77) afirma que imunidades como a do mínimo existencial e a relativa à vedação ao confisco “[...] forram-se contra o excesso ou a desproporção da incidência, mas não aparecem enquanto a tributação se faz nos limites da razoabilidade e da capacidade contributiva [...]”. Percebe-se, assim, que mesmo sendo a liberdade um direito absoluto, tal não significa que este seja um direito ilimitado. O que se tem é que a própria interpretação das imunidades deve ser realizada de acordo com a liberdade, sendo que acaso o intérprete possua alguma dúvida 90 quanto ao real significado do texto constitucional, deve o mesmo interpretar a imunidade tributária de forma que se garanta a liberdade (TORRES, 2005). E a preponderância da liberdade pode ser entendida em consonância com o objetivo de justiça social. A realização da justiça social interliga-se com a dimensão teleológica que deve ser alcançada à interpretação da imunidade tributária, sendo que o rigor oferecido às finanças públicas é mediado pelas garantias constitucionais. É neste sentido que Torres (2005, p. 109) especifica os critérios a serem observados na interpretação das imunidades fiscais: [...] a) adota o pluralismo metodológico, com o equilíbrio entre os métodos literal, histórico, lógico e sistemático, todos eles iluminados pela dimensão teleológica; b) modera os resultados da interpretação, admitindo assim a interpretação extensiva que a restritiva, tanto a objetiva quanto a subjetiva, todas em equilíbrio e a depender do texto a ser interpretado; c) apóia-se no pluralismo teórico, com o princípio respectivo da não-identificação com ideologias triviais; d) recusa, da mesma forma que a interpretação das isenções, a analogia, que implica a extensão da imunidade a direitos nãofundamentais; e) busca o pluralismo de valores, com o equilíbrio entre liberdade, justiça e segurança jurídica. Em sua obra, Torres (2005) coloca a imunidade tributária como um direito anterior à ordem constitucional, derivando de direitos fundamentais que independem do reconhecimento legal. Por esta razão é que se especifica a interpretação teleológica, compreendendo-se os motivos que levaram ao reconhecimento da situação de imune. Em outras palavras, o que se tem é que a interpretação teleológica permite que se busque os reais motivos da imunidade tributária, possibilitando a concretização dos objetivos constitucionais e, de outro lado, respeitando o mínimo existencial. O mínimo existencial, neste sentido, relaciona-se à questão da pobreza54 e tem uma elevada importância na história da fiscalidade moderna. Com efeito, no Estado fiscal de Direito, a questão da pobreza é tratada com respeito à imunidade do 54 Torres (2005, p. 174) afirma: “O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza. Aqui também há que se distinguir entre a pobreza absoluta, que deve ser obrigatoriamente combatida pelo Estado, e a pobreza relativa, ligada a causas de produção econ6omica ou de redistribuição de bens, que será minorada de acordo com as possibilidades sociais e orçamentárias [...]”. 91 mínimo existencial e com a prestação da assistência social, sendo que a própria tributação se dá com respeito à capacidade contributiva (TORRES, 2005). Desse modo, o mínimo existencial trata-se de direito subjetivo protegido negativamente e positivamente, relacionando-se com a estruturação de um processo democrático. Neste sentido, tem-se que: O mínimo existencial, assim pelo seu aspecto negativo, como pela necessidade da proteção positiva, carece, para se concretizar, do processo democrático, do due process of law, da separação e interdependência dos poderes e do federalismo: o trabalho da legislação, da administração e, sobretudo, da jurisprudência contribui para a efetividade das condições mínimas da vida humana digna. A imunidade tributária das instituições de assistência social ganha força, nesse contexto, tendo em vista que estas instituições atuam de modo a efetivar as necessidades vitais básicas, suplementando a atividade estatal. Assim, se o mínimo existencial, por si só, já deve ser considerado imune, então aquelas instituições que agem de modo a concretiza-lo tendo em vista a população carente devem receber o abrigo da norma constitucional de competência tributária negativa. Efetivamente, o que se tem é que a imunidade se relaciona a pessoas, já que invariavelmente é a elas que beneficia, “[...] quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações [...]” (CARRAZA, 1997, p. 399). A conclusão a que se chega é que a imunidade tributária somente é alcançada às instituições de educação e de assistência social devido à particularidade do serviço que é por elas prestados, relacionando-se, pois, com suas características pessoais e com sua natureza jurídica. Não fossem tais particularidades, por certo que a imunidade tributária não lhes seria alcançada. Percebe-se, assim, que ao conferir a referida imunidade às instituições de assistência social, está o Estado a fomentar a implementação de políticas públicas pela própria sociedade civil. Tratam-se, pois, de políticas tributárias que visam a inclusão social, através do reconhecimento estatal quanto à atuação do terceiro setor. 92 É exatamente pela natureza do serviço prestado pelas entidades assistenciais, pois, que o legislador constituinte as elevou à situação de imunes. É nesse aspecto que se tem que a imunidade tributária, como norma constitucional, deve ser analisada com vistas à sua concretização, de modo que se tenha a précompreensão do seu sentido, primando-se o texto constitucional em face do problema (CANOTILHO, 1998). J. J. Gomes Canotilho (1998, p. 1088-1089), ao discorrer sobre a importância da concretização das normas constitucionais, assim coloca: Num ordenamento jurídico dotado de uma constituição escrita, considerada como ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade, pressupõemse como ponto de partidas normativos da tarefa de concretização-aplicação das normas constitucionais (constitucional construction na terminologia americana): (1) a consideração de norma como elemento primário do processo interpretativo; (2) a mediação (captação, obtenção) do conteúdo (significado, sentido, intenção) semântico do texto constitucional como tarefa primeira da hermenêutica jurídico-constitucional; independentemente do sentido que se der ao elemento literal (= gramatical, filológico), o processo concretizador da norma da constituição começa com a atribuição de um significado aos enunciados lingüísticos do texto constitucional. Pelo que se percebe, a concretização dos dispositivos constitucionais pressupõe a compreensão de seu alcance, ou seja, do alcance dos termos empregados. Assim, para que haja a devida concretização das imunidades tributárias das instituições de assistência social, é imprescindível que se utilize a compreensão já realizada neste trabalho no que se refere às organizações que podem ser consideradas como de assistência social, para só então garantir-se às mesmas a tributação privilegiada. É nesse sentido que a compreensão dos contornos constitucionais da assistência social faz-se importante, de modo a compreender-se que a imunidade tributária somente pode ser alcançada àquelas instituições que estejam a implementar uma efetiva política pública, concretizando os direitos sociais e, em última análise, os direitos individuais. A primeira compreensão é, pois, constitucional, sendo que a análise quanto à satisfação dos requisitos infraconstitucionais somente deve ser realizada quando a instituição contempla a vontade constitucional, agindo como um verdadeiro braço do Estado. 93 Este é o tema central das imunidades tributárias oferecidas às instituições de assistência social, sendo que sua concretização somente se faz possível em um ambiente de comprometimento social. A vontade constitucional é o verdadeiro contorno da imunidade tributária, sendo que a discussão não pode ficar restrita à satisfação ou não dos requisitos infraconstitucionais, a exemplo do que se tem visto na atividade jurisdicional. No entanto, se a discussão não pode ficar restrita à regulamentação infraconstitucional das imunidades tributárias das instituições de assistência social, esse é um ponto que também não pode ser esquecido. Mostra-se, assim, relevante, a abordagem tendo em vista, especialmente, as inúmeras discussões existentes quanto ao veículo normativo adequado para a realização da referida especificação infraconstitucional. 3.2 Imunidades tributárias condicionadas e regulamentação infraconstitucional Dentre as várias classificações que podem ser atribuídas à imunidade tributária, uma merece especial atenção: a imunidade condicionada e a imunidade incondicionada. Na imunidade incondicionada, a imediata fruição da desoneração prevista em ordem constitucional não precisa atender a qualquer outra previsão legislativa, visto que a própria Carta Maior já traz em si todos os requisitos que se fazem necessários. Já na imunidade condicionada, além do respeito à norma constitucional, se faz igualmente necessária a atenção aos requisitos expressos em legislação infraconstitucional, sendo que uma vez editada a lei complementar a fruição dessa imunidade fica ‘condicionada’ ao atendimento de tais previsões. Ao se analisar o texto constitucional brasileiro, tem-se como exemplos de imunidades incondicionadas as previsões contidas nas alíneas “a” (imunidade recíproca), “b” (imunidade dos templos) e “d” (imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão) do inciso VI do artigo 150, haja vistas que em tais hipóteses o legislador constituinte não fez qualquer menção quanto a requisitos infraconstitucionais. Tratam-se, pois, de regras de eficácia plena 94 e de aplicação imediata, que proíbem o Poder Público de instituir impostos em tais situações. Desse modo, no que tange à imunidade recíproca, à imunidade dos templos e à imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão, os requisitos para o seu reconhecimento são tão somente os previstos na Constituição Federal, sem a necessidade de que sejam atendidas quaisquer outras previsões para que as regras constitucionais venham a produzir integralmente seus efeitos. No entanto, o sistema constitucional pátrio apresenta também normas de imunidade que fazem referência a requisitos expressos em lei. É a situação, por exemplo, da imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal55. Nesse caso, o legislador constituinte se preocupou, como não poderia deixar de ser, em trazer a específica previsão de quais as entidades são abrangidas pela imunidade (partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, e instituições de educação e de assistência social), bem como o alcance da imunidade (impostos relativos ao patrimônio, à renda ou aos serviços). Ou seja, a norma constitucional traz suficientemente clara as hipóteses em que se configura a competência negativa dos entes políticos, sendo que à norma infraconstitucional recaiu apenas a obrigação de regulamentar os aspetos formais. Frise-se, por oportuno, que a regra do artigo 150, inciso VI, alínea ”c” da Constituição Federal tem aplicação apenas com relação a impostos, não estando aí incluída as demais espécies de tributos. Como se sabe, impostos são espécies de tributos, assim como também o são as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as demais contribuições. 55 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI – instituir impostos sobre: [...] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. 95 No que se refere a impostos, esses são apenas aqueles previstos na Constituição Federal, ressalvando-se a competência residual e extraordinária da União. Ao delimitar a competência tributária dos entes federados, a Constituição Federal traz quais impostos competem a cada um dos entes federados. Tem-se, desse modo, como impostos da União, o imposto sobre a renda a proventos de qualquer natureza, o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, o imposto sobre a exportação de produtos, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, o imposto sobre a propriedade territorial e o imposto sobre grandes fortunas56. Como impostos do Estado, tem-se o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores e o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos. Como impostos dos Municípios, tem-se o imposto sobre serviços de qualquer natureza, o imposto sobre a transmissão onerosa de bens imóveis e o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. Assim, a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alcança a todos esses impostos, tendo-se regra de competência negativa que impede sua instituição em face das entidades ali mencionadas, incluindo-se em tal ponto as instituições de assistência social. Especialmente no que concerne às instituições de assistência social, tem-se ainda a desoneração prevista no § 7º do artigo 195 da Carta Maior: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...] § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência estabelecidas na lei. 56 social que atendam as exigências No que se refere ao imposto sobre grandes fortunas, a União ainda não exerceu sua competência tributária, não havendo lei complementar que especifique o termo ‘grande fortuna’. Permanece, assim, a competência tributária de facultatividade do exercício, não se percebendo vontade política de instituir o referido imposto. 96 Não obstante o legislador constituinte ter utilizado o termo isenção, visualiza-se no presente caso uma regra de imunidade tributária. Isso porque o preceito constitucional instituiu verdadeira competência negativa, que veda ao poder público a possibilidade de cobrar contribuições para a seguridade social de tais instituições. A regra em apreço em nada se relaciona, pois, com a isenção tributária, que é concedida através de lei específica e atua após a ocorrência do fato gerador, não sendo prevista em âmbito constitucional. Ao discorrer sobre a regra prevista no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal, Carraza (1999, p. 23) afirma: Melhor explicitando, a Constituição, nesta passagem, usa a expressão ‘são isentas’, quando, em boa técnica, deveria usar a expressão ‘são imunes’, já que, segundo a unanimidade da doutrina, a imunidade advém da Constituição, ao passo que a isenção deflui da lei. Do mesmo modo, Navarro Coelho (1999, p. 147-148) coloca de uma forma bastante precisa que por se tratar de norma constitucional, não há que se falar em isenção, como se vê de suas palavras: O art. 195, § 7º, da Superlei, numa péssima redação dispõe que são isentas de contribuições para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social. Trata-se, em verdade, de uma imunidade, pois toda restrição ou constrição ou vedação ao poder de tributar de pessoas políticas com habitat constitucional traduz imunidade, nunca isenção, sempre veiculável por lei infraconstitucional. Desse modo, percebe-se que por estar a norma insculpida na Constituição Federal, a hipótese em tela se configura em uma regra de imunidade, equiparável à disposta do artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior. Verificadas quais as regras de imunidade que prevêem a edição de lei infraconstitucional no que se refere às instituições de assistência social, é necessário que se compreenda qual a lei infraconstitucional passível de trazer os requisitos legais para a fruição da imunidade57. Tem-se, assim, que a norma de 57 Ao analisar esta questão, Costa (2001, p. 133-134) afirma que é mais correto se falar em imunidades condicionáveis, e não condicionadas, como se vê das seguintes palavras: “Preferimos o termo ‘condicionável’ ao vocábulo ‘condicionada’, comumente utilizado pela doutrina, porque, como afirmamos anteriormente, a imunidade tributária não se abriga em normas constitucionais de eficácia 97 imunidade tributária relativa às instituições de assistência social necessita de regulamentação infraconstitucional, tratando-se de verdadeira imunidade tributária condicionada. E é preciso que se compreenda qual o veículo legal que está autorizado a realizar esta regulamentação. No entanto, antes de se iniciar a análise específica de qual seria a espécie normativa a ser utilizada para a regulamentação das imunidades previstas na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 e no § 7º do artigo 195, ambos da Constituição Federal, é preciso que se teçam alguns comentários quanto às discussões que perduram acerca da existência ou não de hierarquia entre as leis ordinárias e as leis complementares. Isso porque o tema em questão tem se mostrado bastante polêmico, visualizando-se divergências até mesmo entre os Tribunais Superiores, especialmente tendo em vista as inúmeras lides tributárias que, de uma forma ou de outra, acabam por abordar essa problemática. Nesse sentido, a doutrina de Borges (1975) é utilizada como paradigma para análise deste ponto58, sendo que o mesmo afirma que as leis complementares têm a função de integrar a eficácia das normas constitucionais relativas à estrutura do Estado e à relação existente entre os Poderes, sendo passível de edição apenas limitada, que demandam, necessariamente, a intervenção do legislador infraconstitucional. Assim, parece-nos incorreto falar-se em imunidade incondicionada, já que, cuidando-se de uma norma de eficácia contida, o condicionamento para a fruição do benefício poderá ou não ser estatuído pelo legislador complementar. Em decorrência desse raciocínio, a eventual hipótese de omissão legislativa não implicará a inviabilização da fruição da exoneração fiscal”. Nesta linha de raciocínio, o cerne da questão estaria centrado na classificação das normas constitucionais quanto à sua aplicação, sendo que Silva (2000) traz que as mesmas podem ser classificadas da seguinte forma na forma de normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrições, e normas de eficácia limitada ou reduzida. Normas de eficácia plena seriam aquelas que receberam do legislador constituinte toda a normatividade que se faz necessária para sua incidência imediata, sendo que as de eficácia contida, de outro lado, não obstante também possuírem a normatividade almejada, trazem a previsão de meios normativos que permitem a imposição de limitações à sua aplicabilidade e eficácia. Não se confundem, pois, as normas de eficácia contida com as de eficácia limitada, haja vistas que estas últimas não possuem por si só carga normativa, sendo tarefa do legislador infraconstitucional completar a regulamentação da matéria e atribuir-lhes a pretendida eficácia. É nesta linha de raciocínio a afirmação de que as normas constitucionais de imunidade que prevêem a edição de lei infraconstitucional são de eficácia contida, haja vistas que “a norma imunizante estampa a situação que alcança de modo preciso” (COSTA, 2001, p. 95). 58 Quanto à importância da contribuição de Borges (1975), Netto (1995, p. 09) esclarece: “Grande parcela da doutrina brasileira defendeu a superioridade hierárquica da lei complementar sobre a lei ordinária. Entre os que assim pensaram estão autores de grande prestígio nacional, como os Profs. Geraldo Ataliba, Pinto Ferreira, e José Afonso da Silva, dentre outros. Foi quando surgiu a excelente obra Lei Complementar Tributária, de José Souto Maior Borges, trabalho de grande qualidade científica que visou impugnar a tese de que a lei formalmente complementar é superior hierarquicamente”. 98 pela União. O fundamento da lei complementar em âmbito constitucional se daria sob dois aspectos: do ponto de vista formal, tendo em vista a forma e o procedimento de votação da lei complementar; e, sob o âmbito material, por decorrência da necessidade de seu conteúdo se adequar com o que dispõe a Constituição Federal, sendo possível versar somente sobre as matérias expressamente nela previstas. Em conseqüência, Borges (1975) aponta duas espécies de lei complementar: uma primeira, que fundamentaria a validade das outras espécies normativas e, portanto, seria superior a essas; e, uma segunda, de atuação direta e sem qualquer objetivo de fundamentar outras normas, sendo que nesta última espécie não se visualizaria qualquer hierarquia, mas sim apenas um âmbito de atuação particularizado. De outro lado, sinteticamente, pode-se dizer que os argumentos lançados por aqueles que entendiam que a lei ordinária ocupava escala inferior na ordem legislativa são basicamente dois: a topologia dos incisos do artigo 59 da Carta Maior e o quorum necessário para a aprovação de cada uma das espécies. Ao trazer as disposições gerais sobre o processo legislativo, a Constituição Federal em seu artigo 59 enumera quais são as espécies normativas que o integram, a saber: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e, resoluções. Desse modo, em um primeiro momento, os mais desavisados poderiam ser induzidos à conclusão de que a ordem estabelecida pelo constituinte para trazer as espécies normativas implicaria em uma distinção hierárquica, haja vistas que dentre as espécies normativas as Emendas Constitucionais, sem qualquer dúvida, apresentam-se hierarquicamente superior às demais. Por conseguinte, uma vez estando as leis complementares previstas no inciso II, e vindo a previsão com relação às leis ordinárias somente no inciso seguinte, aquelas poderiam ser entendidas como hierarquicamente superior a estas. No entanto, o raciocínio desenvolvido acima acabou por ser tolhido pela doutrina moderna, sendo que Bastos (1999, p. 13) afirma: 99 A só circunstância da lei complementar ser mencionada antes da ordinária, no art. 59, inc. II do Texto Supremo, nada significa em termos de posicionamento hierárquico. Se o raciocínio fosse bom, então pelo mesmo motivo, também a lei ordinária estaria acima da lei delegada, das medidas provisórias e assim por diante. Ademais as leis complementares não apresentam uma fisionomia unitária que possibilite de pronto uma definição de superioridade em relação às demais leis. Na verdade, a lei ordinária e a complementar não se subordinam reciprocamente (o que se verifica, por exemplo, entre a lei e o regulamento), porquanto versam matérias distintas e buscam seus fundamentos de validade diretamente na Constituição. Percebe-se, pois, que a simples topologia de um artigo não pode ser indicada como causa determinante para que sejam traçados graus de hierarquia quando a própria lei não o faz, especialmente quando não se tem qualquer outro aspecto no dispositivo que venha a corroborar a tese defendida. Ao contrário, o que se tem é que se fosse valer tal lógica, poder-se-ia dizer que uma lei ordinária seria hierarquicamente superior a uma lei delegada pelo simples fato daquela vir prevista anteriormente junto ao artigo 59 da Constituição Federal – o que não seria efetivamente acertado, visto que o que se tem entre ambas é apenas uma diferenciação quanto à sua competência e âmbito de atuação. Assim, não resta qualquer dúvida que, quanto ao primeiro argumento lançado, não se visualiza qualquer fundamentação jurídica que faça prevalecer a pretendida diferenciação hierárquica. Já quanto ao aspecto do quorum para aprovação, tem-se especificado no artigo 69 da Carta Maior que as leis complementares necessitam de maioria absoluta para serem aprovadas. As leis ordinárias, ao contrário, se satisfazem com a mera maioria simples. No entanto, a especificidade do quorum para aprovação também não é elemento suficiente para caracterizar a posição hierárquica superior da lei complementar. O quorum para aprovação é apenas um critério formal a ser observado tendo em vista a natureza das matérias que são abordadas pela lei complementar, que torna sua aprovação e eventuais alterações mais difíceis pelo Congresso Nacional. Essa preocupação do legislador constituinte se dá exatamente devido aos conteúdos constantes em tais leis, e não por sua hierarquia. 100 Mais uma vez, vale-se da lição de Bastos (1999, p. 14): À derradeira, a exigência de quorum especial de votação para as leis complementares traduz, se quisermos, apenas a preocupação do constituinte em dificultar um pouco a mudança de certas matérias, por ele havidas como relevantes. Resta salutar, pois, que o que se tem é tão somente uma diferenciação quanto à competência de tais espécies normativas, sendo que sempre que o legislador constituinte entendeu que determinada matéria somente poderia ser disciplinada por lei complementar, tratou ele de especificar tal requisito junto à Carta Maior. Ou seja, a necessidade de utilização de lei complementar será sempre decorrência do disposto na Constituição Federal, não havendo qualquer razão, no entanto, para se falar em hierarquia. Nesse sentido, Arruda Alvim (1994, p.67) traça a precisa diferença quanto à hierarquia material e formal existente entre as leis, concluindo pela inexistência de hierarquia material entre a lei complementar e a lei ordinária: Diz-se haver hierarquia material, quando a lei superior condiciona os possíveis conteúdos de significação da lei inferior; há hierarquia formal, quando a lei superior dita os pressupostos de forma da lei inferior. Entre a lei complementar e lei ordinária, entendemos inexistir hierarquia material. Para nós, nem mesmo entre as leis complementares que disciplinam conflitos de competência e as leis ordinárias, há hierarquia material, uma vez que tais leis complementares limitam-se a explicar o que está disposto na Constituição Federal, ou seja, tais leis complementares não inovam materialmente, mas, apenas, aclaram o comando constitucional. Observa-se, desse modo, que não perdura a existência de hierarquia entre as leis ordinárias e as leis complementares, havendo apenas uma diferenciação quanto ao âmbito de atuação de tais leis. Nesse aspecto, questão bastante interessante para se entender as posições tomadas pelas leis complementares e ordinárias é a relativa à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), instituída pela Lei Complementar n. 70/91. Nesse caso, o legislador entendeu por bem utilizar uma lei complementar 101 quando poderia ter lançado mão de mera lei ordinária, o que acarretou uma grande discussão quanto à possibilidade da lei complementar instituidora vir a ser alterada por lei ordinária. Foi o que ocorreu com a edição da Lei Ordinária n. 9430/96, que revogou a isenção quanto à COFINS originalmente concedida aos profissionais liberais. Os contribuintes, em verdade, defendiam a existência de hierarquia entre as leis ordinárias e complementares, o que impediria o Poder Público de alterar uma lei complementar através de uma lei ordinária, ainda que a contribuição não necessitasse de lei complementar para ser instituída. A tese defendida pelos contribuintes logrou êxito junto ao Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula 276, a afirmou o direito à isenção e, por conseqüência, reconheceu a hierarquia superior da lei complementar. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, de outro lado, desde muito se tem o entendimento de que não há a hierarquia pretendida, sendo tal visualizado ainda no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 01, de 01 de dezembro de 1993, na qual se discutiu a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei Complementar nº 70/91. Nessa oportunidade, o Ministro Moreira Alves, a quem incumbiu o encargo de Relator do processo, ao afirmar que a COFINS poderia ter sido instituída por lei ordinária, assim referiu: A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída – que são o objeto dessa ação – é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema –, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária. Não obstante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça tem insistido no reconhecimento de hierarquia entre as 102 leis ordinárias e complementares, o que fez com que a União Federal viesse a impetrar junto ao Supremo Tribunal Federal a Reclamação distribuída sob o nº 2620, haja vistas tratar-se de matéria constitucional que somente poderia ser analisada pela Corte competente. Nestes moldes, a medida acauteladora restou deferida, com a suspensão da eficácia da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. O que se percebe é que a jurisprudência pátria, ressalvado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tem caminhado no sentido de reconhecer o largamente afirmado pela doutrina de que não há hierarquia entre as leis ordinárias e as complementares. Nesse sentido, observa-se a reiterada jurisprudência do Tribunal Regional Federal da Quarta Região: TRIBUTÁRIO. COFINS. REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO OUTORGADA ÀS SOCIEDADES CIVIS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. LEI 9.430/96. – É constitucional a revogação pelo artigo 56 da Lei 9.430/96 da isenção da Contribuição para a Seguridade Social – COFINS, outorgada pela Lei Complementar 70/91 às sociedades civis prestadoras de serviços profissionais de profissão regulamentada. As contribuições sociais para a seguridade social que incidem sobre o faturamento (COFINS), o lucro e folha de salários prescindem de lei complementar para sua instituição. A lei ordinária pode revogar isenção concedida por lei complementar, pois a isenção não é matéria privativa de lei complementar, não havendo que se falar em desrespeito ao princípio das hierarquia das leis. (Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.71.000518968, Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Relator Juiz João Surreaux Chagas, publicado no Diário de Justiça da União em 12/05/2004) Diante de todas as explicações feitas, corroboradas pelo entendimento do Tribunal Regional Federal, percebe-se nitidamente que a lei complementar deverá ser utilizada sempre que a Constituição Federal assim determinar, sem que se faça necessária qualquer ilação quanto à sua posição hierárquica. O que se tem é uma diferenciação quanto às matérias que são concernentes a cada uma das espécies, sendo que o respeito a essa distinção é imprescindível para o bom andamento do Estado. No que se refere à regulamentação das imunidades tributárias, tal panorama não é distinto. Toda a discussão que paira em torno de quais seriam os requisitos infraconstitucionais válidos para o gozo da referida desoneração, está intimamente relacionada com as hipóteses em que o legislador constituinte estabeleceu como somente sendo reguláveis através de lei complementar. Isso porque, como já dito, a 103 lei complementar deve ser utilizada sempre que a Constituição Federal assim determinar, haja vistas a nítida distinção das matérias atribuídas à sua regulação. E o legislador, pelos motivos já especificados, não precisa ser expresso no próprio dispositivo constitucional que prevê a edição de lei infraconstitucional que esta deverá ser a de espécie complementar, sendo suficiente a previsão genérica relacionada à natureza da matéria, como se tem no parágrafo único do artigo 59 e no artigo 146, ambos da Carta Maior. Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 59 da Carta Maior afirma que cabe à lei complementar dispor sobre elaboração, redação, alteração e consolidação de leis. Desse modo, a complementação das regras relativas ao processo legislativo constante na Constituição Federal não poderá ser realizada por qualquer outra espécie normativa que não a lei complementar, independente de ser ou não o constituinte expresso quanto a tal aspecto na norma constitucional específica. Ao lado do expresso em tal dispositivo, tem-se o artigo 146 da Constituição Federal, que se mostra de extrema importância para a análise da problemática proposta no presente trabalho, razão pela qual o mesmo é transcrito na íntegra: Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. Como se percebe da leitura do artigo em comento, a redação oferecida ao inciso II implica em dizer que todos os casos que sejam referentes a limitações constitucionais ao poder de tributar, a regulamentação deverá ser feita através de lei complementar. E, como já dito, ainda que se considere insuficiente a definição oferecida por Baleeiro (2003, p. 113), a imunidade é uma das espécies de limitação constitucional ao poder de tributar, sendo que a regra do artigo 150, inciso VI, “c” está inserta no Capítulo destinado a tal categoria junto à Constituição Federal. Do 104 mesmo modo, uma vez não havendo dúvidas que a regra disposta no artigo 195, § 7º da Carta Maior trata-se de verdadeira imunidade, essa também deverá ser considerada para efeitos de aplicação do inciso II do artigo 146 uma limitação constitucional ao poder de tributar, regulamentável apenas por intermédio de lei complementar. Nesse sentido, visualiza-se o ensinamento de Gonçalves (2002, p. 395): De fato, quando o inciso II do ar. 146 da CF se refere ‘às limitações constitucionais ao poder de tributar’, está tratando de toda regra constitucional passível de impedir o legislador infraconstitucional de instituir tributo sobre uma determinada situação fática, qualquer que seja a natureza da restrição e independentemente da forma e do momento aos quais será aplicada. Tanto é uma ‘limitação constitucional ao poder de tributar’ que as imunidades de impostos, a que se referem o inciso IV do art. 150 da Constituição Federal, estão dispostas na Seção II, Capítulo I, do Título VI da Constituição Federal, que trata ‘Das limitações do poder de tributar’, devendo a mesma natureza ser admitida para a imunidade do § 7º do art. 195 da CF/88 por ser instituto afim e equivalente. Tem-se, pois, que a regulação de tais imunidades deverá ser efetivamente realizada por lei complementar, não se admitindo que o legislador infraconstitucional utilize a lei ordinária para o estabelecimento de requisitos. Nesse ponto, não é demais lembrar que essas espécies de imunidade podem ser consideradas condicionáveis, se percebidas como regras de eficácia contida, o que permitiria, em tese, sua fruição ainda que não houvesse a lei regulamentadora, como já referido (COSTA, 2001). Ocorre que na ordem constitucional de 1988 não se chegou a visualizar este problema, tendo em vista que com sua entrada em vigor, o Código Tributário Nacional (Lei Ordinária n 5.172, de 25 de outubro de 1966) restou recepcionado como lei complementar. Desse modo, uma vez sendo o Código Tributário Nacional considerado lei complementar, e trazendo ele regras para regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar, sua aplicação mostra-se perfeitamente possível. Por tal razão, ao lado das exigências constitucionais, os requisitos a serem atendidos são os expressos nos incisos do artigo 14 do referido diploma: 105 Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. Efetivamente, sempre que se tratar de uma instituição de assistência social que não possua finalidade lucrativa e preencha os requisitos expressos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, é inafastável o reconhecimento de sua imunidade tributária, tanto a relativa aos impostos (artigo 150, VI, “c”) quanto a referente às contribuições para a seguridade social (artigo 195, § 7º). Desse modo, a exigência por parte do Fisco de atendimento a qualquer outro requisito que não os expressos nas normas constitucionais e no Código Tributário Nacional não se coaduna com o sistema constitucional vigente, razão pela qual as tantas exigências trazidas em lei ordinária, e até mesmo através de decretos, não merecem aplicação para o reconhecimento da imunidade. O que se tem, é a necessidade de atenção aos exatos termos da Constituição Federal, tanto no que concerne ao instrumento legislativo a ser utilizado infraconstitucionalmente, quanto no que se refere às exigências trazidas na própria norma constitucional. Vale ressaltar que a vedação de que a instituição assistencial possua fins lucrativos não a impede de apresentar superávit em sua contabilidade, visto que esse será decorrência da boa administração dos valores recebidos. Com efeito, e nesse ponto já se passa a analisar mais especificamente os requisitos infraconstitucionais previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, o que é vedado é a distribuição de lucros, a qualquer título, entre dirigentes ou associados, sendo que os resultados financeiros deverão ser empregados na própria instituição. Nesse sentido, Costa (2001, p. 181) esclarece que não é o lucro propriamente dito que caracteriza uma instituição sem fins lucrativos, mas sim o objetivo da instituição, que não pode se confundir com o de uma empresa: 106 Portanto, não é a ausência de lucro que caracteriza uma entidade sem fins lucrativos, posto que o lucro é relevante e mesmo necessário para que a mesma possa continuar desenvolvendo suas atividades. O que está vedado é a utilização da entidade como instrumento de auferimento de lucro por seus dirigentes, já que esse intento é buscado por outro tipo de entidade – qual seja, a empresa. A qualificação de uma entidade como sendo ‘sem fins lucrativos’ exige o atendimento de dois únicos pressupostos: a não-distribuição dos lucros auferidos (ou superávits) e a não-reversão do patrimônio da mesma às pessoas que a criaram, com a aplicação dos resultados econômicos positivos obtidos na própria entidade. O que é vedado, como se vê, é que a entidade possua como finalidade a obtenção de lucro ou que proceda a distribuição a qualquer título de tais valores, não havendo qualquer impedimento quanto à existência de superávit contábil. Quanto à questão do superávit, Barreto (2001, p. 73) é taxativo ao afirmar sua possibilidade e, até mesmo, sua necessidade no que se refere às instituições imunes: O superávit não é vedado para as entidades imunes, mas é até desejado. O que se veda a tais entidades é a distribuição de rendas, a qualquer título. Ressalta-se que a apuração de superávit ou déficit, em qualquer pessoa jurídica, está sujeita a variações. Isto poderá ocorrer, por exemplo, no encerramento do balanço. Ao término do ano fiscal, poderá o resultado indicar superávit da instituição. No entanto, tal resultado poderá ser modificado poucos dias depois, com as despesas incorridas pela instituição, passando-se assim a verificar-se déficit. É inequívoco, por exemplo, que a aplicação do superávit não deva ocorrer somente no ativo imobilizado da instituição. É evidente que nas instituições de ensino e nas assistenciais, que se dedicam ao atendimento médico da população carente, a utilização do superávit verificado em treinamento de professores, pesquisas de novas técnicas cirúrgicas – sobre ser de fundamental relevo para a população atendida – representa a afirmação plena dos desígnios constitucionais. De outro lado, é preciso que se diga que a vedação à distribuição de renda não importa em proibição às instituições de remunerar seus dirigentes. Isso porque não é admissível pretender-se que alguém trabalhe sem qualquer remuneração, especialmente quando a entidade possui uma grande estrutura administrativa. Efetivamente, a remuneração vem a viabilizar a necessária profissionalização dos serviços prestados, atuando em prol da própria instituição, não se visualizando qualquer vedação junto ao Código Tributário Nacional no que se refere a tal aspecto, como se vê das seguintes palavras de Martins (2004, p. 01-02): 107 Não cuida, o CTN, de condicionar a imunidade ao pagamento de remuneração aos diretores que exerçam funções executivas e/ou administrativas na entidade, sendo certo que a jurisprudência dos Tribunais Judiciais tem hospedado a tese de que tal hipótese não é possível de configurar ‘distribuição de lucros’, por tratar-se de remuneração por trabalho profissional prestado. O que a entidade imune não pode fazer é distribuir resultados, mas, à evidência, deve remunerar o trabalho profissional, visto que a Constituição proíbe o trabalho escravo. Assim, a remuneração pelos serviços prestados à instituição por dirigente ou funcionário em nada afasta o seu direito ao reconhecimento da imunidade. No mesmo sentido, ao lado da vedação à distribuição de lucros, tem-se ainda previsto no inciso II do artigo 14 do Código Tributário Nacional que os recursos deverão ser aplicados integralmente no país, na manutenção dos objetivos da instituição. E, a fim assegurar a exatidão de sua contabilidade, na forma do inciso III do mesmo dispositivo, a instituição deverá escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos da devida formalidade. Tem-se, pois, que os requisitos para o gozo das imunidades tributárias de que trata o presente trabalho podem ser considerados sob o ângulo constitucional (tratarse de instituição de assistência social sem fins lucrativos) ou infraconstitucional (artigo 14 do Código Tributário Nacional), sendo que a questão sempre deverá ser analisada de uma forma sistemática. Em âmbito infraconstitucional, frise-se mais uma vez, não prosperam os requisitos postos em mera lei ordinária, haja vistas o disposto no artigo 146, inciso II, da Carta Maior, razão pela qual a Lei n. 8.212/91 e a Lei n. 9.732/98 não merecem aplicação neste ponto. Nesse sentido, vale ressaltar que a Lei n. 9.732/98, que alterou alguns dos requisitos originalmente previstos no artigo 55 da Lei n. 8.212/91 (incluindo a previsão de que os serviços deveriam ser prestados, exclusivamente, de forma gratuita), teve seus efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.028-5, impetrada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços. 108 A liminar foi inicialmente deferida pelo Ministro Marco Aurélio e referendada, posteriormente, pelo Plenário, sendo que a tese de que somente através de lei complementar poderia ser regulamentada a imunidade do § 7º do artigo 195 da Constituição Federal mereceu especial destaque, tendo se alertado, no entanto, para o fato de que o artigo 55 da Lei n. 8.212/91 não restou subsidiariamente atacado, o que impediria a concessão da liminar. Isso porque, em tal hipótese, voltaria a vigorar a redação primitiva da referida lei, igualmente ordinária. Desse modo, preferiu o Supremo Tribunal Federal suspender os efeitos da Lei n. 9.732/98 tendo em vista sua inconstitucionalidade material, visto que a inclusão da gratuidade absoluta como um requisito para o gozo da imunidade se teria desvirtuado o próprio conceito de entidade beneficente de assistência social, acabando por limitar a extensão da imunidade. Desse modo, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, acabaram por ser “revalidadas” para o chamado terceiro setor, no que se refere às contribuições previdenciárias, as determinações da Lei Orgânica da Assistência Social, excluindose apenas as alterações introduzidas pela Lei n. 9.732/98. No entanto, como já foi objeto de análise, a instituição de requisitos para o gozo das imunidades tributárias em mera lei ordinária não se coaduna com o sistema constitucional vigente, haja vistas que pelo disposto no artigo 146, inciso II da Constituição Federal, somente por intermédio de lei complementar pode ocorrer a regulamentação. O que se percebe, efetivamente, é que todos os requisitos trazidos tanto pela Lei n. 9.732/98, quanto pela Lei n. 8.212/91, não possuem (ou não deveriam possuir!) qualquer aplicação no que se refere às imunidades tributárias dos artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195 § 7º da Constituição Federal, tendo em vista que se tratam de leis ordinárias cujo âmbito de atuação não alcança a possibilidade de regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar. Perduram, pois, tão somente os requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional em sede de discussão infraconstitucional, sendo que o conceito de instituição de assistência social deverá ser tomado com base em uma interpretação da Carta Maior que permita a concretização de seus fundamentos jurídicos. 109 Assim, o que se tem é que a imunidade tributária deve ser compreendida conforme os fins a que se destina, sendo que mesmo na análise das questões de ordem mais técnica, como é o caso da regulamentação infraconstitucional, os contornos da assistência social não podem ser esquecidos. Parte-se, assim, da idéia de satisfação das necessidades sociais a partir do fomento da sociedade civil. 110 CONCLUSÃO Compreendendo-se a estrutura que envolve a imunidade tributária, percebe-se desde logo que a mesma ocupa papel de destaque na ordem jurídica. Seus contornos constitucionais fazem que a mesma seja a expressão de um fundamento da vida em sociedade, agindo como um instrumento para a consecução de uma finalidade pública. É nesse sentido, que a imunidade dos templos indica a liberdade de culto, proporcionando-se a visualização de um efetivo Estado laico. Do mesmo modo, a possibilidade de instituição de impostos dos entes federados uns sobre os outros dificultaria sobremaneira o desenvolvimento dos objetivos sociais. Assim, enquanto a imunidade dos livros relaciona-se à difusão da cultura, a imunidade prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal também possui uma razão de ser. Isso porque as entidades ali mencionadas mostram-se essenciais na idéia de um Estado Democrático de Direito. Os partidos políticos, desse modo, permitem o pluralismo político, sendo que o fortalecimento das entidades sindicais dos trabalhadores acaba por importar no fortalecimento do valor social do trabalho. E no que se refere às instituições de educação e de assistência social, sem finalidade lucrativa, tal não se mostra diferente. O que tais instituições objetivam é a própria realização dos direitos sociais, sendo este o cerne da questão. Desse modo, não é o fato de uma entidade estar agindo na área de educação que a faz imune, mas sim a sua atuação de forma suplementar ao Estado. No que se refere às instituições de assistência social, nos mesmos moldes, o que as coloca em posição constitucional de destaque no que se refere à imunidade tributária é o seu comprometimento com uma finalidade pública sobressalente. Por esta razão, tanto a imunidade prevista no artigo, 150, inciso VI, alínea “c” e a inscrita no artigo 195, § 7º, ambos da Constituição Federal, justificam-se na medida em que 111 uma política pública de assistência social é implementada por estas pessoas jurídicas de direito privado. A constatação a que se chega é que a fomentação da sociedade civil pelo Estado é realizada a partir da concessão de desonerações, estimulando-se a atuação do terceiro setor. É neste sentido que a imunidade tributária ultrapassa a simples idéia de benefício, sendo isso sim uma expressão da organização do Estado. O fomento à atuação da sociedade civil se dá tendo em vista que a atuação do Estado, diretamente, deve ficar restrita àquelas atividades que devem ser desenvolvidas exclusivamente por ele. E, no que se refere à implementação de políticas públicas que promovam a efetiva assistência social, a sociedade civil pode agir em suplementação à atividade estatal, permitindo que as políticas públicas alcancem um número mais substancial de indivíduos. É assim que uma das formas de estimular e reconhecer a inegável importância assumida pela sociedade civil na implementação de políticas públicas que promovem uma inclusão social reside na estruturação constitucional de regras de competência negativa em matéria tributária. A imunidade tributária é tida, sob essa ótica, como um mecanismo estatal para viabilizar a atuação comprometida e eficaz da sociedade civil. Desse modo, é possível se afirmar que a imunidade tributária pode ser visualizada como um instrumento a fomentar políticas públicas, em especial no que tange às instituições de assistência social, objeto do presente trabalho. Isso porque o Estado passa a perceber que a estipulação de parcerias mostra-se imprescindível em uma realidade de escassez de recursos humanos e financeiros. Além do mais, a atuação da sociedade demonstra o incremento da democracia, na medida em que se foge da simples idéia de delegação para a de participação. Estes argumentos ganham ainda mais força quando se nota que o trato de políticas públicas pela sociedade civil organizada permite que se tenha uma atividade eficiente, implementando-se formas de se gerir com agilidade e 112 comprometimento social. A instituição que age dessa forma estará a viabilizar a consecução dos direitos sociais, sendo que mesmo constituída sob a forma de uma pessoa jurídica de direito privado terá uma finalidade pública sobressalente, justificando a imunidade tributária recebida. O público não-estatal, nesse contexto, mostra-se como uma alternativa eficiente para a concretização dos objetivos constitucionais, viabilizando a estruturação de uma sociedade livre, justa e solidária. No entanto, essa não é uma máxima absoluta, tendo em vista que o comprometimento social de algumas entidades pode mostrar-se falho e, por conseqüência, a atividade a ser desenvolvida mostra-se ineficaz. Com isso, a constatação que se tem é que do mesmo modo que não se pode afirmar que o Estado máximo mostra-se sempre um Estado forte, também não é possível a assertiva que a sociedade civil organizada é sempre mais eficiente que o Estado na implementação de políticas públicas. Isso porque a prática de não comprometimento social de algumas instituições ou mesmo a inaptidão ao implementar atos de gestão eficientes pode vir a comprometer a implementação dos direitos sociais e de políticas públicas que promovam a inclusão social. No mesmo sentido, mesmo com a operacionalização burocrática da máquina estatal, é possível (mesmo que de maneira bastante dificultada) que o Poder Público promova, por si só, a inclusão social. Nesse caso, o Estado estará a atuar de forma eficiente, agindo em respeito aos direitos constitucionais. Seja como for, a participação da sociedade civil é um indicativo do desenvolvimento social, sedimentando-se uma democracia plena. Assim, ao passo que não se pode afirmar que qualquer atuação da sociedade civil mostra-se mais adequada que a atuação estatal, ou tampouco o contrário, é necessário que se tenha em mente ser função do Estado viabilizar e mesmo fomentar as iniciativas que se mostram comprometidas com a realização da assistência social. O fomento se dá, assim, através do reconhecimento da imunidade tributária de tais instituições, afastando-se a instituição de impostos e contribuições sociais sobre 113 as mesmas, suas atividades e rendas. A concretização das referidas imunidades tributárias perpassa a compreensão de que tais instituições agem, enquanto público não-estatal, como um verdadeiro braço do Estado. As instituições comprometidas com a realização dos objetivos sociais e com a consecução do bem comum nada mais são do que pessoas jurídicas de direito privado que atuam de forma ímpar, fazendo com que as mesmas recebam um tratamento tributário diferenciado. A razão para a o reconhecimento da imunidade centra-se em uma perspectiva bastante simples: se o poder de tributar do Estado lhe é garantido tendo em vista que o mesmo necessita de recursos públicos para a realização dos objetivos constitucionais, sendo esta a justificativa para a sua interferência na propriedade particular dos contribuintes, quando é a própria sociedade que realiza os objetivos públicos essa interferência tributária em seu patrimônio particular não se justifica. Essa dinâmica indica que a imunidade somente subsiste, verdadeiramente, quando a instituição de assistência social age com comprometimento social e aplicando, ela própria, os recursos que repassaria ao Estado para a realização dos objetivos sociais. Sendo assim, o Estado assume função primordial na efetivação de políticas públicas, seja implementado-as, seja viabilizando-as. Sua atividade dever ser, assim, subsidiária, reconhecendo e valorizando a atividade do terceiro setor, resguardando-se a atuação direta estatal apenas nas hipóteses que se mostrem necessárias. O grande desafio é ter-se um Estado eficiente, implementando ou fomentando a inclusão social, com o devido respeito aos direitos constitucionalmente garantidos. O manejo cauteloso da imunidade tributária, neste sentido, pode se apontado como uma alternativa viável e eficiente na fomentação de políticas publicas. Para isso, é preciso que se compreenda que as imunidades tributárias previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea “c”, e 195, § 7º, ambos da Constituição Federal, somente podem ser alcançadas àquelas instituições que estejam a 114 implementar políticas públicas de assistência social. Compreender-se o contrário disso é permitir a institucionalização do emprego irresponsável de verbas públicas, tendo em vista que o valor relativo aos impostos e às contribuições sociais que não será alcançado ao Estado acabará sendo utilizado de forma não comprometida com os fundamentos que autorizam a imunidade tributária. Desse modo, ao se analisar as regras de imunidade tributária de forma teleológica, tendo em vista os objetivos pelos quais foram instituídas, bem como o atual contexto constitucional assumido pela assistência social no Brasil, tem-se que somente aquelas instituições que estejam a implementar uma política pública de assistência social podem ser consideradas imunes tributariamente. Percebe-se que a conceituação do termo ‘instituições de assistência social’ traduz-se tarefa árdua, sendo que ainda que o legislador constituinte não tenha utilizado o termo com o rigor técnico necessário, ao aplicador do direito cabe a tarefa de analisar a questão com a devida cautela. Independente da terminologia utilizada, sempre que se estiver diante de uma instituição sem fins lucrativos, que atua em prol do interesse público, colocando seus serviços à disposição da generalidade da população e, ainda que parcialmente, de forma gratuita, está-se diante de verdadeira ‘instituição’, devendo ser encarada como tal para fins tributários. Tem-se, pois, ser dever do Judiciário garantir que a imunidade tributária seja alcançada a todas aquelas instituições que atuam no âmbito da assistência social, desde que também atendidos os requisitos infraconstitucionais. De outro lado, é também tarefa dos aplicadores do direito não permitir o alcance da imunidade tributária a uma entidade que não esteja atuando em suplementação à atividade do Estado, ou seja, que não se constitua uma instituição de assistência social. E tal consideração somente se faz possível mediante a análise das particularidades que envolvem o caso concreto. No entanto, o que se percebe é que em muitos casos os Tribunais não têm se detido às situações fáticas que envolvem a caracterização de uma instituição de assistência social, limitando-se a analisar caracteres formais. Tal prática acaba por deturpar o instituto, permitindo a descaracterização da vontade constitucional. Como 115 exemplo a solidificar a importância da idéia de instituições de assistência social temse caso das entidades de previdência privada fechadas, com relação às quais se firmou e consolidou o entendimento da necessidade de se visualizar universalidade e gratuidade nos serviços prestados. No entanto, esta importante preocupação não acaba sendo percebida, por exemplo, no caso das entidades de saúde e outras que atuam formalmente na realização de um direito social. É nesse sentido que se tem que a mera especificação no objeto social de um direito social não torna a pessoa jurídica de direito privado uma instituição de assistência social. Torna-se necessário o emprego de forças para a concretização deste direito social, sedo que os aspectos reais de uma instituição devem ultrapassar os meros indicativos formais de sua atividade. Não se pode ignorar a dificuldade a ser enfrentada pelo Estado na fiscalização das atividades do público não-estatal. Mas estas dificuldades não podem servir como argumento para o atrofiamento do sistema tributário nacional, sendo que a eficiência somente se faz possível quando o Direito acompanha os fenômenos sociais. Assim, se os requisitos infraconstitucionais somente podem ser previstos em lei complementar, afastam-se as exigências institucionalizadas em lei ordinária, mas não se afasta a necessidade de interpretação teleológica das imunidades tributárias. O que se pretendeu ressaltar com o presente trabalho foi exatamente a necessidade de se atentar para a extensão das imunidades tributárias previstas nos artigos 150, V, “c” e 195, § 7º da Constituição Federal, de modo a não se exigir requisitos que não se coadunem com o âmago constitucional, ou, de outro lado, se alcançar a imunidade tributária de forma indistinta e desconectada com o interesse público. Nesse aspecto, a caracterização de uma instituição de assistência social se dá tendo em o seu comprometimento social, como já dito. Os parâmetros para tal análise são visualizados na própria Constituição Federal, na medida que a mesma oferece ao Estado o poder indelegável de tributar e, de outro lado, institui determinadas regras de competência negativa, de modo a garantir a imunidade 116 tributária da instituição que está a implementar uma política pública de assistência social. De resto, e como já observado, não se observa qualquer dúvida a respeito de ser tarefa da lei complementar estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade tributária, haja vistas o disposto no inciso II do artigo 146 da Constituição Federal. Assim, uma vez tendo sido o Código Tributário Nacional recepcionado como lei complementar, os requisitos infraconstitucionais são os expressos no artigo 14 do referido diploma, e não quaisquer outros previstos na Lei Orgânica da Assistência Social. O trato adequado das imunidades tributárias oferecidas às instituições de assistência social faz com o Estado fomente a cidadania plena, ultrapassando-se o formalismo e viabilizando-se a construção de alicerces suficientemente fortes para a construção de uma vida social adequada e atenta às necessidades daqueles que ainda não se mostram incluídos. O Estado e a sociedade não podem pautar sua atuação de acordo com suas antíteses, devendo isso sim primar por uma integração saudável em prol da consecução do bem comum. 117 REFERÊNCIAS ALVIM, Eduardo Arruda. Lei Complementar Tributária. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 2, n. 6, p. 47-70, jan-mar. 1994. AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Curso de direito tributário. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução João Roberto Martins filho. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. ARRETCHE, Marta. Estado Federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. Rio de Janeiro: Renavan, São Paulo: FAPESP, 2000. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003. BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. 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