Clube de Combate e a Indústria Cultural
Carlos Eduardo Ferreira Godinho∗
FBAUL, 2006
Resumo
Percorre-se o filme Clube de Combate e estabelecem-se comparações com as ideias de Max
Horkheimer e Theodor Adorno sobre o conceito de Indústria Cultural.
Introdução
Este trabalho pretende analisar o filme Clube de Combate sob a óptica do conceito de
Indústria Cultural, desenvolvido por Max Horkheimer e Theodor Adorno em A Indústria
cultural: o Iluminismo como Mistificação das Massas.
Primeiro apresenta-se uma descrição do filme e depois percorremo-lo expondo
conteúdos associáveis com as ideias dos autores propostos.
Desenvolvimento
1. Descrição do filme
Advertisements have them chasing cars and clothes, working jobs they hate so they can buy
shit they don't need. We are the middle children of history, with no purpose or place. We
have no great war, or great depression. The great war is a spiritual war. The great
depression is our lives. We were raised by television to believe that we'd be millionaires
an d movie gods and rock stars -- but we won't. And we're learning that fact. And we're
very, very pissed-off.” (Clube de Combate, 1999)
Esta declaração feita por Tyler Durden, um dos personagens principais do filme
Clube de Combate resume bem a alienação do homem e efeitos da Indústria Cultural sobre a
sociedade. O Clube de Combate realizado por David Fincher em 1999 e adaptado para
cinema do livro com o mesmo nome escrito por Chuck Palahniuk, é um filme que levantou
muitas polémicas e dividiu os críticos mas não deixou ninguém indiferente. É um filme
violento e chocante que representa uma sociedade alienada que sofre as consequências que a
escola de Frankfurt previu. Paulo Jorge Ribeiro, professor de Sociologia e Política no Brasil,
encara o filme como uma contra-utopia contemporânea, nas suas palavras “quiçá como a
projecção dos maiores temores – de estado e de efeito no público e mesmo na constituição
de suas técnicas formais – dos frankfurtianos mais sombrios em relação ao poder disruptivo
[email protected]. O trabalho responde à disciplina semestral Cultura Visual II do primeiro ano da Faculdade
de Belas Artes da Universidade de Lisboa, leccionada em 2006 por João Paulo Queiroz.
∗
1
da cultura de massas” (Ribeiro, 2002: 1), enquanto Henry A. Giroux, professor da Penn
State University, defende que o filme aparenta ser uma crítica ao capitalismo da sociedade
actual e seus defeitos mas que na realidade “defines the violence of capitalism almost
exclusively in terms of an attack on tradicional (if not to say regressive) notions of
masculinity, and in doing so reinscribes white, heterosexuality within a dominant logic of
stylized brutality and male bonding that appears predicated on the need to denigrate and
wage war against all that is feminine.” (Giroux, 2000: 4).
2. Percurso pelo filme
O filme começa com uma viagem frenética pelo sistema nervoso, como genérico
inicial, e continua até sairmos pela boca de Edward Norton (que faz o papel de
protagonista/narrador, que sem nunca sabermos o seu nome, a determinada altura do filme
passa a auto-intitular-se de Jack), vemos que tem uma arma apontada dentro da sua cavidade
bocal. E em forma de Flashback começa a contar como chegou àquela situação. Ele é um
inspector de uma grande companhia de seguros que precisa de passar a maior parte do seu
tempo a viajar de um local para outro. Sem vida social o único contacto que tem com outras
pessoas é durante as suas viagens, passageiros que se sentam junto a si com quem conversa,
a quem intitula de amigos descartáveis “The people I meet on each flight they're singleserving friends.” (Clube de Combate, 1999), esta forma de amizade é descrita por
Horkheimer e Adorno ao referirem que “o habitante das grandes cidades de hoje, que só
pode conceber a amizade como social contact, como o contacto social de pessoas que não se
tocam intimamente.” (Horkheimer e Adorno, 2006: 12).
Quando não viaja, Jack vive no seu apartamento num grande edifício, os autores da
escola de Frankfurt dizem que “os projectos de urbanização que, em pequenos apartamentos
higiénicos, destinam-se a perpetuar o indivíduo como se ele fosse independente, submetemno ainda mais profundamente a seu adversário, o poder absoluto do capital.” (Horkheimer e
Adorno, 2006: 1), podemos aqui estabelecer um paralelo entre a vida do personagem
interpretado por Edward Norton e esta afirmação, pois ele vive precisamente num “pequeno
apartamento” onde deposita o mobiliário que compra compulsivamente por catálogo. Tal é a
alienação deste personagem que encara o seu consumo de bens como forma de atingir uma
certa personalidade “What kind of dining set defines me as a person?” (Clube de Combate,
1999). Horkheimer e Adorno concluem que “a mimese compulsiva dos consumidores, pela
2
qual se identificam com as mercadorias que eles, ao mesmo tempo, decifram muito bem.”
(Horkheimer e Adorno, 2006: 17).
Ele compra tudo o que vê no catálogo “Even the glass dishes with tiny bubbles and
imperfections, proof they were crafted by the honest, simple, hard-working indigenous
peoples of wherever.”. Através deste discurso podemos constatar a eficácia que a
publicidade tem nos consumidores, neste caso no nosso protagonista, que parece que
comprou pratos porque tinham sido feitos manualmente por um povo indígena mas que
depois de os comprar esqueceu-se de que povo se tratava. Este consumo serve de refúgio,
faz com que Jack consuma para se distrair mas cria um ciclo vicioso de trabalhadorconsumidor. “A produção capitalista os mantém tão bem presos em corpo e alma que eles
sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido.” (Horkheimer e Adorno, 2006: 5), Henry
refere que este refugio não lhe trás consolação pelo vazio da sua vida e que “his consumerist
urges only seem to reinforce his lack of enthusiasm for packaging himself as a corporate
puppet” (Giroux, 2000: 6).
A insónia é o problema que mais o
abala, numa cena do filme ele tenta adormecer
a ver televisão, que estava a exibir publicidade
sobre um produto para pintar o cabelo, “Os
produtos da indústria cultural podem ter a
certeza de que até mesmo os distraídos vão
consumi-lo
Fig. 1: Still photography (20th Century Fox, 1999)
abertamente”
(Horkheimer
e
Adorno, 2006: 4). Noutro momento diz-nos que
“With insomnia nothing’s real. Everything’s far away, Everything’s a copy of a copy of a
copy” (Clube de Combate, 1999), esta bem podia ser uma metáfora para o conceito de
Industria Cultural e uma das suas consequências “não somente os tipos das canções de
sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o
conteúdo específico do espectáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência.”
(Horkheimer e Adorno, 2006: 3), voltando a metáfora anterior poderíamos considerar a
Insónia como a própria Industria Cultural e as copias como o seu efeito de reprodução “a
totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição” (Horkheimer e Adorno, 2006: 7).
3
Para resolver o seu problema, vai a um médico mas este não lhe dá os medicamente
que ele quer, e minimiza o seu problema comparando-o ao sofrimento de pessoas que
frequentam um grupo de auto-ajuda para homens com cancro de testículo. Curioso com o tal
grupo, resolve ir a uma sessão e acaba por encontrar ali uma forma de resolução para o seu
problema. Fica viciado a tal ponto que começa a frequentar mais grupos como o dos
vitimados por doenças cerebrais, parasitas no sangue ou o dos seropositivos, que o fazem
chorar como os outros participantes embora não sofra daquelas doenças.
Tudo corre bem até uma mulher começar a frequentar todos os grupos de auto-ajuda.
Ao encontrar outra pessoa que tal como ele frequentava os grupos ilicitamente, deixou de
conseguir exteriorizar as suas emoções.
Entretanto numa das suas viagens de avião conhece Tyler Durden (interpretado por
Brad Pitt), um extrovertido vendedor de sabonetes (que os faz a partir de gordura humana
roubada em clínicas de lipoaspiração), inteligente e cheio de teorias da conspiração (contra o
“sistema” ou a Indústria Cultural), ele é tudo aquilo que o narrador queria ser. Jack e Tyler
representam dois tipos pessoa opostos, Henry diz que “Jack representa uma forma de
masculinidade passiva, alienada e sem ambição. Por outro lado Tyler representa uma
masculinidade sólida que recusa as seduções do consumismo” (Giroux, 2000: 9).
Na mesma noite em que conhece Tyler o seu apartamento explode misteriosamente,
e depois de ligar a Tyler, encontra-se com este num bar onde lhe conta o sucedido. Jack age
como se algo muito terrível lhe tivesse acontecido, ele encara a perca de toda a sua mobília
escandinava como uma grande perda “Os consumidores esforçam-se por medo de perder
alguma coisa.”, “Obstinadamente, insistem na ideologia que as escraviza” (Horkheimer e
Adorno, 2006: 16 e 5), em conversa com Tyler ele diz: “I was very close to being complete”
ao que Tyler lhe responde: “Things you own end up owning you… Fuck off with your sofa
units.” (Clube de Combate, 1999).
Após saírem do bar, algo os leva a agredirem-se mutuamente o que por fim os deixa
feridos fisicamente mas tranquilos psicologicamente, este acto de carácter sadomasoquista
funciona para eles como os grupos de auto-ajuda funcionavam para Jack. De seguida
juntam-se a eles mais e mais pessoas, “os consumidores são os trabalhadores e os
empregados, os lavradores e os pequenos burgueses.” (Horkheimer e Adorno, 2006: 5) e são
precisamente estes trabalhadores e empregados descontentes com a sua forma de viver, que
se juntam ao Clube de Combate como forma de libertação.
4
Horkheimer e Adorno afirmam que “nos rostos dos heróis do cinema ou das pessoas
privadas, confeccionadas segundo o modelo das capas de revistas, dissipa-se uma aparência
na qual, de resto, ninguém mais acredita” (Horkheimer e Adorno, 2006: 13), esta afirmação
leva-nos até uma cena do filme em que Jack olha para uma publicidade da marca Calvin
Klein com um homem musculado e diz “I felt sorry for all the guys packing into gyms,
trying to look like what Calvin Klein and Tommy Hilfiger said they should.” e Tyler
acrescenta: “Self-improvement is masturbation. Self-destruction is the answer.”(Clube de
Combate, 1999).
No fim Jack descobre que ele e Tyler
Durden são a mesma pessoa, as frustrações
sofridas na sua vida levaram-no a criar um
alter-ego, uma outra personalidade que era a
pessoa que ele não conseguia ser.
Fig. 2: Still photography (20th Century Fox, 1999)
Conclusão
O Clube de combate é um filme em que a sua sociedade é submetida e danificada
pela Indústria Cultural, e em que o refúgio é apenas obtido através da negação e
autodestruição.
É um exemplo demonstrativo dos efeitos da Indústria Cultural numa sociedade como
a nossa em que a alienação do indivíduo faz dele uma vítima do consumismo, um filme que
também é um sinal da actualidade das críticas feitas pelos pensadores da escola de
Frankfurt.
Referências
20th Century Fox (1999) Stills [em linha]. Disponíveis em
<http://www.imdb.com/title/tt0137523/photogallery-ss-0>, acedido em 2006-05-9
Adorno, Th. e Horkheimer, M.(1944/2006), ‘A Indústria Cultural: o iluminismo como mistificação das
massas’ In Queiroz, J.P. (Org.) (2006). Excertos indexados de ‘A Indústria Cultural’ de Adorno e
Horkheimer [em linha]. Disponível em <http://aquele.do.sapo.pt/adorno_industria.pdf>, acedido em
2006-04-15
Clube de Combate (título original: Fight Club) (1999) [DVD vídeo]. EUA: Twentieth Century Fox Film
Corp
Giroux , Henry (2000), ‘Fight Club, Patriarchy, and the Politics of Masculine Violence’ [em linha].
5
Disponível em <http://www.gseis.ucla.edu/courses/ed253a/FightClub>, acedido em 2006-04-24
Ribeiro, Paulo (2002), ‘A era da frustração: melancolia, contra-utopia e violência em Clube da Luta’ [em
linha]. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ra/v45n1/a07v45n1.pdf>, acedido em 2006-04-25
6
Download

Clube de Combate e a Indústria Cultural