HABEAS CORPUS 89.306-6 SÃO PAULO
PACIENTE(S)
IMPETRANTE(S)
COATOR(A/S)(ES)
: RICARDO FERREIRA DE SOUZA E SILVA
: ARNALDO MALHEIROS FILHO E OUTRO(A/S)
: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de habeas corpus, com pedido de
liminar, impetrado por Arnaldo Malheiros Filho e outros, em
favor de RICARDO FERREIRA DE SOUZA E SILVA em face de decisão
proferida pelo Ministro Paulo Gallotti, que indeferiu medida
cautelar no HC no 60.934-SP, em tramitação no Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
O paciente responde, em co-autoria, a ação
penal por crimes de gestão fraudulenta de instituição
financeira, lavagem de valores, evasão de divisas e formação
de quadrilha, os quais teriam, em tese, provocado a
intervenção do Banco Central na administração do Banco Santos
S.A. (fls. 225-268). Ademais, ele integrava o comitê
executivo informal desse estabelecimento bancário (fl. 227) e
teve sua prisão preventiva decretada (fls. 212-219) pelo juiz
processante.
Em 05.06.006, o magistrado recusou um primeiro
pedido de custódia preventiva formulado pelo MPF, que acenara
com o produto de interceptação telefônica realizada no âmbito
da denominada “Operação Violeta” que revelaria diálogos entre
o paciente e conhecido “doleiro”. Nessa oportunidade, quando
a ação penal já se encontrava na fase de instrução da defesa
(fl. 187), salientou o juiz: “Todavia, os autos não revelam,
de forma suficiente, a efetiva atividade ilícita por parte do
‘doleiro’ citado, nem mesmo a remessa do ou para o exterior,
fato que melhor deverá ser comprovado pelo Ministério Público
Federal após a concretização da diligência a ser realizada
pela 2ª Vara Federal Criminal Especializada e aqui pleiteada”
(fl. 192). Portanto, o magistrado deferiu, tão-somente, o
pedido de busca e apreensão requerido pelo Parquet.
Cumprido o mandado de busca e apreensão,
apurou-se a existência de documento comprovando a existência
de depósito de fundos no exterior, mais especificamente no
UBS, banco suíço (fl. 207), na conta 0206-206 101. Daí a
renovação pelo MPF do pedido de prisão preventiva (fl. 211)
que foi, então, acolhido (fls. 211-219).
O impetrante tentou, sem êxito, junto ao TRF/3ª
Região (fls. 396-402) e STJ (fls. 129/130), a desconstituição
da custódia. Em ambos esses órgãos judiciários, a liminar foi
indeferida. Daí a reiteração do pedido perante o Supremo
Tribunal Federal, com invocação de decisões monocráticas
desta Corte que têm flexibilizado a Súmula 691, afastando sua
incidência em situações excepcionais.
Quanto à plausibilidade jurídica do pedido
(fumus boni iuris), alega-se que decorre da “aplicação da
letra
expressa
da
lei
e
do
respeito
aos
direito
constitucionais do paciente. Com efeito, a r. decisão de 1º
grau não se apóia em elemento concreto algum, partindo apenas
da premissa equivocada de que ele manteria depósitos no
Exterior sem declará-los às autoridades competentes, quando,
na verdade, não há pendência alguma junto à Receita Federal
ou mesmo ao Banco Central que seja do conhecimento do ilustre
magistrado da 6ª Vara Criminal Federal.” (fl. 33).
No que concerne à urgência da pretensão
cautelar (periculum in mora), os impetrantes afirmam que “é
mais
que
evidente,
configurado
no
encarceramento
do
paciente.” (fl. 34).
Passo a decidir tão-somente o pedido de medida
liminar.
Em princípio, a jurisprudência desta Corte é no
sentido da inadmissibilidade da impetração de habeas corpus
contra decisão denegatória de liminar proferida por Tribunal
Superior, antes do julgamento definitivo do writ (cf. HC no
79.776-RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 03.03.2000, 1ª
Turma, unânime; HC(QO) no 76.347-MS, Rel. Min. Moreira Alves,
DJ de 08.05.1998, 1ª Turma, unânime; HC no
79.238-RS, Rel.
Min. Moreira Alves, DJ de 06.08.1999, 1ª Turma, unânime; HC
no 79.748-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.06.2000, 2ª
Turma, maioria; e HC no 79.775-AP, Rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ de 17.03.2000, 2ª Turma, maioria).
Esse entendimento foi consolidado com a edição
da Súmula no 691/STF, verbis: “Não compete ao Supremo
Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra
decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal
Superior, indefere a liminar”.
É bem verdade, por outro lado, que, conforme
apontado pela inicial, o rigor na aplicação da Súmula no
691/STF tem sido abrandado pela jurisprudência desta Corte
nas hipóteses em que: i) seja premente a necessidade de
concessão do provimento cautelar para evitar flagrante
constrangimento ilegal; ii) bem como naquelas em que a
decisão liminar no STJ seja manifestamente contrária à
jurisprudência reiterada do STF.
Nesse sentido, arrolo os seguintes precedentes:
HC (AgR) n
84.014-MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de
25.06.2004, 1ª Turma, unânime; HC no 85.185-SP, Rel. Min.
Cezar Peluso, julgado em 10.08.2005, Pleno, unânime, acórdão
pendente de publicação; e HC no 85.826-SP, de minha
relatoria, DJ de 03.05.2005, decisão monocrática.
o
No caso concreto, à primeira vista, verifico
que se justifica a não aplicação da Súmula 691/STF, uma vez
que a decisão que decretou a custódia cautelar do paciente
não pode subsistir.
Primeiro, porque, como exposto na inicial deste
habeas corpus, a referida conta no banco suíço era do
conhecimento da Receita Federal, já que noticiada na
declaração de imposto de renda do paciente – exercício de
2006/ano-calendário de 2005 – como comprova o documento de
fl. 384, com a precisa indicação do já mencionado banco suíço
UBS.
Segundo, porque a questão relacionada com a
interceptação telefônica já fora apreciada no primeiro pedido
de prisão formulado pelo MP, em decisão do dia 05.06.2006,
oportunidade na qual o magistrado não a considerou suficiente
para respaldar uma prisão preventiva. Um dia depois, ou seja,
em 06.06.2006, data da segunda decisão, o mesmo fato não
poderia
justificar
uma
alteração
tão
substancial
do
magistrado. A declaração do imposto de renda, que noticiou a
conta no exterior, não passou
despercebida pelo relator do
TRF/3ª Região, que a ela fez referência expressa como se vê a
fl. 397 (letra “f“). Entretanto, esse mesmo relator, não a
considerou sob o argumento de que a defesa silenciara, não
levando ao conhecimento do juízo de primeiro grau a
existência da declaração do imposto de renda (fl. 401). Se
tal fato não foi levado ao conhecimento do magistrado, foi,
entretanto, levado ao conhecimento do relator. E isso já
seria o bastante para fragilizar o decreto de custódia. Num
dia o magistrado considera insuficiente para justificar uma
prisão preventiva o produto de uma interceptação telefônica.
No dia seguinte decreta a prisão, considerando a mesma
interceptação e a existência de uma conta no exterior
noticiada na declaração do imposto de renda e, portanto, do
conhecimento da Receita Federal.
Salvo melhor juízo quanto ao mérito, a prisão
preventiva, na hipótese, diante das circunstâncias, não se
justifica. Ao contrário do que pareceu ao magistrado, a ordem
pública não estaria comprometida. E nem haveria indícios de
que o paciente esteja prosseguindo na prática de crimes
contra o sistema financeiro.
Diante do exposto, cuidando-se de situação
excepcional que justifica a não incidência da Súmula 691/STF,
conheço deste habeas corpus e defiro a liminar para revogar a
prisão preventiva do paciente na ação penal já referida.
Expeça-se alvará de soltura em nome do paciente, salvo se por
outro motivo não estiver preso.
Comunique-se com urgência.
Publique-se.
Brasília, 19 de julho de 2006.
Ministro Gilmar Mendes
Vice-Presidente
(RISTF, arts. 37, I, e 13, VIII)
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