DIREITO E JUSTIÇA 1. Noção de Justiça A Teoria da Justiça é um dos capítulos fundamentais da ciência jurídica , e encontra-se abrangido pela disciplina da Filosofia do Direito. Cada época histórica tem a sua imagem ou a sua idéia de justiça. Por isso, a justiça já foi vista como uma qualidade subjetiva e pessoal, ou uma virtude – força da vontade, e também como um hábito2. A justiça é o magno tema do Direito e, ao mesmo tempo, permanente desafio aos filósofos do Direito, que pretendem conceituá-la, e ao próprio legislador que, movido por interesse de ordem prática, pretende consagrá-la nos textos legislativos. A sua definição clássica foi uma elaboração da cultura greco-romana. Com base nas concepções de Platão e de Aristóteles, a Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. Esta colocação, que enganadamente alguns consideram ultrapassada em face da justiça social, é- verdadeira e definitiva; válida para todas as épocas e lugares, e sofre variação, de acordo com a evolução cultural e sistemas políticos. O capitalismo e o socialismo, por exemplo, não estão de acordo quanto às medidas de repartição dos bens materiais na sociedade 1 2. Caráter absoluto da Justiça A justiça não possui um caráter absoluto, pois é algo inteiramente subjetivo e as medidas do justo seriam variáveis de grupo para grupo ou até mesmo de pessoa para pessoa. A corrente jusnaturalista sustenta a tese do caráter absoluto da justiça como valor. Se as medidas do justo derivam do Direito Natural, que é eterno, imutável e universal, devem possuir igualmente esses caracteres. 3. A Importância da Justiça para o Direito O Direito Positivo deve ser entendido como um instrumento apto a proporcionar o devido equilíbrio nas relações sociais. A justiça só existe quando é incorporada às leis, e passa a ser efetivamente exercitada na vida social e praticada pelos tribunais. Ao criar as lei, compete ao legislador basear-se em princípios, onde também os críticos vão buscar fundamentos para a avaliação da qualidade das leis. Em um primeiro momento, estes princípios devem ser buscados no Direito Natural. Enquanto as leis se basearem na ordem natural das coisas, haverá o império da justiça. O direito depende da justiça para cumprir o seu papel, esta, 1 MONTORO, A. F. Introdução á Ciência do Direito. 24. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.121. 2 MONTORO, A. F. op. cit., p. 128. 1 por sua vez, necessita também de se corporificar nas leis, para se tornar prática. A simples idéia de justiça não é capaz de atender os anseios sociais. É necessário que os seus critérios se fixem em normas jurídicas. Contudo, neste memento, a justiça sofre uma distorção. Aabstratividade das regras do Direito, que não permite uma variação de critério em função de cada caso, a não ser excepcionalmente, colabora também para o enfraquecimento da eficácia do valor justiça. O positivismo não atribui importância à presença da justiça no Direito, porque este se compõe apenas de normas que comportam qualquer conteúdo. A justiça é importante não apenas no campo do Direito, mas em todos os fatos sociais por ela alcançados. A vida em sociedade, sem ela, seria insuportável. Ao referir-se à justiça, o filósofo Kant declarou: "Se esta pudesse perecer, não teria sentido e nenhum valor que os homens vivessem sobre a Terra'''. 4. Critérios da Justiça A noção de justiça está explicitada em duas teorias: a) Critérios Formais da Justiça - A idéia de justiça exige tratamento igual para situações iguais. No Direito a igualdade está consagrada pelo princípio da isonomia, previsto pelo art. 5º, da Constituição federal.segundo o qual todos são iguais perante a lei. Foi Pitágoras que considerou, primeiramente, a importância da igualdade na noção de justiça. Contudo, a simples noção de igualdade não é suficiente para expressar o critério de justiça. A proporcionalidade é elemento essencial. É indispensável se recorrer a este critério, diante de situações em concreto. b) Critérios Materiais da Justiça - O que se deve levar em consideração ao julgar: o mérito, é o valor individual, é a qualidade intrínseca da pessoa. O atribuir a cada um, segundo o seu mérito, requer não um tratamento de igualdade, mas de proporcionalidade. Ao se recompensar o mérito de alguém, deve-se fazê-lo de acordo com o seu grau de intensidade. Como os valores possuem bipolaridade, ao lado do mérito existe o demérito, que é um valor negativo, que condiciona a aplicação da justiça. A capacidade, outrossim, deve ser um elemento analisado ao se falar em justiça. Exemplificando, este elemento deve ser tomado como base para a fixação do salário a ser pago ao trabalhador e ser aplicado também nos exames e concursos. 5. A Concepção Aristotélica Foi com Aristóteles que a idéia de justiça alcançou o seu lineamento mais rigoroso e preciso. Aristóteles distinguiu a justiça em dois tipos: geral e particular. A primeira correspondia a uma virtude da pessoa. 2 A justiça particular foi dividida em duas espécies: distributiva e corretiva. A justiça distributiva consistia na repartição das honras e dos bens entre os indivíduos, de acordo com o mérito de cada um e respeitado o princípio da proporcionalidade, que chamou de proporção geométrica. Cumpria principalmente ao legislador a sua fixação. A justiça corretiva se aplicava às relações recíprocas e atingia não apenas às transações voluntárias, que se manifestavam pelos contratos, como às involuntárias, que eram criadas pelos delitos. Nesta forma de justiça o princípio aplicável era o da igualdade aritmética. 6. Justiça Convencional e Justiça Substancial A justiça convencional é a que decorre da simples aplicação das normas jurídicas aos casos previstos por lei. É alcançada quando o juiz aplica as leis de acordo com o seu verdadeiro sentido. O valioso é que a lei se destine efetivamente ao caso em questão. Diz-se que é convencional, porque é fruto apenas de uma convenção social, sem qualquer outro fundamento. Esta é a única conotação de justiça admitida pelos positivistas. A justiça substancial se fundamenta nos princípios do Direito Natural. Não se contenta com a simples aplicação da lei. É a justiça verdadeira, que promove efetivamente os valores morais. É a justiça que dá a cada um o que lhe pertence. Pode estar consagrada ou não em lei. 7. Classificação da Justiça A classificação atual da justiça decorre ainda da distinção aristotélica entre a justiça distributiva e corretiva. A esta divisão, Santo Tomás acrescentou a justiça geral. a) Justiça Distributiva - Esta espécie apresenta o Estado como agente, a quem compete a repartição dos bens e dos encargos aos membros da sociedade. Ao ministrar ensino gratuito, prestar assistência médicohospitalar, efetuar doação à entidade cultural ou beneficente, o Estado desenvolve a justiça distributiva. Orienta-se de acordo com a proporcionalidade aplicada aos diferentes graus de necessidade. A justiça penal inclui-se nesta espécie, pois o Estado participa da relação jurídica e impõe penalidades aos autores de delitos. b) Justiça Comutativa – É uma forma de justiça que preside às relações de troca entre os particulares. O critério que adota é o da igualdade quantitativa, para que haja correspondência entre o quinhão que uma parte dá e o que recebe. Manifesta-se principalmente nos contratos de compra e venda, em que o comprador paga o preço equivalente ao objeto recebido. c) Justiça Geral - Esta forma de justiça consiste na contribuição dos membros da comunidade para o bem comum. Os indivíduos colaboram na 3 medida de suas possibilidades, pagando impostos, prestando o serviço militar, etc. d) Justiça Social - A finalidade da justiça social consiste na proteção aos mais pobres e aos desamparados, mediante a adoção de critérios que favoreçam uma repartição mais equilibrada das riquezas. Não se trata de uma nova idéia de justiça, pois este conceito remonta ao século XIII. No plano internacional é defendida atualmente com o objetivo de que as nações mais ricas e poderosas favoreçam às que se acham em fase de desenvolvimento. 8. A atividade do juiz A efetivação da justiça dá-se com a atividade do juiz, “o ato da justiça é o ato de julgar”3. Para a administração da justiça na sociedade deve-se ter o julgamento (o ato do juiz), pois ele representa o ato de individualização da lei (com o seu conteúdo de coação). Assim, o ato do juiz (julgamento) é o meio pelo qual se estabelece o que deve ser considerado justo ou direito, ou seja, define-se de forma concreta a igualdade - que foi rompida e reclamou-se a intervenção estatal para o seu reequilíbrio. Ademais, para que o julgamento seja conforme a justiça, deve ser feito por uma autoridade investida deste poder (que são as pessoas aptas para tanto, não o clero) e que ela seja inspirada pela prudência (que corresponde ao conhecimento dos limites legais e em caso de omissão, deve valer-se das provas e da experiência profissional). Caso não hajam esses fatores, o julgamento é injusto, pode o condenado rebelar-se. 9. Justiça e Bem Comum Os autores que seguem a linha filosófica aristotélico-tomista situam a finalidade do Direito no bem comum. A noção de bem comum acha-se compreendida no conceito mais amplo de um outro valor, que é a justiça. A idéia de bem comum consiste em um acervo de bens, criado pelo esforço e a participação ativa dos membros de uma coletividade e cuja missão é a de ajudar os indivíduos que dele necessitam, para a realização de seus fins existenciais. Os membros de uma sociedade ou comunidade vinculam-se aos interesses do bem comum, de um duplo modo: como seus elaboradores e beneficiados. Há o dever de todos na formação do bem comum, o qual se põe à serviço do aperfeiçoamento moral e cultural dos indivíduos, bem como de seus interesses econômicos vitais. Este controle e organização estão entregues à política social do Estado, não obstante a existência de instituições particulares que desenvolvem a nobre função de prover o bem comum. A justiça é um valor compreensivo que absorve a idéia de bem comum. A justiça geral e a distributiva, associadas à justiça social, atendem plenamente às exigências do bem comum. 3 BITTAR, E. C. B., op. cit., p. 143. 4 10. O Acesso à Justiça Em que pese o acesso à justiça encontre-se dentre um dos exemplos da segurança ofertada ao cidadão de que o Direito será justo; parece oportuno tecer maiores esclarecimento a respeito do tema, dada a sua importância e falta de efetiva garantia pelo Estado. Ao que parece, o ordenamento jurídico encontra-se em crise, com todos seus problemas repercutindo no meio social tem desestimulado os cidadãos a ingressarem no Judiciário, a despeito de seu direito subjetivo material estar lesado ou ameaçado. O acesso à justiça, além de ser um direito social, é um direito fundamental, encontrando-se dentre os grandes problemas que a moderna processualística precisa solucionar. Dentre os vários obstáculos que dificultam o efetivo acesso à justiça, encontram-se alguns que precisam ser urgentemente transpostos: as custas judiciais precisam adequar-se a situação econômico financeira da maioria da população; a defensoria pública precisa ser implementada com maior afinco, já que são pouquíssimos os estados brasileiros que têm o privilégio de a terem instalado; a prestação jurisdicional precisa ser modernizada de modo que atenda efetivamente os interesses da população, bem como novas formas de tutelas diferenciadas precisam ser criadas pelos legisladores. Observa-se então, que na atualidade, o efetivo acesso à justiça da população brasileira, desprovida de tudo e de todos, é uma ilusão; mas, que precisa urgentemente de uma atenção especial dos governantes. Não é sem razão, que os processualistas são unânimes em afirmar que, “ o maior esforço que a Ciência do Direito pode oferecer para assegurar os direitos humanos é voltar-se, precipuamente,(...), para o fortalecimento dos modos necessários e acesso à justiça com vistas ao melhoramento e celeridade da prestação jurisdicional”4. 11. Equidade Para Santo Thomas, a eqüidade, que em grego é denominada epieikeia, de certa forma equivale à justiça geral, estando compreendida nela e, de certo modo, a excede porque leva o aplicador da lei a não se prender aos estreitos limites do texto legal.5 Também, bem difundida é forma utilizada por Aristóteles para estabelecer a diferença entre a Justiça e a Eqüidade. Afirmava o filósofo que a Justiça corresponderia a uma régua rígida, ao passo que a Eqüidade se assemelharia a uma régua maleável, capaz de se adaptar às saliências do campo a ser medido. Sem quebrar a régua, o magistrado, ao medir a igualdade dos casos concretos vê-se na contingência de adaptar a lei a pormenores não previstos e, muitas vezes, a casos imprevisíveis pela lei, sob pena de perpetrar 4 DIREITO, C.A. de M. A prestação jurisdicional e a efetividade dos direitos declarados. In Revista da EMERJ. Rio de Janeiro, v.1, n..1, p. 142, 1998. 5 STO. THOMAZ, Summa. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 74. 5 uma verdadeira injustiça e, assim, contradizer a própria finalidade intrínseca das normas legais.6 Para ARISTÓTELES, a virtude de assim proceder é que corresponde o sentido da eqüidade, mencionando, por fim, que está é a justa retificação do justo, rigorosamente legal.7 Para Agostinho Alvim o conceito de equidade reduz-se ao de justiça perfeita, ou aproximada. Aproximada, quando a lei foge à generalização e específica, afim de melhor se aproximar da justiça; perfeita, quando permite ao juiz individuar (equidade individualizadora), ao conhecer de um caso concreto. A primeira denomina-se equidade legal; a segunda, equidade judicial8. Por fim, há de se mencionar que jamais se recorrerá à eqüidade senão para atenuar o rigor de um texto, interpretando e aplicando-o de modo compatível com o progresso e a solidariedade humana; jamais será a mesma invocada para se agir, ou decidir, contra prescrição positiva clara e prevista.9 No Direito brasileiro a eqüidade está prevista no art. 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que determina a'sua aplicação "na falta de disposições legais ou contratuais". Enquanto que a Lei de Introdução ao Código Civil é omissa, o Código de Processo Civil, em seu art. 127, dispõe que: "o juiz só decidirá por eqüidade nos casos omissos em lei”. 6 ARISTÓTELES apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo. 7 ARISTÓTELES apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 209. 8 ALVIM, Agostinho. Da equidade. in RT 132/3, julho de 1941. 9 COELHO DA ROCHA, apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do p. 74 Direito, p. 187 6