Silvio Luís Ferreira da Rocha
Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal
Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB)
Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Curso de Especialização a distância em
Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da
Magistratura Federal.
Monografia Final de Curso
“VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE ALIMENTOS E PROTEÇÃO À SAÚDE DO
CONSUMIDOR”
Silvio Luís Ferreira da Rocha
Tutor: Maria Augusta de Mesquita Souza
Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Souza Júnior
Coordenadora de Pós-Graduação:Profa. Loussia Musse Felix
Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Souza Júnior e Prof. Márcio Iorio Aranha
Consultora de Saúde: Dr. Conceição Aparecida Pereira Rezende
Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal
Consultora de Ensino a Distância:Profa. Maria de Fátima Guerra de Souza
Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix
Brasília, 03 de fevereiro de 2003.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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Sumário
Introdução
p.01
Capítulo I – A atividade de Vigilância Sanitária
1. O conceito jurídico de saúde e as políticas públicas de concretização
do Direito à Saúde
2. O conceito de Vigilância Sanitária e suas atribuições
3. O enquadramento jurídico da atividade de vigilância sanitária
4. Forma de organização da Vigilância Sanitária
4.1Agências Reguladoras
5. Competências da Agência de Vigilância Sanitária
p.02
Capítulo II – Saúde: Direito Básico do Consumidor
1. Considerações gerais
2. Modelos de proteção dos consumidores
3. Objetivos gerais e principais eixos de orientação da política que visa
à promoção dos interesses dos consumidores
4. Características do Direito do Consumidor
p.17
p.17
p.19
Capítulo III – A atuação da vigilância sanitária como instrumento
proteção da saúde do consumidor
1. A saúde como eixo de proteção do consumidor
2. Segurança alimentar
3. Conclusão
p.02
p.03
p.04
p.05
p.06
p.14
p.20
p.21
de
p.24
p.24
p.25
p.34
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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Introdução.
O direito à saúde, enquanto direito ao bem estar físico, psíquico e
emocional, que deve ser assegurado pelo Estado mediante a realização de políticas
públicas, é, também, objeto de proteção do direito do consumidor. Saúde e segurança do
consumidor são dois eixos básicos de proteção do consumidor e nesse ponto a atuação da
Vigilância Sanitária, especialmente na segurança que os alimentos devem ter antes de
consumidos, é fundamental. A atuação da Vigilância Sanitária em tema de segurança
alimentar ocorre pela aplicação de alguns princípios, entre eles, o da preservação da saúde e
da segurança humana. Este é, de fato, a principal finalidade do agir da Vigilância Sanitária
em segurança alimentar: zelar para que os alimentos comercializados sejam seguros ao
consumo humano.
Para realizar o objetivo de cuidar da produção, distribuição e
comercialização de alimentos seguros, a Vigilância Sanitária, constituída na forma de
agência reguladora, conta com importantes instrumentos. Um deles é o denominado
princípio da precaução, que permite a Vigilância Sanitária agir quando houver a suspeita ou
a probabilidade da ocorrência de danos à saúde da pessoa pelo consumo de determinado
alimento. O interessante do princípio da precaução é que não há necessidade de certeza da
ocorrência do dano. A mera suspeita, ainda que não comprovada, é suficiente para justificar
o agir preventivo da Vigilância Sanitária. As medidas tomadas com base no princípio da
precaução são, por natureza, provisórias e devem vir acompanhadas de diligências
investigatórias que comprovem ou não o temor de dano pelo alimento ou produto a ser
comercializado.
A presente monografia objetiva demonstrar que a proteção do consumidor
em matéria de segurança de alimentos passa por uma melhor compreensão do direito
sanitário. Na consecução desse objetivo tratei da forma de estruturação da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária e discorri sobre as suas competências. Depois, procurei
tratar da evolução do direito consumidor e demonstrar que a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária pelo modo de atuar no tema da segurança alimentar constitui um
instrumento importante de controle da qualidade dos alimentos e tutela da saúde do
consumidor, na medida em que a ela cabe interditar e retirar do mercado alimentos
considerados nocivos ou supostamente nocivos a sua saúde.
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Capítulo I
A Atividade de Vigilância Sanitária
Sumário: 1 O Conceito jurídico de Saúde e as políticas públicas de concretização do Direito à Saúde. 2 O
conceito de vigilância sanitária e suas atribuições. 3 O enquadramento jurídico da atividade de vigilância
sanitária. 4 A forma de Organização da vigilância sanitária. 4.1 Agências Reguladoras. 5. Competências da
Agência de Vigilância Sanitária.
1 O Conceito jurídico de Saúde e as políticas públicas de concretização do Direito à
Saúde.
O termo saúde apresenta um significado claro e determinado, que é o de
ausência manifesta de doença e um significado impreciso que é o de bem-estar físico,
mental e social.1 Estes foram os significados acolhidos pela Constituição Federal em seu
texto.2
A saúde – ausência manifesta de doença e bem-estar físico, mental e
social – enquanto bem ou interesse juridicamente protegido foi elevada à categoria de
essencial e fundamental ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e incluída no rol de
direitos sociais da pessoa humana (C.F, art. 6o).3
A saúde, direito fundamental da pessoa humana, deve ser realizada e
concretizada essencialmente pelo Estado com a colaboração supletiva e subsidiária da
iniciativa privada (C.F, arts. 196 e 199).
A saúde, por ser direito, pode ser exigida. O sistema concede autorização
à pessoa humana ou a entidades que a defendam para que demande do Estado a
implementação de políticas públicas satisfatórias que assegurem ora a ausência de doença,
ora o bem estar físico, mental e social da pessoa. A força obrigatória dos preceitos
1
Cf.DALLARI, Sueli Gandolfi.Os Estados brasileiros e o direito à saúde,São Paulo: Hucitec, 1995. p.30.
Cf. DALLARI, Sueli Gandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde, São Paulo: Hucitec, 1995.p.30.
De acordo com a referida autora, “a Lei Maior da República estipulou critérios para que a saúde seja
corretamente determinada em seu texto. Assim, vinculou sua realização às políticas sociais e econômicas e ao
acesso às ações e serviços destinados, não só, à sua recuperação, mas também, à sua promoção e proteção. Em
outras palavras, adotou-se o conceito que engloba tanto a ausência de doença, quanto o bem-estar, enquanto
derivado das políticas públicas que o têm por objetivo, seja apenas a política, seja sua implementação,
traduzida na garantia de acesso – universal e igualitário – às ações e serviços com o mesmo objetivo (C.F.,art.
196).
3
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Revista dos Tribunais,1990.
6a. edição, p.253, define os direitos sociais como “prestações positivas estatais, enunciadas em normas
constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a
igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito de
igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições
materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais
compatível com o exercício efetivo da liberdade”.
2
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constitucionais seria um dos traços característicos da natureza dirigente que pode ser
atribuída a nossa Constituição.4
No âmbito do Estado a realização do dever de assegurar a saúde se traduz
pela concepção, gestação e implantação de políticas públicas, definidas como “programas
de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados”.5 Em outras palavras, cabe ao Estado conceber e implantar programas de
ação governamental que objetivem a alcançar níveis adequados de erradicação, tratamento
e cura de doenças, bem como conceber e implantar programas de ação governamental que
objetivem promover o bem estar físico, mental e social da pessoa humana.
Estas políticas públicas tiveram os seus contornos delineados na
Constituição Federal. Entre elas: a) reduzir o risco de doenças e outros agravos; b)
promover, proteger e recuperar a saúde mediante ações e serviços com acesso universal e
igualitário; c) promover o controle e a fiscalização de procedimentos, produtos e
substâncias de interesse para a saúde; d) produzir medicamentos e equipamentos; e)
executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica; f) ordenar a formação de recursos
humanos na área de saúde; g) formular e executar ações de saneamento básico; h)
incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico.
Algumas destas políticas, especialmente a relacionada à promoção
proteção e recuperação da saúde foram organizadas sob a forma de um sistema único de
saúde, com a observância das diretrizes de descentralização, atendimento integral e
participação da comunidade. Interessa, no entanto, nesse estudo, as ações de vigilância
sanitária, enquanto protetora da saúde, e sua correlação com o direito do consumidor.
2.O conceito de Vigilância Sanitária e suas atribuições.
A vigilância Sanitária é um subsetor específico da Saúde Pública.6 As
ações da vigilância sanitária visam objetivamente o controle sanitário do ambiente, dos
alimentos, dos produtos e serviços envolvidos no complexo das relações econômicas e
sociais, com vistas a minimizar ou eliminar os potenciais riscos que a concepção ou a
manipulação inadequada desses produtos e serviços pode causar.
Como afirma Ediná Alves Costa,
“a natureza das ações de Vigilância Sanitária é eminentemente
preventiva, perpassando todas as práticas médico-sanitárias, da promoção à proteção,
recuperação e reabilitação da saúde, devendo atuar sobre fatores de riscos e danos e seus
determinantes associados a produtos, insumos e serviços relacionados com a saúde, com
o ambiente e o ambiente do trabalho, com a circulação internacional de transporte,
4
TOJAL, Sebastião Botto de Barros. A Constituição dirigente e o direito regulatório do Estado Social: o
Direito Sanitário, p.36, in Manual Conceitual do Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário
para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Para o citado autor, “está, pois, o Estado
juridicamente obrigado a exercer ações e serviços de saúde visando a construção da nova ordem social, cujos
objetivos, repita-se, são o bem-estar e a justiça sociais, pois a Constituição lhe dirige impositivamente essas
tarefas”.
5
Cf.BUCCI, Maria Paula Dallari BUCCI. Direito Administrativo e Políticas Públicas, p.239. Texto
disponibilizado para os participantes do Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para
Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal.
6
Para o histórico da evolução da Vigilância Sanitária no Brasil ler o excelente artigo “Constituição da
Vigilância Sanitária no Brasil” de autoria de Ediná Alves COSTA e Suely ROZENFELD.
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cargas e pessoas. A natureza dessas questões confere às ações do campo da Vigilância
Sanitária um caráter universal de certos aspectos das práticas médico-sanitárias à
reprodução e manutenção da vida, inserindo-a numa lógica normativa e ética
internacional”.7
Ainda de acordo com a referida autora, a Vigilância Sanitária no Brasil
teria as seguintes funções:
“Normatização e controle de bens, da produção, armazenamento,
guarda, circulação, transporte, comercialização e consumo de substâncias e produtos de
interesse da saúde, de suas matérias-primas, coadjuvantes de tecnologias, processos e
equipamentos;
“Normatização e controle de tecnologias médicas, procedimentos e
equipamentos e aspectos da pesquisa em saúde;
“Normatização e controle de serviços direta ou indiretamente
relacionados com a saúde, prestados pelo Estado e modalidades do setor privado.
“Normatização e controle específico de portos, aeroportos e
fronteiras, abrangendo veículos, cargas e pessoas;
“Normatização e controle de aspectos do ambiente, ambiente e
processos de trabalho e saúde do trabalhador”.8
3.O enquadramento jurídico da atividade de vigilância sanitária.
A atividade de vigilância sanitária foi estudada de forma preponderante
no âmbito da atividade relativa ao denominado poder de polícia. A identificação da
atividade de vigilância sanitária com o exercício de poder de polícia e, portanto, limitada,
essencialmente, às funções de fiscalização é antiga. A Vigilância Sanitária historicamente
sempre foi concebida como uma atuação de controle sobre o que pode ameaçar a saúde da
coletividade: o nocivo. De acordo com Ediná Alves Costa,
“ As primeiras ações desse campo não foram instituídas com o modo de produção
capitalista, tampouco sob o domínio da Medicina, pois desde épocas imemoriais as
sociedades, sob os mais diversos modos de produção da vida social, vêm tentando
exercer controle sobre elementos essenciais à vida em coletividade e que podem gerar
ameaças à saúde. A ancestralidade dessas práticas remontam às preocupações das
organizações sociais com o nocivo, noção social e historicamente definida como
fundamento para a imposição de medidas de controle. Desde sua origem tais ações
visam o controle sanitário do ambiente, dos alimentos, do exercício da medicina e
farmácia e, gradativamente, de numerosos produtos, tecnologias e serviços – objetos de
trocas comerciais – intrinsecamente envolvidos no complexo saúde-doença-cuidadoqualidade de vida”.9
De acordo com Ediná Alves Costa e Suely Rozenfeld,
“O modelo criado para regular as relações produção-consumo desenvolvidas na
Vigilância Sanitária, no Brasil, ao longo do tempo, se tem calcado no poder de polícia,
7
Vigilância Sanitária e Proteção da Saúde, in Manual Conceitual do Curso de Especialização à distância em
Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, p.391.
8
Cf. COSTA, Ediná Alves, Vigilância Sanitária e Proteção da Saúde, in Manual Conceitual do Curso de
Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura
Federal, p.391.
9
Vigilância Sanitária e Proteção da Saúde in Manual Conceitual do Curso de Especialização à distância em
Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, p.375.
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com pouca visibilidade para o público e até mesmo para os profissionais de saúde. Sua
ação mais visível é a fiscalizadora, mesmo quando insuficientemente exercida. O poder
de polícia é inerente ao Estado, é um poder-dever que se concretiza na elaboração de
normas jurídicas e técnicas e na fiscalização de seu cumprimento, assim limitando as
liberdades individuais, e as condicionando aos interesses coletivos assegurados pelo
Poder Judiciário”.10
O tema poder de polícia remete à delimitação dos direitos individuais de
liberdade e propriedade realizados pela lei, mas que dependem de averiguação no caso
concreto da efetiva extensão a ser realizada pela Administração Pública. Em outras
palavras: não cabe à Administração estabelecer restrição ou limitação à propriedade e
liberdade que não esteja prevista na lei. Cabe a Administração, diante da limitação
imprecisa, identificar claramente naquele caso concreto os seus limites.
O exercício da chamada atividade do poder de polícia está ligado a
intervenções gerais e abstratas (regulamentos) ou concretas e específicas (atos:
autorizações, licenças) do Poder Executivo que visam a condicionar o exercício da
liberdade e da propriedade, de modo a impedir o exercício prejudicial à coletividade.
Os traços característicos dessa atividade são o de provir privativamente de
autoridade pública, o de ser imposta coercitivamente pela Administração e o de abranger
genericamente as atividades e as propriedades. De acordo com Celso Antônio Bandeira de
Mello,
“...são traços característicos da atividade de polícia: a) provir privativamente de
autoridade pública, donde se excluir de seu âmbito a reclusão compulsória de louco,
promovida por parente, por exemplo; b) ser imposta coercitivamente pela
Administração, pelo quê nela não se alberga o direito de vizinhança, ainda quando as
imposições dele decorrentes sejam asseguradas de modo coativo, mas por injunção do
Judiciário, provocado, como é óbvio, pelo particular interessado; c) abranger
genericamente as atividades e propriedades, daí escaparem de seu campo os monopólios
fiscais, posto que beneficiam a uma só atividade ou patrimônio, ao invés de favorecerem
as atividades ou patrimônios em geral”.11
Ocorre que numa sociedade complexa, altamente industrializada, a
importância da vigilância sanitária não pode ser reduzida a aspectos meramente
fiscalizadores. As ações da vigilância sanitária são ações de saúde, mas, também, ações de
organização econômica da sociedade.
4. Forma de organização da Vigilância Sanitária.
No âmbito federal o sistema optou atualmente por organizar a Vigilância
Sanitária mediante a criação de uma Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).12
10
Constituição da Vigilância Sanitária no Brasil, in Marcos históricos e conceituais, p.17.
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,2000. p.669-670.
12
O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária é composto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de
Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), os Centros de Vigilância Sanitária Estaduais, do Distrito
Federal e Municipais (VISAS), os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENS), o Instituto Nacional
de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), e os Conselhos
Estaduais, Distrital e Municipais de Saúde, no que respeita às ações de vigilância sanitária.
11
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O exercício dessa atividade administrativa foi atribuído a uma agência reguladora. Cabe
tecer, portanto, algumas considerações em torno das agências reguladoras.
4.1 Agências Reguladoras.
O tema Agências Reguladoras é novo no Direito brasileiro e intrigante
porque rico em controvérsias, como a ocorrência de delegação legislativa do Poder
Legislativo para as Agências Reguladoras e a interferência das normas editadas por estas
Agências Reguladoras em atividades tradicionalmente reservadas aos particulares, como os
contratos de prestação de assistência médica.
Não há uma legislação geral que as discipline. Elas foram criadas por leis
específicas e, no âmbito federal, entre outras, temos a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); a Agência Nacional de Águas
(ANA); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); A Agência Nacional de
Petróleo (ANP) a Agência Nacional de Saúde (ANS) e a Agência Nacional de Fomento.
Por essa descrição é possível verificar de plano que as Agências
Reguladoras não se debruçam sobre uma atividade específica. Elas abrangem a
integralidade da atividade econômica recaindo sobre serviços públicos (energia elétrica,
telecomunicações, águas); polícia administrativa (vigilância sanitária); atividade econômica
monopolística (petróleo); atividade administrativa de fomento (agência nacional de
fomento) e atividade econômica privada (prestação de assistência médica). Daí a
impossibilidade de traçar um denominador comum a partir das atividades que estas
Agências se propõem a regular. O denominador comum que existe entre elas é intrínseco,
reside na própria forma como foram estruturadas, do conjunto de suas competências e
prerrogativas. Daí também reside o maior problema dessas Agências: como aplicar uma
estrutura uniforme à tão diversas atividades econômicas submetidas a regimes jurídicos
distintos?
O debate nos anos noventa em países em desenvolvimento girou em torno
da Reforma do Estado. A premissa de que o Estado Social estava em crise e, portanto, não
tinha condições de atender com certo grau de eficiência as demandas populares levou os
idealizadores da Reforma, sobretudo pessoas ligadas à Ciência da Administração e da
Economia, a proporem uma redução da intervenção do Estado mediante a adoção de um
amplo plano de privatização, que compreenderia a passagem para a iniciativa privada de
serviços e atividades exploradas até então com exclusividade pelo Estado, na crença de que
isso melhoraria a eficiência do Estado.
Daí o surgimento de temas como a quebra de monopólios, a transferência
da titularidade de empresas antes controladas pelo Estado para particulares e,
especialmente, ao que interessa ao nosso tema, a flexibilidade do regime de serviços
públicos, antes prestados tão somente pelos modos de concessão e permissão e que
passaram a adotar um novo modelo que segundo Dinorah Adelaide Musetti Grotti,
“... consistiria na passagem de um sistema de titularidade pública sobre a atividade,
concessões fechadas, direitos de exclusividade, obrigação de fornecimento, preços
administrativamente fixados, caráter temporário e regulação total da atividade, até o
mínimo detalhe, para um sistema aberto, presidido pela liberdade de empresa, isto é,
liberdade de entrada (prévia autorização vinculada), com determinadas obrigações ou
encargos de „ serviço universal´, mas com liberdade de preços e modalidades de
prestação, com liberdade investimento e amortização e, em definitivo, no regime de
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concorrência aberta, como qualquer outra atividade comercial ou industrial, em que tem
que lutar pelo cliente.”13
Nesse contexto de crise do Estado temos a crise dos meios regulatórios.
Os mecanismos de regulamentação tradicionais, como o recurso ao poder hierárquico e o
controle administrativo, teriam se mostrado burocrático e ineficiente, principalmente pela
complexidade que as cenas da vida moderna ganharam.
A regulamentação tradicional baseada na busca de modelos e na
imposição de sistemas rígidos de controle deveria dar lugar a uma regulamentação (também
chamada de regulação) baseada na autonomia dos entes administrativos e das partes
envolvidas e numa maior cooperação entre eles. Para isso duas alterações seriam
necessárias: admitir ordenamentos setoriais e dar maior autonomia aos entes
administrativos.
O ordenamento setorial corresponderia a uma especialização das fontes
do direito com a perca da lei do lugar de destaque que ocupava. Nessa concepção a
evolução do ordenamento poderia ser resumida como a passagem de um ordenamento
monocêntrico, uniforme, marcado por grandes codificações, que serviriam para disciplinar
um número indeterminado de situações, para um ordenamento constituído de
microssistemas, composto de leis especiais, a partir de um determinado enfoque, como o
consumidor, criança e adolescente, e, portanto, com uma área de incidência menor, mas
ambos tendo como fonte a lei, para, por último, ordenamentos setoriais nos quais haveria
uma especialização das fontes, isto é, as normas seriam produzidas por órgãos
especializados que desempenhariam a chamada função reguladora social.
Os chamados ordenamentos setoriais buscam reger as atividades
empresariais ou profissionais de interesse coletivo. Desta forma, determinadas atividades
que dependam de prévio ato ou contrato administrativo habilitador, como as autorizações,
licenças, permissões e concessões, seriam disciplinadas por um conjunto de normas
editadas por órgãos do Estado, diverso do legislativo, quando o legislador julgar necessário
maior rigidez do controle estatal ou pelos próprios indivíduos ou empresas, quando
autorizadas pela Lei.
Esses entes do Estado, que teriam competência normativa, são alheios à
Administração Central e com Ela não entretém vínculos de hierarquia ou de significativo
controle. Eles são denominados Agências Reguladoras e devem desempenhar a função
reguladora social consistente em: fiscalizar atividades; exigir o cumprimento dos contratos
administrativos; estabelecer o valor das tarifas; exercer o poder disciplinar sancionatório;
resolver controvérsias; exercer amplos poderes normativos.
A justificativa para essa autonomia decorreria da necessidade de
especialização técnica dos órgãos e entes administrativos por setores, que teriam, assim,
poder decisório nas matérias de sua competência.
13
Teoria dos Serviços Públicos e sua transformação, p.24. In: SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito
Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.62.
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As Agências Reguladoras seriam o melhor instrumento para a
implementação dos ordenamentos setoriais e teriam por características o dinamismo, a
independência, a especialização técnica e a valorização das soluções consensuais.
As Agências Reguladoras no Brasil buscaram inspiração no Direito
Norte-Americano. Cabe a elas a tarefa de regular um determinado setor econômico
relacionado ou não com a prestação de serviços públicos. A elas cabe, fundamentalmente, a
função de reguladora social.
No Brasil as Agências Reguladoras são entes administrativos dotados de
autonomia, independência e especialidade que assumem, em nome do poder político, a
função de regular um dado segmento da atividade econômica ou de um dado conjunto de
interesses sociais.
Encontramos na Constituição Federal no artigo 21, inciso XI, a menção a
esse “novo poder regulador” dado a Agência Reguladora. Diz o referido artigo: Compete à
União, „explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais‟.
A condição de órgão regulador prevista inicialmente para os serviços de
telecomunicações foi estendida no âmbito infra-constitucional aos demais serviços públicos
(energia elétrica, águas) e até mesmo a serviços governamentais ou particulares ( saúde).
Em todas essas agências o traço comum repousa na competência
regulamentar.
A doutrina bate-se a respeito dos limites do exercício dessa competência,
levando em conta o nosso sistema constitucional. Assim, toda a discussão surge em razão
da concepção constitucional de competência regulamentar, que destoa daquela competência
normativa atribuída as Agências Reguladoras.
Floriano de Azevedo Marques confessa ter dificuldades em inserir a
Agência Reguladora dentro da estrutura clássica da tripartição de Poderes. E com relação à
ação reguladora explica que ela envolve não só a concretização das políticas públicas,
elaboradas pelo poder político, como lhe confere uma certa margem construtiva o que
configura uma dimensão política irrenunciável. Para ele não há uma incompatibilidade
entre a atividade reguladora da Agência e o princípio da legalidade, mas sim entre a
atividade reguladora da Agência e um princípio da legalidade que imponha que a norma
legal descreva precisamente o conteúdo, a forma, a oportunidade e a ocasião do exercício
da atividade regulatória. De acordo com ele,
“Em crise está não o princípio da legalidade, mas o conteúdo totalizador da prescrição
legal. A relação das agências reguladoras com o Direito se dá em face de uma nova
legalidade: a lei define as metas principais e os contornos da atividade do órgão
regulador, cometendo-lhe ampla margem de atuação. Atuação, esta, que segue um novo
tipo de discricionariedade, pautado fundamentalmente pelos objetivos definidos na lei
para serem implementados no setor regulador.”14
14
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Direito das Telecomunicações e Anatel p.24. In: SUNDFELD,
Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.95.
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Benedicto Porto Neto, após reconhecer que a ANATEL exerce atividade
normativa, entende que toda atuação da ANATEL é controlada, disciplinada e limitada pela
lei, de modo que não se pode dizer, pelo menos no caso específico da ANATEL, que haja
violação ao princípio da legalidade. Ainda segundo o referido autor, a ANATEL não estaria
invadindo competência reservada ao Presidente da República para editar regulamentos para
a fiel execução de leis (art. 84, IV, da CF) na medida em que ele admite que uma lei pode
atribuir a um outro ente, diverso da Presidência da República, a competência para
complementar leis. De acordo com Benedicto Porto Neto, o Presidente da República possui
esta competência privativa de regulamentar a lei quando esta não a tenha atribuído para
outra pessoa e exemplifica com situações antigas de atribuição de função normativa a
outros entes da Administração, como no caso do Conselho Monetário Nacional, Banco
Central e Comissão de Valores Mobiliários.15
Para Carlos ARI SUNDFELD,
“a constitucionalidade da lei atributiva do poder normativo as agências depende de o
legislador haver estabelecido standards suficientes, pois do contrário haveria delegação
pura e simples de função legislativa. Quando reconheço ser constitucionalmente viável
que elas desfrutem de um tal poder, de modo algum estou sugerindo que elas produzam „
regulamentos autônomos‟ ou coisa parecida, pois todas as suas competências devem ter
base legal – mesmo porque só a lei pode criá-las, conferindo-lhes (ou não) poderes
normativos”.16
Em sentido contrário o pensamento de José Roberto PIMENTA
OLIVEIRA para quem, face à diversidade de realidades normativas, é praticamente
impossível transplantar-se o modelo das Agências Americanas para o Brasil. De acordo
com ele,
“proíbe-se no Brasil regulamentos independentes ou autônomos, sendo admissíveis
apenas os regulamentos executivos. “As delegações disfarçadas são proibidas no Brasil.
Haveria delegação disfarçada toda vez que a lei remete ao Executivo a criação de regras
que configuram o direito ou que geram obrigação, dever ou restrição à liberdade ou, em
resumo, quando permitem ao regulamento inovar inicialmente na ordem jurídica.
“Além disso, a competência regulamentar é exclusiva do Chefe do Poder Executivo e
qualquer ato normativo expedido por autoridade administrativa de hierarquia menor não
apresenta caráter regulamentar, restringindo-se a ter seus efeitos na órbita interna do
órgão emissor.17
Analisando a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) observa o
mesmo autor que a lei e o decreto estabeleceram os limites da ação regulatória da Agência
de modo demasiadamente genéricos. Com efeito, os padrões orientadores da atuação da
ANEEL foram estabelecidos pela Lei 9.478, de 6.8.1997 devendo a concretização deles
decorrer da atividade regulatória da ANEEL que poderá inovar a ordem jurídica, dentro do
15
A Agência Nacional de Telecomunicações, p.6. In: SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo
Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.291.
16
Serviços Públicos e Regulação Estatal. Introdução às Agências Reguladoras, p.11. In: SUNDFELD, Carlos
Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.27.
17
A regulação e o direito da energia elétrica.A ANEEL e Serviços de Energia Elétrica, p. 7-8.
In:SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p 336-.337.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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marco regulatório do setor de energia elétrica. A delegação legislativa não serve para
fundamentar essa atividade regulatória.18
José Roberto PIMENTA OLIVEIRA recorre à distinção doutrinária das
situações jurídicas estabelecidas em decorrência das relações administrativas ditas de
supremacia geral e de supremacia especial. Na relação administrativa de supremacia geral,
como a que se dá com o exercício do poder de polícia, por exemplo, o princípio da
legalidade domina de forma absoluta: o atuar administrativo só é possível mediante prévia
autorização legal, pois se reconhece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5o,II, da CF). Na relação administrativa de
supremacia especial temos uma relação específica entre a Administração e o particular que
justifica o manejo por parte da Administração de poderes inerentes a essa relação
administrativa, como nos casos em que os particulares passam a: a) integrar o corpo de
agentes administrativos; b) celebrar contratos com a administração; c) recebem a outorga de
uso privativo de bens públicos; d) recebem a outorga para exercer atividades de titularidade
administrativa, como ocorre nas concessões, permissões e autorizações de serviço de
energia elétrica. Neste caso temos uma implícita autorização legal para a criação de outras
regras jurídicas necessárias ao desenvolvimento da relação jurídica.19
José Roberto Pimenta propõe, no entanto, os seguintes limites: i) a título
de exercer uma supremacia especial, as autoridades administrativas não podem definir as
condições do direito de ingresso na relação jurídica a ser travada; somente a lei poderá
determinar as condições de admissão e as formas de prestação; ii) a eficácia jurídica das
regras editadas, restringe-se ao âmbito interno da relação de sujeição especial; a Agência
não pode criar obrigações, deveres ou ônus que possa afetar a esfera juridicamente
protegida de outrem estranho ao campo de incidência de seu poder regulador; iii) não
podem contrariar o regulamento, a lei e a Constituição e de acordo com esses parâmetros
considera que a expressão poder regulador deve ser entendida como adstrita ao exercício
da supremacia especial.20
O problema, a nosso ver, só existe se for admitido existir uma
competência reguladora autônoma das Agências Reguladoras. Não há problemas ou apenas
falsos problemas se a competência das Agências Reguladoras for restringida à expedição de
normas infralegais executivas.
A solução do problema passa pela distinção que deve ser feita entre os
agentes envolvidos na relação, a natureza da atividade fiscalizada e regulada e a concepção
do ordenamento jurídico a respeito do poder regulamentar.
As Agências Reguladoras regulam, entre outras, as matérias de
telecomunicações, energia elétrica, vigilância sanitária, saúde, águas e petróleo. Estas
atividades estão submetidas a regimes jurídicos diferentes. Telecomunicações, energia
18
A regulação e o direito da energia elétrica.A ANEEL e Serviços de Energia Elétrica, p. 7-8.
In:SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p 336-.337.
19
A regulação e o direito da energia elétrica.A ANEEL e Serviços de Energia Elétrica, p.11. In:SUNDFELD,
Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.340.
20
A regulação e o direito da energia elétrica.A ANEEL e Serviços de Energia Elétrica, p.11-12.
In:SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p 340-341.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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elétrica e águas são por dicção constitucional serviços públicos que devem ser prestados
diretamente pelo Estado ou mediante o regime de concessão ou permissão.
Vigilância Sanitária, por sua vez, é atividade administrativa fiscalizadora,
restritiva da propriedade e liberdade do indivíduo, a ser exercida diretamente e
exclusivamente pelo Estado, vedada a delegação.
Saúde é serviço governamental. Quando prestado pelo Estado constitui
serviço público; quando prestado pelo particular constitui atividade privada, submetida,
apenas, às limitações administrativas impostas pelo interesse público.
Configura erro, portanto, supor que uma entidade definida como Agência
Reguladora possa exercer sua competência normativa e fiscalizadora do mesmo modo
sobre tão diferentes atividades.
As atividades delegadas, como telecomunicações, energia elétrica e
águas, mediante concessão ou permissão, criam entre o concedente e o concessionário uma
relação de sujeição especial, a partir do contrato de concessão ou da permissão, que
sujeitam o concessionário a modificações das cláusulas pactuadas, respeitado o equilíbrio
econômico financeiro, que torna desnecessária a invocação da discussão em torno da
competência regulamentar do Poder Público. E isso porque se reconhece ao Estado, nas
atividades delegadas, uma autonomia muito ampla, não limitada pelo princípio da
intangibilidade, de modo que o conteúdo do contrato de concessão, a exceção do objeto,
pode ser modificado sempre que o interesse público o justifique. Daí a possibilidade da
Agência Reguladora editar normas relacionadas com a prestação do serviço público em
favor do interesse público. Os cuidados com essa atividade normativa, como dito acima,
limitam-se a impossibilidade de:
i) a título de exercer uma supremacia especial definir as condições do
direito de ingresso na relação jurídica a ser travada; somente a lei poderá determinar as
condições de admissão e as formas de prestação;
ii) criar obrigações, deveres ou ônus que possam afetar a esfera
juridicamente protegida de outrem estranho ao campo de incidência de seu poder regulador.
Os usuários estão imunes ao poder regulador da Agência Reguladora. Eles têm os seus
direitos e deveres estabelecidos e limitados por lei.
iii) contrariar o regulamento, a lei e a Constituição.
As atividades submetidas ao poder fiscalizador do Estado demandam
outro tratamento. Tais atividades não se submetem ao poder regulador autônomo da
Agência Reguladora. Com efeito, a Vigilância Sanitária e a competência para autorizar o
exercício da atividade na área de saúde não podem ser exercidas ao prazer da
Administração. A Administração submete-se ao princípio da estrita legalidade, de modo
que apenas lei, em sentido formal e material, pode criar obrigações para os particulares
submetidos a essa atividade fiscalizadora. Não se trata apenas de delimitar o exercício da
competência regulamentar. É mais do que isso: nenhuma restrição ao atuar dos particulares
pode ser realizada por norma que não esteja amparada ou fundada em norma legal.
Portanto, a competência normativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por
exigência do sistema, só pode ser a de expedir normas executivas, isto é, que dêem
concretude às normas legais, sem, contudo, inovar a ordem jurídica e mais, a Agência
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Nacional de Vigilância Sanitária, por expressa submissão ao princípio da legalidade estrita,
só poderá agir para conformar o comportamento dos administrados se estiver autorizada
pela lei a tanto.
A competência regulamentar da Agência Nacional de Saúde Suplementar,
por outro lado, manifesta-se em dois segmentos: atividade fiscalizadora e atividade
reguladora das relações entre as operadoras dos planos de saúde e os consumidores.
A atividade fiscalizadora constitui típica manifestação do poder de
polícia, ficando submetida ao princípio da estrita legalidade.
A atividade reguladora da Agência Nacional de Saúde Suplementar
confronta, a nosso ver, com o princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II, da CF
e com o princípio da autonomia privada. Esse poder regulador acaba por ingressar em uma
área até então alheia à regulamentação pela Administração e vedada a este tipo de
manifestação administrativa: o da autonomia privada.
Não cabe a rigor a manifestação da competência regulamentar da
Administração em se tratando de atos da autonomia privada. A referida manifestação
ocorre nos casos em que o atuar da Administração, previsto na lei, necessita da expedição
de norma regulamentadora. A intervenção administrativa mediante competência normativa
infralegal, em área reservada a autonomia privada, desrespeita a Constituição. O exercício
da autonomia privada encontra-se previamente delimitado pela lei. A lei, em sentido formal
e material, é a única que pode condicionar o exercício da autonomia privada, estabelecendo
limites que devem ser respeitados.
A expedição de atos regulamentares pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar que versam a respeito de matérias compreendidas no campo de manifestação
exclusiva da autonomia privada afronta o princípio da legalidade e insere a Administração
(indireta) num campo de atuação reservado com exclusividade aos particulares.
Ao lado da competência normativa, as agências reguladoras apresentam
outras características. Uma delas é a independência. As Agências Reguladoras devem ser
independentes. Esta independência deve ocorrer em relação às pessoas envolvidas na
atividade, isto é, em relação a: a) ao produtor da utilidade; b) ao consumidor; c) ao poder
público.
Em relação ao produtor da utilidade, a Agência Reguladora deve ter total
independência, o que não significa que a atividade reguladora deva ser exercida contra o
regulado. O órgão regulador deve divisar os interesses gerais que tutela, dos interesses
específicos dos regulados.
Um dos principais mecanismos previstos para que ocorra de forma efetiva
esta independência é chamada quarentena, que impede que dirigentes do agente regulador
ocupem posição de relevo no ente regulado. Esse mecanismo impede: a) a transferência de
informações relevantes do órgão regulador para o regulado e b) que a Sociedade perca a
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confiança no regulador ao pressupor que toda a atividade reguladora desenvolver-se-ia em
perigosa promiscuidade.21
No caso da Agência Nacional de Telecomunicações, autarquia especial
criada pela Lei Geral de Telecomunicações, Lei 9.472, de 1997, a independência frente ao
produtor da utilidade é assegurada pela proibição dos conselheiros exercerem outras
atividades, salvo a de professor universitário (art. 28) e pelo impedimento deles defenderem
interesses perante a própria Agência antes de completado um ano de desligamento (art. 30).
Trata-se de um impedimento parcial que não impede que o ex-conselheiro assuma cargo ou
função em alguma empresa fiscalizada pela ANATEL e longe, portanto, de representar a
denominada quarentena.
A independência da Agência Nacional de Energia Elétrica frente ao
produtor da utilidade se dá pela proibição do ex-dirigente da ANEEL de prestar direta ou
indiretamente, independentemente da forma ou natureza do contrato, qualquer tipo de
serviço às empresas sob sua regulamentação ou fiscalização, inclusive controladas,
coligadas ou subsidiárias pelo prazo de doze meses seguintes a saída do cargo. O exdirigente, durante esse prazo, continuará vinculada à autarquia (art. 9o).
Outrossim, a independência da Agência Nacional de Saúde diante do
produtor da utilidade se dá, também, pela proibição, no prazo de doze meses subseqüentes,
de representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agência e deter participação, exercer
cargo ou função em organização sujeita à regulação da ANS (art. 9º).
A atividade do órgão regulador deve desenvolver-se com independência
frente ao poder político, sob pena de se converter em mera longa manus do núcleo
estratégico estatal. A especificidade e a especialidade interditam que a atividade reguladora
seja pautada pela interferência política.
A independência em relação ao Poder Público que a instituiu é assegurada
pela independência de seus dirigentes, que depois de nomeados, preenchidos certos
requisitos, passam a gozar de estabilidade.
No caso da ANATEL os conselheiros passam a ter estabilidade no cargo,
podendo perder o mandato apenas em caso de renúncia, decisão judicial transitada em
julgado ou processo administrativo disciplinar (art. 26 da Lei 9.472, de 1997).
Na ANEEL, na ANVISA e na ANS, após quatro meses de exercício do
mandato, o dirigente somente perderá o cargo se cometer ato de improbidade
administrativa, for condenado criminalmente por sentença ou acórdão transitado em
julgado ou descumprir sem justificativa o contrato de gestão (artigo 8º da Lei 9.427 de 26
de dezembro de 1996, artigo 12 da Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999, artigo 8º da Lei
9.961 de 28 de janeiro de 2000).
As Agências ANEEL, ANVISA e ANS têm em comparação com a
ANATEL a independência dos dirigentes reduzida quer pela possibilidade de exoneração
ad nutum no início do mandato, quer pela exigência da assinatura do contrato de gestão,
cuja previsão genérica de descumprimento pode ensejar o desligamento do diretor do cargo.
21
Cf. MARQUES, Floriano Azevedo.A nova regulação estatal e as agências independentes, p.14.
In:SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p.85.
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Discute-se a respeito da constitucionalidade da estabilidade concedida aos
dirigentes dessas Agências na medida que o artigo 37, II, da CF prescreve que os cargos de
confiança são de livre nomeação e exoneração. Ambas as restrições ao poder de livre
nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo foram consideradas constitucionais
pelo STF no julgamento da medida cautelar pedida na ADIN 1.949-0, relator o Ministro
Nelson Jobim.
A independência das Agências Reguladoras frente ao poder público é
assegurada, também, pela autonomia gerencial garantida pela prerrogativa de arrecadação e
aplicação de suas próprias receitas. A todas foram asseguradas receitas próprias, algumas
provindas da cobrança de taxas decorrentes do exercício do poder de polícia legalmente
atribuídos a elas (v.g art. 18 da Lei 9.961; art. 12 da Lei 9.427 de 26 de dezembro de 1996;
art. 23 da Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999).No caso da ANATEL a gestão do FISTEL Fundo de Fiscalização das Telecomunicações lhe foi transferida.
A independência se manifesta, ainda, pela ausência de vinculação
hierárquica a qualquer instância de governo e por derradeiro a inexistência de instância
revisora hierárquica dos seus atos, ressalvada a revisão judicial.
Não há, portanto, entre a Agência Reguladora e o Poder Político um
vínculo de subordinação hierárquica que submeta as decisões da Agência Reguladora ao
controle da Administração Direta que a criou.
A independência da Agência Reguladora deve manifestar-se também em
relação ao consumidor. De acordo com Floriano Azevedo Marques Neto, o órgão
regulador deve ter compromisso forte com os consumidores, mas não pode transformar-se
num simples e incondicional defensor do interesse do consumidor, sob pena de: a) descurar
da proteção do interesse do indivíduo que não pode usufruir o serviço; b) levar em
situações limites ao aniquilamento de parcela dos exploradores, acarretando a
monopolização do mercado específico; c) ceder a pressões de grupos específicos de
consumidores, errar e criar pleitos indenizatórios dos prestadores de serviços que via
equilíbrio econômico-financeiro acarretarão gastos públicos.22
Outra característica das Agências Reguladoras é a capacidade de arbitrar
os interesses envolvidos sendo necessário, para tanto: a) deter o conhecimento técnico
disponível presente e futuro, o que pressupõe quadro de funcionários competentes e
especializado e permanente acompanhamento dos rumos do setor e b) contar com uma
política clara e democraticamente definida para o setor.
5. Competências da Agência de Vigilância Sanitária.
Cabe examinar as competências da Agência de Vigilância Sanitária
relacionadas direta ou indiretamente com a proteção da saúde e previstas na Lei 9.782, de
26 de janeiro de 1999. Dentre elas, cabe a Agência de Vigilância Sanitária: a) estabelecer
normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais
pesados e outros que envolvam riscos à saúde; b)conceder registros de produtos, segundo
as normas de sua área de atuação; c) exigir, mediante regulamentação específica, o
credenciamento ou a certificação de conformidade no âmbito do Sistema Nacional de
22
A nova regulação estatal e as agências independentes, p.15. In:SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito
Administrativo Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.86.
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Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – SINMETRO, de instituições, produtos e
serviços sob regime de vigilância sanitária, segundo sua classe de risco; d) interditar, como
medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação,
armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à
saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; e) proibir
a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de
produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de riscos iminentes à
saúde; f) cancelar a autorização, inclusive a especial, de funcionamento de empresas, em
caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; h) regulamentar,
controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, entre eles,
medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e
tecnologias; alimentos; aditivos alimentares; cosméticos, produtos de higiene pessoal e
perfumes; saneantes destinados à higienização, desinfecção; conjuntos, reagentes e insumos
destinados a diagnóstico; equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e
hemoterápicos e diagnóstico laboratorial e por imagem; imunobiológicos e suas substâncias
ativas, sangue e hemoderivados; órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em
transplantes ou reconstituições; cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto
fumígero, derivado ou não do tabaco.
A referida lei definiu novas atribuições da Vigilância Sanitária como o
monitoramento da qualidade de bens e produtos, por meio de programas especiais, sistema
de vigilância farmacológica e toxicológica, e sistema de informação, e o controle de
produtos fumígenos. Foram deixados de lado, no entanto, temas como o meio ambiente, a
ecologia, a saúde do trabalhador e a informação e educação sanitária da população.23
No que diz respeito à segurança alimentar, tema da presente monografia,
vigora no Brasil, por força de certa confusão legislativa, uma superposição de competências
fiscalizadoras e reguladoras entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura. Ao
Ministério da Saúde, por meio de órgãos próprios, foram atribuídas competências para
fiscalizar drogas, medicamentos e alimentos, ao passo que ao Ministério da Agricultura
remanesceria a competência para classificar e inspecionar produtos e derivados animais e
vegetais. Essa dualidade de fontes não teria amparo na Constituição Federal de 1988, que
no artigo 200, VII, atribuiu ao Sistema Único de Saúde, no qual não está incluído o
Ministério da Agricultura, a função de “fiscalizar e inspecionar alimentos compreendida o
seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para o consumo humano”.
Neste sentido cabe trazer à colação trechos da lição de Hélio Pereira Dias,
“Conforme já disse anteriormente neste trabalho, a Constituição Federal, no seu artigo
200, VII, atribuiu ao Sistema Único de Saúde, no qual não se inclui o Ministério da
Agricultura, a função de “FISCALIZAR E INSPECIONAR ALIMENTOS,
COMPREENDIDO O SEU TEOR NUTRICIONAL, BEM COMO BEBIDAS E
ÁGUAS PARA O CONSUMO HUMANO”.
“A Lei Orgânica de Saúde nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, manteve-se coerente
com a Constituição ao assegurar no seu artigo 61, VIII, que estão incluídas no campo de
atuação do Sistema Único de Saúde – SUS a fiscalização e inspeção de alimentos, água e
bebidas, para consumo humano, bem assim, o controle e a fiscalização de serviços,
produtos e substâncias que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde,
23
Ediná Alves COSTA e Suely ROZENFELD, Constituição da Vigilância Sanitária no Brasil, in Marcos
históricos e conceituais, p.39.
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compreendidas todas as etapas e processos da produção ao consumo, cometendo ao
Ministério da Saúde, na condição de órgão responsável pela direção nacional do SUS, o
papel de controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde, conforme o artigo 16,XII, além de exercer ações de vigilância sanitária, em geral,
inclusive sobre alimentos, juntamente com os estados e os municípios...
“ Bem é de ver, ainda, que a Medida Provisória 1.549-34, de 11 de setembro de 1997, ao
definir os assuntos que constituem área de competência de cada Ministério, limitou-se a
repetir, no caso do Ministério da Agricultura, aquelas mesmas funções do vetusto
Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, atribuindo-lhe a classificação e inspeção
de produtos e derivados animais e vegetais e ao Ministério da Saúde, a vigilância de
saúde, especialmente drogas, medicamentos e alimentos.
“Urge, portanto, que se ponha fim a esses desencontros finalísticos das duas Pastas,
compatibilizando-se as normas infraconstitucionais, eliminando-se de vez os conflitos
existentes, evitando-se perplexidades que o Direito repele.
“É o caso da Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, resultante da Medida Provisória
nº 94, de 23 de outubro de 1989, que, contrariando de frente a nova Carta Política, a
pretexto de dar nova redação à vetusta Lei nº 1.823, de 1950, que dispunha sobre a
inspeção sanitária e industrial dos produtos de origem animal, insiste em atribuir aos
órgãos federais e estaduais da Agricultura o controle dos mesmos produtos, reservando
ao Setor Saúde apenas a fiscalização e controle “nas casas atacadistas e nos
estabelecimentos varejistas, ou melhor, nos supermercados, feiras livres, mercados e
congêneres.
“Bem é de ver que as últimas leis que se sucederam à Constituição dispondo sobre a
organização dos Ministérios, mantiveram a superposição de competências entre os
Ministérios da Saúde e da Agricultura, cometendo ao primeiro a vigilância de alimentos
em geral e ao segundo a inspeção de produtos e derivados animais e vegetais. É o caso
da recente Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1988 (Art. 14,III, “g” e XVIII, “f”).24
24
Direitos e obrigações em saúde,p.220-221.
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Capítulo II
Saúde: Direito Básico do Consumidor.
Sumário: 1. Considerações gerais. 2. Modelos de proteção dos
consumidores. 3. Objetivos gerais e principais eixos de orientação da
política que visa à promoção dos interesses dos consumidores. 4.
Características do Direito do Consumidor.
1. Considerações gerais
A saúde em sua dúplice dimensão não só constitui um direito
fundamental da pessoa humana, como também um bem jurídico protegido do chamado
direito do consumidor.
A proteção jurídica ao consumidor é um fato. Diversos países consagram
proteção explícita aos interesses dos consumidores ou têm uma legislação geral
disciplinando as relações de consumo.
A existência de leis próprias de proteção ao consumidor é uma
experiência relativamente recente. Razões de ordem econômicas, sociais e políticas levaram
à elaboração de leis gerais de proteção ao consumidor ou de regulamentação das relações
de consumo.
O problema da proteção ao consumidor tem como pré-requisito as
mudanças no sistema de produção que deram origem à indústria moderna e ao processo de
concentração econômica. Antes da industrialização e do surgimento de grandes empresas
nacionais e transnacionais, a proteção do consumidor não era solicitada de forma mais
adequada.
A regulamentação das relações de consumo e a proteção do consumidor é
um fenômeno comum em países industrializados. A mecanização dos meios de produção,
isto é, a substituição da força humana pela força mecânica e o conseqüente aumento da
produção e criação de uma rede de distribuição e comercialização desses produtos,
incrementada, cada vez mais, por descobertas técnicas agravaram os problemas
relacionados ao consumo e levou a um colapso do sistema que vislumbrava no consumidor
o senhor do processo econômico, provocando a necessidade de reavaliação dos mecanismos
jurídicos existentes. Com efeito, no estágio inicial do capitalismo e para a economia
clássica não havia sentido em proteger o consumidor, pois o consumidor era considerado a
origem de todo poder e iniciativa em matéria econômica, já que o mercado existia para
satisfazer as suas necessidades.
De acordo com Alberto do Amaral Jr.,
“Para a economia clássica não há sentido em se falar na proteção do consumidor. Afinal,
para o liberalismo novecentista, o consumidor é considerado a fonte última de todo
poder e iniciativa em matéria econômica. Os bens por ele adquiridos resultam de suas
necessidades internas ou daqueles que provêm de seu ambiente. A afirmação da
soberania do consumidor implica a existência de um ciclo unidirecional de mensagens
Silvio Luís Ferreira da Rocha
20
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que ao se iniciar no consumidor passa pelo mercado e chega ao produtor, indicando o
que deve ou não ser produzido”.25
A livre regulação dos interesses do consumidor pelo mercado mostrou-se
falha. O mercado tornou-se restrito em razão do crescimento dos grupos econômicos. A
falta de concorrência entre as empresas, aliada a formação de grandes grupos
oligopolísticos restringiam a oferta de produtos e serviços, disponíveis aos consumidores,
além de resultar na elevação artificial de preços.
Além disso, o processo de informação do consumidor, importante para
que ele escolha racionalmente e livremente o que consumir, era individual e unilateral. O
processo decisório sobre o que informar cabia, com exclusividade, ao fornecedor. Este,
como óbvio, ao selecionar o tipo de informação omitia aquelas relacionadas a pontos
negativos ou fracos dos produtos e serviços, como o custo, o perigo, a durabilidade.
Ademais, o processo informativo recorria ao uso de mensagens publicitárias, predispostas a
provocar e incitar o consumo do que propriamente informar. As necessidades dos
consumidores não decorrem exclusivamente das necessidades biológicas destes ou do
ambiente que os cerca, mas sim, em grande parte, das campanhas publicitárias que as
forjam.
A igualdade formal entre os contratantes não passava de um mito, que
servia para esconder a desigualdade real entre fornecedor e consumidor. A desigualdade
entre fornecedor e consumidor era reforçada por fatores como a regulamentação das
relações de consumo pelo fornecedor mediante a inserção de cláusulas de adesão e
condições gerais, inegociáveis, imodificáveis ou pela cadeia de intermediários que se
interpunha entre o ele e o fornecedor ou, ainda, e pela impessoalidade de certos modos de
distribuição, como a comercialização de produtos e serviços por meios eletrônicos ou
mecânicos; pela falta de informação e falta de competência técnica e jurídica do
consumidor que lhe permitisse debater os termos do negócio e pela desorganização do
consumidor, enquanto sujeito de direitos.
A falha na organização dos consumidores também contribuía para o
fracasso do modelo de proteção baseado na livre regulação. Com efeito, a heterogeneidade
dos consumidores, decorrente do fato de que “todos são consumidores”, não importa a
classe, a cor e o credor, impedia uma representação adequada dos interesses dos mesmos.
Com efeito, com tantos fatores diversos, como classe social, nível de escolaridade, nível de
emprego, era difícil identificar um discurso que reunisse a todos em torno de interesses
comuns.
A par dessas circunstâncias econômicas houve, também, considerações de
caráter social que devem ser lembradas e que levaram ao desenvolvimento de um
movimento social profundo que visava promover os interesses dos consumidores. Com
efeito, acidentes dramáticos provocados por bens de consumo contribuíram para alimentar
um movimento de reação popular que fez nascer na opinião pública dúvidas sérias sobre a
capacidade empresarial de assegurar o progresso social e a melhoria das condições de vida
dos cidadãos. Basta lembrar alguns produtos defeituosos, mundialmente conhecidos pelos
danos produzidos, como a Talidomia-Contergan, um sedativo que ministrado no período de
25
Proteção do Consumidor no Contrato de Compra e Venda. São Paulo: Revista dos Tribunais,1993. p. 67.
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21
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gravidez provocou deformidade física em milhares de crianças entre 1958 e 1962; o MER29, medicamente anticolesterol que, entre 1960 e 1962, provocou graves efeitos
secundários, em especial lesões na vista em mais de 5000 (cinco mil) pessoas; a Salk,
vacina usada na Califórnia contra a poliomielite, mas que por ser portadora de vírus ativo
causou doenças em crianças; Stalinon, medicamento posto a venda no ano de 1953 na
França para o tratamento de certas doenças de pele e que causou a morte e a invalidez de
muitas pessoas.
Ideais igualitários despertaram o desejo de maior repartição do poder com
a sociedade e ideais democráticos exigiram maior participação de todos nos mecanismos
decisórios. A repartição de recursos no seio do sistema econômico e social não deveria
limitar-se às riquezas, mas, também, a informação, a conhecimentos. Tivemos, então,
muitas iniciativas dignas de louvor, como o estabelecimento de um sistema de reparação
dos danos causados por produtos e serviços perigosos a partir do princípio da solidariedade
social; o estabelecimento de sistemas coletivos e neutros de informação, que visavam
contrabalancear o caráter unilateral da publicidade e o estabelecimento de controles
abstratos sobre o conteúdo das transações de consumo.
Estas considerações de caráter social foram captadas pelo político. Assim,
nos Estados Unidos e na Europa, o poder político percebeu o movimento de opinião pública
favorável à proteção do consumidor e sustentou a necessidade de o Estado intervir com
vistas a corrigir as falhas do sistema do mercado, que funcionava com o livre jogo das
forças econômicas. O Estado chamou para si a responsabilidade de assegurar a promoção, a
defesa e a representação dos interesses dos consumidores.
2.Modelos de proteção dos consumidores
As transformações já mencionadas, que resultaram numa sociedade
industrial, mostraram a inadequação dos instrumentos jurídicos existentes para proteger
efetivamente os interesses dos consumidores. Foi adotado um novo modelo, chamado de
adaptativo, por propor o reconhecimento de diversos direitos específicos ao consumidor,
destacado como um sujeito de direito específico, passível de proteção, como ocorreu em
1962, nos Estados Unidos, com a mensagem enviada ao Congresso pelo Presidente J.
Kennedy, na qual ele propôs uma política de consumo amparada em quatro direitos
fundamentais: segurança; informação; escolha e ser ouvido ou como ocorreu em 1973, na
Europa, por ocasião da reunião da Assembléia Consultiva do Conselho da Europa que
recomendou fosse reconhecido ao consumidor cinco (5) direitos fundamentais: proteção da
saúde e segurança; proteção aos seus interesses econômicos; reparação de prejuízos;
informação e educação e direito à representação.26
Nesse modelo a regulamentação passa a ser um instrumento privilegiado
que põe em prática uma política de ajuda ao consumidor. O direito do consumidor corrige
as falhas do mercado e responde às preocupações sociais de uma política ativa de consumo
que visa a reduzir o custo imposto à coletividade pelo comportamento privado de seus
atores econômicos, bem como garante ao consumidor, através de idéias democráticos e
igualitários, um mínimo de proteção imperativa e intangível.27
26
Cf. BOURGOIGNIE, Thierry.Elements por une droite de la consommation. Bruxelas: Story-Scientia, 1988.
p.163.
27
Ibidem, p.165.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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3. Objetivos gerais e principais eixos de orientação da política que visa à promoção
dos interesses dos consumidores.
O consumidor é o sujeito reconhecido pela política de proteção. Essa
política de proteção tem por objetivo principal promover os interesses do consumidor na
ordem e econômica e reencontrar o lugar e a influência que a teoria tradicional reconhecia a
eles, mas que o desenvolvimento sócio-econômico da sociedade moderna os fez perder. Ela
objetiva, ainda, corrigir as insuficiências existentes, estabelecer um certo equilíbrio entre as
partes e valorizar certos temas, considerados essenciais e imodificáveis, como a
informação, o acesso à justiça, à saúde.
Como características a política de proteção ao consumidor revela uma
natureza fundamentalmente coletiva; ela apela para a reavaliação do papel e da importância
do consumidor, enquanto grupo coletivamente constituído no sistema econômico, e
objetiva fornecer-lhes instrumentos que permitam um melhor equilíbrio das relações entre
consumidores e fornecedores.
Cinco são os principais eixos de orientação da política de proteção dos
interesses dos consumidores.
A educação é a pedra angular do edifício a construir. Os objetivos da
política de educação do consumidor são, no entanto, vagos, incertos, imprecisos. A política
de educação condiciona o sucesso de outras medidas de política protetora dos
consumidores ao aumentar-lhes a capacidade de utilizarem as informações que lhe são
fornecidas, de exprimir as suas demandas e necessidades, de apreender a dimensão jurídica
dos atos de consumo; de exigir o cumprimento dos direitos.
A informação do consumidor é indispensável ao sucesso de qualquer
programa de proteção ao consumidor, porque permite que ele escolha, de modo racional e
livre se irá consumir e o que consumir.
A eficácia do processo de informação do consumidor depende, no
entanto, da sua completude ou exaustão. Diz-se completa a informação que recai sobre
todos os elementos essenciais e acidentais que conhecidos permitem ao consumidor tomar
uma decisão esclarecida. A informação deve recair sobre circunstâncias tais como o preço,
a qualidade, as características, os riscos, as condições de pagamento, as obrigações
acessórias; os direitos, o conteúdo do contrato, os meios de defesa em caso de litígio e os
custos da transação.
A eficácia do processo de informação depende, também, da pluralidade
das fontes de informações, devendo ser fornecida unilateralmente pelo fornecedor pela
publicidade, embalagem, pré-contratos ou por terceiros interessados ou desinteressados,
como centros de informações de consumidores, que divulgam testes comparativos ou
programas públicos e privados de certificação de qualidade (INMETRO/PROCONS).
O processo de informação do consumidor deverá respeitar os interesses e
a diversidade do grupo de consumidores, que está estratificado de acordo com os critérios
de educação, idade e profissão.
Saúde e segurança também são objetos de preocupação do direito do
consumidor. O processo de informação do consumidor, muitas vezes, é ineficaz, o que
exige que o consumidor, presumidamente informado, seja protegido em certas matérias.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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Daí a tomada de medidas que previnam riscos à saúde e segurança do consumidor, como a
proibição de comercializar produtos e serviços perigosos ou a obrigação de retirar do
mercado os produtos e serviços que põe em perigo à saúde ou à segurança do público ou o
controle da publicidade que incentiva o consumo do tabaco, álcool e medicamentos ou a
imposição de restrições à liberdade de contratar, como a proibição de transferir a carga dos
riscos do consumo somente para o consumidor.
A incolumidade econômica do consumidor é, também, objeto de
proteção. Daí a criação de normas que protejam o consumidor dos vícios de inadequação
dos produtos e serviços e que proíbem a existência de cláusulas contratuais consideradas
abusivas.
Essas intervenções buscam assegurar um nível mínimo de proteção ao
consumidor, ao qual não é permitido revogar. Esse mínimo de proteção procura garantir o
consumidor contra os riscos decorrentes de (1) informações enganosas, incompletas ou
confusas; (2) práticas comerciais suscetíveis de falsear o consentimento; (3) defeitos e
danos ligados ao uso dos produtos e a serviços oferecidos ao consumidor no mercado; (4)
atentados a seus interesses econômicos em virtude de práticas restritivas de concorrência,
de preços ilícitos ou anormais e de oferta de créditos excessivos. 4) imposição de condições
contratuais unilaterais e abusivas.
Uma política de ajuda verdadeira ao consumidor deve prever mecanismos
que o permitam expressar em juízo suas pretensões. Daí a necessidade de facilitar o
ingresso do consumidor em juízo, mediante a simplificação de procedimentos, a celeridade
da justiça e a redução de custos.
O interesse coletivo dos consumidores requer que eles estejam
organizados e sejam representados de modo eficaz por associações.
4. Características do Direito do Consumidor
O Direito do consumidor caracteriza-se
pluridisciplinar, pela sua unidade, autonomia e natureza coletiva.
por
ser
instrumental;
O direito do consumidor fornece os instrumentos necessários à realização
de escolhas políticas, econômicas e sociais definidas no quadro da política de ajuda ao
consumidor. É um instrumento de auxílio ao consumidor e de implantação da política de
defesa do consumidor.
O direito do consumidor é fundamentalmente pluridisciplinar; ele resiste
a toda tentativa de aplicação dos critérios tradicionais de classificação das disciplinas
jurídicas em função das regras estudadas: direito civil, comercial, penal, judiciário,
administrativo. A sua classificação, a exemplo do direito do trabalho, econômico e da
concorrência, é fundada sobre a função da regra jurídica. Essa classificação funcional
atravessa as diversas disciplinas das categorias jurídicas tradicionais.
Assim, do direito civil o direito do consumidor colhe o modo de formação
e conclusão das compras e vendas. A função de consumir exerce-se pela conclusão das
compras e vendas. As disposições do direito das obrigações e dos contratos encontram no
campo do direito do consumidor um quadro natural de aplicação.
O direito do consumidor recorre aos conceitos gerais de direito civil,
como ordem pública, bons costumes, boa fé, lesão, abuso de direito, que permitem
Silvio Luís Ferreira da Rocha
24
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estabelecer um controle abstrato dos abusos nos contratos de consumo. Recorre, também,
ao dever de aconselhar, colocado a cargo do profissional na fase pré-contratual e aos
princípios da responsabilidade civil, com algumas ressalvas.
As regras do direito comercial vão se aplicar, por exemplo, em matéria de
prova. Também são úteis as regras que prescrevem as condições de acesso ao exercício de
certas atividades, como seguro, transporte, organização de viagens, serviços bancários e
financeiros.
O direito do consumidor partilha as preocupações macrojurídicas do
direito econômico, pois, como ele, pretende organizar o sistema econômico e assegurar um
melhor funcionamento. O direito do consumidor, pela leitura nova que ele implica do
desenvolvimento econômico e social que o cerca, precipita a natureza dinâmica ou
normativa do direito econômico.
O direito do consumidor faz do acesso à justiça um componente essencial
de sua intervenção e condição de eficácia de suas iniciativas. Trata de assegurar que a
organização judiciária e os procedimentos que regem os conflitos permitam à expressão
efetiva dos consumidores, que atuem isoladamente ou em grupo.
De uma maneira geral o legislador toma iniciativas em favor do
consumidor e recorre a técnicas de direito penal com vistas a garantir os direitos e
obrigações consagradas pelas disposições legislativas.
A noção de consumidor engloba a do usuário de serviços públicos. O
usuário de serviços públicos tem uma situação privilegiada. Ele é, de uma parte, o
consumidor a quem deve ser aplicado os textos gerais que regem as relações de mercado
com os prestadores profissionais de serviços e de outra parte ele terá uma proteção
particular derivada dos grandes princípios constitutivos do regime de serviços públicos,
principalmente os da regularidade, continuidade e igualdade dos usuários diante do serviço
público.
O Direito administrativo contribui igualmente para a organização dos
interesses do consumidor ao estipular sanções administrativas para o descumprimento de
deveres estabelecidos pela legislação de proteção ao consumidor.
O direito sanitário serve como instrumento de proteção à saúde do
consumidor. Em diversas áreas, principalmente, segurança alimentar, segurança de
produtos e serviços, o referencial técnico e teórico do direito sanitário presta-se a coibir
condutas perigosas ou potencialmente perigosas aos consumidores. Com efeito, numa
sociedade de consumo e complexa muitos são os riscos à saúde e segurança dos
consumidores, que podem ser prevenidos ou reprimidos com o agir da vigilância sanitária,
que atua, justamente, no âmbito das relações sociais de produção e consumo. De acordo
com Ediná Alves Costa e Suely Rozenfeld:
“Na dinâmica contraditória e complexa desses processos são gerados muitos riscos e
danos à saúde do indivíduo e da coletividade, assim como ao meio ambiente e à
economia do consumidor. As ações de Vigilância Sanitária se inserem no âmbito das
relações sociais de produção e consumo, onde se origina a maior parte dos problemas de
saúde sobre os quais e preciso interferir. Tais problemas podem advir de falhas, ou
defeitos, em algum ponto da cadeia de produção, ou de ilicitudes intencionais de
fabricantes, comerciantes ou prestadores de serviços. Assim, existe a necessidade de
Silvio Luís Ferreira da Rocha
25
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regulação das relações de produção e consumo, se reconhece a vulnerabilidade do
28
consumidor e se criam instrumentos para proteger a saúde de toda a coletividade”.
O Direito do consumidor aborda situações jurídicas comuns sob o ângulo
de um sujeito novo reconhecido: o consumidor. O que guia a manifestação do direito do
consumidor é a necessidade de promover os interesses dos consumidores diante do poderio
de seus parceiros econômicos, produtores, distribuidores e portadores de serviços.
O Direito do consumidor evita os passos da especialização. Ele é o direito
dos não-especializados, dos não profissionais, dos particulares que em razão da
hipossuficiência, da ignorância, merecem proteção.
A unidade do direito do consumidor se dá pela unidade do objeto e de
suas preocupações, isto é, a promoção dos interesses do consumidor.
A pluridisciplinariedade do direito do consumidor não impede que seja
elaborada uma legislação na qual a principal utilidade consiste em: fornecer uma decisão
precisa de consumidor; confirmar a existência de direitos subjetivos fundamentais
reconhecidos ao consumidor; fixar as orientações principais do sistema normativo de
proteção do consumidor.
O Direito do consumidor, no seu modelo adaptativo caracteriza-se por sua
dimensão coletiva. Há uma preocupação pelo reconhecimento, promoção e representação
dos interesses coletivos e difusos dos consumidores, embora o Direito do consumidor
preocupe-se, também, com a dimensão individual.
28
Constituição de Vigilância Sanitária no Brasil, in Marcos históricos e conceituais, p.16.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
26
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Capítulo III
A atuação da vigilância sanitária como instrumento de proteção da saúde do
consumidor.
Sumário: 1. A saúde como eixo de proteção do consumidor. 2. Segurança
Alimentar. 3. Conclusão.
1. A saúde como eixo de proteção do consumidor.
A saúde como bem jurídico tutelado do consumidor recebeu lugar de
destaque. O primeiro aspecto do termo saúde levado em conta pelo legislador foi o de
ausência de malefícios ao corpo do consumidor quando protege a incolumidade física do
consumidor. Nesse sentido propugna a lei protetora que o consumidor não seja exposto a
riscos que possam atingir a sua incolumidade física e psíquica e daí o artigo 8º da Lei 8.078
proibir, expressamente, a colocação no mercado de produtos ou serviços que acarretem
riscos à saúde ou segurança dos consumidores que não possam ser considerados normais e
previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição. Cuida-se, em última análise, da
imposição de uma obrigação geral de segurança a cargo dos fornecedores e que pode ser
assim resumida: os fornecedores são obrigados a colocar no mercado apenas produtos e
serviços seguros.
Pode haver uma pequena variação a respeito da exata noção do que
podem ser considerados produtos e serviços seguros. Assim, para uns produtos e serviços
seguros são os que não apresentam riscos notáveis, incompatíveis com o modo de
utilização e inaceitáveis tendo-se em conta as regras técnicas. Para outros, produtos e
serviços seguros são os que não apresentam nenhum tipo de risco ou que não podem causar
danos, ou, ainda, os que atendam às legítimas expectativas dos consumidores.29
O legislador brasileiro optou por ligar a segurança dos produtos e serviços
à legítima expectativa do consumidor frente à natureza e forma de utilização dos produtos e
serviços para considerar inseguro o produto ou serviço que não atenda às legítimas
expectativas de segurança (artigo 8º, combinado com o artigo 12, § 2o da Lei 8.078). A Lei
8.078 não pretendeu disciplinar a utopia de produtos sem riscos ao consumidor. Os riscos à
saúde e a segurança são aceitos desde que normais, previsíveis e contidos nos limites da
razoabilidade e aceitabilidade (artigo 8º e 9º da Lei 8.078).
Assim, é possível classificar os produtos e serviços existentes no mercado
em duas grandes categorias. Produtos e serviços inofensivos à saúde humana e produtos e
serviços perigosos à saúde humana.
Os produtos e serviços perigosos à saúde humana podem apresentar graus
de periculosidade. Os produtos e serviços que apresentam alto grau de nocividade ou
periculosidade têm a sua produção e introdução no mercado proibida (art. 10 da Lei 8.078).
Os produtos e serviços que apresentam níveis aceitáveis de nocividade ou periculosidade
têm a sua produção e introdução no mercado admitida (art. 9º da Lei 8.078), cabendo ao
29
Cf. Françoise Maniet, La transposition de la directive 92/59/CE relative à la sécurité générale des produits
dans lês Etats membres de l’Union européenne, p.11. In: Revue Européene de Droit de La Consommation,
1997, p.185.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
27
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fornecedor o ônus de informar de maneira adequada e ostensiva o consumidor dos riscos de
utilização.
Os produtos e serviços inofensivos à saúde humana podem tornar-se
perigosos aos ser humano quando portadores de defeitos, os chamados produtos e serviços
defeituosos, que têm uma periculosidade não inerente ou natural, mas adquirida justamente
pela existência de defeitos. Os defeitos dos produtos podem ser classificados em defeitos de
projeção, fabricação ou de omissão ou insuficiência de informações ou instruções. Os
defeitos de projeção ou construção derivam de um erro na projeção de uma escolha
inadequada de materiais, ou, ainda, de uma técnica de fabricação. Os defeitos de fabricação
ocorrem durante o processo de fabricação e são causados por falhas no processo produtivo.
Os defeitos de informação resultam da falta, insuficiência ou inadequação de informações,
instruções e advertências sobre o uso e perigos do produto.
A noção de produto ou serviço defeituoso depende de exame e valoração.
O Código de Defesa do Consumidor especificou algumas dessas circunstâncias,
objetivando prestar auxílio ao magistrado na delicada e complexa tarefa de concretizar o
conceito de defeito. Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor recorreu a
circunstâncias como a apresentação do produto, o uso e os riscos que razoavelmente se
esperam do produto e a época em que o produto foi colocado em circulação que devem ser
sopesadas pelo magistrado para constatar se há ou não defeito no produto ou no serviço
introduzido no mercado. A esse respeito, Silvio Luís Ferreira da Rocha teve a oportunidade
de se manifestar:
“A primeira das circunstâncias especificada é a „apresentação do produto‟. Representa a
idéia de que o defeito não deriva só do produto em sí, do seu conteúdo ou natureza
intrínseca, mas de forma externa como é apresentado ao público consumidor.
“A segunda circunstância especificada pelo legislador é o „uso e os riscos que
razoavelmente se esperam do produto‟. Na apreciação do caráter defeituoso do produto,
o Código de Defesa do Consumidor não se ateve apenas ao uso do produto, mas a todos
aqueles razoavelmente previsíveis. O fornecedor deverá, portanto, levar em conta
também outros usos razoavelmente previsíveis que possam ser feitos do produto
comercializado e não apenas a utilização conforme fim pretendido em condições
normais.
“A terceira circunstância é a „época em que o produto foi colocado em circulação‟.
Assim, o critério decisivo é o de que o produto satisfaça as legítimas expectativas de
segurança do público consumidor no momento de sua colocação no comércio, sem que
do seu aperfeiçoamento ulterior possa inferir-se a existência de defeito naquele
momento”.30
Nessa atividade de controle e estipulação dos riscos à saúde razoáveis,
aceitáveis, normais é que ressalta a importância da vigilância sanitária. O agir, o atuar da
vigilância sanitária é que permitirá ao Estado proteger a saúde e a segurança do consumidor
ao submeter a controle os graus de riscos de determinados produtos e serviços. Tomemos
como paradigma os alimentos.
2. Segurança alimentar.
30
A responsabilidade pelo fato do produto no código de defesa do consumidor, p. 10. In: Revista Direito do
Consumidor, 5, p.44.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
28
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A vigilância sanitária exerce papel importante naquilo que se pode
chamar de segurança alimentar ou de segurança dos alimentos, isto é, a garantia de que os
alimentos consumidos não serão os responsáveis por danos à saúde e a segurança do ser
humano. A preocupação com a segurança alimentar é tanta que nenhum país abre mão de
medidas sanitárias preventivas ou de precaução relacionadas com alimentos com o intuito
de preservar a saúde de sua população.
Mário Frota considera que a segurança alimentar constitui preocupação
dominante em qualquer latitude e cita, como exemplo, o problema dos abates clandestinos
para consumo público, os escândalos da encefalopatia espongiforme bovina, as dioxinas
nas aves. Aduz que o regime da segurança alimentar está consignado no Regulamento
178/2002 de 28 de janeiro, editado pela União Européia, para observância estrita no seu
território, e que nele a proibição de colocação no mercado de quaisquer gêneros
alimentícios que não sejam seguros.31
São considerados inseguros os gêneros alimentícios prejudiciais à saúde e
os impróprios para consumo humano. O conceito de segurança é construído de forma
negativa. Alimento seguro é o que não seja prejudicial ou impróprio ao consumo. Para a
determinação da insegurança do gênero alimentício há que ser analisado as condições
normais da sua utilização e as informações que são fornecidas ao consumidor.
A determinação da prejudicialidade à saúde de um gênero alimentício
leva em conta o provável efeito imediato e o efeito a longo prazo desse gênero alimentício
sobre a saúde da pessoa que o consome e sobre as gerações seguintes; os potenciais efeitos
tóxicos cumulativos e as sensibilidade sanitárias específicas de uma determinada categoria
de consumidores, quando o gênero alimentício lhe for destinado.32
A determinação da impropriedade ao consumo humano de um gênero
alimentício leva em conta se o consumo é inaceitável em função do uso a que se destina,
quer por motivos de contaminação, de origem externa ou outra, quer por putrefação,
deterioração ou decomposição.33
À segurança alimentar são aplicados os princípios da preservação da vida
e da saúde humanas; o da proteção da saúde e bem-estar animal; o da preservação do
ambiente; o da precaução; o da transparência; o da salvaguarda dos interesses econômicos
do consumidor e o da partilha da responsabilidade.
O princípio da preservação da vida e da saúde é o que sustenta toda a
concepção da segurança alimentar. De acordo com tal princípio, não serão colocados no
mercado quaisquer gêneros alimentícios que não sejam seguros, não o sendo os que se
mostrem prejudiciais à saúde e os impróprios para o consumo humano.
Ao lado dele há o princípio da proteção da saúde e bem-estar animal que
proíbe que sejam colocados no mercado e fornecidos a animais produtores de gêneros
alimentícios alimentos que não sejam seguros, assim entendidos dos que tenham efeito
31
Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.1. In: Revista de Direito do Consumidor, n. 44, p.68.
Cf. FROTA, Mário. Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.2. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 44, p.69.
33
Cf. FROTA, Mário. Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.2. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 44, p.69.
32
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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nocivo na saúde humana ou animal ou que tornem inseguros os gêneros alimentícios
produzidos pelos animais.
O princípio da salvaguarda do ambiente propõe a conciliação da produção
de alimentos com um ambiente ecologicamente equilibrado. Dele decorrem programas de
controle dos agrotóxicos, da gestão da água.
A segurança alimentar está informada, também, pelos princípios da
precaução e da prevenção.
Pelo princípio da precaução podem ser adotadas medidas profiláticas
todas as vezes que houver probabilidade da ocorrência de dano. São pré-requisitos de
aplicação do princípio da precaução: avaliação científica que revele uma incerteza quanto à
superveniência de um dano ou uma incerteza quanto à gravidade do dano. Quer dizer, não
há um juízo de certeza quando a ocorrência de um dano ou quanto a sua extensão e
intensidade. Os conhecimentos científicos permitem perspectivar um perigo para a saúde
sem autorizar a conclusão da existência certa do perigo. Presentes a incerteza e a gravidade
do risco o princípio da precaução autoriza e exige uma ação urgente que se reveste de duas
condições formais: caráter transitório e diligências investigatórias. A medida tomada em
precaução durará enquanto não forem concluídas todas as diligências determinadas com o
fim de eliminar a incerteza que paira quanto à existência e a extensão do dano.34
O princípio da precaução é importantíssimo para a proteção da saúde do
cidadão a ser exercida pela vigilância sanitária. Tal princípio não é, no entanto, amplamente
divulgado na comunidade jurídica, o que contribui para que o Poder Judiciário suspenda,
muitas vezes, algumas medidas de precaução justamente com o argumento de que não
restou demonstrado, de modo suficiente, a possibilidade de ocorrência de prejuízos,
quando, na verdade, o atuar da vigilância sanitária deve ocorrer ainda na fase de incerteza
da ocorrência do dano.
O princípio da prevenção permite a adoção de medidas que tenham por
objetivo reduzir um perigo identificado. Ele é aplicado no caso de haver uma forte
probabilidade de prejuízos as pessoas. Não há incerteza quanto à superveniência de um
prejuízo, como ocorre com o princípio da precaução.35
O princípio da salvaguarda dos interesses econômicos do consumidor de
alimentos busca fornecer-lhes elementos para que façam escolha de alimentos com
conhecimento de causa de modo a evitar práticas fraudulentas ou enganosas, adulteração
dos gêneros alimentícios.
O princípio da partilha de responsabilidade acaba por partilhar a
responsabilidade pela segurança dos alimentos entre o Estado e os operadores econômicos.
Ao Estado cabe editar legislação alimentar compatível com essas
diretrizes; realizar o controle e verificação do atendimento dos requisitos relevantes da
legislação pelos operadores econômicos em todas as fases de produção, transformação e
34
Cf. FROTA, Mário. Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.8-9. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 44, p.74-75.
35
Cf. FROTA, Mário. Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.8-9. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 44, p.74-75.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
30
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distribuição mediante um serviço de inspeção idôneo e eficiente; estabelecer um sistema
que avalie, gerencie e evite os riscos; definir as sanções civis, administrativas e criminais.36
Aos operadores econômicos, isto é, aos agentes que atuam em todas as
fases de fabricação, transformação e distribuição, cabe zelar para que os gêneros
alimentícios e os alimentos para animais colocados no mercado sejam seguros, isto é,
observem as disposições que regem o segurança de alimentos, sob pena de serem
responsabilizados administrativamente, civilmente e penalmente.37
Tomamos como caso paradigmático o mal da vaca louca. A
Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), mais conhecida como "doença da vaca louca" é
uma das formas das Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (EET). Essas doenças
são fatais e caracterizadas por degeneração esponjosa do cérebro com sinais e sintomas
graves. O período de incubação da doença é de quatro a cinco anos, no entanto a letalidade
ocorre muito rapidamente após o aparecimento dos sintomas.
A EEB, encefalopatia que ataca o gado, é uma das diversas formas de
doença neurológica transmissível que afeta diversas espécies animais.
Várias espécies de mamíferos podem
espongiformes como martas, alces, cervo mula e felinos.
apresentar encefalopatias
As ovelhas apresentam uma encefalopatia espongiforme conhecida como
"scrapie" e está presente há mais de 200 anos na Grã-Bretanha e outros países.
Em seres humanos, uma das formas de encefalopatia espongiforme
transmissível é denominada Doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD). A doença de CreutzfeldtJakob (DCJ) é uma das Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis que ocorre no
homem. Os sintomas mais freqüentes são demência progressiva e tremores musculares de
extremidades. É uma doença rara, com incidência mundial de aproximadamente um caso
para cada um milhão de pessoas.38
A Anvisa, diante da ocorrência de alguns casos da doença de Creutzfeldt
Jakob (DCJ) e a forte suspeita de sua relação com a encefalopatia espongiforme bovina em
países europeus, tomou algumas medidas preventivas e editou algumas resoluções, abaixo
citadas, relacionadas com o tema.
Resolução - RDC nº 306, de 14 de novembro de 2002
Retificação - 19 de novembro de 2002
Para o cumprimento do art. 2º da RDC nº 305, de 14 de novembro
de 2002, é obrigatória a apresentação das informações conforme
disposto no anexo desta Resolução,quanto ao ingresso, à
comercialização e à exposição ao consumo, dos produtos
(acabados, semi-elaborados ou a granel) para uso em seres
humanos, contendo matéria-prima cujo material de partida seja
obtido a partir de tecidos/fluidos de animais ruminantes, além dos
36
Cf. FROTA, Mário. Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.13-14. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 44, p.80-81.
37
Cf. FROTA, Mário. Segurança Alimentar – Imperativo de cidadania, p.13-14. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 44, p.80-81.
38
Informações obtidas no site da ANVISA: www.anvisa.gov.br.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
31
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documentos já previstos na legislação vigente.
Parágrafo único. As informações a que se refere este artigo são
pré-requisitos para o pleito de autorização de embarque da
mercadoria no exterior.
Resolução - RDC nº 305, de 14 de novembro de 2002
Ficam proibidos, em todo o território nacional, enquanto
persistirem as condições que configurem risco à saúde, o ingresso e
a comercialização de matéria-prima e produtos acabados, semielaborados ou a granel para uso em seres humanos, cujo material
de partida seja obtido a partir de tecidos/fluidos de animais
ruminantes, relacionados às classes de medicamentos, cosméticos e
produtos para a saúde, conforme discriminado.
Resolução - RDC nº 19, de 18 de janeiro de 2002 (em PDF)
Publica a atualização dos produtos e matérias-primas, sujeitos ao
controle sanitário na importação, de acordo com o artigo primeiro
da Portaria SVS/MS nº 772, de 02 de outubro de 1998, republicada
no DOU de 04 de novembro de 1998.
Portaria GM/MS nº 216, de 15 de fevereiro de 2001
Constituir Comissão Especial para diagnóstico e prevenção da
doença de Creutzfeldt-Jakob (nvDCJ), possivelmente relacionada
à EEB
Dentre essas medidas, a principal é a Resolução - RDC nº 305, de 14 de
novembro de 2002 que proibiu em todo o território nacional, enquanto persistirem as
condições que configurem risco à saúde, o ingresso e a comercialização de matéria-prima e
produtos acabados, semi-elaborados ou a granel para uso em seres humanos, cujo material
de partida seja obtido a partir de tecidos/fluidos de animais ruminantes, relacionados às
classes de medicamentos, cosméticos e produtos para a saúde, conforme discriminado.
Resolução - RDC nº 305, de 14 de novembro de 2002
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no
uso da atribuição que lhe confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da
ANVISA, aprovado pelo Decreto nº 3.029, de 16 de abril de 1999, c/c o §
1º do art. 111, do Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 593, de 25
de agosto de 2000, republicada em 22 de dezembro de 2000, em reunião
realizada em 5 de novembro de 2002,
considerando o disposto no Art. 7º, Capítulo II, da Lei n.º 9.782, de 26 de
janeiro de 1999;
considerando a ocorrência da epizootia de encefalopatia espongiforme
bovina (EEB) em países europeus;
considerando a ocorrência de casos da variante da Doença de CreutzfeldtJakob - vDCJ em humanos, constatada em países europeus, e a forte
suspeita de sua relação com a encefalopatia espongiforme bovina;
considerando os países de risco definidos pelo Escritório Internacional de
Epizootias
-OIE;
considerando os critérios definidos pelo Código Zoosanitário Internacional
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para determinação do enquadramento de um país ou zona a respeito de
encefalopatia espongiforme bovina;
considerando que diversos países adotam legislações restritivas acerca das
encefalopatias espongiformes transmissíveis (EETs);
considerando a necessidade de adotar medidas para prevenir a população
brasileira contra as encefalopatias espongiformes transmissíveis;
considerando a existência de evidências epidemiológicas que demonstram
a relação dessas enfermidades em seres humanos com o consumo de
produtos cárneos e derivados, elaborados de ruminantes infectados;
considerando a possibilidade de transmissão de substâncias patogênicas a
humanos por produtos de origem animal utilizados em procedimentos de
diagnóstico
e
tratamento;
considerando o risco potencial de transmissão da doença pela utilização de
tecidos e órgãos humanos de pessoas de países onde a vDCJ vem se
manifestando;
considerando as medidas brasileiras adotadas no sentido de proibir, por
tempo indeterminado, a importação de ruminantes vivos, das espécies
bovina, ovina, caprina, bubalina e ruminantes silvestres e seus produtos
derivados para consumo humano e ou alimentação animal, e ouvida a
Comissão Especial constituída na Portaria 216, de 16 de fevereiro de
2001, do Ministro de Estado da Saúde;
considerando a necessidade de estabelecer regras e procedimentos para a
importação de produtos sujeitos ao controle sanitário;
considerando que a importação de matéria-prima, produto semi-elaborado
e a granel , utilizados na produção de alimentos para consumo humano,
estão previstos em legislação específica do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento - MAPA,
Adotou a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, DiretorPresidente-Substituto,
determino
a
sua
publicação:
Art.1º Ficam proibidos, em todo o território nacional, enquanto persistirem
as condições que configurem risco à saúde, o ingresso e a comercialização
de matéria-prima e produtos acabados, semi-elaborados ou a granel para
uso em seres humanos, cujo material de partida seja obtido a partir de
tecidos/fluidos de animais ruminantes, relacionados às classes de
medicamentos, cosméticos e produtos para a saúde, conforme
discriminado:
1 - tecidos/fluidos de categoria de infectividade I, conforme a classificação
constante no anexo 4, de animais provenientes dos países de risco
geográfico 2, 3 ou 4 conforme estabelecido pelo "European Commission`s
Scientific Steering Geographical BSE Risk Classification", equivalentes às
categorias de risco geográfico 2, 3, 4 e 5, tendo como referência o
enquadramento do país ou zona definido pelo Código Zoosanitário
Internacional relativo à encefalopatia espongiforme bovina, conforme
descrito
no
Anexo
5.
2 - tecidos/fluidos de categorias de infectividade II e III, conforme a
classificação constante no anexo 4, de animais provenientes dos países de
risco geográfico 3 ou 4 conforme estabelecido pelo "European
Commission`s Scientific Steering Geographical BSE Risk Classification",
equivalentes às categorias de risco geográfico 3, 4 e 5, tendo como
referência o enquadramento do país ou zona definido pelo Código
Zoosanitário Internacional relativo à encefalopatia espongiforme bovina,
conforme
descrito
no
Anexo
5.
§ 1º Os países não classificados pelo "European Commission`s Scientific
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Steering Geographical BSE risk classification" e/ou Código Zoosanitário
Internacional incluem-se nesta proibição sendo considerados de risco
máximo.
§ 2º Ficam excluídos do disposto neste artigo os surfactantes pulmonares,
condicionados à apresentação de documentação descrita em regulamento
específico.
Art 2º O ingresso, a comercialização e a exposição ao consumo de
matéria-prima e produtos originários de tecidos/fluidos de animais
ruminantes, utilizados como componentes na produção de medicamentos,
cosméticos e produtos para a saúde, ficam condicionados à apresentação e
aprovação pela autoridade sanitária de documentação descrita em
regulamento
específico,
conforme
discriminado:
1 - matéria-prima obtida de tecidos/fluidos de categoria de infectividade
IV, conforme a classificação constante no anexo 4, de animais
provenientes dos países de risco geográfico 1, 2, 3 ou 4 conforme
estabelecido pelo "European Commission`s Scientific Steering
Geographical BSE Risk Classification", equivalentes às categorias de risco
geográfico 1, 2, 3, 4 e 5, tendo como referência o enquadramento do país
ou zona definido pelo Código Zoosanitário Internacional relativo à
encefalopatia espongiforme bovina, conforme descrito no Anexo 5.
2 - matéria-prima obtida de tecidos/fluidos de categorias de infectividade
II e III, conforme a classificação constante no anexo 4, de animais
provenientes dos países de risco geográfico 1 ou 2 conforme estabelecido
pelo "European Commission`s Scientific Steering Geographical BSE Risk
Classification", equivalentes às categorias de risco geográfico 1 ou 2,
tendo como referência o enquadramento do país ou zona definido pelo
Código Zoosanitário Internacional relativo à encefalopatia espongiforme
bovina, conforme descrito no Anexo 5.
3 - matéria-prima obtida de tecidos/fluidos de categorias de infectividade
I, conforme a classificação constante no anexo 4, de animais provenientes
dos países de risco geográfico 1 conforme estabelecido pelo "European
Commission`s Scientific Steering Geographical BSE Risk Classification",
equivalentes às categorias de risco geográfico 1 , tendo como referência o
enquadramento do país ou zona definido pelo Código Zoosanitário
Internacional relativo à encefalopatia espongiforme bovina, conforme
descrito
no
Anexo
5.
Art 3º Ficam proibidos, em todo o território nacional, enquanto persistirem
as condições que configuram risco à saúde, o ingresso, a comercialização
e a exposição ao consumo de aditivos alimentares e dos alimentos
embalados, prontos para consumo, destinados à alimentação humana,
originários de tecidos/fluidos de ruminantes provenientes dos países de
risco geográfico 3 e 4 conforme estabelecido pelo "European
Commission`s Scientific Steering Geographical BSE Risk Classification",
equivalentes às categorias de risco geográfico 3, 4 e 5, tendo como
referência o enquadramento do país ou zona definido pelo Código
Zoosanitário Internacional relativo à encefalopatia espongiforme bovina,
conforme
descrito
no
Anexo
5
.
Art 4º Esta Resolução não se aplica aos produtos acabados para
diagnóstico in vitro, entretanto o fabricante deverá descrever no material
informativo dos produtos que contenham material de partida obtidos a
partir de tecidos/fluidos de animais ruminantes, os riscos de uma
contaminação potencial com EETs (encefalopatias espongiformes
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transmissíveis) e os procedimentos de biosegurança, incluindo a
expressão:
Potencialmente
infectante.
Art 5º Ficam excluídos das restrições previstas nesta Resolução os
produtos derivados de leite e de lã obtida de animais vivos.
Art.6º Ficam proibidos, em todo o território nacional, enquanto persistirem
as condições que configuram risco à saúde, o ingresso de órgãos e tecidos
de origem humana de pessoas residentes no Reino Unido e na República
da Irlanda.
Parágrafo único. Incluem-se na proibição de que trata este artigo os
produtos derivados de tecidos e órgãos humanos, tais como hormônios
hipofisários humanos e quaisquer outros materiais implantáveis,
injetáveis, ingeríveis ou aplicáveis ao organismo humano por qualquer
outra
via.
Art. 7º Fica proibida a utilização de componentes de sangue e tecidos
humanos obtidos de pessoas de qualquer nacionalidade que tenham
residido no Reino Unido ou na República da Irlanda por período igual ou
superior a seis meses consecutivos ou intermitentes, a partir de 1980, bem
como de pessoas que apresentem distúrbios clínicos compatíveis com a
Doença
de
Creutzfeldt-Jakob
(DCJ).
Art. 8º A reutilização de materiais e instrumental médico-cirúrgico
utilizado em pessoas com quadro clínico indicativo de DCJ fica
condicionado à adoção de medidas de processamento constantes no Anexo
1
desta
RDC.
Art. 9º É obrigatória a adoção de precauções para o manuseio de
pacientes, tratamento de artigos e superfícies, manipulação e descarte de
materiais e amostras de tecidos constantes nos Anexos 2 e 3 desta RDC.
Art. 10 As exigências sanitárias constantes desta resolução serão
extensivas aos procedimentos de importação já iniciados e produtos em
trânsito
em
portos,
aeroportos
e
fronteiras.
Art. 11 A autoridade sanitária de portos, aeroportos e fronteiras poderá, no
momento da importação de outros produtos não referidos supra, exigir a
comprovação de que são isentos de substâncias obtidas das espécies
animais
citados
no
Art.
1º.
Art. 12 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária adotará medidas
específicas em relação a produtos não discriminados nesta Resolução e
que venham a ser considerados de risco potencial previstos.
Art. 13 Ficam revogadas a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº
213, de 30 de julho de 2002 e a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC
nº
251
de
9
de
setembro
de
2002.
Art. 14 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
RICARDO OLIVA
A leitura da Resolução – RDC-305, de 14 de novembro de 2002demonstra a aplicação dos princípios que regem e disciplinam a segurança dos alimentos.
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Com o objetivo de evitar a ocorrência de sérios danos à saúde dos consumidores de
produtos cárneos e derivados, elaborados de ruminantes infectados, a Vigilância Sanitária
proibiu, por tempo indeterminado, o ingresso e a comercialização de matéria-prima e
produtos acabados, semi-elaborados ou a granel para uso em seres humanos, de aditivos
alimentares e dos alimentos embalados, prontos para consumo, destinados à alimentação
humana cujo material de partida seja obtido a partir de tecidos/fluídos de animais
ruminantes provenientes dos países de risco.
Ao agir desta forma, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária atendeu
ao princípio da responsabilidade que lhe cabe, como órgão do Estado, de eliminar riscos
potenciais à saúde dos consumidores.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária também fez incidir o
denominado princípio da precaução. No caso, o perigo estava identificado e consistia na
disseminação entre a população do consumo de produtos e derivados de animais infectados
com encefalopatia espongiforme, o que no ser humano pode levar ao desenvolvimento da
Doença de Creutzfeldt-Jakob – DCJ. Cuida-se de aplicação do princípio da prevenção,
como dito, porque o perigo e os riscos advindos do consumo de produtos e derivados de
animais infectados são perfeitamente conhecidos e comprovados. Não há, como no caso da
incidência do princípio da precaução, de uma dúvida quanto à superveniência de um
prejuízo.
Não obstante as providências tomadas, caso houvesse descumprimento
dessa resolução e produtos e derivados de animais infectados fossem introduzidos no país,
caberia a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por aquilo que se denominou de
rastreabilidade, uma das formas de assegurar a segurança dos gêneros alimentícios, detectar
a origem e seguir o rastro do alimento em todas as suas fases econômicas produção,
incorporação, comercialização e consumo de modo a inibir a comercialização e o consumo
de todos os produtos nos quais foram incorporados os produtos e derivados de animas
infectados.
A vigilância sanitária tem o dever de agir. A sua omissão pode levar a
autarquia a responder pelos danos sofridos pelo consumidor.
A Constituição Federal de 1946, no art. 194, acolheu a teoria objetiva, o
que perdura, até hoje, como pode comprovar o § 6º do art. 37 da C.F.
Pela teoria objetiva o Estado está obrigado a indenizar os prejuízos
causados a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa deles na
pratica do ato ou na omissão. Irrompe a responsabilidade e o conseqüente dever de
indenizar toda a vez que a Administração por intermédio de seus agentes praticar atos ou
omitir-se na prática de atos e disso resultar danos aos administrados.
A responsabilidade do Estado pressupõe: a) que o ente obrigado a
indenizar seja uma pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de
serviços públicos. Portanto, pela interpretação do texto constitucional estão excluídas da
regra da responsabilidade objetiva as entidades de direito privado que executem atividade
econômica; b) a existência de dano causado a terceiro; c) o nexo de causalidade entre a
atividade administrativa e o dano e d) que o ato que causou o dano tenha sido praticado por
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agente público no exercício de função pública, a pretexto de exercê-la, ou, ainda, por
pessoa que tenha se valido da condição de agente.39
A omissão ou o mau proceder da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária que causar danos à saúde do consumidor poderá acarretar-lhe a obrigação de
responder pelos danos, desde que estabeleça o nexo de causalidade entre o agir ou o omitir
e os prejuízos sofridos pelo consumidor de alimentos. Há a necessidade de demonstrar que
o Estado não agiu ou agiu mal no desempenho de suas responsabilidades no campo da
segurança alimentar.
3.Conclusão
A saúde, ausência de doença e bem estar físico e psíquico assegurado por
políticas públicas efetivas, é objeto de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor e
pela atuação da Vigilância Sanitária. A Vigilância Sanitária, um serviço público específico,
descentralizado, organizado sob a forma autárquica, na modalidade especial, denominada
agência reguladora, goza da competência ampla e geral de cuidar, entre outros, de temas
caros à saúde da população como a segurança alimentar. Neste campo – o da segurança
alimentar – deve ser realçado os princípios da precaução e da prevenção como instrumentos
específicos do atuar da vigilância Sanitário e como importantes meios de prevenção da
ocorrência de danos à saúde das pessoas, que necessitam de melhor compreensão pelo
Poder Judiciário a fim de evitar-se a imagem de arbitrariedade que possa aparentar a
atividade desempenhada pela Vigilância Sanitária.
A atividade desempenhada pela Vigilância Sanitária no campo da
segurança alimentar é apenas um exemplo dos muitos que poderiam ser dados que
demonstra a importância da atividade realizada pela Vigilância Sanitária e a conexão que
existe entre ela e a proteção do consumidor a partir do denominador comum que é a saúde e
a segurança.
Não é exagero afirmar que a proteção estatal à saúde do consumidor no
campo da segurança alimentar repousa no rol de competências (poderes-deveres) atribuídos
pela lei à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Competências que, no campo da
segurança alimentar, mal exercitadas podem acarretar sérios danos à saúde das pessoas e a
conseqüente responsabilidade do Estado por tais danos.
39
Cf. BANDEIRA DE MELLO,Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 12ª
edição, p. 811.
Silvio Luís Ferreira da Rocha
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Bibliografia
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AMARAL JÚNIOR. Alberto do. Proteção do consumidor no contrato de compra e
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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.Curso de Direito Administrativo. São
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BOURGOIGNIE,Thierry.Élements por une theorie du droit de la consommation.
Bruxelas: Editora Story-Scientia, 1988.
COSTA, Ediná Alves e ROZENFELF, Suely.Constituição da Vigilância Sanitária
no Brasil. In Marcos históricos e conceituais, p.15-40;
_______. Conceitos e área de abrangência. In Marcos históricos e conceituais,
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DALLARI, Sueli Gandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde.São Paulo:
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DIAS, Helio Pereira. Direitos e Obrigações em Saúde. Starprint, 2002.
FROTA, Mario.Segurança Alimentar – Imperativo de Cidadania. In: Revista de
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GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al.].Código brasileiro de defesa do consumidor
comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2000.
MANIET, Françoise.La transposition de la directive 92/59/CE relative à la sécurité
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ROCHA, Silvio Luís Ferreira da.A responsabilidade pelo fato do produto no
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SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1990.
SUNDFELD, Carlos Ari...[et al.]. Direito Administrativo Econômico. São Paulo:
Editora Malheiros, 10-2000.
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