A INTERSETORIALIDADE NO CAMPO SOCIOJURÍDICO Sonale Santana Freitas 1 Resumo O referido resumo diz respeito ao pré-projeto de mestrado no curso de Política Social e Serviço Social da UFS-SE, em seu primeiro semestre, construído a partir da motivação advinda de experiência profissional numa instituição jurídica. Nesta, há o acompanhamento pelo assistente social da luta dos usuários por terem seus direitos efetivados pelo Estado. O diálogo entre setores de uma mesma instituição ou entre instituições distintas precisa acontecer no judiciário porque a demanda que é posta pelos usuários é intersetorial. É composta de refrações da questão social que se apresentam nas instituições que compõem o âmbito sociojurídico sem refletir a sua totalidade. Por isso, no cotidiano de instituição sociojurídica, é necessária a intersetorialidade, que delimitamos como nossa temática. O estudo da intersetorialidade no campo sociojurídico possui uma relevância social e acadêmica. A primeira por pretender viabilizar mais resolutividade das ações de profissionais quando trabalham intersetorialmente, a segunda por se tratar de tema pouco explorado na área sociojurídica. Pretendemos estudar a operacionalização da intersetorialidade no campo sociojurídico, junto às 5ª e 6ª varas privativas de assistência judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Esta se apresenta como diálogo contínuo entre os profissionais do campo sociojurídico como com os da seguridade social, em face do compromisso com o usuário que procura o aparato estatal. Para tanto, buscaremos aprofundar teoricamente as reflexões sobre o campo sociojurídico; identificar na cidade de Aracaju-SE as instituições componentes do campo sociojurídico; verificar nos processos judiciais que são encaminhados para o setor de Serviço Social, das 5ª e 6ª varas, a intersetorialidade e reconhecer a operacionalização da intersetorialidade entre instituições do campo sociojurídico e a política de seguridade social, da área de abrangência dos Fóruns Integrados I. O método utilizado na pesquisa será o dialético embasado pelo quadro de referência do materialismo histórico. A pesquisa será exploratória, documental e por estudo de caso. A amostra não probabilística intencional composta de processos judiciais e de trabalhadores de instituições do campo sociojurídico e da seguridade social. Utilizaremos formulário semiestruturado para entrevistas. Esta pesquisa liga-se ao eixo temático Trabalho, Estado e Política. Palavras-chave: intersetorialidade; direito; campo sociojurídico. Introdução A experiência profissional numa instituição jurídica permite o acompanhamento da luta dos usuários por terem seus direitos atendidos. O trabalho implicado no desafio de efetivar o direito do cidadão considera que é no estudo da questão social 2, em suas diversas 1 Universidade Federal de Sergipe. Email: [email protected] As configurações assumidas pela questão social são condicionadas pela formação cultural brasileira, em seus traços de clientelismo, em que os trabalhadores foram historicamente tratados como súditos, receptores de benefícios e favores e não cidadãos, portadores de direitos. Mas aquelas configurações passam também pelas suas expressões singulares presentes na vida de cada um dos indivíduos atendidos [...] Estas situações singulares vivenciadas pelos indivíduos são portadoras de dimensões universais e particulares da questão social. [...] a questão social está aí presente nas diversas situações que chegam ao profissional como necessidades e demandas dos usuários dos serviços: na falta de atendimento às suas necessidades na esfera da saúde, da habitação, da 2 formas de expressão, que o assistente social juntamente com os demais profissionais que operacionalizam o direito, vão se empenhar profissionalmente. A dinâmica profissional nos impele a percebemos a totalidade do usuário, e nela reconhecermos quais são suas necessidades dentro de uma sociedade eminentemente contraditória, por ser limitada na resposta de direitos dos seus membros. Neste caminhar numa instituição do campo sociojurídico 3, é inerente a intersetorialidade, que delimitamos como o objeto deste estudo. Esta se apresenta como diálogo contínuo entre os profissionais da mesma instituição e também de outras, externas ao campo sociojurídico, em face do compromisso com a demanda que o usuário conduz ao aparato estatal. Anteriormente, realizamos pesquisa sobre a intersetorialidade no campo sociojurídico, por trabalharmos em uma instituição judiciária, o que viabilizou a pesquisa do objeto em processos judiciais de duas varas privativas de assistência judiciária. Percebemos a sua condicionalidade para a efetivação do atendimento ao usuário. Mas, diante de escasso material bibliográfico encontrado enquanto pesquisávamos o objeto de estudo, vimos a necessidade de continuidade e aprofundamento do estudo da intersetorialidade no campo sociojurídico. Pretendemos contribuir, a partir do nosso resultado da pesquisa, oferecendo-o como material a ser utilizado em outros estudos acadêmicos, e melhor aplicarmos na atividade junto a instituição sociojurídica esta mediação imprescindível ao atendimento da população usuária. Pois, A demanda que é posta para este campo de atuação profissional apresenta-se complexa, advindo da própria questão social, e para tanto, não apenas formações intelectuais ligadas ao direito strictu senso buscam promover a exequibilidade da lei. Ela se apresenta como carente de ações eminentemente jurídicas e outras que têm interface com serviços socioassistenciais (ligados à política de educação, de assistência social, da saúde, da habitação, de saneamento básico etc.). (FREITAS, 2009, p. 17). Precisamos vitalizar a intersetorialidade em cada atendimento de usuário realizado. Estudar um objeto como ela, no campo sociojurídico, está em sintonia com um assistência, nas precárias condições de vida das famílias, na situação dos moradores de rua, na busca do reconhecimento dos direitos trabalhistas e previdenciários por parte dos trabalhadores rurais, na violência doméstica, entre inúmeros outros exemplos. (IAMAMOTO, 2002, p. 31, grifos nossos). 3 Por campo sociojurídico, reconhecemos instituições como Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Ministério Público, Secretaria de Segurança Pública, Conselhos Tutelares. Pois “envolve, mas extrapola, o Poder Judiciário, abrangendo as políticas públicas formuladas e implementadas pelo Poder Executivo no cumprimento das medidas compensatórias e protetoras de caráter socioeducativo e de sanções aplicadas pelo Poder Judiciário àqueles que descumprem as normas e as leis em vigor. Abrange desde questões relativas ao sistema penitenciário e aos direitos humanos, até instituições educacionais e assistenciais do campo de seguridade social envolvidas no atendimento aos direitos consubstanciados em medidas específicas de proteção à infância e juventude”. (IAMAMOTO, 2004, p. 266). questionamento cotidiano no espaço profissional: em que medida ela existe no processo de trabalho das instituições jurídicas como meio de efetivar o direito do cidadão que apresenta uma demanda intersetorial? Esta temática merece estudo aprofundado para melhor conhecermos os limites e potencialidades de uma área voltada para a efetivação do direito, mas inserida num Estado restrito para as necessidades da população. Por isso, buscaremos respostas para a hipótese de que a intersetorialidade enquanto elemento condicionante do trabalho dos profissionais que atuam nas instituições compósitas do campo sociojurídico, não tem se efetivado no comprometimento da ampliação da esfera pública bem como dos direitos de cidadania dos usuários dos serviços sociojurídicos. Reiteramos que o estudo da intersetorialidade no campo sociojurídico possui uma relevância social e acadêmica. A primeira por pretender viabilizar mais resolutividade das ações profissionais quando trabalham intersetorialmente, a segunda por se tratar de tema pouco explorado na área sociojurídica. Daí se constituir num referencial de pesquisas posteriores, tanto de profissionais quanto de alunos interessados em mecanismos de melhor atendimento da efetivação do direito do cidadão. Objetivos Geral Estudar a operacionalização da intersetorialidade no campo sociojurídico junto às 5ª e 6ª varas privativas de assistência judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. ESPECÍFICOS Aprofundar teoricamente as reflexões sobre o campo sociojurídico; Identificar na cidade de Aracaju-SE as instituições componentes do campo sociojurídico; Verificar nos processos judiciais que são encaminhados para o setor de Serviço Social, das 5ª e 6ª varas, a intersetorialidade, objeto desse estudo; Pesquisar a intersetorialidade no processo de trabalho dos Fóruns Integrados I, unidade jurisdicional do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, localizada no bairro Santos Dumont, Aracaju, onde se encontram as 5ª e 6ª varas privativas; Reconhecer a operacionalização da intersetorialidade entre instituições do campo sociojurídico e a política de seguridade social, da área de abrangência dos Fóruns Integrados I; Metodologia O estudo da intersetorialidade no campo sociojurídico será por meio de pesquisa exploratória, com pretensão de alcançar seu modo dinâmico de existência no processo de trabalho do campo sociojurídico. Para tanto, utilizaremos o método dialético embasado pelo quadro de referência do materialismo histórico. Assim, pretendemos capturar a realidade pesquisada a partir da perspectiva de totalidade. Pois conforme Gil (2008, p. 14), “A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais, etc.”. A seguir, apresentamos as etapas metodológicas da investigação: No momento da revisão bibliográfica, realizaremos leituras de livros, artigos científicos, monografias que discorram sobre o campo sociojurídico, a fim de melhor nos apropriarmos deste conceito e reconhecermos as instituições que o compõem em Aracaju-SE. Outra temática a ser pesquisada é a intersetorialidade. Buscaremos aprofundar nosso entendimento sobre ela e perceber se e como ela vem sendo operacionalizada no campo sociojurídico, em outras localidades, para fundamentar a apropriação do objeto ora em análise. Já a pesquisa documental se propõe a pesquisar o objeto de estudo, a operacionalização da intersetorialidade no campo sociojurídico, a partir dos processos judiciais, que remetem a questões familiares encaminhados para o setor de serviço social das 5ª e 6ª varas privativas, no penúltimo trimestre de 2012. O universo corresponde a aproximadamente 60 processos judiciais considerando que este número é recorrente da quantidade recebida pelo Setor de Serviço Social no lapso de seis meses, encaminhados para o setor de Serviço Social dos Fóruns Integrados I – com o intuito de serem objetos de estudo social. A amostra será não-probabilística intencional e se constituirá de 20% dos processos (12 processos judiciais): seis da 5ª vara privativa e seis da 6ª vara privativa que estiverem sob a responsabilidade (ou com carga processual) do profissional de Serviço Social. Após esta etapa, realizaremos a organização dos dados buscando reconhecer os setores e/ou instituições, o tipo de comunicação entre elas e a incidência da comunicação intersetorial presente no processo judicial. A discussão teórica sobre a intersetorialidade e categorias como direitos sociais permeará a construção da análise dos dados. Na sequencia, será procedida o estudo de caso utilizando-se como instrumento o formulário semiestruturado de coleta de dados. Os entrevistados serão um Defensor Público, um Promotor de Justiça, um Analista Judiciário (assistente social), um Juiz, um Escrivão (em cada equipe de trabalho das duas varas privativas, há um profissional de cada função citada), e dois Técnicos Judiciários dos Fóruns Integrados I (um de cada vara privativa). Esta fase é importante para complementar os dados coletados na pesquisa documental, pois trará elementos que subsidiarão a confirmação ou a refutação da hipótese apresentada neste estudo. A finalidade é conhecermos a opinião dos profissionais que trabalham com o processo judicial, sobre a prática da intersetorialidade. Ainda como parte da etapa do estudo de caso, aplicaremos o formulário semiestruturado de coleta de dados junto aos profissionais que trabalham em instituições da seguridade social, na área de abrangência dos Fóruns integrados I (compreende 10 bairros de Aracaju, situados na região norte da capital). A partir de experiência de estágio curricular obrigatório, no setor de serviço social deste fórum, pudemos mapear as instituições de saúde desta área e seus profissionais. Também as instituições da assistência social e previdência social. Identificamos 11 Unidades Básicas de Saúde-UBS, que inserem, em suas equipes de saúde, assistentes sociais, dentre os quais sortearemos três assistentes sociais para a aplicação do questionário. Já na política de assistência, encontramos o universo de cinco Centros de Referência de Assistência Social- CRAS, que também contam com assistentes sociais em seu quadro de funcionários, dos quais dois comporão a amostra. A política de previdência é contemplada por uma unidade do Instituto Nacional de Seguro Social-INSS, onde aplicaremos formulário junto a dois profissionais de Serviço Social. Resultados A nossa pesquisa se encontra em fase de andamento. Por isso, apresentamos resultados parciais advindos da revisão bibliográfica que está sendo realizada. Dentre as temáticas pesquisadas está a que trata do campo sociojurídico, dos direitos e da intersetorialidade. O Campo Sociojurídico e a natureza intersetorial da demanda Os espaços de atuação profissionais são diversos, apresentam-se enquanto organizações privadas e públicas onde os trabalhadores se inserem para, a partir da venda da sua força de trabalho, oferecerem serviços àqueles que procuram atendimento as suas diversas necessidades por direitos atendidos. O Estado brasileiro se apresenta como um grande empregador ao lado do mercado e do terceiro setor 4. Aquela instância pública comporta três poderes, pois o Estado brasileiro, tal como está instituído pela Constituição Federal, é a manifestação do Poder Público, dividido em três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Esses poderes exercem suas competências e se organizam, com mais ou menos independência, segundo os limites e diretivas constitucionais e segundo a forma e o regime de Estado, instituídos pela Constituição. (AZEVEDO, 1979 apud SIMÕES, 2008, p. 28). Segundo o mesmo autor (2008), o Legislativo está presente tanto na União (Câmara de Deputados e Senado) quanto nos estados (Assembleias Legislativas) e nos municípios (Câmaras de Vereadores). Assim, também o poder Executivo representado, por exemplo, pelo presidente da república, governadores de estados e prefeitos. Já o Poder Judiciário está presente na União e nos estados, pois “a Constituição Federal não autoriza o Judiciário municipal (art. 92 da Constituição Federal)”. (SIMÕES, 2008, p.39). Este poder se insere no que denominamos de campo sociojurídico, campo de atuação profissional, onde diversas especialidades profissionais, dentre elas a do Serviço Social, somam-se para efetivar respostas aos direitos dos cidadãos. Segundo o Conselho Federal de Serviço Social, esse campo “diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, como o sistema judiciário, o sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, dentre outros”. (CFESS, 2004, p.10). As necessidades pela efetivação dos direitos do cidadão advêm de um elemento que as unifica: a questão social. O sujeito enquanto totalidade traz em si ausências de respostas do Estado que setoriza os espaços institucionais a fim de responder a quaisquer demanda social no cenário público. Decifrar a questão social é apreender as mediações que estão conformando a realidade social do sujeito, de sua família, da sua comunidade, inscrita dentro de uma classe social que lhe imprime determinações em sua inserção na sociedade. Trabalhar no sistema judiciário implica reconhecer necessidades por direitos das pessoas que o buscam, ultrapassando o imediato dos fatos sociais apresentados pelo usuário e oportunizando a resposta aos seus direitos. “Na sociedade brasileira, ainda se luta de forma 4 “Passou-se a denominar de terceiro setor o conjunto de atividades não estatais ou governamentais constituído de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que se dedicam ao fornecimento de serviços básicos de assistência, saúde e educação, pesquisa, construção de moradias, [...] portadores de deficiência e outros, considerados de interesse público. Essas atividades têm sido concebidas como um novo setor para a solução de problemas sociais decorrentes da organização da sociedade civil, face aos órgãos governamentais, com relação à sua obrigação e oferecer serviços sociais aos pobres, crianças e adolescentes, em situação de risco, pessoas com deficiência ou doença crônica, carentes populações atingidas por catástrofes”. (SIMÕES, 2008, p. 454). simultânea e na mesma conjuntura histórica para afirmar e assegurar os direitos civis, trabalhistas, políticos e sociais.” (CHUAIRI, 2001, p. 127). As necessidades humanas se apresentam de modo diverso, o que pede daqueles profissionais empenhados pela efetivação do direito uma dupla tarefa: “tomar ciência do campo largo de legislações que os corporifica e pesquisar acerca da rede de instituições que lidam com a política social em suas setorizações para otimizar o sujeito a ir ao encontro destas quando sua realidade lhe solicitar.” (FREITAS, 2009, p. 14). O campo sociojurídico imprime uma possibilidade no cotidiano do cidadão de viabilizar acesso a respostas sentidas e vividas como inalcançáveis, tamanho é o desgaste do sujeito na situação de ausência de direitos. Isto porque dentro do âmbito judiciário não se trabalha uma política específica de Estado, mas seu fim último é dar vitalidade ao direito. Isto impõe a intersetorialidade como prática viabilizadora do direito em sua forma mais integral. O acesso à justiça apresenta duas finalidades básicas: primeira é que os sujeitos podem reivindicar seus direitos e buscar a solução de seus problemas sob o patrocínio e a proteção do Estado, e, portanto, o sistema jurídico deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos; e a segunda corresponde ao fim último do sistema jurídico no Estado Democrático de Direito, que é o de garantir o acesso à justiça igualmente a todos. (CHUAIRI, 2001, p.127). Mas a função do judiciário por efetivar direito vai além das instituições que nutrem este campo sociojurídico. O campo das políticas públicas 5, inserido no Estado, é lócus de especialistas que operacionalizam serviços nas áreas de saúde, previdência, assistência social, tripé da seguridade social brasileira, dentre outras, para alargar o acesso de direitos da população. Netto (2009) informa que As políticas sociais, no Estado burguês, não são elaboradas para lidar com a totalidade da questão social, mas para atender ao indivíduo fragmentando sua realidade de sujeito inserido na sociedade. Assim, “as seqüelas da “questão social” são recortadas como problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a incapacidade física etc.) e assim enfrentadas. [...] a “questão social” é atacada nas suas refrações, nas suas seqüelas apreendidas como problemáticas cuja natureza totalizante, se assumida conseqüentemente, impediria a intervenção”. (NETTO, apud FREITAS, 2009, p. 14). 5 “A Constituição Federal institui [...] as políticas públicas. Estas são, por isso, políticas de Estado, porque expressamente previstas no texto constitucional. Constituem, portanto, a unidade da sociedade civil, política e juridicamente organizada, dotada de soberania e, internamente de autonomia.” (SIMÕES, 2008, p. 42). Assim, os cidadãos estarão sem condições reais de captar no cotidiano social a causa da sua pobreza e/ou exclusão de serviços, bens, direitos que possibilitem qualidade de vida no sujeito. O diálogo entre setores de uma mesma instituição ou entre instituições distintas precisa acontecer no judiciário, não por escolha individual dos seus profissionais, mas porque a demanda que é posta pelos usuários é intersetorial. Apresenta-se rica de refrações da questão social que se apresentam no âmbito sociojurídico sem refletir a sua totalidade. A lógica intersetorial surge, então como forma de dinamizar a relação do governo com o cidadão, considerando as demandas em sua totalidade e buscando resultados que promovam o desenvolvimento social e a inclusão de grupos discriminados na sociedade. (CKAGNAZAROFF; MELO, 2009, p. 5). A instituição Tribunal de Justiça é representante do sistema judiciário e os profissionais que nela exercem suas diversas funções comunicam-se intersetorialmente com o Ministério Público, com a Defensoria Pública. Desta maneira, otimizam-se serviços para as pessoas que dão entrada em processos judiciais, na procura de se resolver diversos litígios e/ ou apenas legalizar situações do seu cotidiano pessoal e familiar. A luta pela efetivação dos direitos na vida da população demanda um movimento social dos homens e mulheres em busca de reconhecer que espaços do Estado apresentam respostas as suas necessidades cotidianas. Neste movimento, cabe refletir sobre o porquê, em muitos casos, da distância entre a existência de direitos e sua efetivação. Conhecer direitos implica não só em conhecer as leis, a norma jurídica, mas, também, tudo que engloba os sistemas políticos, econômicos e sociais de uma dada sociedade, seu modo de organização e articulação na luta, conquista e preservação de direitos. Neste contexto, o acesso à educação é de suma importância na sociedade brasileira. (CHUAIRI, 2001, p. 136). Considerar o campo sociojurídico como o espaço da efetivação do direito do usuário e para além deste campo a competência das políticas de Estado, implica reconhecer a intersetorialidade como elemento precípuo para o alargamento da cidadania. Para dialogarmos com esta categoria, aproximemo-nos da existência dos direitos civis, políticos e sociais. Os Direitos e a intersetorialidade: instrumento de sua efetivação A história nos afirma que na Inglaterra houve o surgimento dos direitos civis e políticos, produto da luta da classe burguesa contra o poder do rei e do absolutismo, e sua expansão para o mundo a partir da defesa destes na França. Posteriormente é que surgiram os direitos sociais alicerçados por aqueles. “[...] os direitos civis foram conquistas efetivadas no século XVIII; os direitos políticos, no século XIX, enquanto os direitos sociais são conquistas realizadas no século XX”. (MARSHALL, 1967 apud COUTO, 2006, p.33). Já no Brasil, o movimento foi às avessas, no século XX, encontramos as primeiras sementes dos direitos sociais enquanto é posterior o surgimento dos direitos civis e políticos. Em nossa colonização por Portugal, direitos foram negados para um povo trabalhador enquanto escravo, dependente, sem reconhecer seu direito de ter direitos, num cotidiano vazio de participação política dos trabalhadores. Final do século XIX éramos ex-escravos sem reconhecermos qual seria a nossa nova identidade, pois estávamos caídos na lacuna de ausência da escravidão formal e na formalidade da marginalidade social. “É possível inferir, pela longa trajetória que os homens cumpriram para ver garantidos seus direitos na sua relação com a sociedade e o Estado, que a garantia desses direitos é produto de fortes embates com os interesses diversos que compõem essa sociedade.” (COUTO, 2006, p. 56). Nas décadas de 30 a 64, o Brasil experienciou governos clientelistas, paternalistas com ações sociais incipientes, mas distantes da esfera do direito. Posteriormente, vivemos um momento de ditadura política onde os direitos civis e políticos estiveram ausentes e/ou desrespeitados enquanto assistimos a uma crescente extensão das instituições sociais. Estas tinham a finalidade de controlar socialmente aqueles que fossem alcançados por suas ações. Na década de 80, vivemos um despertar, pois foi “pródiga em movimentos sociais e em participação da sociedade, organizando-se por meio de entidades, organizações nãogovernamentais (ONGs) e sindicatos para participarem do movimento pré-Constituinte.” (COUTO, 2006, p. 137), o que culminou na primeira constituição brasileira cidadã, em 1988. O campo dos direitos está escrito como leis a serem vividas pelos brasileiros cidadãos, num cenário de retração do Estado comprometido com o corte nos gastos sociais. A orientação de recorte neoliberal tem sido encaminhada no sentido da desregulamentação, buscando não só desonerar o Estado e o mercado dos efeitos das desigualdades sociais, mas também os sistemas jurídicos formais do apelo da população empobrecida, que transitaria, assim, da órbita do direito formal para a órbita da filantropia. (COUTO, 2006, p. 57). Denota-se que ser atendido pelos direitos requer processo de reconhecimento do seu campo largo; descoberta de qual instituição do Estado é competente para seu oferecimento e que estratégias são necessárias para acessá-los. Alguns direitos são acessados diretamente no campo sociojurídico, promovendo na vida do usuário a prática da democracia participativa. Grinover (1992 apud CHUAIRI, 2001, p. 128) informa o movimento desta: A primeira é a participação na própria administração da Justiça que se desdobra em um instrumento de garantia, de controle e de transformação em si mesma, respondendo a exigências de legitimação democrática do exercício da jurisdição e de instâncias prementes de educação cívica. A segunda é a participação mediante o processo, que se faz exatamente pela própria utilização do processo como veículo de participação democrática. Ela se concretiza [...] exatamente pela efetiva prestação da assistência jurídica e pelos esquemas mais abertos da legitimação para agir. Nestes esquemas mais abertos de legitimação para agir, junto ao usuário, se insere a prática da intersetorialidade no campo sociojurídico. Diversas são as instituições que a utilizam quando têm por objetivo o alcance do direito pelo cidadão, já que “ao abordar os problemas sociais de maneira integrada, no espaço social onde se manifestam, considerando os diversos atores sociais envolvidos como sujeitos do processo, coloca como necessária a descentralização como também a intersetorialidade.” (JUNQUEIRA, 2009, p.1). Conclusões As conclusões parciais em cima da pesquisa bibliográfica nos permite afirmar que o trabalho profissional que tem como proposta agir na totalidade do sujeito implica num diálogo interdisciplinar e intersetorial. As áreas sociojurídica e das políticas públicas utilizam esta ferramenta de trabalho. Caracterizando esta última, encontramos que na política de saúde é desafio operacionalizar a intersetorialidade para atender aos objetivos dos serviços que devem alcançar os usuários. A intersetorialidade incorre, portanto, em mudanças na organização, tanto dos sistemas e serviços de saúde, como em todos os outros setores da sociedade, além da necessidade de revisão do processo de formação dos profissionais que atuam nessas áreas (Junqueira, 2000). Dessa forma, a equipe não deve ser mais entendida como um conjunto de saberes que operam compartimentalizados, mas sim a partir das inter-relações que atuam em processos de trabalhos articulados entre si [...] (PAULA et.al., 2004, p.332). A comunicação que se propõe próxima aos direitos do cidadão, seja em quaisquer instituição pública, não é aquela motivada pela vontade do profissional, mas a que se apresenta como condição primeira porque responsável por atender à demanda do sujeito que fragmentada pelo Estado carece de junção da sua totalidade. A moderna gestão social pauta-se, portanto, em princípios como a descentralização, participação social e intersetorialidade. Este último termo [...] Trata-se da articulação entre as políticas públicas através do desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a proteção, inclusão e promoção da família vítima do processo de exclusão social. [...] (BOURGUIGNON, 2001, p. 4). A intersetorialidade na esfera do Estado, seja nas instituições do campo sociojurídico, seja nas políticas sociais implica comprometimento com um projeto libertário, de participação popular, de autonomia dos sujeitos, de fortalecimento da educação, do alargamento do reconhecimento dos direitos constitucionais e de maior exercício da sua operacionalidade. O judiciário é lócus que não pode estar vazio desta prática e da sua efetivação. O desenvolvimento de um trabalho de equipe interdisciplinar nessa área ocorre num processo de complementaridade, múltipla influência e intercâmbio, pressupondo a integração de serviços, num conjunto de ações planejadas e inter-relacionadas, na busca de um trabalho que atenda às demandas da população, bem como as de natureza jurídico-social, dando, assim, maior efetividade e eficácia à ordem jurídica. (CHAUIRI, 2001, p. 140-141). REFERÊNCIAS BOURGUIGNON, J. A. Concepção de rede intersetorial. Disponível em: www.uepg. br/ nupes/ intersetor. htm. Acesso em 31 mar. 2009. CFESS. O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos. Contribuição ao debate no Judiciário, Penitenciário e na Previdência Social. 2. ed. São Paulo: Cortês, 2004. CHUAIRI, S. H. Assistência jurídica e serviço social: Reflexões interdisciplinares. In: Revista Serviço Social e Sociedade. nº 67. ANO XXII. São Paulo: Cortez, 2001. CKAGNAZAROFF, I. B. & MELO, J. de S. C. Implementação de Programa Intersetorial de Políticas Públicas – O Caso BH Cidadania. Disponível em: www. ead.fea.usp.br/Semead/8 semead/resultado/trabalhos.PDF/328. pdf. COUTO, B. R. Direito Social e assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? São Paulo: Cortês, 2004. FREITAS, Sonale Santana. “A Intersetorialidade no Campo Sociojurídico”. Monografia apresentada ao curso de especialização Política Social e Serviço Social. UFS, 2009. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas. 2008. IAMAMOTO, M. V. Projeto Profissional, espaços ocupacionais e Trabalho do Assistente Social na Atualidade. In: Atribuições privativas do (a) Assistente Social. Em Questão. Brasília: CFESS, 2002. IAMAMOTO, M. V. Questão Social, família e juventude: desafios do trabalho do assistente social na área sociojurídica. In: SALES, M. A. (orgs.) Política social, família e juventude, uma questão de direitos. São Paulo: Cortês. 2004. JUNQUEIRA, L. A. P. Articulações entre o serviço público e o cidadão. Disponível em: www.iij.derecho.urc.ac.cr/archivos/documentacion/inv%20atras%20entidades/junqueir.pdf. Acesso em 2 mar. 2009. PAULA, K. A. de et. al. Intersetorialidade: uma vivência prática ou um desafio a ser conquistado? O Discurso do Sujeito Coletivo dos enfermeiros nos núcleos de Saúde da Família do Distrito Oeste - Ribeirão Preto. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414. Acesso em 2 mar. 2009. SIMÕES, C. Curso de Direito do Serviço Social. Biblioteca Básica. Serviço Social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.