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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS
PÚBLICAS
LINHA DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL
Dhieimy Quelem Waltrich
A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA
DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA: descrição e análise do
Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo (RS)
Santa Cruz do Sul
2012
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Dhieimy Quelem Waltrich
A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA
DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado e Doutorado –
Área de Concentração em Demandas Sociais e
Políticas Públicas da Universidade de Santa Cruz
do Sul – UNISC, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientadora: Profª Pós-Doutora Fabiana Marion
Spengler
Santa Cruz do Sul
2012
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Dhieimy Quelem Waltrich
A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA
DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA
Esta dissertação foi submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado
– Área de Concentração em Demandas Sociais e
Políticas Públicas da Universidade de Santa Cruz
do Sul – UNISC, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
_________________________________________________
Profª. Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler
Professora Orientadora
___________________________________________________
Profª. Pós-Doutora Marli Marlene Moraes da Costa
____________________________________________________
Profª. Doutor Mauro Gaglietti
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Pai Antonio,
Mãe Neide,
Mano Dhionis,
Anjo Eduardo,
Amado Marcelo...
a vocês, especiais...
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AGRADECIMENTOS
Agradecer é sempre bom, ter a quem agradecer é melhor ainda, e eu
tenho.
Em primeiro plano, DEUS, obrigada por ter guiado meu caminho e por
estar sempre à frente de tudo, por me presentear todos os dias com a bênção de
ser Sua Filha e empreender sucesso nas minhas obras.
Pai e Mãe, minha gratidão a vocês será eterna! Jamais serei capaz de
produzir ou ser tudo que são e representam para mim! Obrigada pelo zelo,
carinho, cuidado e amor sem medidas. Obrigada por não terem desistido de mim,
por terem decidido pela minha vida, por encherem-na ela de alegria e felicidade.
Desculpem-me pela ausência, pelos momentos em que precisaram de mim
e devido a minhas tarefas, tive de deixá-los. Obrigada por me incentivarem a
continuar, quando todas as forças desejavam o contrário. Obrigada por
sacrificarem suas aquisições para patrocinarem minha formação.
Mano, você foi um dos mais importantes professores que tive! Desde a
bicicleta até hoje, me espelho em você, homem probo, dedicado, carinhoso e
gentil. Obrigada por me amar tanto, por se dedicar tanto ao nosso laço. Tenho
muito a lhe agradecer. Afinal, o maior e melhor presente que ganhei até hoje foi
você quem deu, nosso ANJO, nosso príncipe!!! Mano, AMO-O sempre, e pra
SEMPRE!
Leãozinho! Obrigada por trazer luz e calor ao meu coração. Com você
conheci o amor mais puro do mundo, aprendi que basta vê-lo para o dia ser mais
feliz. A melhor imagem que meus olhos viram foi naquele 19 de setembro, tão
pequenino, tão amado, tão doce! Obrigada pelo abraço e dose de amor diário;
sem ele eu não teria conseguido!
Marcelo, obrigada pelo amor, pelo carinho, pela admiração que nutre por
mim e por me ensinar a ser melhor todos os dias. Você foi o meu presente nesta
fase tão temida, difícil e cheia de tensões. Obrigada pelo teu constante sorriso,
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pelo abraço quente e cheio de amor. Obrigada por entender minhas dificuldades e
ajudar a superá-las, obrigada por ser este homem correto, digno e fiel. E só para
matar sua curiosidade, não acredito em príncipes e cavalos brancos. Acredito sim
que DEUS fez você pra mim, e isso basta!Desculpe-me pelos momentos de
ausências, pela insegurança que lhe causei toda vez que saía da cidade, mas
acredite, meu coração e minha mente foram seus. Obrigada por me ensinar o
autocontrole, e por despertar em mim o desejo de aprimorá-lo.
Viviane, Iumar, Luthyana, Luciano, Jacson, Francine, Iuri e Luiz Felipe,
obrigada por compartilharem tantos quilômetros, tantas guloseimas, tanto carinho,
lágrimas e palavras de apoio. Vocês foram os suportes desta caminhada. Levarei
sempre comigo cada ensinamento, cada sorriso. Afinal, o mestrado acabou, mas
nosso laço será sempre verdadeiro – concreto.
Luciana, admiro sua Inteligência! Obrigada por ser tão inspiradora, por
compartilhar comigo não só o teto, mas a cama, a coberta, o travesseiro, o ombro!
Você é uma pessoa iluminada, e seu sucesso será consequência de sua enorme
capacidade.
Jorge Irajá, você me ensinou que a melhor coisa, ou seja, que o mundo
sabe dar volta! Obrigada por estar novamente em meu caminho...
Jeferson e Josiane, obrigada por estarem onde estão, por servirem de farol
a iluminar meus sonhos. Não vou desistir daquele desejo, PROMETO!
Luzia, obrigada por existir, BOA SORTE na sua nova caminhada!
Alex, “nosso melhor estagiário”, sem dúvidas você marcou aquele projeto!
Obrigada pelo carinho, admiração e amizade!
Ana Carolina, você foi nossa “musa inspiradora”, deu norte à nossa busca.
Obrigada pela ajuda, carinho, apoio e amizade!
Fabiana, desde antes de lhe conhecer já admirava seu trabalho, sua
vocação para “o escrever”, bem como seu sucesso junto ao mundo acadêmico. A
maior honra que tive, e que levarei para sempre, foi ter sido sua orientanda.
Obrigada por ter “me abrigado”, por ser esta pessoa tão simples e ao mesmo
tempo tão exótica. Você é o exemplo que uma mulher pode ser, sim, bem
sucedida profissionalmente e ter uma família unida e feliz. Tenho a lhe agradecer
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por tudo, pelas orientações, pelos ensinamentos, pelos critérios de exigência que
contribuíram para o meu crescimento. Obrigada pela amizade, pelos risos, pelas
comilanças...É um exemplo, de mulher, de Mestre, de Mãe, de esposa...Levarei
comigo sua imagem, para que nela eu possa refletir!
Prô Salete Oro Boff, desde a graduação sempre me incentivou!Obrigada
por ter me escolhido, por ser esta pessoa maravilhosa e esta profissional tão
admirável!
Professor Mauro Gaglietti, grande incentivador da mediação, obrigada por
fazer parte deste grupo seleto de defensores do acesso democrático à justiça.
Obrigada pelas orientações e auxilio material e moral prestado.
Agradeço aos demais professores do Programa de Pós-Graduação,
Mestrado em Direito da UNISC, pelos ensinamentos e contribuições que
certamente foram muito importantes para minha formação acadêmica.
Aos colegas– agora amigos – pelos momentos partilhados, de forma
especial à Aline, Tais, Grace, Jaqueline, Patrícia, Adam, Tatiana, Rodrigo e Zé.
Melissa, Josiane e Carol, obrigada pelo carinho e amizade de sempre!Boa
Sorte!!!
Agradeço, ainda, a todos os meus amigos que me deram força e apoio
durante este período, em especial minhas amigas Daiane Moretto, Priscila Borges
Fortes, Kelin de Carli, Andressa Zanotto, Mariana Menezes, Andressa Antonini,
Etiane Perius, Giseli Pansera, Raquel Rauber, Fernanda Zambenedetti, Luci Dors,
Angela Araújo, Sirlei Malaquias Fritzen, Ariane Buhler de Castro, Carolina Dias,
Juliana Frick e Larissa, por tudo que representam na minha vida.
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"Uma comunidade mundial só pode existir com comunicação mundial que
significa algo mais que extensas instalações de software espalhadas sobre o
globo. Significa compreensão “comum, uma tradição comum, idéias comuns e
ideais comuns.”
(Robert Hutchins)
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RESUMO
O estudo proposto visa analisar o instrumentalismo excessivo do poder
judiciário brasileiro, sua crise, e a consequente perda de sua credibilidade, de
forma que há a necessidade de estabelecimento de metas e objetivos, através de
políticas públicas, para a organização ajustada às demandas, reforçando as
ideias de um processo contínuo de inovação e adaptação do Estado. Ademais,
visualiza-se que o acesso à justiça deve ser tido como princípio efetivo de
democratização e eliminação das desigualdades e injustiças sociais. Assiste-se
atualmente a existência de uma pluralidade de métodos alternativos de
tratamento dos conflitos, diante da ausência de respostas satisfatórias
provenientes do Estado, ao lidar com a temática. Vincula-se, portanto,
diretamente com a linha de pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social do
Mestrado em Direito da UNISC, já que estuda a necessidade de implementação
de políticas públicas democratizadoras de acesso à justiça, tal como o exemplo
desenvolvido na cidade de Passo Fundo- RS, com a implementação da justiça
comunitária. Considerando que o governo não é o único organismo capaz de
promover políticas públicas, é possível conceber a comunidade como mecanismo
promotor da participação social na tomada de decisões? A mediação comunitária
pode ser o facilitador dessa participação? Ela possibilita a reapropriação do
conflito pelos seus integrantes e a construção de respostas mais adequadas ao
mesmo? Ela apresenta-se como forma democrática de acesso à justiça? Foi com
base nestes questionamentos que a presente dissertação desenvolveu-se. Para
tanto, empregou-se o método de abordagem hipotético-dedutivo e a técnica de
pesquisa bibliográfica, bem como a análise estatística.
Palavras-chave: Acesso
Comunitária. Políticas Públicas.
à
Justiça.
Crise
do
Judiciário.
Mediação
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ABSTRACT
The proposed study aims to analyze the excessive instrumentalism of
Brazilian judicial power, its crisis and the consequent loss of its credibility, as it is
perceived the necessity to establish goals and objectives, through public policies,
for organization adjusted to the demands, reinforcing the ideas of a continuous
process of innovation and adaptation of the State. Besides, it is observed that
access to justice must be taken as an effective principle for democratization and
elimination of social inequalities and injustices.Nowadays, there are plentiful
alternative methods to approaching conflicts, since satisfactory solutions
originating from the State have been absent, when dealing with the subject. It is
hence directly related to the Public Policies for Social Inclusion research line of the
Master‟s Degree in Law at UNISC, since it studies the necessity for implementing
democratic public policies of access to justice, as the example developed in the
city of Passo Fundo-RS. Considering that the government is not the only organism
which is capable to promote public policies, is it possible to conceive the
community as the mechanism which produces social participation in decisionmaking? Is communitarian mediation able to facilitate this participation? Does it
allow the re-appropriation of the conflict amongst its parts and the construction of
more adequate solutions to it? Does it show itself as a democratic form of access
to justice? The present dissertation has been based on these questions.
Consequently, the hypothetical-deductive method and the technic of
bibliographical research have been used, besides statistical.
Keywords: Access to Justice. JudiciaryCrisis. CommunitarianMediation.
Public Policies.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................13
1 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E A NECESSIDADE DE READEQUACAO DOS
ESTREITOS LIMITES DO PROCEDIMENTO LEGAL......................................................20
1.1 O instrumentalismo excessivo do poder judiciário brasileiro, sua crise, e a
consequente perda de sua credibilidade ..........................................................................23
1.2 A necessidade de oferta democrática de acesso à justiça.........................................31
1.2.1 Democracia: tipologia, origem, conceituação e desafios da contemporaneidade 32
1.2.2 O acesso à justiça como princípio efetivo de democratização e eliminação das
desigualdades e injustiças sociais.....................................................................................38
1.3 O Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça e a demonstração
da intensa conflituosidade/morosidade do judiciário brasileiro. ..................................43
1.3.1 Justiça Estadual........................................................................................................46
1.3.2 Justiça Federal..........................................................................................................48
1.3.3.Justiça Eleitoral.........................................................................................................51
1.3.4 Justiça do Trabalho...................................................................................................52
1.3.5 Justiça Militar Estadual.............................................................................................54
1.3.6 Tribunais Superiores.................................................................................................55
1.3.7 Considerações e recomendações.............................................................................56
1.4 O pluralismo dos métodos de tratamentos dos conflitos.............................................60
2 MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS......................................69
2.1 O conflito visto através de suas duas facetas: destruidor x construtivo......................69
2.2 Classificação dos meios de resolução de conflitos......................................................78
2.2.1 A jurisdição................................................................................................................82
2.2.2 A violência.................................................................................................................85
2.2.3 A conciliação.............................................................................................................88
2.2.4 A arbitragem..............................................................................................................90
2.2.5 A mediação...............................................................................................................92
12
2.3 A mediação comunitária como política pública eficiente no tratamento dos
conflitos..............................................................................................................................97
2.4 Instituição da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos pela
Resolução n.º 125 de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de
Justiça..............................................................................................................................105
3 A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DEMOCRATIZADORA
DE ACESSO À JUSTIÇA: o projeto de Justiça Comunitária da cidade de Passo
Fundo-RS........................................................................................................................115
3.1 Considerações teóricas acerca da mediação comunitária.........................................115
3.2 Locus: comunidade e seu conceito............................................................................119
3.3 Política Pública de Justiça Comunitária ..............................................................121
3.4 Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo ....................................................129
3.5 Resultados e discussões........................................................................................147
CONCLUSÃO..................................................................................................................155
REFERÊNCIAS...............................................................................................................160
ANEXOS..........................................................................................................................171
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INTRODUÇÃO
Atualmente, muito se fala sobre as formas alternativas de tratamento dos
conflitos, principalmente no que diz respeito à mediação, que contribui
diretamente para a construção de uma justiça mais democrática e cidadã.
É inegável que a mediação é um eficaz instrumento de pacificação social e
democratização de acesso à justiça. Por esse motivo, a presente dissertação visa
a demonstrar que a mediação comunitária é uma alternativa altamente
democrática de acesso à justiça. Desta forma, proporciona aos envolvidos um
método eficaz de cidadania participativa, o qual transforma-se em uma estratégia
para a formação de uma sociedade melhor.
Ademais, a mediação comunitária, como ação social, diz respeito ao
exercício da cidadania como processo inventivo, de forma que toda a comunidade
envolvida possa fazer isso igualmente, avançando daí para a maior democracia.
O direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV da Constituição
Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à
ordem jurídica justa. Assim cabe ao Judiciário estabelecer política pública de
tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses que
ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em
âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais,
como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de
conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.
Considerando, portanto, a necessidade de se consolidar uma política
pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais
de solução de litígios, foi sendo sedimentado o entendimento de que a conciliação
e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e
prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já
implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de
interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças.
Os novos métodos consensuais de resolução dos conflitos são modelos de
interação social que fogem daquele modelo impositivo, antagônico e dão espaço
para o vínculo participativo, dialógico e cooperativo, que caracteriza um dos
pressupostos básicos para a existência da cidadania - o de que os sujeitos ajam e
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lutem por seus direitos -, momento em que é devolvido à comunidade o poder de
decisão de conflitos que ocorreram em seu seio.
O que se pretende é repensar a jurisdição num sentido mais amplo, haja
vista que o conflito assume uma dinâmica negativa a qual deixa de conduzir ao
crescimento, e que deflagra a necessidade de procedimentos eficientes para
tratá-lo.
Foi com este pensamento que o Conselho Nacional de Justiça criou a
política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses
pela Resolução 125, de 29 de novembro de 2010.
Sabe-se
que
as
políticas
públicas
vinculam-se
diretamente
ao
desenvolvimento social e ao progresso, na medida em que consistem no conjunto
de ações políticas voltadas ao atendimento de demandas sociais. Foi com base
nestes argumentos que se produziu a problemática central que norteou o
desenvolvimento do presente trabalho. A este propósito, considerando que o
governo não é o único organismo capaz de promover essas políticas, é possível
conceber a comunidade como mecanismo promotor da participação social na
tomada de decisões? A mediação comunitária pode ser o facilitador dessa
participação? Ela possibilita a reapropriação do conflito pelos seus integrantes e a
construção de respostas mais adequadas a ele? Essa mediação, ainda,
apresenta-se como forma democrática de acesso à justiça?
A construção das hipóteses levou a refletir de modo a apresentar a
mediação comunitária como um importante mecanismo de acesso à justiça como
também potencializador das relações inter-humanas existentes nas comunidades,
tornando-se um instrumento democrático e eficaz para o tratamento de conflitos;
vez que objetiva, além da resolução do problema, restabelecer as relações sociais
entre os conflitantes.
Ademais, a mediação comunitária propõe o desenvolvimento e o progresso
dos cidadãos, à medida que aumenta a presença e a participação da comunidade
em determinados espaços sociais, sendo que a tendência é o aumento da
organização e da aplicação de regras criadas pelo cidadão objetivando o
tratamento de conflitos.
Em verdade a
mediação comunitária procura encontrar soluções
satisfatórias para as partes em conflito, promove a diminuição da violência
interpessoal, coloca a tônica no crescimento e desenvolvimento pessoal, no
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fortalecimento da autoestima e desenvolvimento das capacidades de cada um
para resolver conflito. O procedimento de mediação faz com que as pessoas se
sintam mais humanas e responsáveis, haja vista que fortalece valores
fundamentais de convivência humana, de respeito, tolerância e liberdade. Neste
contexto, a mediação comunitária aparece como meio propício à criação de laços
entre os indivíduos, prevenindo e resolvendo conflitos sociais.
Desse modo, a mediação contribui para o processo de democratização, já
que quando se fala em mediação, fala-se em participação, e esta é a melhor
definição que se pode dar à democracia. Deve-se, contudo, considerar que o
processo democrático é lento, e a mediação comunitária é apenas um de seus
instrumentos facilitadores. Entretanto, sua utilização é de fundamental importância
para que haja uma mudança em nossa cultura política, já que abrange a
participação daquele que é a base do processo democrático, o cidadão.
Claro está, portanto, que o objetivo da presente dissertação é desenvolver
um estudo acerca da possibilidade de devolver às comunidades a competência
para o tratamento dos conflitos no seio comunitário, como forma autônoma e
eficaz, valendo-se da inclusão social da comunidade e também dos regramentos,
hábitos, costumes e linguajar local.
Nestas condições, buscou-se refletir acerca da crise jurisdicional e os
novos contornos de sua função, bem como o conflito, o monopólio estatal e as
novas possibilidades de seu tratamento. Também objetiva-se discorrer acerca do
resgate histórico das formações da comunidade, bem como tecer considerações
teóricas acerca da Mediação Comunitária. E por fim, analisar a implantação do
Núcleo de Mediação Comunitária na cidade de Passo Fundo- RS, nos bairros
Zachia e Valinhos, bem como se essa Política Pública atua como um instrumento
democratizador de acesso à justiça.
O método de abordagem a ser utilizado será o hipotético-dedutivo, haja
vista tratar de questões que exigem experimentação e construção de conjecturas
que devem ser submetidas a testes, os mais diversos possíveis, à crítica
intersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão crítica, à publicidade (sujeitando
o assunto a novas críticas) e ao confronto com os fatos, para verificar quais são
as hipóteses que persistem como válidas resistindo às tentativas de falseamento,
sem o que seriam refutadas. É um método de tentativas e eliminação de erros
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que não leva à certeza, pois o conhecimento absolutamente certo e demonstrável
não é alcançado.
O método de procedimento no primeiro momento foi o histórico, haja vista a
necessidade de resgate dos ensinamentos jurídicos de diversos doutrinadores e
aplicadores do direito. Ademais, como parte integrante da dissertação, empregouse o método estatístico, na esfera em se analisou os resultados/atendimentos dos
Núcleos de Mediação Comunitária existentes na cidade de Passo Fundo- RS, nos
bairros Zachia e Valinhos.
Como técnica de pesquisa foi necessária a utilização de documentação
indireta - pesquisa documental e bibliográfica- como fontes primárias e
secundárias, bem como a utilização de documentação direta, que se deu em
forma de pesquisa de campo.
No que tange à pesquisa bibliográfica, ela foi realizada a partir de consultas
em livros e artigos relativos ao tema, como também por meio de leituras e
sínteses de ensinamentos dos aplicadores do Direito sobre o assunto. Utilizou-se
os seguintes autores como fundamentação de base: Fabiana Marion Spengler,
Glaucia Falsarella Folley, Lenio Luiz Streck, Antonio Carlos Wolkmer, Boaventura
de Souza Santos, José Luis Bolzan de Morais, Liszt Vieira e Alain Touraine.
Além disso, destaca-se a importância científica e social da presente
pesquisa, não somente pelo reduzido número de publicações e exploração acerca
do tema, mas pela amplitude da estratégia escolhida. A abordagem proposta
dirige-se para uma nova via de tratamento de conflitos, fundamentada na cultura
do consenso; é o caráter democrático e autônomo da mediação, baseado na
alteridade, cooperação mútua e solidariedade, que promove o entendimento
através da comunicação e do diálogo. Neste mesmo contexto, a relevância do
trabalho também encontra respaldo nas considerações trazidas ao ambiente
acadêmico, enriquecendo e ampliando a discussão, sem a intenção de exauri-la.
A presente dissertação vincula-se diretamente à linha de pesquisa
“Políticas Públicas de Inclusão Social”, do Programa de Pós-Graduação, stricto
sensu, Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul- RS, a qual
busca delimitar as condições e possibilidades de gestão dos interesses públicos a
partir da construção de políticas de inclusão social e participação política da
cidadania.
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Diante dos ditames estabelecidos pela Secretaria de Reforma do Judiciário
e os projetos promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça, os projetos de
Justiça Comunitária, buscam na participação social, resignificar o cotidiano de
todos os cidadãos que, de uma maneira ou de outra, sentem a necessidade de se
associar com vista a alcançar objetivos que dificilmente seriam atingidos caso
fossem perseguidos individualmente e de maneira isolada. Participação e
cidadania são conceitos interligados e referem-se à apropriação pelos indivíduos
do direito de construção democrática do seu próprio destino. Àquela deve,
portanto, ser vista como uma das principais ferramentas de acesso à cidadania.
Em sua plenitude, a cidadania só se consolida na presença de uma participação
social entendida enquanto ação coletiva e o seu exercício consciente, voluntário e
conquistado.
No entanto, a falta de uma cultura de participação aliada a um crescente
individualismo atuam, muitas vezes, como obstáculos a uma participação efetiva
na vida comunitária. Se é certo que o conflito é inerente à condição humana, a
sua carga positiva ou negativa não depende simplesmente da sua existência, mas
da capacidade ou incapacidade de geri-lo de uma forma eficiente. Para além do
distanciamento do diálogo, a sociedade atual passou a vivenciar novos conflitos,
fruto das transformações sociais, culturais, econômicas e políticas. Os conflitos
atingiram alto grau de complexidade exigindo a efetiva compreensão da realidade
social para a sua adequada resolução.
Por decorrência, a mediação comunitária implantada nos bairros Zachia e
Valinhos, na cidade de Passo Fundo, RS, caracteriza-se pelo seu caráter mais
informal, pelo voluntariado dos seus membros, e pela sua ligação à comunidade.
Trata-se, desse modo, de facilitar a comunicação entre as pessoas mediante o
envolvimento das pessoas que não conseguem resolver por conta própria os
problemas criados. Pode-se pensar, nesse caso, de indivíduos que se envolvem
em conflitos no âmbito familiar, entre vizinhos por problemas de ruído, obras,
animais domésticos, etc. Tratando-se de um procedimento voluntário, as partes
assinam um termo de consentimento escrito que, fundamentalmente, estabelece
as regras de mediação: a confidencialidade do procedimento e o sigilo do
mediador, bem como o respeito mútuo e o reconhecimento de que o mediador
não pode sugerir, decidir ou aconselhar.
18
A mediação pode ser concluída com acordo escrito ou verbal, dependendo
da
natureza
do
conflito
e
da
vontade
dos
intervenientes.
Trata-se,
essencialmente, de conseguir que as partes, ao viverem a experiência de um
processo de mediação, adquiram novos conhecimentos para que possam
relacionar-se de um modo mais eficiente quando em situação de conflito, por
forma a fortalecer as relações sociais e promover a qualidade de vida da
comunidade.
A este propósito, para desenvolver o tema proposto, o presente estudo
está dividido em três capítulos. O primeiro deles debate de forma ampla e
pormenorizada o Estado Contemporâneo e a necessidade de readequação dos
estreitos limites do procedimento legal. Para que fosse possível a discussão,
tratou-se do instrumentalismo excessivo do poder judiciário brasileiro, sua crise, e
a consequente perda de sua credibilidade, já que a descrença no judiciário muitas
vezes nasce da ausência da oferta democrática de acesso à justiça.
Para uma melhor visualização da problemática apontada, teceram-se
estudos acerca da democracia, sua tipologia, origem, conceituação e principais
desafios da contemporaneidade, trabalhando-se com o ideal de que o acesso à
justiça deve ser propiciado como princípio efetivo de democratização e eliminação
das desigualdades e injustiças sociais.Ademais, valeu-se do Relatório “Justiça em
Números” do Conselho Nacional de Justiça para que fosse possível a
demonstração da intensa conflituosidade/morosidade do judiciário brasileiro,
analisando-se cada especialidade: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do
Trabalho, Justiça Militar Estadual e Tribunais Superiores.
Por fim, examinou-se o pluralismo dos métodos de tratamentos dos
conflitos existentes em nosso país, adentrando-se, portanto, no segundo capítulo,
que analisou o conflito visto através de suas duas facetas: destruidor x
construtivo, bem como a classificação dos meios de resolução de conflitos,
indicando as principais características e modo de execução da: jurisdição, da
violência, da conciliação, da arbitragem e da mediação.
Com base na classificação proposta, analisou-se a mediação comunitária
como política pública eficiente no tratamento dos conflitos, bem como a instituição
da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos pela
Resolução n.º 125 de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça.
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O terceiro e último capítulo tratou de avaliar e discutir o projeto de Justiça
Comunitária da cidade de Passo Fundo-RS, tecendo algumas considerações
teóricas acerca da mediação comunitária.
O projeto da Faculdade Meridional – IMED, em parceria com o Ministério
da Justiça, serviu como indicador das principais vantagens na utilização do
instrumento da mediação comunitária, bem como para demonstrar a inserção
lenta de uma postura diferente na comunidade local.
Desta forma, foi apresentado seu histórico, bem como a sua apresentação
em linhas gerais. Realizou-se um estudo acerca do locus: comunidade e seu
conceito, a cartografia social das comunidades beneficiadas pelo projeto, também
a sua estruturação e seus principais resultados, sendo que, ao final, chegou-se a
uma avaliação pormenorizada da situação atual.
Portanto, a discussão está pautada na oferta de meios democráticos de
acesso à justiça, favorecendo aos conflitantes a reapropriação de seu conflito e a
responsabilização pelas suas escolhas tendo a mediação comunitária, como
exemplo de política pública a ser seguida e implementada no seio do maior
número de comunidades possíveis.
20
1 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E A NECESSIDADE DE READEQUACAO
DOS ESTREITOS LIMITES DO PROCEDIMENTO JUDICIAL
No momento em que o mundo é varrido por uma fustigante onda
neoliberal, é inexorável que a questão de função do Estado e do Direito seja (re)
discutida, assim como as condições e possibilidades da realização da democracia
e dos direitos fundamentais em países recentemente saídos de regimes
autoritários, carentes, ainda, de uma segunda transição. Para as elites brasileiras,
a modernidade acabou. Tudo isto parece estranho e ao mesmo tempo paradoxal.
A modernidade nos legou o Estado, o Direito e as instituições. Rompendo com o
medievo, o Estado moderno surge como um avanço. Em um primeiro momento,
como absolutista e depois como liberal, mais tarde o Estado transforma-se,
surgindo o Estado Contemporâneo sob as suas mais variadas faces. Essa
transformação decorre justamente do acirramento das contradições sociais,
proporcionadas pelo liberalismo. 1
Ademais, não é possível discorrer sobre o Estado Contemporâneo 2 sem,
necessariamente, questionar suas crises, sua supressão e sua reinvenção
cotidiana, que o acompanham até o Estado contemporâneo, já que
o Estado (enquanto gênero) é uma realidade criada pela própria
sociedade civil para desenvolver determinadas tarefas, dentre elas
representá-la e tomar decisões que atendam a seus interesses. Por
conseguinte, é uma organização política investida de poder e coerção
que, em razão da legitimidade social, administra os interesses de todos
os cidadãos, delimitando sua área de atuação em detrimento do espaço
físico. Justamente a crise do modelo político-liberal, a eclosão da
sociedade industrial de massas e as grandes transformações
socioeconômicas ocorridas no fim do século 19 e início do século 20, é
que dão ensejo ao nascimento do Estado Contemporâneo.3
1
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 3 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 21-22.
2
A justificativa no uso da expressão “Estado Contemporâneo” em letras maiúsculas, é em virtude
de seu nascimento, que teve origem com a crise do modelo político liberal, a eclosão da sociedade
industrial de massas e as grandes transformações socioeconômicas ocorridas no fim do século 19
e início do século 20. (SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no
tratamento de conflitos. Ijuí: Ed: Unijuí, 2010, p. 42).
3
Ibidem.
21
Quando se passa a analisar o Estado Contemporâneo, muitos problemas
são envolvidos, dentre eles, a difícil missão de identificar as diversas relações
estabelecidas entre o Estado e a sociedade. “Assim, a mudança fundamental
ocorreu a partir da metade do século 19, representada pela gradual integração
entre o Estado e a sociedade civil, o que acabou por alterar a forma jurídica do
Estado, os processos de legitimação e a estrutura da administração”.4
Dentre os fatores apresentados, notável a multiplicação dos loci de poder,
em que é flagrante a superação da supremacia da ordem estatal, que passa por
uma crise5 em virtude da perda da centralidade do Estado em suas funções. Essa
fragilidade do Estado faz surgir a concorrência com outros setores, os quais
interferem diretamente na ordem de resolução dos conflitos 6 sociais. A principal
consequência dessa descentralização do poder
é a minimização da capacidade estatal de cumprir suas funções
refletidas na perda de sua legitimidade e na debilitação de sua própria
existência. Então é possível pensar no desaparecimento do Estado?
Muitas teorias já foram escritas e debatidas sobre o assunto.
Primeiramente a teoria marxista, segundo a qual a desaparição do
Estado equivale ao fim de qualquer atividade política dotada de poder,
que seria nada mais do que uma consequência da sociedade sem
classes. Por outro lado, existe uma concepção histórica que adverte que
o Estado desaparecerá como força concreta própria da civilização
ocidental, mas esse fato originaria a criação de uma nova forma política,
dotada de poder, necessária para a convivência humana.7
4 Ibidem, p. 42.
5 Note-se que a cultura jurídica brasileira é marcada por uma tradição monista de forte influxo
kelseniano, ordenada num sistema lógico-formal de raiz liberal-burguesa, cuja produção
transforma o Direito e a Justiça em manifestações estatais exclusivas. Esta mesma legalidade,
quer enquanto fundamento e valor normativo hegemônico, quer enquanto aparato técnico oficial
de controle e regulamentação, vive uma profunda crise paradigmática, pois vê-se diante de novos
e contraditórios problemas, não conseguindo absorver determinados conflitos coletivos específicos
do final do século XX. Assim, o centralismo jurídico estatal montado para administrar conflitos de
natureza individual e civil torna-se incapaz de apreciar devidamente os conflitos coletivos de
dimensão social, ou seja, conflitos configurados por mais de um indivíduo, grupo ou camadas
sociais (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no
Direito, 2001, p. 97).
6 Na medida em que a vida social é concebida como evolução, rupturas e mudanças, os conflitos
são componentes essenciais de toda e qualquer sociedade humana. Os conflitos nascem de
ações sociais conscientes expressadas pela limitação, colisão e disputa entre interesses opostos e
divergentes, envolvendo indivíduos, grupos, organizações e coletividades (Ibidem, p. 93).
7 Ibidem, p.46.
22
Os argumentos acerca desta temática são fortes na concepção de que a
morte do Estado traria a transformação da história e recepcionaria o
desenvolvimento
impossibilidade
da
de
civilização.
As
manutenção
das
deficiências
coisas,
estatais
bem
como
refletem
no
na
aparente
descontentamento da sociedade e na consequente ocorrência de espaços
conflituosos que o Estado mesmo não dá conta de resolver.
De fato, ao invés de trabalhar com a concepção de morte do Estado, devese levar em conta a possibilidade de sua transformação e adaptação, momento
em que se faz necessária a remodelação de seus antigos instrumentos
procedimentais, em formas atuais e democráticas, que garantam o efetivo acesso
à justiça.
Alem disso, aquele ideal de separação do Estado da sociedade civil deve
desaparecer, haja vista que a liberdade e a civilização andam juntas com a defesa
das instituições políticas que garantam uma sociedade livre e justa. Ao Estado
cabe um papel mais ativo, de fato, crucial na criação de condições institucionais e
jurídicas para a expansão da sociedade.
Para começar, o princípio da separação entre Estado e sociedade civil
engloba tanto a idéia de um Estado mínimo como a de um Estado
máximo, e a ação estatal é simultaneamente considerada como um
inimigo potencial da liberdade individual e como condição para o seu
exercício. 8
Diante da constatação da necessidade de passos juntos entre a sociedade
e o Estado, necessária a formulação de considerações acerca da crise da do
poder judiciário brasileiro, suas causas e principais efeitos, especialmente no que
tange à perda de sua credibilidade frente ao seu instrumentalismo exacerbado.
8
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8
ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 118.
23
1.1 O instrumentalismo excessivo do poder judiciário brasileiro, sua crise, e
a consequente perda de sua credibilidade.
No Brasil, não há dúvida de que, sob a ótica do Estado Democrático de
Direito – visto como instrumento de transformação social -, atualmente há uma
desfuncionalidade dele próprio e das instituições carregadas de aplicar a lei. O
Direito brasileiro e a dogmática jurídica que o instrumentaliza está assentado em
um paradigma liberal-individualista que sustenta essa desfuncionalidade, que,
paradoxalmente, vem a ser sua própria funcionalidade! Ou seja, não houve ainda,
no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um novo
modelo de produção representado pelo Estado Democrático– desse (velhodefasado) Direito, produto de um modo liberal-individualista-normativista.
Entende-se como meio de produção, para os limites desta abordagem, a
política econômica de regulamentação, proteção e legitimação num dado espaço
nacional, num momento específico, que inclui: a) a maneira com que a profissão
jurídica e a prestação de seus serviços são organizados; b) a localização de
papéis entre as várias posições no campo jurídico (praticantes, aplicadores da lei,
guardiões da doutrina, acadêmicos, etc.); c) o método com o qual o campo produz
o habitus, incluindo variações na educação e a importância das vantagens sociais
(antecedentes e relações pessoais) para o recrutamento no campo; d) as
modalidades para a articulação da doutrina preponderante e os modos com que
estas incidem em relações entre jogadores e posições; e) o papel que os
advogados, juntamente com os protagonistas globais e regimes transnacionais,
representam num dado campo jurídico; f) a relação entre regulamentação e
proteção; e, g) o meio dominante de legitimação.9
Não surpreende, pois, que
em todos os países do mundo assiste-se o desmoronamento dos
princípios que norteiam a organização política da sociedade, tanto na
incidência normativa, quanto no campo de seu valor simbólico. A
população tem a maior parte de suas expectativas frustradas pela
inoperância dos órgãos públicos, que não conseguem realizar suas
funções e pelo agravamento das condições econômicas, criando juntos
9
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2001, p. 33-35,
24
um clima de insegurança que impede a antevisão de um futuro
promissor. 10
Agra visa definir que o Estado está inserido em uma crise que atinge por
completo as mais variadas sociedades11, e como consequência, a estrutura 12
política que regulamentava a polis torna-se obsoleta, porque não serve mais para
fazer frente às dificuldades que se avolumam a cada dia.13
O que se vislumbra, portanto, é uma premente dúvida acerca da
adequação do modelo jurisdicional atual em atender a as necessidades sociais, já
que
as crises por que passa o modo estatal de dizer o Direito – jurisdiçãorefletem não apenas questão de natureza estrutural, fruto da escassez
de recursos, como inadaptacões de caráter tecnológico - aspectos
relacionados às deficiências formativas dos operadores jurídicos – que
inviabilizam o trato de um número cada vez maior de demandas, por um
lado, e de uma complexidade cada vez mais aguda de temas que
precisam ser enfrentados, bem como pela multiplicação de sujeitos
envolvidos nos pólos das relações jurídicas, por outro.14
10
AGRA, Walber de Moura. Republicanismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 11.
Luhmann refere que a concepção européia traçava o direito como inerente às sociedades,
entrelaçado nas relações sociais e engendrado na concepção hierárquica. Ademais, o direito
natural não determinava apenas normativos abstratos da vivência em sociedade, mas reivindicava
uma verdade e um surgimento “natural” de normas e deveres determináveis em sua substância,
momento em que era possível afirmar ser a sociedade uma relação de direito, ou até mesmo um
contrato. Diante das diversas concepções dadas à sociologia na história da humanidade, nenhuma
conseguiu abordar com profundidade e exatidão as raízes do direito. Possível foi traçar algumas
linhas gerais acerca da temática. No campo do dever ser, as normas garantem a expectativa, mas
não podem evitar as desilusões, já que as instituições garantem o controle de contingências e
refletem uma expectativa normativa. Diante desta abrangência, os núcleos significativos refletem
valores, mais ou menos abstratos, mais ou menos confiáveis; logo, quanto mais abstrato, mais
extenso será o âmbito de sua atuação, portanto, menos confiável e vice-versa. Devido à limitação
observada, da ausência de maiores aprofundamentos acerca do campo do “dever ser”, o acesso a
indagações mais aprofundadas fica limitado, restando, somente a análise dos diversos tipos de
relações sociais. Consoante à complexidade da demanda, diversas são as expectativas inerentes
ao convívio do homem em sociedade, que é tomada por uma multiplicidade de diversas
experiências e ações, a contra senso do seu limitado potencial em termos de assimilação das
informações e atual ação consciente. (LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1983).
12
A estrutura legal tem procurado historicamente minimizar e desqualificar a relevância de toda e
qualquer manifestação normativa não-estatal, consagradoras da resolução de conflitos por meio
de instâncias não-oficiais ou não reconhecidas institucionalmente (WOLKMER, Antonio Carlos.
Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 97).
13
Ibidem, p. 12.
14
BOLZAN DE MORAIS, José de Luis. Crise(s) da jurisdição e acesso à justiça: uma questão
recorrente. IN: SPENGLER, F; CESAR LUCAS, D. Conflito, jurisdição e direitos humanos: (Des)
apontamentos sobre o novo cenário social. Ijuí: Ed. Edunisc, 2008, p. 62.
11
25
Desta forma, as crises15 da jurisdição fazem parte de um quadro cada vez
mais intrincado de problemas que são propostos à análise, tendo-se como
paradigma a continuidade da idéia de Estado de Direito – e por consequência do
Direito como seu mecanismo privilegiado16 – como instrumento apto, eficaz17 e
indispensável para o tratamento dos litígios, e que se ligam umbilicalmente ao
trato do problema relativo à transformação 18 do Estado contemporâneo.19
As relações sociais contemporâneas20 sofreram profundas mudanças em
sua configuração, colocando em xeque as tradicionais instituições modernas, o
15
Com efeito, as crises estatais hoje estão definidas como crise conceitual, cujo cenário é o
Estado da modernidade e que tem como aspectos principais de debate o território, o povo, o poder
(soberania) e os direitos humanos, com reflexos no público/privado (discutindo o nacional, o local,
o supranacional e o “extranacional”). Todas as demais crises ocorrem no Estado contemporâneo,
e são: crise estrutural, em que os aspectos principais são o financeiro, o ideológico, (burocracia x
democracia) e o filosófico (individualismo/solidarismo), cujas consequências são a
desconstitucionalização, a flexibilização e o desprestígio prático; a crise política, que atinge a
democracia representativa com reflexos na participação, representação política, nos sistemas
partidários e eleitorais, na apatia política e em suas novas fórmulas de democracia, e por último a
crise funcional que aborda as funções do Estado que passa por uma crise, cujos aspectos são
refletidos no Legislativo (lex mercatoria, Direito inoficial e marginal), no Executivo
(assistencialismo) e no judiciário (fórmulas alternativas). (SPENGLER, Fabiana Marion. Da
jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos, 2010, p. 40.)
16
[...] desde os finais dos anos 1980, o sistema judicial adquiriu uma forte proeminência em muitos
países não só latino-americanos, como europeus, africanos e asiáticos. Concomitantemente, as
agências de ajuda internacional passaram a dar prioridade aos programas de reforma judicial e de
construção do Estado de direito em muitos países em desenvolvimento. Nunca, como hoje, tanto
dinheiro foi investido no sistema judicial, tradicionalmente, uma das áreas de cooperação
internacional que não tinha expressão financeira. (SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma
revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 12).
17
AGRA, Walber de Moura. Republicanismo, 2005, p. 11.
17
Os princípios e valores pertinentes ao Republicanismo, atualizados por uma leitura que os torne
adequados aos problemas enfrentados no cotidiano, configuram-se como um instrumento de
grande valia para se tentar minimizar os efeitos perniciosos das crises apontadas. Os ideais
republicanos podem trazer novo alento à estrutura política da sociedade, contribuindo para
aprimorar o regime democrático e incentivar a cidadania ativa por parte dos cidadãos. Ao se
dinamizar os procedimentos democráticos, buscam-se soluções para as crises enfrentadas, de
modo que a alternativa encontrada possa auferir respaldo na população. (Ibidem, p. 12).
18 Na maior parte do século XX, nos países latino-americanos, o judiciário não figurou como tema
importante em matéria de reforma, cabendo ao juiz a figura inanimada de aplicador da letra da lei
emprestada do modelo europeu. A construção do Estado latino-americano ocupou-se mais com o
crescimento do executivo e da sua burocracia, procurando converter o judiciário em uma parte dos
aparatos burocráticos do Estado – um órgão para o poder político controlar – de facto, uma
instituição sem poderes para deter a expansão do Estado e seus mecanismos reguladores.
(SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça, 2007, p. 11).
19
Ibidem, p. 62.
20
Não é possível discorrer sobre o Estado Contemporâneo sem, necessariamente, questionar
suas crises, sua supressão e sua reinvenção cotidiana que o acompanham até o Estado
Contemporâneo. O Estado enquanto gênero é uma realidade criada pela própria sociedade civil
para desenvolver determinadas tarefas, dentre elas representá-la e tomar decisões que atendam a
seus interesses. Por conseguinte, é uma organização política investida de poder e coerção que,
26
próprio Estado e sua(s) estratégia(s) organizativa(s) sob o modelo de
especialização de funções. Tal fato, de forma inexorável, tem demandado a essas
instituições uma profunda revisão de seus papéis e práticas. Nesse cenário,
transforma-se e fragiliza-se o desempenho de suas atribuições, determinando um
quadro de crises profundas. Essas crises podem ser traduzidas pela crescente
distância entre a legislação e a realidade, na dificuldade de produção e aplicação
dos programas estatais e na interpenetração entre as esferas pública e privada, o
que reflete a necessidade de novas práticas administrativas, jurisdicionais,
legislativas e políticas.21
Analisar o Estado Contemporâneo envolve numerosos problemas,
derivados principalmente da dificuldade de dissecar exaustivamente as
múltiplas relações que se criaram entre Estado e o complexo social, e de
captar, depois, os seus efeitos sobre a racionalidade interna do sistema
político. Assim, a mudança fundamental ocorreu a partir da metade do
século 19, representada pela gradual integração entre o Estado e a
sociedade civil, o que acabou por alterar a forma jurídica do Estado, os
processos de legitimação e a estrutura da administração. Nesse período
deram-se profundas transformações na livre concorrência do mercado,
determinando a separação entre capital industrial, comercial e bancário,
que se reuniram na forma do capital financeiro.22
Além das mudanças econômicas, a questão social também eclodiu na
contemporaneidade, criando o Estado interventivo, que não se deu de maneira
uniforme, contribuindo para a multiplicação dos loci de poder. Diante deste
contexto, “o Estado propõe tradicionalmente o judiciário que, em caso de não
cumprimento espontâneo das prescrições normativas por parte dos indivíduos, é
chamado a dizer o Direito”.23
Forçoso reconhecer que
em razão da legitimidade social, administra os interesses de todos os cidadãos, delimitando sua
área de atuação em determinado espaço físico. Justamente a crise do modelo político liberal, a
eclosão da sociedade industrial de massas e as grandes transformações socioeconômicas
ocorridas no fim do século 19 e inicio do século 20, é que dão ensejo ao nascimento do estado
contemporâneo. (SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no
tratamento de conflitos, 2010, p. 42.)
21
SPENGLER, Fabiana Marion. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Os (des) Caminhos da Jurisdição.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 64.
22
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 42.
23
Ibidem, p. 43-46.
27
24
atualmente, a tarefa de “dizer o Direito ” encontra limites na
precariedade da jurisdição moderna, incapaz de responder às demandas
contemporâneas produzidas por uma sociedade que avança
tecnologicamente, permitindo o aumento da exploração econômica,
caracterizada pela capacidade de produzir riscos sociais e pela
incapacidade de oferecer-lhes respostas a partir dos parâmetros
tradicionais. Assim, ignorando que o conflito é um mecanismo complexo
derivado de múltiplos fatores, nem sempre definidos na sua
regulamentação, espera-se pelo Judiciário para que diga sobre quem
tem “melhor” direito, mais razão ou quem é o vencedor da contenda.
Ainda, no atual contexto, o Judiciário representa uma instituição
garantidora de segurança em espaço e tempos precisos,
reestabelecendo a ordem jurídica mediante expedientes racionais/legais
definidores de padrões meramente formais, decidindo sobre conflitos
sociais sem valorizar seu conteúdo”.25
Diante de tais circunstâncias, a jurisdição 26 torna-se alvo de uma
preocupação
instrumental
27
constante
voltada
para
a
compreensão
da
racionalidade
de aplicação do direito e, especialmente, da estrutura funcional
necessária para a sua realização. Todavia, a estrutura funcional do Estado, que
deveria possibilitar a realização da jurisdição, também se encontra em crise.
Nesse aspecto, demonstrada a incapacidade do Estado de monopolizar esse
processo, tendem a se desenvolver procedimentos jurisdicionais alternativos,
24
[...] o direito, para ser exercido democraticamente, ter de assentar numa cultura democrática, e
de esta ser tanto mais preciosas quanto mais difíceis são as condições em que ela se constrói.
(SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça, 2007, p.09).
25
Ibidem, p. 64-65.
26
Ao tornar para si o monopólio da jurisdição, determinando o Direito ao caso concreto de forma
impositiva, o Estado pretende tratar o conflito através da aplicação do Direito positivo. Por
conseguinte, a jurisdição aparece como uma atividade na qual o Estado substitui as partes num
modelo baseado em princípios expressos na própria lei e universalmente reconhecidos. No
entanto, o monopólio da jurisdição deixa gradativamente de pertencer ao Estado, principalmente
em função da crescente e complexa litigiosidade fomentada pelas contradições sociais, das quais
a marginalização e a exclusão são consequências. Além do aumento considerável da litigiosidade,
a burocracia estatal se agiganta, a produção legislativa acontece de modo desenfreado e, como
consequência, as faculdades discricionárias dos juízes. (SPENGLER, Fabiana Marion. BRANDÃO,
Paulo de Tarso. Os (des) Caminhos da Jurisdição, 2009, p. 67).
27
Além da razão instrumental, haveria uma razão comunicativa, fundada na linguagem, que se
expressaria na busca do consenso entre os indivíduos, por intermédio do diálogo. Essa razão
comunicativa se encontra na esfera cotidiana no “mundo da vida” constituída pelos elementos da
cultura, da sociedade e personalidade. Habermas tenta resgatar o potencial emancipatório da
razão ao afirmar que a modernidade é um projeto inacabado. Recusa a redução da idéia de
racionalidade a racionalidade prático-moral (direito) e da racionalidade estético-expressiva (arte).
Para ele é necessário fazer cessar a “reificação” e a “colonização” exercida pelo “sistema” sobre o
“mundo da vida” mediante a lógica dialogal da ação comunicativa. (VIEIRA, Liszt. Cidadania e
a
globalização. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 36-37).
28
como a arbitragem, a mediação, a conciliação, a negociação, almejando alcançar
celeridade, informalização e pragmaticidade.28
Consequentemente, a prática judicial de formas diferenciadas e não
estatais de
tratamento
de
conflitos criou
um pluralismo
de
fontes e
produção/ordens normativas constituídas à margem da jurisdição convencional
operando com juristas não profissionais baseadas em critérios de racionalidade
material, deflagrando, no Judiciário, uma crise de identidade funcional. A crise do
poder Judiciário29 pode ser identificada, ainda, como de identidade e de eficiência.
Enquanto crise de identidade, é possível vislumbrá-la por certo embaçamento do
papel judicial como mediador central de conflitos, perdendo espaço para outros
centros de poder, talvez mais aptos a lidar com a complexidade conflitiva atual,
mais adequados em termos de tempo e espaço.
Não se pode perder de vista também que o aparato judicial, para tratar os
conflitos atuais, serve-se de instrumentos e códigos ultrapassados, ainda que
formalmente em vigor, com acanhado alcance e eficácia reduzida. Tal eficácia e
alcance muitas vezes atingem somente os conflitos interindividuais, não
extrapolando o domínio privado das partes, encontrando dificuldades quando
instado a tratar de direitos coletivos ou difusos.30
Muitas são as crises as quais o Estado enfrenta, de forma que a crise do
poder judiciário pode ser identificada como de identidade e de eficiência,
conforme nos ensina Spengler:
Intimamente ligada à crise de identidade encontra-se a crise de
eficiência, uma vez que impossibilitado de responder de modo eficiente à
complexidade social e litigiosa com a qual se depara, o judiciário
sucumbe perante a inovadora carga de tarefas a ele submetidas.
Evidencia-se, então, o “flagrante descompasso entre a procura e a oferta
de serviços judiciais, em termos tanto qualitativos quanto quantitativos”.
Esse descompasso entre a oferta e a procura gera uma frustração geral,
28 28
SPENGLER, Fabiana Marion. BRANDÃO, Paulo de Tarso. Os (des) Caminhos da Jurisdição,
2009, p. 65.
29
Pode-se perfeitamente verificar que tanto o Poder Judiciário quanto a legislação civil refletem,
tendo presente a especificidade brasileira, as condições materiais e os interesses políticoideológicos de uma estrutura de poder consolidada, no início do século XX, no contexto de uma
sociedade burguesa agrário-mercantil, defensora de uma ordenação positivista e de um saber
jurídico inserido na melhor tradição liberal-individualista (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo
Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 97).
30
Ibidem, p. 109.
29
decorrente da morosidade e da pouca eficiência dos serviços judiciais,
quando não da sua simples negação aos segmentos desfavorecidos da
população, que ainda precisam lidar com a diferença entre a singela
concepção de justiça que possuem a complexidade burocrático/formal
dos ritos processuais. A conjugação dessas duas circunstâncias acaba
provocando o desprezo e o descrédito do cidadão comum pela justiça31,
muitas vezes afastando-o dela.32
A este propósito, as crises apresentadas podem ser apontadas como
consequências do real distanciamento das “partes” para com os ritos processuais,
bem como pela inadequação, em virtude do tempo que cada procedimento
demanda e a impossibilidade de efetividade aos mandamentos judiciais. Devido a
essas assertivas é que deve discutir a tão aclamada crise da jurisdição a partir da
crise do Estado, observando sua gradativa perda de soberania, sua incapacidade
de dar respostas céleres aos litígios atuais, de tomar as rédeas de seu destino,
sua fragilidade nas esferas Legislativa, Executiva e Judiciária,
enfim, sua quase total perda na exclusividade de dizer e aplicar o direito.
Em decorrência das pressões centrífugas da desterritorialização da
produção e da transnacionalização dos mercados, o Judiciário, enquanto
estrutura fortemente hierarquizada, fechada, orientada por uma lógica
legal-racional, submisso à lei, se torna uma instituição que precisa
enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição, modernizar
suas estruturas organizacionais e rever seus padrões funcionais para
sobreviver como um poder autônomo e independente. Em termos de
jurisdição, os limites territoriais do Judiciário, até então organizados de
modo preciso, têm seu alcance diminuído na mesma proporção que as
barreiras geográficas vão sendo superadas pela expansão da
informática, das comunicações, dos transportes, e os atores econômicos
vão estabelecendo múltiplas redes de interação. Quanto maior a
velocidade desse processo, mais o judiciário é atravessado pelas
justiças emergentes, nos espaços nacionais e internacionais,
representadas por formas “inoficiais” de tratamento de conflitos.33
31
O primeiro gesto da justiça consiste em delimitar um lugar, circunscrever um espaço propício à
sua realização. Não há conhecimento de uma sociedade que não lhe tenha reservado um local
especial. O lugar da justiça pode ser abordado quer de uma forma estrutural e sincrônica, que de
uma forma hermenêutica e histórica. Se o analisarmos apenas sob o ângulo antropológico,
arriscamo-nos a tomar como natural o que, na realidade é fruto de uma construção histórica longa
e complexa. E essa é a razão pela qual a genealogia do templo da justiça parece constituir, na
sociedade democrática, o prefácio indispensável à descrição desse espaço que confina o sagrado.
(GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Tradução de Pedro Filipe
Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 26).
32
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 110.
33
MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 76-77.
30
Forçoso reconhecer que o poder judiciário está enraizado em uma
“estrutura fortemente hierarquizada, fechada, orientada por uma lógica legalracional, submisso à lei, e que dia após dia se torna uma instituição que precisa
enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição”.
34
Para tanto, não se
pode confiar na dramática informação de que o Estado irá desaparecer e os
métodos alternativos de solução de conflitos irão abarcar a competência do
“julgar”.
O Estado, certamente, não vai desaparecer, mas transformar-se, pois a
hipótese de sociedade sem Estado é inimaginável. De fato, em primeiro lugar, a
realidade prova que os Estados continuam existindo independentemente de sua
qualidade, suas perspectivas e seu alcance em termos de autonomia para exercer
suas faculdades e garantir o interesse comum. Num segundo momento, o Estado
se mantém em função da capacidade dos seres humanos de transformar o
mundo e controlar os fenômenos externos para que respondam as suas
necessidades materiais e simbólicas. Por último, como aspecto principal, a
existência do Estado é uma hipótese artificial, de funcionamento social, sem
articulação política cuja faticidade parece difícil como consequência da existência
de espaços de interesses públicos e da inevitável anarquia decorrente da
inexistência de uma autoridade.35
Assim sendo, ao invés de trabalhar com a ideia de morte do Estado, a
possibilidade de adaptação/transformação 36 do mesmo é que deve ser ventilada.
Essas transformações acontecem, sem sombra de dúvida, em função da própria
crise estatal e trazem como consequência a possibilidade de repensar os papéis
em âmbito nacional ou internacional. Por isso, observa-se que o Estado não está
34
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 103.
35
Ibidem, p. 51.
36
A ineficiência do Poder Judiciário no exercício da função a ele atribuída decorre também da
incompatibilidade estrutural entre sua arquitetura e a realidade socioeconômica a partir da qual e
sobre a qual tem de atuar. Com seu intrincado sistema de prazos, instâncias e recursos, o
Judiciário está organizado como um burocrático sistema de procedimentos escritos, concebido
para solucionar as lides existentes em uma sociedade estável, com níveis equitativos de
distribuição de renda e um sistema legal integrado por normas padronizadoras, unívocas e
hierarquizadas em termos lógicos- formais. (FARIA José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil:
paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos
Judiciários, 1996, p. 102).
31
morrendo, mas que passa por uma desregulação cujo principal ponto de fomento
é a globalização em todos os seus aspectos (econômico, cultural, político,
social).37
A
partir
desta
consciência,
mister
é
reconhecer
que
quaisquer
transformações ou mudanças nos atuais modelos de gestão do Judiciário
existentes implicam um processo que tende a ter resistências naturais, razão pela
qual devem ser implementados com cuidado, de forma planejada e controlada,
por meio de indicadores que apontem o sucesso ou não das atitudes adotadas. 38
Por tais razões é que a doutrina especializada tem insistido na tese de que,
mais do que o simples planejamento, é preciso preocupar-se com a gerência
estratégica, ou seja, o estabelecimento de metas e objetivos para a organização
ajustados às demandas em que a organização está inserida, reforçando as ideias
de processo contínuo, inovação e adaptação.39
Claro está que as sociedades contemporâneas são jurídica e judicialmente
plurais. De um ponto de vista sociológico, circulam pelos vários sistemas jurídicos
e judiciais e o sistema jurídico estatal nem sempre é o mais importante na gestão
normativa do quotidiano da grande maioria dos cidadãos.40 Mesmo porque,
atualmente se assiste ao pluralismo dos métodos de tratamentos dos conflitos,
que cada vez mais ganham força e recepção na sociedade contemporânea,
favorecendo o acesso democrático à justiça, necessidade que cada vez mais se
faz presente no cotidiano contemporâneo.
1.2 A necessidade de oferta democrática de acesso à justiça
Um dos problemas que tem merecido crescente destaque pela doutrina
contemporânea diz respeito às condições sob as quais se sobrepõem os
interesses econômicos e políticos frente ao cotidiano conflituoso da sociedade.
Com particular atenção às formas de acesso à justiça, este item objetiva
investigar as influências e a repercussão da sobreposição do processo judicial
37
Ibidem, p. 51.
LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva
procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 36.
39
Ibidem, p. 33-34.
40
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça, 2007, p.09.
38
32
frente aos métodos alternativos de tratamento de conflitos. Na verdade, buscouse verificar que tipo de procedimento tem sido oferecido aos cidadãos nos casos
em que há a existência de um conflito instalado, e se a escolha decorre (ou não)
das condições materiais de vida experimentadas pelos cidadãos.
Para que seja possível chegarmos a uma resposta, deve-se, antes de tudo,
detectar que a formulação do presente problema enseja a investigação da
conjectura clássica, bem como colocar em relevo padrões atuais que têm
influenciado as pessoas mais duramente atingidas pelas políticas de contenção e
encolhimentos dos investimentos sociais. Afinal, se um governo pertencente ao
denominado “padrão democrático”, não tem ofertado condições condizentes com
seu padrão, de acesso e fruição da justiça, algum mecanismos de seu “governo”
não anda de acordo com sua comunidade cidadã, que é campo de conflitos 41
intensos e que cada vez mais necessita de meios eficazes, igualitários e
democráticos de tratamento de seus temerosos conflitos.
1.2.1
Democracia:
tipologia,
origem,
conceituação
e
desafios
da
contemporaneidade.
A atual Carta Magna consentiu na ampliação dos direitos fundamentais
situados na esfera pública que se estabeleceu como princípio democrático. Desse
modo, o acesso à justiça proclama em termos constitucionais, a demanda
refreada por direitos não constitucionalizados na época em que o Brasil viveu um
governo autoritário. Então, a cidadania42 e a democracia43 são direitos
fundamentais interdependentes da Constituição Federal.44
41
É sabido que o conflito foi uma das chaves da história cidades-estado. Contudo, e esse é um
ponto fundamental, ele não se resumia às frequentes guerras externas, ou às lutas com a
população dominada e não integrada. Isso porque a própria comunidade cidadã não era, e nunca
foi, igualitária ou harmônica. O sentimento e a prática da unidade não impediram que as próprias
comunidades fossem crivadas por disputas internas, por suas próprias regras de exclusão e
inclusão no espaço público que as definia. (PINSKY, Jaime. PINSK, Carla Bassanezi, História da
cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 36-37).
42
A cidadania enquanto vivência dos direitos humanos é uma conquista da burguesia: direitos de
cidadania são os direitos humanos, que passam a constituir-se em conquista da própria
humanidade. A cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade,
compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e
condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude de vida. Isso exige
organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente.
33
Antes de adentrarmos na gênese da temática, buscou-se analisar os três
principais tipos de democracia. Para Touraine:
O primeiro tipo dá uma importância central à limitação do poder do
Estado pela lei e pelo reconhecimento dos direitos fundamentais. [...] é o
mais importante historicamente, embora não seja superior aos outros.
Essa concepção liberal da democracia adapta-se facilmente a uma
representatividade limitada dos governantes, como se viu no momento
do triunfo dos regimes liberais no século XIX, mas protege o melhor
possível os direitos sociais ou econômicos contra os ataques de um
poder absoluto, como é ilustrado pelo exemplo secular da GrãBretanha.45
O segundo tipo possui diferentes características, já que
dá maior importância à cidadania, à Constituição ou às ideias morais ou
religiosas que garantem a integração da sociedade e fornecem um sólido
fundamento para as leis. Aqui, a democracia progride mais pela vontade
da igualdade do que pelo desejo de liberdade. A esse tipo corresponde
melhor a experiência dos Estados Unidos e o pensamento daqueles que
a têm interpretado: tem um conteúdo mais social do que político.46
Enfim, o terceiro tipo
insiste na representatividade social dos governantes e opõe a
democracia – que defende os interesses das categorias populares – à
oligarquia, quer esteja associada a uma monarquia definida pela posse
dos privilégios, ou então a propriedade do capital. Na história política da
França no século XX – mas não no momento da Revolução – liberdades
(CÔRREA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexos histórico- políticas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2000,
p. 217).
43
O regime democrático é a forma de vida política que dá maior liberdade ao maior número de
pessoas, que protege e reconhece a maior diversidade possível. (TOURAINE, Alain. O que é
democracia? Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 25).
44
BATISTA, Keila Rodrigues. Acesso à justiça: instrumentos viabilizadores. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2010,p. 43.
45
TOURAINE, Alain. O que é democracia? Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p, 46.
46
Ibidem, p. 46-47.
34
públicas e lutas sociais estiveram mais fortemente associadas do que
nos Estados Unidos e, até mesmo, na Grã-Bretanha.47
Pois bem, partindo-se do pressuposto de que muitas são as tipologias e
formas de existência da democracia, cumpre estabelecer um marco ao seu
surgimento. Muitos norte-americanos acreditavam que a democracia começou há
duzentos anos, nos Estados Unidos. Outros, afirmavam que ela teria nascido na
Grécia, ou Roma antiga.48
Quando se fala em democracia e sua origem, a resposta está sempre
rodeada de muita incerteza. Desta forma, deve-se partir da ideia de sua expansão
e práticas como o fogo, a pintura, ou a escrita. A democracia parece ter sido
inventada mais de uma vez, em mais de um local.49
Pressupondo que a democracia possa ser inventada e reinventada em
qualquer lugar, Dahl acredita que
essas condições adequadas existiram em diferentes épocas e em
lugares diferentes. Assim como uma terra pode ser cultivada, e a devida
quantidade de chuva estimularam o desenvolvimento da agricultura,
determinadas condições favoráveis, sempre apoiaram uma tendência
para o desenvolvimento de um governo democrático. Por exemplo,
devido a condições favoráveis, é bem provável que tenha existido
alguma forma de democracia em governos tribais muito antes da história
registrada.50
Assim, durante todo o longo período em que os seres humanos viveram
juntos em pequenos grupos, e sobreviveram da caça e da coleta de raízes, frutos
e outras dádivas da natureza, sem a menor dúvida, às vezes – talvez
habitualmente -, teriam criado um sistema em que boa parte dos membros,
animados por essa lógica da igualdade (certamente os mais velhos ou mais
experientes), participaria de quaisquer decisões que tivessem de tomar no grupo.
47
TOURAINE, Alain. O que é democracia?Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 47.
48
DAHL, Robert. A. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001, p. 17.
49
Ibidem, p. 19.
50
Ibidem.
35
Isto realmente aconteceu, conforme está bastante comprovado pelos estudos das
sociedades tribais ágrafas. Portanto, durante muitos milhares de anos, alguma
forma primitiva da democracia pode muito bem ter sido o sistema político mais
“natural”.51
Entretanto, sabemos que esse longo período teve um fim. Quando os seres
humanos começaram a se estabelecer por demorados períodos em comunidades
fixas para tratar da agricultura e do comércio, os tipos de circunstâncias
favoráveis à participação popular no governo que ora foi mencionado – a
identidade do grupo, a pouca interferência exterior, um pressuposto de igualdade
– parecem ter rareado. As formas de hierarquia e dominação tornaram-se mais
“naturais”. Em consequência, os governos populares desapareceram entre os
povos estabelecidos por milhares de anos. No entanto, eles foram substituídos
por monarquias, despotismos, aristocracias ou oligarquias, todos com base em
alguma forma de categorização ou hierarquia.52
Então, por volta de 500 a.C., parece terem ressurgido condições favoráveis
em diversos lugares, e alguns pequenos grupos de pessoas começaram a
desenvolver sistemas de governo que proporcionavam oportunidades bastante
amplas de participação em decisões de grupo. Pode-se dizer que a democracia
primitiva foi reinventada em uma forma mais avançada. Os avanços mais
decisivos ocorreram na Europa – três na costa do Mediterrâneo, outros na Europa
do Norte.
Além da análise sintética de sua origem, passamos a analisar
precipuamente o que é “democracia”.
A democracia é uma ideia nova. Na medida em que os regimes autoritários
desmoronaram no Leste e no Sul, na medida em que os Estados Unidos
venceram a guerra fria contra a União Soviética, julgamos que a democracia
levou a melhor e se impôs como a forma normal de organização política, como o
aspecto político de uma modernidade cuja economia de mercado é a forma
econômica e a secularização é a expressão cultural. Ocorre que essa ideia, por
51
DAHL, Robert. A. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001, p. 19.
52
Ibidem.
36
mais tranquilizadora que seja para os ocidentais, é de tal modo inconsistente que
os deveria deixar inquietos.53
Sabe-se que a democracia não é somente um conjunto de garantias
institucionais. Ela pode ser vista como a luta de sujeitos, impregnados de sua
cultura e liberdade, contra a lógica dominadora dos sistemas, ela é a política do
sujeito. Sendo que a grande mudança é que
no início da era moderna, quando o maior número de seres humanos se
encontrava confinados em coletividades restritas e submetidos mais ao
peso dos sistemas de reprodução do que ao domínio das forças de
produção, o sujeito se afirmou identificando-se com a razão e o trabalho;
ora, no mesmo momento, nas sociedades invadidas pelas técnicas de
produção, consumo e comunicação de massa, a liberdade desligava-se
da razão instrumental, correndo o risco de se contradizer para defender
ou criar um espaço de invenção e, ao mesmo tempo, de memória, e
fazer aparecer um sujeito que fosse, simultaneamente, ser e mudança,
filiação e projeto, corpo e espírito. Defender e produzir a diversidade em
cada cultura de massa torna-se o grande desafio para a democracia.54
Quando se fala em desafio, entramos na discussão de um dos principais
dilemas atuais deste tão aclamado e bem visto sistema democrático; a
necessidade de oferta democrática de acesso à justiça. Afinal, em virtude do alto
custo dos incidentes processuais55 e do aumento progressivo das classes menos
abastadas, é possível concebermos que a maioria dos conflitos não são objeto de
apreciação; seja pela via procedimental de praxe – o processo-, seja pelas vias
alternativas de tratamento dos conflitos56. Fator que vem a preocupar os
estudiosos da área, pois afinal o acesso à justiça, além de ser um dos direitos
fundamentais do cidadão, é imperativo de justiça.
Eis, pois que, cansados de tanta inefetividade estatal, seja no que tange
aos processos legislativos que são de uma morosidade extrema ou a ausência de
53
TOURAINE, Alain. O que é democracia?Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p.17.
54
Ibidem, p. 24.
55
Dados trazidos pelo Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, objeto de
análise no próximo item.
56
Os novos métodos consensuais de resolução dos conflitos são modelos de interação social que
foge daquele modelo impositivo, antagônico e dá espaço para o vínculo participativo, dialógico e
cooperativo.
37
aplicabilidade destas mesmas leis pelo judiciário, aspiramos a uma “sociedad que
no sea únicamente sociedad civil sino que llegue a ser uma buena sociedad”. 57
Diante dos modelos propostos de participação da sociedade, faz-se
necessária a abertura das instituições à participação popular, que poderão ter o
poder no núcleo estratégico; agir de forma a estabelecer o controle social e ainda
instituir arranjos institucionais que organizem a participação nas diferentes esferas
governamentais, e que estas sejam dinâmicas o suficiente para absorver as
tendências cambiantes e inerentes à democracia.
Ao fazermos uma análise apurada da realidade do poder judiciário como
meio de acesso à justiça, percebemos inúmeros elementos e situações que
dificultam o acesso das comunidades58 de baixa renda59 ao tratamento de seus
conflitos. Dentre esses elementos percebemos a onerosidade das demandas
efetuadas e sua insuficiência em estimular os indivíduos a uma análise dos
conflitos e sua auto-resolução.
Assim,
para
que
seja
possível
encontrarmos
uma
resposta
ao
questionamento preliminarmente proposto, o primeiro desafio do poder judiciário
brasileiro será motivar a organização comunitária, entendida como aglutinação de
interesses, como de espaços.
A meta é clara: é preciso chegarmos a um tipo de sociedade, marcada pela
constituição democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que a
própria democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às intervenções
centralistas e autoritárias.
Também passar de objeto de manipulação, para sujeito de exceção, de
privilégio. Institucionalizar o controle do poder de baixo para cima, de tal sorte que
57
ETZIONI, Amitai. La tercera vía hacia uma buena sociedad. Propuestas desde el comunitarismo.
Prólogo de José Pérez Adán. Madri: Editorial Trotta, 2001, p. 15.
58
A mediação comunitária como um meio de resolução de conflitos apresenta plausíveis
vantagens envolvendo essas comunidades de baixa renda, devolvendo à autonomia desenvolvida
nas partes conflitantes que agora passam a praticar a análise de seus próprios conflitos e as
soluções possíveis para seus próprios problemas.
59
A pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta no início do novo milênio. Flagelo
de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e a desigualdade social. A
desigualdade entre os ricos e os pobres é expressa na estimativa de que os 10% mais abastados
usufruem 54% da renda mundial, enquanto os 40% mais pobres ficam com apenas 5%.Como
consequência desta realidade desenvolvem-se conflitos que são peculiares e constantes nas
comunidade mais carentes, dentre eles percebem-se problemas com ameaça de morte, conflitos
conjugais, violência doméstica e dificuldade com a disciplina dos filhos. (SCHMIDT, João P.
Exclusão, inclusão, e capital social: o capital social nas ações de inclusão. IN: LEAL, R; REIS, J.R.
Direitos Sociais e Políticas Públicas 6. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1755)
38
o Estado sirva à sociedade e não ao contrário, garantir um nível mínimo de
direitos iguais, abaixo do qual se instalam a selvageria e a violência incontrolável;
consolidar a cidadania organizada, aquela competente em sua estratégia
democrática de defesa de interesses.60
1.2.2 O acesso à justiça como princípio efetivo de democratização e
eliminação das desigualdades e injustiças sociais
Com base nas considerações introdutórias realizadas no subtítulo anterior,
é possível adentrarmos na discussão de grande magnitude que é a preocupação
não só com a conceituação do que seja justiça como, principalmente, com os
meios de acesso à justiça, trazendo-a como valor, no campo das ideias, para a
vida dos homens. Contudo, pretende-se demonstrar que não é somente através
do processo judicial que se tem acesso à justiça, pelo menos não como valor
inerente ao homem.
O direito de acesso à justiça é garantido pela nossa Constituição Federal,
no inciso XXXV do art. 5o: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário
lesão ou ameaça a direito”.
O princípio da acessibilidade ampla ao judiciário surgiu com a Constituição
de 1946, que trazia como redação: “A lei não poderá excluir da apreciação do
poder judiciário qualquer lesão de direito individual”. Com a Constituição de 1988,
essa cobertura foi ampliada, passando a garantir a proteção à ameaça ao direito e
não somente a violação ao direito individual. Ademais, houve a supressão do
termo “individual” para englobar, além dos interesses individuais, os interesses
coletivos e difusos, devido à necessidade de atendimento aos interesses
decorrentes
das
sociedades
contemporâneas,
caracterizadas
por
uma
organização econômica, na qual a produção, a distribuição e o consumo
assumem proporções de massa.61
Para que seja possível dar melhor respaldo à temática, verificou-se na
doutrina clássica de Capelletti, que
60
DEMO, Pedro. Participação e conquista. São Paulo: Editora Cortez, 2001, p. 33-34.
AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2009, p, 49.
61
39
o conceito de acesso a justiça tem sofrido uma transformação
importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e
ensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos
dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos
litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos,
então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava
essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou
contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça
pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam
de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram
considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que
o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O
Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais
como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendêlos adequadamente, na prática.62
Portanto, é possível verificar que desde sua origem, é o ordenamento
jurídico que, uma vez estabelecido, determina o nível de acesso à justiça dos
cidadãos que lhe são subordinados. Se o ordenamento é estabelecido por
princípios verdadeiramente democráticos, o acesso à justiça é, senão irrestrito, ao
menos fator de diminuição das desigualdades, já que muito bem expõe Bezerra:63
Pensamos todos, com supina ingenuidade que, frente um problema, é
preciso editar uma lei. Isto não fez mais do que depreciar o poder
normativo. Muitas leis são totalmente ignoradas pelos cidadãos, algumas
se contradizem entre si, cuja vigência de ignora, outras perdem eficácia,
outras se desconhecem, outras são modificadas, todas elas criando um
sistema difícil de interpretar. A interpretação readquire função basilar. O
que se vê, constantemente, é que na criação legislativa não há um ato
de soberania estatal, mas o acordo prévio dos grandes grupos
organizados, trata-se de uma espécie de contrato, de acordo, onde se
impõe a lei que convém a seus interesses. A eficácia da lei depende
exclusivamente do consenso social que alcance. 64
Nota-se em seguida que a questão então não é promulgar um sem-número
de leis, e sim fazer com que as existentes tenham seu alcance efetivo no seio da
62
CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre; Fabris, 1988, p. 15.
63
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 94.
64
Ibidem, p. 96.
40
comunidade e de forma mais justa possível65. Se o processo em si e a conduta de
seus aplicadores (advogado, juiz, promotor, serventuário) é pautada pela lei, no
plano da realização do direito, então é através da lei que se inicia o processo de
distribuição de justiça.66
No que diz respeito á questão do acesso à justiça, a normatização se
converte em judicialização67, pois, aqui, o núcleo central passa a ser o da criação
de normas que se vinculam aos canais de acesso à instância decisória oficial e
com o próprio perfil dos ritos processuais vigentes. Ou seja, privilegiando-se a
ideia de uma arena exclusiva, dotada de poder e imparcialidade, de resolução de
conflitos, como a ideia de procedimentos mais simplificados e ágeis.
68
A relação entre acesso à justiça e o ordenamento jurídico é de inegável
importância. Quando se raciocina com acesso à justiça, voltamos a
denunciar, se faz quase que exclusivamente como se isso significasse
acesso ao judiciário. No entanto, seja adepto à dogmática pura, seja
defensor do pluralismo jurídico ou mesmo de um “direito alternativo”, o
certo é que o juiz está, de certo modo, preso á lei. Tem liberdade de
julgar, desde que conforme a lei. Onde for, sua interpretação ampla e
livre terá, em seu julgamento, sempre um percentual de submissão à lei,
sob pena de se estabelecer o caos social, via insegurança jurídica dos
jurisdicionados.69
Se for assim, o ordenamento jurídico de uma dada nação (Constituição 70 e
legislação infraconstitucional) é que pode e deve flexionar no sentido de ser mais
“social”, que proporcione mais acesso à justiça, já que a lei que vai ser aplicada
65
O que se quer dizer é que a norma deve estar em conexão com a realidade do mundo dos fatos
sociais, sob pena de simplesmente existir um despótico direito, apenas positivado, mas sem o
respaldo da necessária aceitação e compreensão por parte da sociedade. (Ibidem).
66
Ibidem, p. 95.
67
Nesta etapa evolutiva, tem-se hodiernamente o problema do controle jurisdicional indispensável
como regra no direito pátrio. Com efeito, a regra do controle jurisdicional é indispensável, quando
se trata de direitos indisponíveis. Assim, em certos litígios que versam sobre tais direitos, na há
que se falar em soluções sem que seja submetido o conflito ao conhecimento do Poder Judiciário.
Em outras espécies de direitos, tidas como disponíveis, o próprio ordenamento jurídico em vigor
estabelece regras claras para uma solução alternativa, muitas vezes assegurando até mesmo a
autocomposição, sem necessidade de se adentrar o campo judicial. (ARAÚJO, José Henrique
Mouta. Acesso á justiça e efetividade do processo: a ação monitória é um meio de superação dos
obstáculos?. 1 a ed. Curitiba:Juruá, 2011, p. 33-34).
68
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
a
realização do direito. 2 ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 98.
69
Ibidem, p. 98.
70
Em termos de legislação constitucional, o que vai pelo mundo, relativo a acesso à justiça, quase
que se resume a estabelecer assistência judiciária gratuita. (Ibidem, p. 100).
41
no seio social deve ser o principal veículo de efetiva democratização social, de
eliminação das desigualdades e injustiças sociais. O que é necessário é uma
mudança na legislação e na própria postura dos operadores do direito; mudança
na postura ética para se alcançar mudança no aspecto social, já que
o problema do acesso à justiça é, efetivamente um problema ético-social,
no que diz respeito ao plano da realização dos direitos. Com efeito, a
problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados
limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas
de possibilitar acesso à justiça enquanto situação estável, e sim de
71
viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.
Acesso à justiça não pode mais ser relacionando com a mera admissão de
uma demanda em juízo. Para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável
que o maior número de pessoas seja admitido a demandar ou a defender-se
adequadamente, nos casos de escolha de via judicial, e que haja segurança de
suas próprias soluções, nos casos de via extrajudicial.72
Quando o ordenamento é por demais rígido e distante das realidades e
necessidades sociais, as comunidades criam seus próprios mecanismos
e ignoram as leis e os remédios estatais. Quando o acesso à justiça é
negado a determinados segmentos da sociedade, obviamente os mais
pobres, a comunidade cria mecanismos de sobrevivência e acaba por
instituir regras próprias que lhes possibilite sobreviver. Cria meios
específicos se solução de seus conflitos e satisfação de seus direitos.
Essa prática reiterada cria um direito não oficial, paralelo. À luz do direito
oficial brasileiro, as relações estabelecidas no interior das favelas são
ilegais ou juridicamente nulas. Dentro da comunidade, contudo, tais
relações são relações são legais e como tal são vividas pelos que nelas
participam; a intervenção da associação de moradores neste domínio
visa constituir como que um ersatz da proteção jurídica oficial de que
carecem. Esse direito paralelo resta coberto por uma interação jurídica
muito intensa, à margem do sistema jurídico estatal.73
71
Ibidem, p. 102.
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 103-104.
73
Ibidem, p. 107.
72
42
Na realidade, entre o formal e o real, entretanto, medeia um abismo. O
preceito constitucional74 permanece como simples promessa a ser cumprida, em
várias regiões do país. Dentre os principais obstáculos que impedem o acesso à
justiça são: deficiência de instrução, baixo índice de politização, estado de miséria
absoluta ou hipossuficiência econômica grave, mínimo poder de mobilização e
nenhuma organização. Na maioria dos juízos, o acesso ao judiciário gira em torno
de dispensa de custas, assistência advocatícia, o que demonstra a estreiteza com
que se trata a questão.75
Não podemos, pois, concordar que a única maneira possível de obter-se a
restauração de um direito lesado ou ameaçado é através do poder judiciário que,
pela simples ou suficiente razão do dever de imparcialidade de seus órgãos, não
pode proceder de ofício. Devemos questionar a possibilidade de atuarmos ou não
de modo a viabilizar o acesso à justiça, indo ao encontro à ânsia da população
pela justiça entendida num sentido mais amplo de conquistas dos direitos
consagrados nas leis, e em especial, na Constituição Federal, e mais, para que o
acesso não seja apenas formal.76 Fique claro que
o processo de civilização da humanidade tem sido marcado pelo
reconhecimento formal dos direitos77, inerentes à condição humana, mas
sua efetiva aplicação tem sido negada para a grande maioria das
pessoas, e assim será enquanto estivermos conformados com as
limitações formalistas tradicionais e com a banalização dos conflitos de
interesses para com os quais o enfoque normal tem sido o da
fragmentação e da aplicação de soluções técnicas que ignoram muitas
vezes o justo para fazer valer o legal, o instrumental; que evitam a
74
O princípio do acesso á justiça e a garantia do devido processo legal, por se entrelaçarem nessa
proteção constitucional, inserem princípios, sendo que alguns são importantes de serem citados:
princípio da ação, da autonomia da ação, congruência, imparcialidade do juiz, juiz natural,
promotor natural, inafastabilidade da jurisdição, efetividade, duração razoável do processo,
adequação, contraditório, ampla defesa, igualdade das partes, cooperação, instrumentalidade,
economia processual, preclusão, eventualidade e duplo grau de jurisdição. (BATISTA, Keila
Rodrigues. Acesso à justiça: instrumentos viabilizadores. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 51).
75
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 111-112.
76
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 112.
77
A todos devem ser asseguradas oportunidades mínimas para alcançarem as condições
materiais necessárias ao pleno exercício de seus direitos constitucionais fundamentais de
liberdade e igualdade; é precisamente porque já os reconhecemos como cidadãos iguais e livres,
como membros da comunidade de princípios. Devem ser tratados, portanto, como cidadãos,
desde o início, livres e iguais, titulares de direitos fundamentais, tendo oportunidade de responder
por suas opções e de com elas aprender. (CATTONI, Marcelo. Poder constituinte e o patriotismo
constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 28).
43
dimensão social das causas, para fazer prevalecer o interesse
meramente individual; que reduzem a função do juiz à estrita aplicação
impessoal e literal das leis, sem comprometimento com o tempo em que
vive e com o povo a quem deve servir.78
Tais referências vêm a corroborar o nobre entendimento de que o ideal na
solução dos conflitos é a prevenção. O ideal do processo é o não-processo. Os
processos decisórios não pacificam, antes suscitam mais conflitos. O fundamento
econômico da prevenção, mediação, conciliação, etc., é a poupança de tempo,
despesas e incômodos. O fundamento filosófico é o ideal de paz e o sociológico é
a efetivação dessa mesma paz.
79
Até porque, a operacionalização de reformas cuidadosas, atentas aos
perigos envolvidos, com uma plena consciência dos limites e potencialidades dos
tribunais regulares, do procedimento comum, dos procuradores e no seio da
própria comunidade é o que realmente se pretende com esse enfoque de acesso
à justiça.80
Convém, no entanto referir que a finalidade não é fazer uma justiça “mais
pobre”, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E se é verdade que
a igualdade de todos perante a lei é o ideal básico de nossa época, o enfoque de
acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de maior “beleza”, ou
melhor qualidade daquele que dispomos atualmente. Para que seja possível um
melhor entendimento da atual situação jurídica do país, propor-se uma análise do
relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça.
1.3 O Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça e a
demonstração
da
intensa
conflituosidade/morosidade
do
judiciário
brasileiro.
Diante da necessária demonstração de que o acesso à justiça deve
prevalecer como princípio efetivo de democratização e eliminação das
78 Ibidem, p. 113.
79
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2 a ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 252.
80
CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre; Fabris, 1988, p. 165.
44
desigualdades e injustiças sociais, buscou-se analisar o processo judiciário de
nosso país. Para tanto, valemo-nos do Relatório “Justiça em Números”, do
Conselho Nacional de Justiça81, edição outubro/2012.
As informações do “Justiça em Números” 82 apresentam um panorama
global da justiça, por meio de dados disponibilizados pelos tribunais sobre
processos distribuídos e processos julgados, número de cargos de juízes
ocupados e ainda o número de habitantes atendidos por juiz.
Trata-se de pesquisa que permite a avaliação dos tribunais em relação à
quantidade de processos, questão financeira e o acesso à justiça. Analisa ainda o
perfil de cada região e Estado, com base nas informações sobre população e
economia.
O objetivo do CNJ é que os dados sejam referência para a criação de uma
cultura de planejamento e gestão estratégica. Outra finalidade do “Justiça em
Números” é fornecer bases para construção de políticas de gestão e possibilitar a
avaliação da necessidade de criação de cargos e funções. O estudo també m
enumera relação de despesas com pessoal, recolhimentos e receitas, informática,
taxa de congestionamento e carga de trabalho dos juízes. Os números são
encaminhados semestralmente pelos magistrados.
Todos os dados que serão objeto de análise neste tópico estão disponíveis
no
sítio
do
Conselho
Nacional
de
Justiça,
no
endereço:
http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-etransparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios.
81 Devido a sua competência constitucional, o CNJ bem buscando constantemente a eficiência
dos serviços prestados pelo Poder Judiciário. Para tanto criou o SIESPJ- Sistema Nacional de
Estatísticas do Poder Judiciário, bem como a elaboração do “Justiça em Números”, que traça
metas, bem como lista os 100 maiores litigantes. Toda essa produção faz parte dos estudos do
Departamento de Pesquisa Judiciária do CNJ – DPJ. Cumpre ressaltar que tais instrumentos são
positivos quando fiéis aos resultados, sem manipulação. Ademais, a Resolução n. 125/2010 do
CNJ cria o Portal da Conciliação: que contem o registro de informações de tudo o que se passou
em cada Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania- CEJUSCS, que posteriormente
serão compiladas pelo CNJ. O objetivo é avaliar o desenvolvimento, enumerando as dificuldades,
fragilidades e exaurimento. Importante referir que estes números não podem servir para
pressionar os mediadores quanto ao resultado (quantidade de sessões e acordos realizados) sob
pena de por em cheque um dos princípios da mediação que é a autonomia das partes. Já que o
cenário atual destas estatísticas revelam não a qualidade e adequação dos procedimentos, mas
sim sua quantidade. (MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e
arbitragem: alternativa à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012).
82
As primeiras edições da pesquisa foram realizadas nos anos de 2003 e 2004.
45
A oitava edição do “Justiça em Números” estabelece um novo paradigma
de acesso à informação. A apresentação dos indicadores está mais clara, direta e
inclusiva, de modo a permitir que magistrados, servidores, cidadãos – e não
apenas pesquisadores e acadêmicos, possam compreender as principais
informações sobre o poder judiciário nacional.
A edição 2012, relacionada aos dados de 2011, não se resume a tabelas e
textos explanativos, pois se vale de infográficos. Trata-se de recurso que facilita a
assimilação visual de informações sobre as demandas, produtividade, pessoal e
despesas dos diversos seguimentos da justiça brasileira.
A outra novidade é de natureza metodológica. Esta edição utiliza a Análise
Envoltória de Dados (DEA) para comparar a eficiência dos tribunais que
compõem um mesmo ramo do poder judiciário. Essa ferramenta permite não só
que se comparem dados de produtividade, de maneira isolada, mas que sejam
também levados em consideração os dados estruturais dos tribunais. Sucede que
a análise torna-se mais complexa.
Um tribunal deixa de se destacar apenas pela boa produção de decisões
ou alto volume de processos arquivados, pois passa a ser analisado a partir
dessas duas variáveis, em combinação com seu contexto estrutural, sua despesa,
número de servidores, grau de informatização e outros indicadores. O exame da
eficiência passa a correlacionar produtividade com despesa, estrutura física e de
pessoal.
Importantes análises dos anos anteriores são mantidas, mas com uma
nova apresentação. É o caso do peso da execução fiscal em cada um dos ramos
do poder judiciário, um dos problemas centrais revelados pelas pesquisas do
Departamento de Pesquisa Judiciária (DPJ) e pelos relatórios anteriores do
“Justiça em Números”.
Os dados são exibidos de forma mais criativa, para melhorar o
entendimento pelo público em geral. Ao inovar em busca da mais facilitada
comunicação sobre seus dados, o poder judiciário, por seu Conselho Nacional de
46
Justiça, se aproxima ainda mais do cidadão. Aproximação, essa, que se dá numa
ambiência da mais qualificada e transparente democracia.
83
1.3.1 Justiça Estadual
A despesa total da Justiça Estadual foi de R$ 26,4 bilhões, o que equivale
a aproximadamente 0,64% do PIB e a 4,9% das despesas dos governos dos
estados. Em relação ao período entre 2009 e 2011, houve aumento de 2,6
bilhões, sendo 953 milhões (3,7%) de 2010 para 2011 e 1,7 bilhão (7%), de 2009
para 201084. Os quatro maiores TJs brasileiros Minas Gerais e Rio Grande do Sul
– são responsáveis por 50% das despesas totais e por 60% dos processos
ingressados anualmente.
Historicamente, a rubrica de despesas com recursos humanos tem sido a
principal fonte dos gastos da justiça, sendo que, em 2011, chegou a alcançar a
cifra de R$ 23 bilhões. Relativamente, os gastos com recursos humanos
cresceram de forma mais acentuada do que os gastos da justiça, apontando para
aumento de 11% no último ano e sendo o responsável por quase 88% de toda
despesa. Bens e serviços são responsáveis por 11,9% dos gastos, tendo havido
leve decréscimo, de 5,4%, em 2011. Os gastos com informática representam
apenas 3,4% das despesas, cujo valor é inferior a 1 bilhão.
Em relação à força de trabalho, o ano de 2011 terminou com 11.835
magistrados, 170 mil servidores (efetivos, requisitados e comissionados sem
vínculo), além de 70 mil terceirizados, estagiários, juízes leigos e conciliadores.
Denota-se, ainda, que aproximadamente 84% dos servidores atuam na área
judiciária, sendo que essa representatividade tem crescido na faixa de um ponto
percentual a cada ano, desde 2009. Há, ainda, a média de 6,2 magistrados e de
125 servidores por 100 mil habitantes.
No ano de 2011, a população buscou mais o poder judiciário do que nos
anos anteriores. Enquanto o total de processos ingressados cresceu 7%, a
83
Ministro Ayres Britto, Presidente do Conselho Nacional de Justiça ao redigir a apresentação do
“Justiça em Números”. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 03. Acesso em 01 nov. 2012.
84
Valores deflacionados pela data base de 31/12/2011 pelo índice IPCA.
47
população brasileira cresceu menos de 1%85 no último ano. Com isso, o número
de casos novos por 100 mil habitantes passou de 8.775 em 2009 para 9.081 em
2011. Outro aspecto interessante com relação a esse indicador é sua
regionalização, já que os estados localizados nas áreas norte e nordeste do País
tendem a apresentar menor índice de litigiosidade do que aqueles localizados nas
regiões sul e sudeste.
No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Estadual cerca de 70 milhões
de processos, 2,2% a mais que no ano anterior. Desse volume processual, 73%
(51,7 milhões) já se encontravam pendentes desde o término do ano anterior, o
que demonstra que a maior dificuldade do poder judiciário nos estados está na
liquidação de seu estoque, pois, de forma geral, a Justiça Estadual tem sido
capaz de baixar os processos em quantitativo equivalente ao total ingressado.
Grande parte da dificuldade de se proceder à baixa dos processos está na
execução. Dos 70 milhões de processos em tramitação, 32 milhões (46%) estão
na fase de execução. Destaca-se a execução fiscal, responsável por 24 milhões
do volume processual. As execuções judiciais representam 4,7 milhões, sendo 1,3
milhão em penais (404 mil de penas não privativas de liberdade e 871 mil de
penas privativas), e 3,5 milhões em execuções não penais.
Pelo segundo ano consecutivo verificou-se que houve queda no indicador
de produtividade dos magistrados. A média de sentenças que era de 1.509 em
2009, caiu para 1.409 em 2010 e para 1.392 em 2011. Essa redução foi
consequência do aumento em 276 magistrados juntamente com a redução de
quase um milhão de sentenças durante os dois últimos anos. Ao observar a
produtividade por instância, observa-se que a queda ocorreu apenas no primeiro
grau, tendo-se refletido, assim, no indicador global da justiça.
A redução do quantitativo de sentenças proferidas deu-se, especialmente,
nas execuções fiscais (8%), nas execuções judiciais não criminais (19%) e nas
execuções criminais de penas privativas de liberdade (68%).
De toda sorte, mesmo com a redução do número de sentenças, o total de
processos baixados teve crescimento de aproximadamente 7% em relação a
2010. Considerando-se a similaridade do incremento dos baixados em relação ao
85
Número de habitantes segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Fonte: www.ibge.gov.br
48
incremento dos casos novos, obteve-se, em 2011, uma taxa de congestionamento
praticamente constante, com redução de apenas 0,5 ponto percentual, que
passou de 74,4% para 73,9%.
Apenas nos Juizados Especiais notou-se uma queda mais acentuada, cuja
taxa baixou de 50% para 48,2%. Ao considerar apenas a primeira instância,
composta pela soma do primeiro grau e dos Juizados Especiais, a taxa de
congestionamento seria de 75,7%, sendo que, sem os processos de execução,
ela cairia para 64,9%, ou seja, com redução de quase 11 pontos percentuais.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de quase 52
milhões de processos pendentes (0,7% a mais que o início do ano), sendo que
apenas o TJSP abarca quase 20 milhões de pendentes e o TJRJ, 7,4 milhões.
Juntos, esses dois tribunais são responsáveis por mais de 50% de todo volume
processual pendente de baixa.86
1.3.2 Justiça Federal
A despesa total da Justiça Federal foi de R$ 6,8 bilhões, o que equivale a
aproximadamente 0,16% do PIB e a 0,4% dos gastos da União. Em relação à
série histórica, verifica-se queda nos dois últimos anos consecutivos, com
redução de cinco milhões de 2009 para 2010 (0,1%) e de 110 milhões de 2010
para 2011 (1,6%).87 Os indicadores de despesa por PIB e de despesa em relação
aos gastos totais mantiveram-se aproximadamente constantes nos últimos
períodos. Percebe-se que as despesas dos TRFs são relativamente bem
distribuídas entre eles, todos com gastos próximos a um milhão, sendo a maior
despesa a do TRF da 1.ª Região, com 1,9 milhão, e a menor a do TRF da 5.ª
Região, com 841 mil.
Historicamente, a rubrica de despesas com recursos humanos tem sido a
principal fonte dos gastos da justiça, entretanto é relevante observar que, tanto
em termos absolutos quanto em termos relativos aos gastos totais dos tribunais,
tem havido queda. O percentual de gastos com RH que, em 2009, chegou a
86
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 140. Acesso em 01 nov. 2012.
87
Valores deflacionados à data base de 31/12/2011 pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA).
49
atingir o patamar de 93%, foi reduzido para 91,3% em 2010 e, finalmente, para
90,8% em 2011. Esse é um cenário positivo que mostra que os TRFs estão
fazendo outros investimentos com seus recursos além da contratação de mão-deobra. O pagamento de bens e serviços é responsável por 8,8% dos gastos, tendo
havido leve decréscimo, de 4,5% em 2011. Os gastos com informática
representam apenas 3,4% das despesas e cresceram em quase um por cento em
relação a 2010.
Sobre a força de trabalho, o ano de 2011 terminou com 1.737 magistrados,
26,3 mil servidores (efetivos, requisitados e comissionados sem vínculo), além de
10 mil terceirizados e estagiários. Aproximadamente 71% dos servidores atuam
na área judiciária, sendo que essa representatividade apresentou volatilidade ao
longo dos dois últimos anos, com crescimento em oito pontos percentuais entre
2009 e 2010 e redução em quatro pontos percentuais em 2011. Em média, a
Justiça Federal conta com menos de um magistrado por cem mil habitantes, cujo
valor do indicador é de 0,9. Apenas duas regiões contam com mais de um
magistrado por cem mil habitantes. São elas: 4.ª Região (1,4) e 2.ª Região (1,2).
Em relação ao número de servidores por cem mil habitantes, destaca-se a o TRF
da 2.ª Região, com índice de 34,7, enquanto a média é de 19.
No ano de 2011, a população buscou mais o poder judiciário federal do que
nos anos anteriores. Enquanto o total de processos ingressados cresceu em 5%,
a população brasileira cresceu menos de 1% no último ano.88 Com isso, o número
de casos novos por cem mil habitantes passou de 1.564 em 2010 para 1.649 em
2011. Apesar do aumento no quantitativo de processos ingressados nos Juizados
Especiais, observou-se o movimento inverso, com redução de quase 70 mil
processos em relação ao ano de 2010, o que representou queda de 5%.
No decorrer de 2011 tramitaram na Justiça Estadual cerca de 11,5 milhões
de processos, 3,4% a mais do que no ano anterior. Desse volume processual, a
maioria, 71% (8 milhões), já se encontrava pendente desde o término do ano
anterior, o que demonstra que a maior dificuldade do poder judiciário está na
liquidação de seu estoque, pois, de forma geral, a Justiça Federal tem sido capaz
de baixar os processos em quantitativo equivalente ao total ingressado.
88
Número de habitantes segundo estimativa do IBGE. Fonte: www.ibge.gov.br.
50
Assim como ocorre na Justiça Estadual, grande parte da dificuldade em se
proceder à baixa dos processos está na execução. Dos 11,5 milhões de
processos em tramitação, 4,3 milhões (38%) estão na fase de execução. Em
particular, destaca-se a execução fiscal, responsável por 3,5 milhões do volume
processual, que obteve crescimento acentuado nos casos novos em 2011,
passando de 275 mil processos ingressados em 2010 para quase 447 mil em
2011, ou seja, aumento de 62%. Em relação aos pendentes de execução fiscal,
houve aumento, porém em baixa escala, de apenas 2,2%. As execuções judiciais
representam 715 mil, sendo 24 mil penais (14 mil de penas não privativas de
liberdade e 10 mil de penas privativas), e 391 mil de execuções não penais.
O indicador de produtividade dos magistrados apresentou resultado
positivo, pois cresceu 12% com relação a 2010. Esse incremento significa que,
em média, cada magistrado julgou 185 processos a mais do que no ano anterior.
O número absoluto de sentenças também subiu, passando de 2,9 milhões para
três milhões. Em todas as instâncias houve aumento do quantitativo de sentenças
e decisões proferidas, à exceção do primeiro grau, com redução de 3%.
Apesar do incremento no número de sentenças, os processos baixados
tiveram comportamento inverso, com redução. A queda foi discreta, em 0,4%,
impactando em apenas 13 mil processos a menos, de um total de 3,4 milhões.
Entretanto, apesar de essa ser uma redução pequena, cabe ressaltar que tal fato
ocorreu no primeiro grau, nos juizados especiais e nas turmas recursais, com
aumento somente no segundo grau. Além disso, tal incremento foi significativo,
em 17%, o que compensou a queda observada nos demais órgãos.
A Justiça Federal tem baixado o quantitativo de processos superior ao total
ingressado, o que é um ponto positivo, já que evita o acúmulo do estoque.
Entretanto, em 2011, esse índice caiu de 132% para 111%, redução em 21
pontos percentuais, em consequência da redução do volume de baixados. Outro
impacto ocorrido em virtude da redução do volume de processos baixados pode
ser visto no cálculo da taxa de congestionamento, que cresceu entre 2010 e 2011,
passando de 69% para 71%. No segundo grau a taxa caiu de 68% para 67% e na
primeira instância, composta pela soma do primeiro grau e dos Juizados
Especiais, a taxa subiu de 72% para 73%. Ao recalcular a taxa de
51
congestionamento da primeira instância sem considerar as execuções, ela seria
reduzida para apenas 59%.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de
aproximadamente oito milhões de processos pendentes, ou seja, 0,5% a menos
do que o existente no início do ano, em função de haver mais processos baixados
do que processos ingressados.89
1.3.3 Justiça Eleitoral
A despesa total da Justiça Eleitoral foi de R$ 3,5 bilhões, o que equivale a
aproximadamente 0,09% do PIB e a 0,23% das despesas da União. Os tribunais
com maior gasto foram os de São Paulo (454 milhões), Minas Gerais (360
milhões), Rio de Janeiro (345 milhões) e Bahia (209 milhões), que são
responsáveis por 38% das despesas totais e por 39% dos processos ingressados
anualmente.
A despesa com recursos humanos representa aproximadamente 88,6% do
gasto total do tribunal, enquanto as despesas com bens e serviços e com
informática são responsáveis por, respectivamente, 14% e 6,4% dos gastos.
A Justiça Eleitoral apresenta, em média, 299 eleitores para cada urna
eletrônica, sendo utilizado aproximadamente 33% do espaço total disponível para
o armazenamento. Considerando a informatização, há aproximadamente 1,13
computador para cada usuário do tribunal.
Em relação à força de trabalho, o ano de 2011 finalizou com 3.279
magistrados, 21.719 servidores (efetivos, requisitados e comissionados sem
vínculo), além de 6.202 terceirizados e estagiários. Aproximadamente 56,5% dos
servidores atuam na área judiciária.
No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Eleitoral cerca de 136 mil
processos. Desse volume processual, 46% (62 mil) encontravam-se pendentes
desde o término do ano anterior, sendo que essa justiça conseguiu baixar 24,5%
mais processos do que o quantitativo ingressado, ou seja, o estoque tende a
diminuir. A maior dificuldade dessa justiça proceder a baixa dos processos está
89
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 202. Acesso em 01 nov. 2012.
52
na execução de título extrajudicial fiscal, tendo em vista que apenas 36% dos
processos foram baixados em relação aos ingressados, ocasionando taxa de
congestionamento de 87%. Os processos da fase de conhecimento do primeiro
grau apresentaram taxas de congestionamento de 59% para processos criminais
e 35% para não criminais, enquanto, no segundo grau, o congestionamento foi de
48% para processos criminais e 17% para não criminais.
Cada magistrado da Justiça Eleitoral recebeu, em média, 23 casos novos e
julgou 24, totalizando uma carga de trabalho de 44 processos em tramitação por
magistrado. Entretanto há de se considerar que esta é uma justiça diferenciada,
em que o foco não é necessariamente o julgamento dos processos judiciais,
tendo em vista que o magistrado é ocupado com vários procedimentos
administrativos.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de
aproximadamente 44 mil processos pendentes, ou seja, 29% a menos que o
existente no início do ano, em função de haver mais baixas do que processos
ingressados.90
1.3.4 Justiça do Trabalho
A despesa total da Justiça do Trabalho teve aumento, entre os anos de
2009 e 2011, inferior à inflação do período, ou seja, houve redução de 235,5
milhões de reais, sendo 144,2 milhões (-1,3%) de 2010 para 2011 e 91,3 milhões
(-0,8%), de 2009 para 2010,3 atingindo o valor de 11 bilhões no ano de 2011.
Essa despesa equivale a aproximadamente 0,27% do PIB e a 0,72% das
despesas da União. Os TRTs considerados de grande porte – 2.ª Região (SP),
15.ª Região (Campinas), 1.ª Região (RJ), 3.ª Região (MG) e 4.ª Região (RS) –
possuem despesas equivalentes a 51% do gasto total da Justiça do Trabalho e
têm 56% do total de casos novos.
Do total gasto por essa Justiça, 95% (10,7 bilhões) referem-se a despesas
com recursos humanos, como remuneração, ajuda de custo, diárias e passagens,
auxílios, entre outros encargos tanto para magistrados e servidores ativos quanto
90
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 400. Acesso em 01 nov. 2012.
53
para inativos e instituidores de pensão, como também para servidores que não
integram o quadro efetivo. A despesa com recursos humanos apresentou redução
de 1,8% em relação ao ano anterior, enquanto os gastos com bens e serviços e
com informática aumentaram em, respectivamente, 15% e 23,7%, com cifras de
645 e 43,8 milhões de reais.
A força de trabalho apresentou crescimento em relação ao ano anterior,
tendo em vista que o ano de 2011 finalizou com 3.189 magistrados (72 a mais do
que o ano anterior), 38.592 mil servidores (efetivos, requisitados e comissionados
sem vínculo, 791 a mais do que o ano anterior), além de 10.805 mil terceirizados
e estagiários. Há, em média, 1,7 magistrado e 25,7 servidores nessa Justiça para
cada cem mil habitantes, sendo 77,4% dos servidores efetivos, requisitados ou
comissionados lotados na área judiciária.
Enquanto entre os anos de 2009 e 2010 houve redução de 4% na
demanda pela justiça trabalhista, no ano de 2011, a população buscou mais este
ramo do Poder Judiciário, com 3,7 milhões de casos novos (aumento de 10%), o
que representa 1.446 casos para cada cem mil habitantes. Os menores índices de
litigiosidade estão localizados na região Nordeste.
Tramitaram na Justiça do Trabalho ao longo do ano de 2011
aproximadamente 6,9 milhões de processos, 5% a mais do que no ano anterior.
Desse volume processual, 47% (3,3 milhões) encontravam-se pendentes desde o
término do ano anterior, sendo que desde o ano de 2010 essa Justiça consegue,
de maneira geral, baixar mais processos do que o quantitativo ingressado, ou
seja, o estoque tende a diminuir, conforme redução de 0,7% em relação ao ano
anterior.
A grande dificuldade de a Justiça do Trabalho proceder à baixa dos
processos está na fase de execução, pois, dos 3,3 milhões de casos pendentes,
60% referem-se à execução, atingindo-se uma taxa de congestionamento de
69%, enquanto, na fase de conhecimento, essa taxa cai para 30,7%. O número
médio de sentenças por magistrado aumentou pelo segundo ano consecutivo.
A média de sentenças que era de 1.024 em 2009 subiu para 1.108 em
2010 e para 1.172 em 2011. Houve, também, aumento de 9% no total de
processos baixados em relação ao ano de 2010, o que contribuiu para a redução
54
da taxa de congestionamento, a qual passou de 49,8% em 2009 para 47,9% em
2010 e 45,7% em 2011.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de
aproximadamente 3,2 milhões de processos pendentes, ou seja, 3% a menos do
que o existente no início do ano, em função de haver mais baixas do que
processos ingressados.
1.3.5 Justiça Militar Estadual
A Justiça Militar Estadual é constituída pelos TJMs dos estados de São
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e, nas demais unidades da Federação,
pelas Auditorias Militares, órgãos dos TJs dos estados e do Distrito Federal e dos
Territórios. A análise feita nessa seção, entretanto, limita-se aos TJMs.
A despesa total dessa justiça foi de R$ 96 milhões no ano de 2011, o que
equivale a aproximadamente 0,005% do PIB e a 0,040% das despesas dos
governos dos estados acima citados. A despesa com recursos humanos
representa aproximadamente 66,4% do gasto total do TJM, enquanto as
despesas com bens e serviços e com informática são responsáveis por,
respectivamente, 6,7% e 2,6% dos gastos.
Havia, no final do ano de 2011, 39 magistrados, 434 servidores (efetivos,
requisitados e comissionados sem vínculo), além de 79 terceirizados e
estagiários. Aproximadamente 53% dos servidores atuam na área judiciária. Há,
ainda, a média de 14,7 magistrados e 193,6 servidores para cada cem mil
militares estaduais.
No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Militar estadual cerca de 12 mil
processos. Desse volume processual, 50% (seis mil) encontravam-se pendentes
desde o término do ano anterior, sendo que essa justiça conseguiu baixar 28%
mais processos do que o quantitativo ingressado, ou seja, o estoque tende a
diminuir. A maioria dos processos que ingressam nessa justiça é de caráter não
criminal, entretanto os casos pendentes são majoritariamente criminais.
A maior dificuldade de essa justiça proceder a baixa dos processos está na
fase de execução, tendo em vista que apenas 78% dos processos foram baixados
55
em relação aos ingressados, ocasionando taxa de congestionamento de quase
62%. Os processos da fase de conhecimento do primeiro grau apresentaram
taxas de 56% para processos criminais e 19% para não criminais, enquanto, no
segundo grau, o congestionamento foi de 28% para processos criminais e 22%
para não criminais.
A demanda da Justiça Militar estadual é de aproximadamente 1.963 casos
novos para cada cem mil militares estaduais, sendo que cada magistrado
recebeu, em média, 133 casos novos e julgou 177, totalizando uma carga de
trabalho de 322 processos em tramitação por magistrado.
Estima-se que o ano de 2011 tenha sido finalizado com saldo de
aproximadamente quatro mil processos pendentes, ou seja, 28% a menos do que
o existente no início do ano, em função de haver mais baixas do que processos
ingressados.91
1.3.6 Tribunais Superiores
A despesa total dos tribunais superiores foi de R$ 2,3 bilhões, o que
equivale a aproximadamente 0,06% do PIB e a 0,15% das despesas da União.
Desse total, 895 milhões foram gastos pelo STJ, 661 milhões pelo TST, 459
milhões pelo TSE e 323 milhões pelo STM. Grande parte dessa despesa foi
realizada com recursos humanos, atingindo os percentuais de 99,7% no TST,
98% no STM e 90% no STJ. A grande exceção, não só entre os tribunais
superiores, mas de todo o poder judiciário brasileiro, é o TSE, que apresentou
somente 41% de sua despesa total em recursos humanos.
Os tribunais superiores contam com 82 magistrados e 6.458 servidores
(efetivos, requisitados e comissionados sem vínculo), além de 4.815 terceirizados
e estagiários (43% do total de servidores). O percentual de servidores na área
judiciária é de 55% no TST, 53% no STJ, 18% no TSE e 9% no STM.
No decorrer de 2011, tramitaram cerca de 371 mil processos no TST (54%
desse percentual referente a processos pendentes de anos anteriores), 5,8 mil no
TSE (37% de pendentes) e 1,2 mil no STM (35% de pendentes). Não foi possível
91
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 426. Acesso em 01 nov. 2012.
56
determinar o quantitativo de processos em tramitação no âmbito do STJ, uma vez
que este tribunal não informou o quantitativo de processos pendentes de anos
anteriores. Verifica-se, entretanto, que este tribunal baixou um total de processos
equivalente a 69% de seus processos. Para os demais tribunais superiores, essa
relação equivale a mais de 90%.
Os processos do STJ e TSE foram subdivididos em criminais e não
criminais, sendo o percentual de processos de natureza criminal ingressados no
STJ equivalente a 18% do total. Já no TSE esse percentual foi de 2%. Cada
magistrado julgou, em média, 6.955 processos no STJ, 6.299 processos no TST,
1.160 processos no TSE e 54 processos no STM.
Os tribunais superiores apresentam grandes diversidades entre si, com
volume e natureza processuais completamente distintas. Portanto, os dados aqui
expostos são apenas informativos e devem ser evitadas comparações entre
eles.92
1.3.7 Considerações e recomendações
Esta edição do Relatório “Justiça em Números” trouxe uma série de
novidades, sobretudo em relação à apresentação dos dados, forma de analisálos, além de ter englobado todos os ramos do Judiciário Nacional. Todas as
inovações tiveram o intuito de tornar esta publicação uma referência tanto para os
gestores judiciários, quanto para o público mais amplo, seja composto pelo
cidadão interessado em conhecer melhor os detalhes deste Poder, seja o
especialista do mundo jurídico.
É oportuno frisar que todas as informações apresentadas anualmente
nesta publicação do CNJ permanecem acessíveis, não obstando qualquer tipo de
comparação. Em verdade, o relatório “Justiça em Números” apresenta-se como
parte relevante dos diversos esforços de transparência e amplo acesso à
informação empreendidos pelo poder judiciário.
Sempre que possível foram explicitados os números dos períodos prévios
de 2009 e 2010, assim como a variação em relação a 2011.
92
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 444. Acesso em 01 nov. 2012.
57
Para contemplar o objetivo da plena acessibilidade do relatório a públicos
distintos, manteve-se a lógica de organização das informações por ramos de
justiça, mesmo porque cada um deles tem singularidades que não podem ser
negligenciadas. Tal estratégia mostrou- se importante, sobretudo porque permitiu
análises ao nível dos tribunais e também do conjunto daqueles que formam um
ramo de justiça. Embora os dois focos de análise sejam da maior importância,
também é muito relevante demonstrar o retrato generalizado do poder judiciário.
Embora não seja possível olvidar os números globais da justiça brasileira,
é oportuno ressalvar que se encontram representados somente os dados
disponíveis. Isso significa que os ramos de justiça incluídos apenas em 2011
tiveram seus dados computados apenas em tal período.
Feitos os esclarecimentos necessários, o que se percebe pelos números é
que o poder judiciário ampliou-se, seja em termos orçamentários, seja em número
de servidores.
Tal incremento, entretanto, é devido em grande parte à consideração de
ramos novos no presente relatório, que não faziam parte do “Justiça em Números”
anterior. Mesmo que seja da maior importância divulgar os números totais
atualizados, é oportuno comentar também sobre qual foi o crescimento real.
A despesa total da justiça alcançou a cifra de 50,4 bilhões, sendo que
aproximadamente 90 % referem-se a gastos com recursos humanos, um total de
R$ 45,2 bilhões. Importante explicar que as despesas com RH consideram todos
os servidores ativos, inativos, instituidores de pensão, servidores que não
integram o quadro efetivo, além de incluir a remuneração e todos os demais
encargos tais como: ajuda de custo, diárias, passagens, auxílios, entre outros.
Cabe ressaltar que, a variação da despesa do Judiciário, desconsideradas
as inclusões de tribunais feitas em 2011, foi de apenas 1,5 % e não de 13,4 %.
Boa parte do crescimento na força de trabalho também se deve à referida
inclusão. Excluindo-se, portanto, os Tribunais Superiores, com exceção do TST,
toda a Justiça Eleitoral e Militar, o número de servidores cresceu apenas 4,8 mil, o
que representa 1,5 % em relação ao período prévio.
Se em relação às despesas e aos totais da força de trabalho o impacto da
inclusão de novos tribunais foi relevante, o mesmo não se verifica na litigiosidade.
As variações demonstradas são muito próximas daquelas calculadas sem os
58
novos ramos de justiça incluídos. O total de casos novos cresceu 8,8 % em
relação a 2010. O mesmo cálculo feito apenas para os casos novos dos tribunais
que participaram do relatório em 2010 revela um incremento de 7,3 % no total de
processos. Ainda sobre a litigiosidade, houve crescimento do total de casos
baixados (6,1 %), do total de sentenças (1,4 %) e do volume de processos em
tramitação (4,6 %), formado pelo somatório dos casos novos e pendentes, que,
em termos absolutos, chegou a quase 90 milhões em 2011.
Pela primeira vez na história do “Justiça em Números”, é conhecido o total
da movimentação processual de toda justiça, já que nesta versão foram incluídos
novos tribunais que anteriormente não eram considerados. Dessa forma, pode-se
observar que, tramitaram, ao longo de 2011, quase 90 milhões de processos,
sendo que, desse quantitativo, 71% (63 milhões) já estavam pendentes desde o
início do ano e os 26 milhões restantes ingressaram durante o ano. Foram
baixados aproximadamente 26 milhões de processos, quase o mesmo
quantitativo ingressado, e foram proferidas 23,7 milhões de sentenças e decisões.
De acordo com o infográfico relativo ao total do poder judiciário,
considerando as ressalvas mencionadas anteriormente, o total de processos
baixados no ano de 2011 apresentou aumento de 7,4 % em relação ao ano
anterior, sendo, inclusive, o maior aferido nos últimos três anos. Entretanto, isto
não foi suficiente para gerar uma redução do estoque de processos. Pelo
contrário, este teve um crescimento constante nos últimos três anos, sendo de 3,6
% no período entre 2010 e 2011.
Em muito, esta situação tem como origem o aumento da demanda, visto
que somente no último ano o número de casos novos aumentou 8,8 %, não sendo
equilibrado, portanto, pelo crescimento do total de processos baixados. Quanto
aos processos julgados, percebe-se que embora haja um crescimento menor que
o verificado nos processos baixados, as séries históricas de ambas variáveis
seguem a mesma tendência.
Apesar do aumento nas turmas recursais, em geral foi verificada uma
diminuição da taxa de congestionamento em relação ao período anterior. Embora
isso seja muito positivo, é oportuno comentar que o indicador de baixados por
caso novo, manteve-se inferior a 100 %, com exceção dos juizados especiais,
inclusive observando-se nestes uma curva crescente nos últimos três anos. A
59
própria natureza das demandas que chegam aos juizados incide positivamente na
celeridade
dos
julgamentos,
entretanto
não
se
pode
negar
que
o
descongestionamento processual apresenta tendência a diminuir desde o início
de sua medição, em 2009.
Outro aspecto relevante diz respeito à influência das execuções no poder
judiciário. Observa-se que ingressaram no poder judiciário mais processos na
fase de conhecimento do que da fase de execução, entretanto, como também
foram
baixados
mais
processos
nesta
fase,
o
estoque
é
composto
majoritariamente por processos de execução. A maior causa da morosidade são
os processos de execução de título extrajudicial fiscal que representam
aproximadamente 35 % do total de processos que tramitaram na 1ª instância no
ano de 2011 e apresentam taxa de congestionamento de 90 %. Não
contabilizando esses processos, a taxa de congestionamento da fase de
execução passaria de 85 % para 74 %. Em contrapartida, de cada cem processos
que tramitaram na fase de conhecimento no ano de 2011, 38 foram baixados
nesse período, sendo o maior congestionamento verificado nos processos
criminais, com uma taxa de congestionamento de 65 %.93
Com o intuito de aprimorar o “Justiça em Números” foram feitas algumas
recomendações, que tornarão ou darão aos dados coletados maior amplitude e
confiabilidade. São estas:
1)
Automatizar a informação dos dados pelos tribunais ao CNJ, através
de uma maior informatização do procedimento de coleta dos dados estatísticos,
evitando-se, com isto, a digitação das informações, diminuindo, substancialmente
a incidência de erros e inconsistências, além de tornar possível a disponibilização
destes dados não mais por instâncias, mas por unidades judiciais, como varas e
juizados;
2)
Reformar os indicadores referentes à recorribilidade e reforma de
decisão, adotando uma sistemática com maior confiabilidade e estatisticamente
mais robusta na determinação destes. Isto é necessário pois, dada a fragilidade
dos atuais indicadores deste grupo, com graves inconsistências metodológicas e
93
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 446. Acesso em 01 nov. 2012.
60
conceituais, que envolvem, inclusive, a relação de dados de diferentes períodos,
não é possível a utilização dos mesmos para a realização de estudos e análises;
3)
Criar indicadores que mensurem o tempo processual. A celeridade,
o tempo de processo são questões muito questionadas e cobradas pela
sociedade. Assim sendo, é importante que o CNJ, através do “Justiça em
Números”, consiga deixar transparente este dado para toda a sociedade. Isto será
possível com a criação de um indicador que mensure a diferença entre a data de
distribuição de um processo e a sua data de baixa, e ainda possibilitará a criação
de faixas de intervalo de tempo processual, ou seja, dividir o quantitativo de
processos de acordo com o seu tempo de duração.94
1.4 O pluralismo dos métodos de tratamento de conflitos
Na linguagem política, pluralismo é o termo empregado para definir uma
concepção que propõe como modelo social uma composição de vários grupos ou
centros de poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais é atribuída a tarefa
de limitar, controlar e contrastar até o ponto de eliminar o centro de poder
dominante, historicamente identificado como Estado. 95
O contexto abrangido por tal conceito vem a traçar uma oposição a
concentração e unificação do poder, características próprias do estado moderno.
O que precisa ser dito, é que o objetivo do pluralismo dos métodos de tratamentos
dos conflitos não é tirar o lugar do Estado, nem mesmo minimizar seus
fundamentos, mas sim o reconhecimento de que ele é uma das muitas formas
jurídicas que podem existir na sociedade.
Todas as considerações sobre a jurisdição e suas crises (criadas e
fomentadas
a
partir
da
globalização
cultural,
política,
econômica)
são
consequências da crise estatal. Nascida de um deliberado processo de
enfraquecimento96 do Estado, a crise se transfere para todas as suas
94
Justiça em Números. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficienciamodernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> p. 447. Acesso em 01 nov. 2012.
95
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 77.
96
Para cada situação existencial surgem sistemas estruturantes que servem para garantir certa
independência e experimentação a fatos novos, estabilizando-se as relações, frente a
desapontamentos. Por estes comportamentos, é possível a criação de expectativas em relação ao
61
instituições97, pois o Direito que imediatamente conhecemos e aplicamos, posto
pelo Estado, assim o é porque seus textos são escritos pelo Legislativo, mas
também porque suas normas são aplicadas pelo Judiciário.
98
Ao tomar o pluralismo dos métodos de tratamento dos conflitos99 como
estudo, parte-se da percepção de crise e esgotamento 100 do modelo jurídico
mundo circundante, fazendo-se com que a experimentação, a complexidade e a contingência se
apresentem como situações estruturalmente imobilizadas, dando ao homem a sensação de
imunidade aos desapontamentos. Além desta estrutura imobilizada, têm-se as experiências
vivenciadas por outros homens, que para nós, servem como situações já enfrentadas e livres,
portanto, de experimentação. O preço desta experimentação compartilhada pode ser a
potenciação do risco, e a elevação da contingência simples do campo de percepção, para o
campo do nível da dupla contingência. Sob as condições da dupla contingência pode-se afirmar
que toda experimentação e todo agir social possuem dupla relevância: uma tem haver com o nível
de percepção das atitudes imediatas de comportamento, e a outra, em termos de avaliação do
comportamento próprio em relação às expectativas do outro. (LUHMANN, Niklas. Sociologia do
Direito I, 1983).
97
Na visão geral, as instituições representam uma seqüência de problematização, o que é típico
para todas as instituições sociais. Logo, quanto mais uma sociedade se desenvolve, mais
necessidades e problemáticas iram afetar a prática da normativização. Nesse contexto, necessário
situar o direito através de sua função e suas ações específicas. Evidentemente que nem todas as
normas, instituições e princípios possuem relevância, caso em que se faz necessária certa
seletividade em sua discussão. O direito pode ser concebido de forma funcional e seleta, por tratar
de situações práticas e distintas, precipuamente quando trata de direitos pessoais. Não obstante,
o direito não pode ser considerado um elemento meramente coativo, mas também um alívio para
as expectativas. A coação relevante para o direito, pousa na obrigatoriedade de selecionarmos
expectativas, enquanto que o alívio consiste na disponibilidade de caminhos coerentes e
generalizados para as expectativas. Nesse sentido, o direito é essencial para a evolução social.
(Ibidem 1983).
98
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 102.
99
A divergência empírica sobre o direito quase nada tem de misteriosa. As pessoas podem
divergir a propósito de quais palavras estão nos códigos da mesma maneira que divergem sobre
quaisquer outras questões de fato. Mas a divergência teórica no direito, a divergência quanto aos
fundamentos do direito, é mais problemática. Num sentido trivial, é inquestionável que os juízes
"criam novo direito" toda vez que decidem um caso importante. Anunciam uma regra, um princípio,
uma ressalva a uma disposição - por exemplo, de que a segregação é inconstitucional, ou que os
operários não podem obter indenização em juízo por danos provocados por companheiros de
trabalho - nunca antes oficialmente declarados. Em geral, porém, apresentam essas "novas"
formulações jurídicas como relatos aperfeiçoados daquilo que o direito já é, se devidamente
compreendido. Alegam, em outras palavras, que a nova formulação se faz necessária em função
da correta percepção dos verdadeiros fundamentos do direito, ainda que isso não tenha sido
previamente reconhecido, ou tenha sido, inclusive, negado. Portanto, o debate público sobre a
questão de se os juízes "descobrem" ou "inventam" o direito constitui, na verdade, um debate
sobre se e quando essa ambiciosa pretensão é verdadeira. Se alguém diz que os juízes
descobriram a ilegalidade da segregação nas escolas, é porque já acreditava que a segregação
era de fato ilegal, mesmo antes da decisão que a declarou como tal e ainda que nenhum tribunal
tivesse afirmado isso anteriormente (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito: tradução Jefferson
Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 08-09).
100
Quando se faz uma análise mais demorada das origens, dos princípios e implementações de
nosso Direito Estatal, quase sempre identificado com a estrutura de poder e desvinculado das
práticas sociais comunitárias, compreende-se com mais facilidade as raízes de seu exaurimento.
Essa estrutura periférica e dependente é profundamente atingida por violentas contradições e
incontidos conflitos de natureza social, econômica e política. Trata-se da falência de uma ordem
jurídica herdada do século XVIII, por demais ritualizada, dogmática e desatualizada, que, em suas
62
liberal-individualista, que não oferece respostas satisfatórias (eficazes) aos
reclamos político-sociais de segurança e certeza no atual estágio de evolução das
sociedades complexas e conflitivas de massa. Para que essa e/ou essas
respostas sejam apresentadas, necessária é a imposição, como condição básica,
de demarcação de um novo fundamento de validade para o mundo jurídico, um
paradigma
que
inclua
o
reconhecimento
de
novas
formas
de
ações
participativas.101
A necessidade de dedicar nosso estudo a presente temática se manifesta
já que o Estado não aparece mais como ator principal na elaboração e na
aplicação legislativa, surgindo, paralelas a ele, novas forças que apontam para o
nascimento do Direito102 supraestatal. 103
Não é difícil constatar, hoje, o colapso dessa ordenação liberal-burguesa
presa às abstrações normativas acerca de um “sujeito de Direito” ou de um
“Estado de Direito” e que, escorada no convencionalismo de sua lógica
individualista e de sua racionalidade formal, não consegue acompanhar o ritmo
crescente de novas formas de reivindicações e transformações aceleradas por
que passa a Sociedade. Essa crise que atinge a legalidade estatal ultrapassa o
próprio aparato procedimental com todos os seus mecanismos institucionais, pois
o cerne da questão engloba princípios, fundamentos, valores e objetivos.
Tentando limitar o foco de atenção, há de se priorizar certo número de carências
e necessidades fundamentais que se traduzem em demandas por “novos” direitos
e que, na medida em que são frustradas, desencadeiam uma dinâmica
interminável de conflitos coletivos.104
raízes nunca traduziu as verdadeiras condições e intentos do todo social.(WOLKMER, Antonio
Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 2001, p. 90).
101
Ibidem, p. 90
102
A importância da discussão sobre o pluralismo jurídico enquanto expressão de um “novo”
Direito é plenamente justificada, porquanto o modelo de cientificidade que sustenta o aparato de
regulamentação estatal liberal-positivista e a cultura normativista lógico-formal já não desempenha
a sua função primordial, qual seja a de recuperar institucionalmente os conflitos do sistema,
dando-lhe respostas que restaurem a estabilidade da ordem estabelecida. Na medida em que o
aparato de modelos institucionais desta ordem apresenta-se insuficiente para dar conta de suas
funções, tornando as relações sociais previsíveis e regulares, a série de sintomas disfuncionais
deflagra a crise desse aparato, daí emergindo formas alternativas que todavia carecem de um
conhecimento adequado (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma
nova cultura no Direito, 2001, p. XVII).
103
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 76.
104
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito,
2001, p. 90-91.
63
Nestas condições, o pluralismo é o termo empregado para definir uma
concepção que propõe como modelo social uma composição de vários grupos ou
centros de poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais é atribuída a tarefa
de limitar, controlar, contrastar, até o ponto de eliminar, o centro do poder
dominante, historicamente identificado como o Estado.105
No entanto, uma das principais críticas dirigidas ao pluralismo é realizada
por Norberto Bobbio, uma vez que o pluralismo passa a imagem
de um estado de coisas caracterizado de um lado pela falta de um
verdadeiro centro de poder e, de outro, pela existência de inúmeros
centros de poder continuamente em luta entre si e o poder central, ou
seja, pela prevalência dos interesses particulares, setoriais e grupais
sobre o interesse geral, das tendências centrífugas sobre as centrípetas,
pela fragmentação do corpo social em vez de sua benéfica
desarticulação.106
A esse respeito, pode-se dizer que a íntima conexão entre a suprema
racionalização do poder soberano e a positividade107 formal do Direito conduz à
coesa e predominante doutrina do monismo 108. Tal concepção atribui ao Estado
105
Ibidem, 2001, p. 77.
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira, 4.ed..
Brasília: UnB, 1999, p. 30.
107
As teorias positivistas não estão a salvo de contestações na literatura da doutrina clássica;
devo mencionar, aqui, dois outros grupos de teorias geralmente ti das como suas rivais. A primeira
costuma ser chamada de escola do direito natural, ainda que as várias teorias agrupadas sob tal
designação sejam muito diferentes entre si, e que o nome não se ajuste a nenhuma delas. Se as
tratarmos como teorias semânticas, elas têm isto em comum: sustentam que os juristas seguem
critérios que não são inteiramente factuais, mas, pelo menos até certo ponto, morais, para
decidirem que proposições jurídicas são verdadeiras. A mais radical dessas teorias ressalta que o
direito e a justiça são idênticos, de tal modo que nenhuma proposição jurídica injusta pode ser
verdadeira. Essa teoria radical é bastante implausível enquanto teoria semântica, pois os
advogados freqüentemente falam de maneira que a contradiz. Os estudantes aprendem que o
segundo rival do positivismo é a escola do realismo jurídico. As teorias realistas foram
desenvolvidas no início deste século, sobretudo nas escolas de direito norte-americanas, embora
o movimento tivesse ramificações em outros lugares. (...) Alguns realistas exprimiram essas idéias
em uma linguagem profundamente cética. Afirmaram que o direito não existe, ou que resulta
apenas daquilo que o juiz tomou em seu café da manhã. Queriam dizer que não existe nada que
se possa chamar de direito, a não ser esses diferentes tipos de previsões. Contudo, mesmo assim
compreendido, o realismo permanece extremamente implausível enquanto teoria semântica. Pois
raramente é contraditório _ na verdade, é até comum - que os advogados prevejam que os juízes
cometerão um erro a propósito do direito, ou que os juízes manifestem seu ponto de vista sobre o
direito para acrescentar, em seguida, que esperam que ele venha a ser modificado (DWORKIN,
Ronald. O Império do Direito, 1999, p. 44-45).
108
A pretensão de monopolizar um bem predominante – quando tem finalidades públicas –
constitui uma ideologia. Sua forma comum é vincular a posse legítima a algum conjunto de
106
64
Moderno o monopólio exclusivo da produção das normas 109 jurídicas, ou seja, o
Estado é o único agente legitimado capaz de criar a legalidade para enquadrar as
formas de relações sociais que se vão impondo. Essa informação indica que, na
dinâmica histórica, o “princípio da estatalidade do Direito desenvolveu-se
concomitantemente com a doutrina política da soberania, que foi elevada a
condição de característica essencial do Estado”.110
Assim, pois, a existência do pluralismo, chamado de pré-moderno, remonta
à sociedade civilizada, quando já se percebiam sinais da influência de vários
atores na elaboração e aplicação da lei, especialmente na Europa, onde em torno
qualidades pessoais por meio de um princípio filosófico. Assim, a aristocracia, ou governo dos
melhores, é o princípio dos que reivindicam direito de linhagem e inteligência: são, em geral, os
monopolistas de latifúndios e de renome familiar. A supremacia divina é o princípio daqueles que
afirmam conhecer a palavra de Deus: são os monopolistas da graça e do ofício. A meritocracia, ou
carreira aberta a talentos, é princípio dos que se declaram talentosos: são, com mais freqüência,
os monopolistas da educação. O livre intercâmbio é o princípio dos que estão dispostos, ou nos
dizem que estão dispostos, a por seu capital em risco: são os monopolistas dos valores
mobiliários. Esses grupos – e outros também definidos por seus princípios ou posses – concorrem
uns contra os outros, lutando pela supremacia. Um grupo vence, depois outro grupo; ou
organizam-se coalizões e se divide, com desconforto, a supremacia. Não há vitória final, nem
deveria haver. Mas isso não quer dizer que as reivindicações de cada grupo estejam
obrigatoriamente erradas, nem que os princípios aos quais apelam não tenham valor como
critérios de distribuição; os princípios quase sempre estão corretos, dentro dos limites de
determinada esfera. As ideologias se corrompem rapidamente, mas sua corrupção não é o que
tem de mais interessante (WALZER, Michael. Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da
igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 13).
109
Todo o cidadão, cuja idéia política alinha-se as suas decisões, passa por estágios
procedimentais, tais estágios têm estreita ligação com a teoria de justiça, que tem ligação com o
seu lugar na sociedade, e a partir daí julga suas pretensões, em relação ao sistema social. De
forma que não é possível assegurar que as regras seguidas serão de acordo com a legislação
justa, sendo que o esquema da perfeita justiça processual é inatingível. É sabido também, que as
normas são feitas com o objetivo de serem seguidas pela forma justa, tendendo a se alinhar aos
princípios da justiça, do que, propriamente, a utilidade. A melhor Constituição é aquela em que
quando de sua elaboração os critérios de resultados desejados já são vistos e o estágio legislativo
vem a lhe dar sustentação, valendo-se dos ajustes sociais e efetivos. Logo, a discussão se a
Constituição é justa ou não está comumente ligada à divergência de opiniões. Neste contexto,
Rawl traça uma divisão de trabalho para a convenção constitucional, sendo que a primeira divisão
abrange o preenchimento dos requisitos formais, que basicamente se resumem as liberdades
fundamentais da pessoa, a liberdade de consciência e de pensamento e que o processo político
seja um processo justo, haja vista o status que a Constituição passa de equitativa igualdade de
oportunidade, sujeita, portanto, à manutenção das liberdades. A segunda parte traça o paralelo
hierárquico presente nas formas organizacionais, para que se fixem os padrões da cooperação
social, haja vista que o primeiro princípio de justiça se reflete na convenção constitucional
legislativa. A última fase do estágio se verifica quando da aplicabilidade das regras pelos juízes e
administradores, bem como pelo cumprimento pelos cidadãos. Patamar em que todos possuem
acesso a todos os fatos. Nesta etapa, cada aplicador possui a propensão a valer-se de todos os
conhecimentos disponíveis, aplicando-os ou não, dando, portanto, surgimento à teoria do
cumprimento parcial e a teoria ideal. (RAWL, John. Uma teoria da Justiça. Trad. De Vamireh
Chacon. Brasília. Editora Universidade de Brasília, 1981).
110
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito,
2001, p. 46.
65
do ano 1000 verifica-se uma grande proliferação de povos, línguas, crenças,
costumes e, consequentemente, regras111 de Direito.112
Com o avanço das relações negociais e o aprimoramento das técnicas de
comércio, as trocas deram origem as rotas marítimas e terrestres, com o
aparecimento de constantes guerras e batalhas que ocasionaram a transformação
dos costumes e, principalmente, dos atores envolvidos nas trocas, não sendo
raras às vezes nas quais os invasores impunham aos povos rendidos os seus
usos e costumes como forma de dominação e poder”.113
Diante do fim dos conflitos e a volta da segurança (ainda que passageira),
com o crescimento urbano e o incremento do comércio, aumentaram as
exigências de uma regulamentação própria que veio, então, juntar-se aos
sistemas jurídicos já existentes e nascidos na esteira da pluralidade de culturas
que de alguma forma os havia influenciado. 114
Nesse processo histórico de mudanças nas condições de vida marcado
pela insatisfação de necessidades e pela eclosão resultante de conflitos, interpõese a reivindicação de “vontades coletivas” em defesa dos direitos adquiridos e
pela criação ininterrupta de “novos direitos”. Com efeito, as múltiplas
manifestações da cidadania individual e coletiva estão direcionadas objetivando
conquistar e legitimar
direitos que
a própria comunidade se outorga,
independentemente da produção e distribuição legal, institucionalizada pelos
canais oficiais do aparelho estatal. A demanda e a implementação desses “novos”
direitos ainda não contemplados – ou, quando reconhecidos, só formalmente, em
nível de normas programáticas sem efetividade prática – pela legislação e pelos
111
As teorias semânticas pressupõem que os advogados e juízes usam basicamente os mesmos
critérios (embora estes sejam ocultos e passem despercebidos) para decidir quando as
proposições jurídicas são falsas ou verdadeiras; elas pressupõem que os advogados realmente
estejam de acordo quanto aos fundamentos do direito. Essas teorias divergem sobre quais
critérios os advogados de fato compartilham e sobre os fundamentos que esses critérios na
verdade estipulam. (...). Essas teorias positivistas, como são chamadas, sustentam o ponto de
vista do direito como simples questão de fato, aquele segundo o qual a verdadeira divergência
sobre a natureza do direito deve ser uma divergência empírica sobre a história das instituições
jurídicas. As teorias positivistas, contudo, diferem entre si sobre quais fatos históricos são cruciais,
e duas versões têm sido particularmente importantes na doutrina britânica (DWORKIN, Ronald. O
Império do Direito, 1999, p. 41).
112
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 78.
113
Ibidem.
114
Ibidem.
66
códigos positivos, na maioria das vezes só são conseguidos ou assegurados
através de um processo de lutas comunitárias e conflitos coletivos.115
Há que se compreender que a reinvenção permanente de “novos
direitos”116, que assumem dimensão individual, política e social, está diretamente
relacionada com o grau de eficácia de uma resposta à situação ou condição de
privação, negação ou ausência de “necessidades” fundamentais, “necessidades”
configuradas como bens que servem para a satisfação e realização da vida
humana. O lastro de abrangência desses direitos está sedimentado em novos
critérios de legitimação e de eficácia social, tendo sua razão de ser na ação dos
sujeitos coletivos que, conscientes e mobilizados num espaço cotidiano de
conflituosidade, reivindicam, através de formas múltiplas de pressão e lutas, a
satisfação de suas necessidades humanas fundamentais.117
Reconhece-se que as condições do atual estágio da ordem políticoeconômica mundial – caracterizada por um capitalismo monopolista globalizado,
por contradições sociais e crises específicas de legitimidade inerentes à
sociedade burguesa, pelo exaurimento do modelo clássico liberal da tripartição
dos poderes e pela descrença nos mecanismos tradicionais de representação
política – têm afetado profundamente o poder judiciário.118 Desta maneira, a
administração da justiça reproduz a crise vivenciada pelo modelo clássico de
Estado-Nação e pela estrutura sócio-cultural da sociedade de massa frente aos
novos desafios trazidos pela globalização. Na realidade, o alcance dessa crise de
identidade do Judiciário
115
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito,
2001, p. 91.
116
A luta por esses “novos” direitos por parte dos setores comunitários intermediários
representados, sobretudo, pelos movimentos sociais organizados, efetiva-se em duas fases:
a)
A exigência para tornar eficazes os direitos já alcançados e proclamados formalmente pela
legislação oficial estatal;
b)
A reivindicação e o reconhecimento dos direitos que emergem de novas necessidades que
a própria população cria e se auto atribui. Na verdade, toda a causalidade da interação coletiva de
edificação desses “novos” direitos comunitários deve-se à ineficácia de uma legislação estatal
importada da Metrópole colonizadora e inteiramente desvinculada dos reais interesses dos
segmentos majoritários de nossa sociedade. Consequentemente, vive-se um “processo de
construção coletiva de uma nova cidadania”, pressuposto básico para implementar uma nova
legitimidade de poder. (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma
nova cultura no Direito, 2001, p. 92-93).
117
Ibidem, p. 92.
118
Ibidem, p. 98.
67
condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional,
construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em
procedimentos lógico formais, e que, na retórica de sua “neutralidade”, é
incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a
especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos. Trata-se de uma
instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura de
poder dominante, como, sobretudo, de um órgão burocrático do Estado,
desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca
eficácia na solução rápida e global de questões emergências vinculadas,
quer às reivindicações dos múltiplos movimentos sociais, quer aos
interesses das maiorias carentes de justiça e da população privada de
seus direitos.119
Logo é possível conceber que a crise vivenciada pela justiça Oficial,
refletida
na
sua
inoperacionalidade,
lentidão,
ritualização
burocrática,
comprometimento com os “donos do poder” e a falta de meios materiais e
humanos, não deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais
abrangente, que é a própria falência da ordem jurídica estatal. O que importa é ter
consciência de que “a grande questão (...) é aquilo que muitos parecem não ver: o
estar formado numa cultura jurídica incapaz de entender a sociedade e seus
conflitos e a má vontade em discutir a democratização efetiva deste ramo do
Estado”. 120
Entretanto, enfatizar a proposição de que o Judiciário como locus de
negociação está defasado no Brasil contemporâneo não implica sua rejeição
como instância futura de absorção dos conflitos coletivos,
desde que descentralizada e controlada democraticamente pelo poder
da sociedade civil e de seus corpos comunitários intermediários. [...]
disso resulta, para nossa situação periférica, a urgência de uma sólida
transformação em toda a instância estatal de jurisdição, de tal modo que
esta venha a se constituir, sob a participação e o controle do poder
comunitário, num espaço privilegiado de funcionamento, favorável e não
contrário às reivindicações da imensa maioria da população excluída e
121
injustiçada.
119
Ibidem, p. 99.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito,
2001, p. 100.
121
Ibidem, p. 103-104.
120
68
A par dessas considerações sobre a prioridade de uma consubstancial,
descentralizada e democrática mudança no aparelho tradicional de jurisdição do
Estado, impõe-se, mais do que nunca, desenvolver procedimentos efetivos de
acesso e controle da população à administração da justiça, incrementando a luta
não só para que os órgãos clássicos de jurisdição (juízes, tribunais, etc.)
reconheçam e saibam aplicar formas flexíveis ou alternativas de Direito, como
igualmente, que haja uma aceitação cada vez maior, por parte dos canais
institucionalizados do Estado, das práticas de negociação e de resolução dos
conflitos, mediante mecanismos não-oficiais, paralegais, informais etc,122 desde
que sejam lícitos e que respeitem as regras constitucionais e infraconstitucionais,
os quais trata o próximo capítulo.
122
Ibidem, p. 106.
69
2 MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS.
Para o tratamento dos conflitos o Estado estabeleceu-se tradicionalmente
de maneira hierarquizada e como um sistema responsável pela pacificação social,
mediante a imposição de seu sistema judiciário e normativo. Essa estrutura
representa o modelo clássico de organização dos sistemas judiciários de
regulação dos conflitos, que atualmente, devido aos tempos de crise, vem
perdendo espaço para os instrumentos consensuais extra e intrajudiciários.123
Nesse sentido, a finalidade da presente dissertação é investigar quais os
meios de resolução de conflitos que, convertidos em práticas comunicativas 124,
podem colaborar para a promoção da emancipação e coesão sociais, da
autonomia e do emponderamento individuais e coletivos; para tanto, inicia-se a
discussão no que tange à duplicidade de sentidos que o “conflito” pode ser visto.
2.1 O CONFLITO VISTO ATRAVÉS DE SUAS DUAS FACETAS: DESTRUIDOR
X CONSTRUTIVO
É sabido que desde que o ser humano surgiu na Terra, ele se organizou
em sociedades imperfeitas, insuficientes. Mas que de qualquer forma garantiram
a sobrevivência dessa espécie tão frágil. Não sendo os mais fortes, os humanos
provaram ser os mais inteligentes dos animais (por mais que as vezes se
esforcem por negar tal atributo). A inteligência nos tornou seres inquietos,
rebeldes, curiosos, permanentemente insatisfeitos. O homem é o bicho que mais
123
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 14-15.
124
Na teoria da ação comunicativa, a sociedade está articulada em dois níveis: os paradigmas do
mundo da vida e o sistema. O “mundo da vida” é onde os atores sociais atuam e que pode ser
diferenciado como: um mundo objetivo; enquanto conjunto de entidades sobre as quais se
produzem enunciados verdadeiros; já o mundo social é tido como um conjunto de relações
interpessoais legitimamente reguladas. Desta forma, nesse mundo de vida compartilhado, os
sujeitos possuem a capacidade da linguagem e ação, e devem, portanto, “se relacionar com algo”
no mundo objetivo quando quiserem se entender entre si “sobre algo”, nas relações práticas. Essa
possibilidade de se relacionar, com si e com outros, é um pressuposto pragmático. Desse modo,
os pressupostos de uma ação comunicativa, enquanto condições de acesso ao mundo da vida e,
como meio de formação do consenso, é a necessidade dos participantes de terem mútua
capacidade de responder e de se responsabilizarem por seus atos, estarem dispostos
mutuamente ao entendimento e “atuar sobre um consenso, ou seja, buscando um acordo.
(HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Accion Comunicativa: complementos y estúdios prévios
Madrid: Taurus, 2001, p. 144).
70
se adapta e, ao mesmo tempo, que mais ousa! “Ser homem é ser descontente”,
afirmou Fernando Pessoa, poeta, pesquisador dos caminhos misteriosos da
alma.125
Marx e Engels,126 ao analisarem a progressão histórica da economia
mundial,127 reproduziram os conflitos sociais128 que se desenvolveram na história
entre burguesia e proletariado. Um fator interessante a ser enfrentado é que a
sociedade burguesa, ao ser considerada revolucionária naquele período, pode ser
considerada uma mera reprodução moderna das relações de poder que perduram
desde a antiguidade.
Esse aspecto revolucionário serviu para que essa classe pudesse ascender
ao poder sem modificar sua estrutura, mantendo a concentração do poder na
minoria elitizada. Sendo que a revolução proletária129 surgiu em meio à
exploração enfrentada sob a égide dos produtores. Nesse meio, a classe
trabalhadora tem a destituição de sua dignidade, passando a perceber cada vez
menos, e a trabalhar cada vez mais.
Diante da necessidade de extinção dos métodos exploratórios é que nasce
a união e consciência dos trabalhadores, que formaram um grande movimento,
que de fato, resulta na concorrência entre os próprios operários, o que causou a
incessante destruição do movimento, que se reergueu em seguida de forma mais
consistente.
125
MARX, Karl, Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 11.
MARX, Karl, Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
127
O mundo europeu do meio do século passado era marcado, por um lado, pela consolidação da
Revolução Industrial, e, por outro pelo agravamento da crise do Antigo Regime, que tentava
restaurar velhas dinastias por meio da reação antiliberal. Isto se traduzia em poder da burguesia,
expansão imperialista dos mercados e fortalecimento da ideologia liberal-capitalista, baseada na
não intervenção do Estado na economia e na livre concorrência ao lado dos violentos estertores
do absolutismo, que resistia de todas as maneiras às revoluções liberais. (MARX, Karl, Engels,
Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 14).
128
O Manifesto corta com a afiada faca da ironia três tipos de socialismo da época: “o socialismo
reacionário” (subdivido em socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês e socialismo alemão ou
verdadeiro), “o socialismo conservador e burguês” e o “socialismo e comunismo crítico-utópico.
(MARX, Karl, Engels, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 26).
129
Admitir democraticamente que não constituíam o único grupo a defender o proletariado não
significou para os comunistas do Manifesto a negação de sua identidade. Aliás, o manual
revolucionário foi escrito exatamente para afirmá-la. E a identidade própria dos comunistas está,
por um lado, no internacionalismo, que parte do entendimento de que os interesses da classe
trabalhadora são os mesmos em todo o mundo, e por outro lado, na defesa dos interesses gerais
do proletariado, o que não deixa de ser, aliás, um tanto genérico. (MARX, Karl, Engels, Friedrich.
Manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p. 23).
126
71
De todos os ensinamentos trazidos por este clássico da história, a
compreensão necessária está pautada no entendimento do que foi, e o que ainda
existem escritos de mais de 150 anos, que se adaptam perfeitamente aos dias
atuais. A desigualdade produzida pelo homem é apontada da melhor maneira
possível nas explorações narradas. A influência da burguesia induzia os
trabalhadores a acreditarem que estariam ingressando na “Nova Jerusalém”,
manipulando-os para a manutenção das relações exatamente como elas existiam.
O proletariado, sob essa concepção, não estava relacionado a nenhum
movimento político e, portanto, não tinha caráter revolucionário. Era visto como a
classe mais sofredora e que deveria ser incluída no plano de melhora social, que
era destinado a todas as classes, indistintamente. Por certo que atualmente a
concepção dada ao proletariado resta protegida pelas leis trabalhistas, e que este
cenário revolucionário foi indispensável para o desenvolvimento do proletariado e
sua revolução.
Necessário
foi
este
resgate
compreendermos
as
principais
histórico
mudanças
para
ocorridas
que
nos
fosse
possível
processos
de
transformação dos conflitos, bem como as dimensões que o dividem, deixando,
claro, portanto, que a relação humana é o coração da transformação do
conflito.130
Ao analisarmos a faceta do conflito com seu caráter “destruidor”, é possível
visualizarmos a existência de inúmeros fatores que impõem a persuasão e o
medo, afinal de contas,
o medo multiplica o sofrimento, impede que passemos criativamente por
ele, determina-nos, inconscientemente, a nos esconder. Os medos criam
mil formas de esconder-nos, de impedir-nos de passar pela vida, de
enfrentá-los, que é a única forma de vivê-la. Os covardes constituem
como tais, não por terem medo, mas por usar o medo para esconder-se
da vida, mas por evitar colocar seu mundo na vida.131
130
SALES, Lilia Maia de Morais. Transformação de conflitos, construção do consenso e a
mediação- complexidade dos conflitos. In: SPENGLER, Fabiana Marion. SPENGLER, Theobaldo
Neto. Mediação enquanto política público. (recurso eletrônico): a teoria, a prática e o projeto de lei.
1 ed. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2000, p. 88).
131
WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Coordenadores: Orides
Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2004, p. 23.
72
O medo é traiçoeiro e pode criar uma bravura ao redor de si; uma bravura
indeterminada contra o mundo132 que é um simulacro de enfrentamento do
conflito. Uma bravura sem endereço: uma bravura que, unicamente, serve para
nos escondermos do mundo que nos tocou enfrentar para sermos os mesmos,
caminharmos em busca de nossos sonhos. Em virtude de tais considerações,
devemos ter cuidado com a coragem, afinal, ela pode ser uma teia protetora, uma
gordura que nos afasta do mundo: uma coragem simulada que pode perpetuar
um exílio no mundo, das próprias raízes, um peso que anula nossas asas. O
medo anula toda a possibilidade de criatividade, toda a possibilidade de
aprendizado.133
Nossa mente cria medos, ódios, ciúmes. Temos que impedir que esses
sentimentos que nos fazem sofrer criem conflitos já que
a nossa relação com os outros é constitutiva de nossa personalidade. A
existência humana do homem não é estar no mundo, mas sim estar com
os outros. O homem é essencialmente um ser de relação. Só existo em
relação com outrem. Todavia, a maior parte das vezes, experimento
inicialmente o meu encontro com o outro como uma adversidade, como
um confronto. A vinda do outro a minha casa é um transtorno. O outro é
invasor da minha área de tranquilidade; ele arranca o meu repouso. O
outro, pela sua existência, surge no espaço de que já havia me
apropriado como uma ameaça para a minha existência. O outro é aquele
132
Os problemas da sociologia reduzem-se a um fato tão acessível à nossa experiência ingênua,
como os fatos naturais do nosso mundo. Este é o fenômeno sociedade que, advertindo-nos tão
seguida e intensivamente, por fundadas razões também pode ser descrito como um fato “irritante”.
A mera probabilidade ocasional dificilmente poderá explicar nosso comportamento em relação aos
outros e a nós mesmos. Obedecemos leis, votamos em eleições, casamos, frequentamos escolas
e universidades, temos uma profissão e somos membros de uma igreja. Cuidamos de nossos
filhos, tiramos o chapéu ante nossos superiores, damos preferência aos mais velhos, falamos com
diversas pessoas em diversas línguas, sentimo-nos aqui em casa, acolá forasteiros. Não
conseguimos andar um passo, não conseguimos proferir uma sentença, sem que entre nós e o
mundo se interponha um terceiro que nos vincula ao mundo e que relaciona as duas abstrações
tão concretas: a sociedade. e existe uma explicação para o tardio surgimento da consciência da
sociedade, está só pode ser procurada na onipresença de seu objeto, que está inserido em sua
própria descrição e análise. O objeto da sociologia gira em torno do homem confrontado com o
“fato irritante da sociedade”. O homem, todo o homem, defronta-se com este fato; é este fato que,
mesmo imaginável independe de determinados indivíduos, torna-se mera ficção sem a
participação de determinados indivíduos. No espaço em que se entrecortam homem e sociedade,
é que se devem procurar os elementos de uma ciência que tem por objetivo o homem em
sociedade. (DAHRENDORF, Ralf. Homo sociologicus: ensaio sobre a história, o significado e a
crítica da categoria social. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991, p. 39-40).
133
WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Coordenadores: Orides
Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2004, p. 23.
73
cujos desejos se opõem aos meus, cujos projetos contrariam os meus,
cuja liberdade ameaça a minha, cujos direitos usurpam os meus.134
Diante de tais posições, a aproximação do outro é perigosa, pelo menos
pode sê-lo. O outro não me quer forçosamente mal; talvez até me queira bem,
mas não o sei. É por isso que o outro, o desconhecido, faz pesar uma incerteza
sobre o meu futuro e me instala na insegurança. O outro inquieta-me e faz-me
medo. De qualquer forma, mesmo que não esteja imbuído de más intenções, o
outro transforma-me. Provavelmente vai ser um estorvo. Será preciso arranjar-lhe
um lugar, ceder-lhe o meu, e talvez mais do que isso. Inicialmente, sinto a
proximidade do outro como uma promiscuidade. Talvez o outro não me venha a
ameaçar, talvez queira simplesmente pedir ajuda? Mas esse pedido continua a
ser uma ameaça, continua a ser um transtorno. O meu medo do outro redobra
quando não é meu semelhante, quando não fala a mesma língua, quando não
tem a mesma cor quando exibe sua fé num Deus que não é o meu. Esse, mais do
que qualquer outro, transtorna-me. Porque não ficou na casa dele?135
Todas estas inquietações são abordadoas por Jean-Marie, que destaca em
seus estudos a teoria desenvolvida por René Girard136. Tal teoria esclarece a
maneira como os homens rivalizam entre si e criam posições conflituosas.
“Não há nada, ou quase nada, nos comportamentos humanos que não
seja aprendido, e toda a aprendizagem se limita à imitação”. Por
conseguinte, ele vai tentar elaborar uma ciência do homem
“determinando
as
modalidade
propriamente
humanas
dos
comportamentos miméticos”. Ao contrário daqueles que vêem na
imitação um processo de harmonia social, René Girard pretende mostrar
que ela é essencialmente um princípio de oposição e de adversalidade,
de rivalidade e de conflito. Com efeito, o que está em jogo nos
comportamento miméticos dos homens é a apropriação de um objeto
134
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 16.
135
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 16-17.
136
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995. Apud René Girard. Des cachées depuis La
fondation du monde, investigações conjuntas com J.D. Oughourlian e Guy Lefort, Paris, Grasset,
1983, p. 15-16.
74
que, pelo fato de ser cobiçado por vários membros do grupo, se torna
causa de rivalidade e de conflito.137
“Se um indivíduo vê um dos seus congêneres estender a mão para um
objeto, é logo tentado a imitar seu gesto”. Segundo René Girard, é essa rivalidade
mimética, cujo objetivo é a apropriação de um mesmo objeto, que está na origem
dos conflitos entre os indivíduos. E o conflito é o confronto da minha vontade com
a do outro, cada um querendo fazer ceder a resistência do outro. 138
O indivíduo inveja o outro que goza da posse de um objeto que ele próprio
não possui. Assim o sentimento de ciúme, que faz invejar o objeto possuído pelo
outro, é uma das molas mais poderosas dos conflitos que opõem os indivíduos
entre si. O poder sobre os objetos cria um poder sobre os outros. O desejo de
posse e o desejo de poder estão profundamente ligados um ao outro. Ao mesmo
tempo em que os indivíduos rivalizam entre si pela apropriação dos objetos, lutam
entre si pela afirmação do seu poder.139
O poder é discurso, palavra inaugural, enunciado que se pretende
“performativo”, criador de um mundo. Ele surge como discurso da ideologia.
Mas essa ideologia, que instaura entre os seres humanos relações
imaginárias, não teria nenhuma chance de perdurar caso na viesse, ao
mesmo tempo, acompanhada da ciência, do saber racional. Quem diz
poder dizer a capacidade de proferir o saber ou, pelo menos, de se
apropriar diretamente do saber dos outros e ter o direito exclusivo de
enunciá-lo. O mestre fala e os outros trabalham. Nada podemos
entender a respeito do poder, se não vislumbramos como técnica de
sujeição através, unicamente, da palavra (o aparelho repressivo só entra
em jogo quando a palavra começa a falhar).140
Diante do surgimento de novos atores sociais e o consequente surgimento
de novos discursos, com a tomada de palavreado de difícil compreensão,
137
Ibidem.
Ibidem.
139
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 17-18.
140
ENRIQUEZ, EUGENÈ. As figuras do poder. Tradução de Nina Melo. São Paulo: Via Lettera
Editora e Livraria, 2007, p. 68.
138
75
somente aos mestres restará o direito de falar. Em suma, isso irá se tornar um
elemento de controle141 sobre os outros? Muito tem a ser discorrido acerca de tal
temática, fator que faz com que se restrinja seu campo de atuação aos limites da
sujeição, ou seja, dos declarados “dominados”.
Não basta dizer que o saber está junto do poder, a fim de que se possa
entender por quais motivos a ciência da “ótima comunicação”, sujeita a um
controle rigoroso e sem ambiguidades, sempre se manifesta através da sujeição.
É porque o saber não nasce feliz. Ele sempre representa uma tentativa de
dominar a natureza, a vida142. Ele se apresenta como um contínuo martelar, como
informação. Jamais aceita as coisas tais como são. Quer torná-las inteligíveis
(não sensíveis) para poder dominá-las143, de forma que é possível afirmar que
existe sim um elo orgânico entre a propriedade e o poder
já que o jogo dos conflitos que opõem os homens é frequentemente um
jogo de poder. É verdade que cada pessoa precisa possuir objetos
suficientes para satisfazer as suas necessidades vitais – alimentação,
alojamento, vestuário, da mesma forma que necessita de poder
suficiente para fazer respeitar os seus direitos. Mas se os desejos de
posse e de poder são legítimos na medida em que permitem ao indivíduo
tornar-se autônomo em relação aos outros, tanto um como o outro tem
uma tendência natural para exigirem e desenvolverem-se cada vez
mais.144
141
Os conflitos daí resultantes são sutis em alguns lugares e ostensivos em outros, mas são
quase que onipresentes. Pode ter parecido estranho para observadores distantes, quando o
prefeito eleito da parte flamenga da Bélgica foi deposto pelo governo porque falava somente
francês, mas não é engraçado. Os suíços tiveram afinal que aceitar a separação de um cantão do
Jura do velho cantão de Berna. Na Califórnia, um referendo correu em favor do inglês como única
língua oficial, mas é óbvio que muitos californianos continuaram a falar espanhol e que,
provavelmente, esses últimos irão vencer numa outra oportunidade. A guerra civil irlandesa tem
uma longa história, mas evoluiu para o pior nos anos recentes, o que faz com que a perspectiva
de uma divisão do poder seja muito improvável. (DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno:
um ensaio sobre a política da liberdade. Tradução: Renato de Aguiar e Marco Antonio Esteves da
Rocha. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. São Paulo: Edusp, 1992, p. 164).
142
Refletir sobre as formas da vida humana e analisá-las cientificamente é seguir rota oposta à do
seu verdadeiro desenvolvimento histórico. Começa-se depois do fato consumado, quando estão
concluídos os resultados do processo de desenvolvimento. As formas que convertem os produtos
do trabalho em mercadorias, constituindo pressupostos da circulação das mercadorias, já
possuem a consistência de formas naturais da vida social, antes de os homens se empenharem
em aprender, não o caráter histórico dessas formas, que eles, ao contrário, consideram imutáveis,
mas o seu significado. (MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução: Reginaldo
Sant‟Anna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 97).
143
ENRIQUEZ, EUGENÈ. As figuras do poder. Tradução de Nina Melo. São Paulo: Via Lettera
Editora e Livraria, 2007, p. 69.
144
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 18.
76
O indivíduo não pode fugir a uma situação de conflito145 sem renunciar aos
seus próprios direitos. Ele deve aceitá-la, pois é através do conflito que poderá
ser reconhecido pelos outros. É verdade que o conflito pode ser destruidor, mas
também pode ser construtivo. A função do conflito é estabelecer um contrato, um
pacto entre os adversários que satisfaça os respectivos direitos e chegar, assim, à
construção de relações de equidade e de justiça entre os indivíduos no interior de
uma mesma comunidade e entre as diferentes comunidades. O conflito é, assim,
um elemento estrutural de toda a relação com os outros e, por conseguinte, de
toda a vida social.146
Por certo que os métodos alternativos de tratamento dos conflitos, em
especial a mediação147, se propuseram a desmitificar a compreensão do conflito
com algo negativo, possibilitando sua percepção como algo próprio das relações
humanas. As contradições e as inquietações fruto das diferenças entre as
pessoas permitem o aprimoramento das relações. Tal como acontece nas
transformações dos conflitos, as diferenças apontadas funcionam como aliadas à
construção de um vínculo mais sólido.
145
Os conflitos têm de ser vistos para serem reais. Não faz muito sentido imputar profundas
clivagens às estruturas sociais e políticas se choques não acontecem dentro delas.
Consequentemente, está claro que nas sociedades contemporâneas da OCDE não há conflitos de
classe no sentido clássico do termo. A maioria dos observadores não consegue detectar batalhas
políticas entre grupos sociais que estejam divididos por barreiras generalizadas de poder e de
prerrogativas. Há sobras do velho conflito. A classe da maioria continua suas escaramuças por
redistribuição. Em alguns lugares, a linguagem de conflito de classe ainda é empregada, e se
olhamos para a divisão Norte-Sul na Itália, ou a Sul-Norte na Grã-Bretanha, podemos apreciar as
razões. Mas, mesmo nesses países, a classe no velho sentido não é a base predominante do
conflito, e quaisquer que sejam as novas linhas de divisão e antagonismo que estejam emergindo,
não conduzem a lutas organizadas entre novos ricos e novos despossuídos. (DAHRENDORF,
Ralf. O conflito social moderno: um ensaio sobre a política da liberdade. Tradução: Renato de
Aguiar e Marco Antonio Esteves da Rocha. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. São Paulo: Edusp,
1992, p. 167).
146
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 18.
147
Ora, quando se trata de um conflito, não devemos entendê-lo, pois não podemos. Muitas
coisas nele são ocultas, mas podemos senti-las. Se tentarmos entendê-las, não encontraremos
nada, corremos o risco de agravar o problema. Para mediar, como para viver, é preciso sentir o
sentimento. O mediador não pode se preocupar por intervir no conflito, transformá-lo. Ele tem que
intervir sobre o sentimento das pessoas, ajudá-las a sentir seus sentimentos, renunciando a
interpretação. Os conflitos nunca desaparecem, se transformam, isso porque geralmente tentamos
intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas. Por isso é recomendável, na
presença de um conflito pessoal, intervir sobre si mesmo, transformar-se internamente, então, o
conflito se dissolverá (se todas as partes comprometidas fizeram a mesma coisa). WARAT, Luis
Alberto. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Coordenadores: Orides Mezzaroba, Arno Dal
Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p.
26).
77
Em última análise, o conflito não deve ser considerado como norma da
relação com o outro. O homem pode ser um lobo para o homem, mas vive então
como um lobo e não como um homem 148. A humanidade do homem não se
cumpre fora do conflito, mas sim para lá do conflito. O conflito está na natureza
dos homens, mas quando esta ainda não será transformada pela marca do
humano. O conflito é o primeiro, mas não deve ter a última palavra. Não é o modo
primordial, mas o mais primário da relação com o outro. Ele é criado para ser
ultrapassado. O homem deve esforçar-se por estabelecer com o outro homem
uma relação pacífica149, destituída de qualquer ameaça e medo. Face àquele que
o enfrenta, o homem não deve estabelecer uma relação de hostilidade, em que
cada um é inimigo do outro, mas deve querer estabelecer com ele uma relação de
148
A ciência social até o momento nos apresentou dois tipos novos de homens, altamente
problemáticos, que, na realidade, de nossa experiência diária, dificilmente podem ser encontrados.
Um é o muito discutido “homo oeconomicus” da moderna ciência econômica: o consumidor, que
antes de qualquer compra, decide cuidadosamente sobre utilidade e custo, comparando centenas
de preços antes de tomar uma decisão; o empresário que reúne mentalmente todos os mercados
e bolsas de valores, orientando todas as tomadas de decisão a partir deste conhecimento; o
homem bem informado, completamente racionalizado. Para a nossa experiência ingênua, trata-se
de uma criatura singular. Mesmo assim trata-se de uma criatura singular. [...] muito mais
ameaçador é o paradoxo das nossas relações com o segundo homem da ciência social. O
“psychological man”, é aquele homem que, mesmo fazendo sempre o bem, possivelmente sempre
queira o mal, o homem dos motivos sub-reptícios, que não se torna mais conhecido pelo fato de
termos aformoseado em sua espécie de divertimento social. Por isso, em nenhum caso a
necessidade se apresenta tão nítida de, se não reconciliar, pelo menos tornar compreensível e
viável o dilema da duplicidade do mundo. (DAHRENDORF, Ralf. Homo sociologicus: ensaio sobre
a historia, o significado e a crítica da categoria social. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991, p,
37-38).
149
O maior dos problemas enfrentados pelo direito na sociedade contemporânea decorre da
ausência de um conjunto de valores válidos como padrão de comportamento em todas as esferas
da vida social. Desta ausência decorrente a exigência do surgimento de uma sociedade pluralista
caracterizada por diversas visões de mundo, retirando a possibilidade de uma fundamentação
inquestionável do direito, trazendo, como conseqüência, de um lado, o problema de sua redução à
mera facticidade da imposição coercitiva e, de outro, da pretensão de legitimidade que agora não
pode mais estar fundada em pressupostos legitimadores dados. Interessante o resgate feito pelo
autor no que tange a autocomposição dos conflitos, a partir de procedimentos com potencialidade
normativa universal. Tais observações contribuem com a pretensão consensualista do modelo
habermasiano, que impõe ao horizonte dos agentes comunicativos. No que tange a indicação de
um racionalismo idealista incompatível com a complexidade da sociedade, caso concebido o
consenso como um ideal regulativo, discordo da opinião exarada pelo autor, haja vista que é
possível sim uma releitura do modelo habermasiano à luz de sua teoria, na hipótese em que o
conceito de “mundo da vida” seja considerado uma esfera social na qual a comunicação é
reproduzida por meio da linguagem natural cotidiana e não a partir da especialização que pauta a
linguagem dos sistemas funcionais. (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e o Leviatã: uma relação difícil:
o Estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas. E ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2008).
78
hospitalidade, na qual cada um é hóspede do outro.150 A hospitalidade exige mais
do que justiça;
a justiça por si só, isto o é, simples respeito pelos direitos de cada um,
não basta para criar uma relação de homem para homem. Ela mantém
ainda os próximos separados um do outro. Fazer-se respeitar é ainda
fazer-se recear. Para formar uma comunidade humana, os homens são
chamados a manter entre si relações de reciprocidade baseadas na
partilha e na dádiva. Digamo-lo já, antecipadamente, o lugar da
151
hospitalidade é o lugar da bondade.
Na realidade, qualquer situação política é conflituosa, quanto mais não seja
de forma potencial. A coexistência entre os homens e os povos deve tornar-se
pacífica, mas permanecerá sempre conflituosa. A paz não é nem pode ser, sem
nunca será a ausência de conflitos, mas o domínio152, a gestão e a resolução dos
conflitos por meios diferentes da violência destruidora e mortífera.153
2.2 Classificação dos meios de tratamento de conflitos
Desenvolvendo uma análise da sociedade a partir do período da história
moderna, o ser humano, para que pudesse ter uma relação de convivência mais
ordenada, encontrou uma forma organizativa, que é o Estado. Uma relação que
150
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 19.
151
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 20.
152
A relação entre o mando e a obediência faz com que todo o domínio seja exercido por um
pequeno número, minoria que impõe, desta ou daquela maneira, seus pontos de vista à maioria.
Não existe governo de todos sobre todos, nem mesmo de maior número sobre o menor. O regime
democrático pode eventualmente facultar o revezamento graças às eleições ou a outras formas de
consulta à maioria, mas de fato é sempre uma minoria que decide e orienta segundo suas
diretrizes a atividade política geral do agrupamento. Disso resulta uma segunda consequência:
desde que o aparelho de domínio consiga assegurar sua continuidade, tende inevitavelmente a
cercar de segredo suas intenções e algumas de suas gestões e decisões. Aí está uma condição
indispensável de toda atividade coerentemente eficaz. A natureza e o número dos atos que os
governos dissimulam podem variar de um regime para o outro, ou ainda de um Estado para o
outro, mas não existe absolutamente domínio que não mantenha segredo em torno de alguns
pontos essenciais. (FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Tradução: Luiz Claudio e Castro e
Costa, revisão de Paulo Guimarães do Couto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003,
p, 162).
153
MULLER, Jean- Marie. O princípio da não violência. Percurso filosófico Tradução de Maria
Fernanda Oliveira. Lisboa. Instituto Piaget: 1995, p. 18-19.
79
ajudou na segurança, mas com a condição de que o ser humano fizesse parte do
Estado como membro contribuinte. Como a sociedade evoluiu desde então,
permitiu-se a compreensão das mudanças e dos fenômenos de massa e seus
reflexos no Direito.154
Todavia, contemporaneamente existem grupos sociais que não aceitam a
instrumentalização da liberdade em troca da segurança; e criam suas próprias
regras de regulação social. Neste contexto, o direcionamento da pesquisa deixa
de dar atenção às ações reformistas e altamente formalizadas que operam com a
manutenção da ordem, encaminhando-se para a prática social cotidiana de
rupturas e mudanças, propiciando a construção das bases de um novo ajuste de
convivência,
através
de
movimentos
extrajudiciais
que
viabilizam
a
autocomposição dos conflitos, e que será objeto desta abordagem.
A impossibilidade de tratamento adequado a todos os problemas que hoje
demandam acesso à Justiça e que visam a que essa justiça seja efetiva na
consecução dos propósitos prometidos, elucida um descompasso e um desajuste
que acabam por ocasionar uma perda de poder do Estado e consequente
desprestígio e deslegitimação do próprio Poder Judiciário, como Poder Público
Estatal.155
Efetivamente, a estrutura procedimental da justiça brasileira foi idealizada
para tratar conflitos individuais, e ao que se percebe estes não representam a
totalidade dos conflitos de interesses atualmente existentes. Portanto, é
exatamente por ser marcado pelo individualismo que o sistema processual
vigente está capacitado – se tal fosse verdadeiro – para administrar apenas uma
parte dos conflitos de interesse na sociedade.156
Admite-se que atualmente estamos em um momento de desacomodação
interna, no qual há um aumento extenso e intenso de reivindicações de acesso à
Justiça, quantitativa e qualitativamente falando, em contraposição a instrumentos
154
BATISTA, Keila Rodrigues. Acesso à justiça: instrumentos viabilizadores. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2010, p. 12.
155
MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 105.
156
Ibidem, 105.
80
jurisdicionais notoriamente insuficientes e ineficientes para atender e satisfazer
subjetiva e objetivamente o conjunto de demandas que lhe são apresentadas.157
Conforme, já constatado, enfrentamos atualmente, crescentes falhas na
direção de condutas que, desde o surgimento do Estado, sempre foram de sua
competência por exercício e imposição do direito. É aqui, pois, que se fala em
crise da Justiça e em suas prováveis causas, como também na busca de
subsídios para a obtenção de soluções factíveis que, pelo menos, possam
amenizá-las.158
Essa “crise” parece ser não só do Poder Judiciário, mas do próprio ensino
jurídico que forma os trabalhadores, servidores e operadores do Direito. No Brasil,
o ensino jurídico é moldado pelo sistema do embate, que forma profissionais
combativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde
duas forças opostas lutam entre si e só pode haver um vencedor. Todo caso tem
dois lados polarizados, ou seja, quando um ganha, necessariamente o outro
perde.159
É o que Bacellar resgata:
Durante muitos anos, afirmou-se que o objetivo do processo ou da
própria jurisdição é a justa composição da lide – aquela porção
circunscrita do conflito que a demanda polarizada evidencia. Descabe ao
magistrado, na técnica processual, conhecer de qualquer fato,
argumento, justificativa ou razão que não constituam objeto do pedido,
competindo-lhe apenas decidir a lide nos limites em que foi proposta.
Assim, continuamos a repetir: “O que não está nos autos do processo
não está no mundo!” 160
Pelo raciocínio proposto na presente dissertação, procura-se deixar para
trás aquela visão de que um sistema só é eficiente quando para cada conflito há
uma intervenção jurisdicional e passa-se a construção da ideia de que um sistema
de tratamento de conflitos é eficiente quando conta com instituições e
157
Ibidem, p. 106.
Ibidem, p. 106.
159
BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da guerra na solução dos
conflitos. . In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada
Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, p. 32.
160
Ibidem, p. 32.
158
81
procedimentos que procuram prevenir e resolver controvérsias a partir das
necessidades e dos interesses das partes. Afinal,
[...] aquela visão de holofote, restrita aos limites do pedido, poderá não
enxergar os verdadeiros interesses. Muitas vezes, essa visão focada não
alcançara o postulado maior, princípio e finalidade do direito, do
processo e do próprio Poder Judiciário, que é a pacificação social. O
holofote, ao iluminar a lide processual, deixa de iluminar fatos,
argumentos, justificativas e razões que na perspectiva do jurisdicionado
representariam a verdadeira justiça (justa composição do conflito.161
Assim, a provocação dos tribunais, que se dá em nível inicial, passaria a ter
um caráter substituto. O sistema judicial só seria útil depois de tentados outros
métodos de tratamento, a não ser que a questão envolvesse direitos não
disponíveis, e quando a jurisdição fosse absolutamente necessária.
Na esteira da tomada de consciência da crise que assola a administração
da justiça, impõe-se uma revisão das posturas atuais, que apontam o
instrumentalismo excessivo e a necessária readequação de seus quadros, já que
o momento pós-moderno é uma caracterização dos tempos atuais, de
transição entre os paradigmas dominantes em crise e a emergência de
novos paradigmas. Esta tensão entre a Modernidade dos problemas e a
pós-modernidade das possíveis soluções requer uma teoria que seja
capaz de reinventar a emancipação social fora dos limites da
Modernidade: a pós-modernidade de oposição. 162
Sabe-se
que
a
processualística
atual
organiza-se
em
torno
da
heterocomposição que enseja a resolução de disputas por meio de imposição de
uma decisão de um terceiro a qual as partes encontram-se vinculadas – assim
como ocorre no processo judicial e na arbitragem, bem como a autocomposição.
161
Ibidem, p. 32.
[...] nesse sentido, a síntese presente na pós-modernidade de oposição considera necessários
o reconhecimento da pluralidade de ordens jurídicas e a repolitização do direito para a renovação
da tensão dialética entre regulação e emancipação, em equilíbrio que penda a favor da
emancipação, a fim de reinventar a dimensão utópica do direito. (FOLEY, Gláucia Falsarella.
Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 64).
162
82
Métodos autocompositivos, conforme bem exposto por Foley, podem ser
entendidos como
163
aqueles em que a resolução do conflito decorre da vontade dos próprios
envolvidos na situação, sem a intervenção vinculativa de um terceiro, ou seja,
sem a emanação de uma decisão unilateral. Essa autocomposição pode ser
impulsionada pela aplicação de técnicas de negociação, conciliação e mediação.
Como todos estes instrumentos podem ser judiciais ou extrajudiciais, a primeira
delimitação a ser feita em relação ao objeto da presente análise é a de que nem
sempre os meios aucompositivos de solução de conflitos correspondem aos
meios extrajudiciais – por vezes denominados “alternativos” – ao Sistema
164
Judiciário.
Com base nessas informações, cumpre salientar que o critério de
classificação que diferencia os meios autocompositivos de solução de conflitos
entre judiciais e extrajudiciais pode ser útil para análises que levem em
consideração a jurisdição como referência oficial, mas não em pesquisas que
pretendam investigar os métodos passíveis de geração de emancipação.
Antes, porém, é mister traçar um panorama dos principais instrumentos de
resolução de disputas colocados à disposição dos cidadãos em conflito.
2.2.1 A jurisdição
É a Constituição da República a sede normativa em que os poderes do
Estado são tratados, sua independência e convivência harmônica assegurada, as
suas competências estabelecidas. Desde a primeira Constituição do Brasil,
reserva-se um capítulo próprio para o Poder Judiciário, encarregado de
administrar a justiça. Na Constituição da República Federativa do Brasil de
05/10/1988, o Poder Judiciário está contemplado no Título IV, Capítulo III, arts. 92
a 126.165
A esse respeito, a prestação jurisdicional é vista dentro do Estado liberal de
direito, que é caracterizado por sua função de garantidor dos direitos e liberdades
fundamentais. Concretizou, desse modo como um dos seus pilares a ideia de lei
163
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 66.
Ibidem, p. 65-66.
165
NALINI, José Renato. A rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2008, p. 31.
164
83
como expressão da vontade geral, uma vez que esta se manifestava pela
participação de todos no processo de elaboração das leis, subordinando a
administração e seus atos à legalidade. Nesse contexto, evidencia-se equilíbrio
entre os poderes, valendo-se o princípio da legalidade.166
Todavia, não podemos esquecer que
estas características do Estado liberal de direito foram essenciais para a
formação da estrutura do Estado moderno, especialmente no que
compete à concretização da democracia, enquanto instituto que defende
a participação de todos os cidadãos na Administração do Estado e a
garantia dos direitos fundamentais, suas funções e formas de atuação na
sociedade. Nesse caso, tratar-se-á, particularmente, da estrutura do
Poder Judiciário, enfocando o acesso à justiça enquanto forma de
167
assegurar os direitos e garantias fundamentais e suas peculiares.
O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante,
correspondente a uma mudança equivalente no estudo e no ensino do processo
civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os
procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia
essencialmente individualista. A proteção judicial significava essencialmente a
possibilidade do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria
era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, este,
logo, não precisava de uma ação estatal para sua proteção. Eles eram, portanto,
considerados anteriores ao Estado; e sua preservação exigia apenas que àquele
não permitisse que eles fossem infringidos por outros. Desta forma, permanecia
passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para
reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.168
Embora o acesso à justiça venha sendo crescentemente aceito como um
direito social básico nas modernas sociedades, o conceito “efetividade” é, por si
só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de uma situação hipotética,
poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que
166
MIGLIAVACCA, Luciano de Araújo et.al A crise na prestação jurisdicional. In: Revista Brasileira
de Direito. Faculdade Meridional – ano 1, n. 1 (jul./dez.2005). Passo Fundo: IMED, 2005 –, p. 203.
167
Ibidem, p. 204.
168
CAPELLETI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 09.
84
a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes
antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao caso concreto
e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos.169
Neste quadro ampliado de transformações, readequações e repercussões,
o sistema jurídico passa a privilegiar novas práticas de tratamento de conflitos,
momento em que resta cristalino que a
a jurisdição formal é por excelência, palco da justiça da modernidade, já
que inspirada em princípios universais baseados em imperativos de uma
razão profundamente intrínseca a todos os seres humanos. Essa é a
justiça que codificada, aplica o mesmo procedimento a casos tão
diferentes com base em deduções racionais advindas da autoridade da
lei e dos precedentes170.
A Constituição de 1988 prestigiou a Justiça, mas de forma principiológica,
propícia a reforçar o simbolismo, sem alterações pragmáticas. Reafirmou a
inafastalidade do controle judicial, criou novos instrumentos, procedeu a uma
exaustiva enunciação dos direitos fundamentais. Tudo a pressupor um Judiciário
que pudesse concretizar tais declarações enfáticas.171
Nestas condições, é necessário que o Poder Judiciário incorpore fórmulas
que permitam a agilização dos procedimentos, bem como que estes sejam
eficazes a dar respostas suficientes e eficientes para a solução dos litígios que lhe
são apresentados. O que de fato acontece
é que o design da justiça perdura com alterações mínimas. É
praticamente impossível exigir-se um progresso per saltum. Muitas
gerações ainda reclamarão, entoarão suas lamentações contra o
sistema. Em vão. Não se vislumbra qualquer possibilidade de maneira
brusca. O lento processo de renovação da comunidade mediante projeto
permanente e consequente de educação integral é que poderá trazer
alguma esperança de alteração. Antes disso, cumpre administrar aquilo
que se dispõe.172
169
CAPELLETI, Mauro. Acesso à justiça, 1988, p. 15.
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 73.
171
NALINI, José Renato. A rebelião da toga, 2008, p. 33.
172
Ibidem.
170
85
Na realidade, em nosso país, persiste uma certa acomodação, de forma
que haja a adoção de um novo design de justiça, o que talvez até possa ser
considerado compreensível, diante da imaturidade política que se vê instaurada.
Sabe-se também que é necessário o contínuo repensar e aperfeiçoamento das
instituições, desta forma, necessárias às discussões das propostas tendentes a
reestruturar a atual justiça, bem como os instrumentos viabilizadores de acesso à
justiça, que constantemente se aperfeiçoam e ganham nova roupagem no cenário
conflitivo.
2.2.2 A violência
Com o encolhimento das instituições, em razão da centralidade do
mercado, outros núcleos de poder e resolução dos conflitos surgem. Neste
cenário onde se vê instalado o pluralismo jurídico, as razões oscilam entre a
prevalência da regulação e/ou a emancipação.
Mesmo que se considerem os grandes avanços registrados no transcorrer
da história, tanto no aspecto social, como no político e jurídico, é inegável que os
rastros da violência são deixados como marcas prementes, e que cada dia fazem
um número incontável de vítimas.
Ainda que existam divergências entre as teorias psiquiátricas, psicológicas
e sociológicas, quando da abordagem do agente causador da violência, existe,
sim, uma unanimidade no que tange aos possíveis efeitos da violência na
personalidade da vítima. Por certo que
vivemos em um período no qual nos deparamos com problemas
modernos para os quais não há soluções modernas. A tensão entre
regulamentação e emancipação há de ser reinventada, sob um equilíbrio
dinâmico que possa pender em favor da emancipação, nos marcos da
173
174
teoria da pós-modernidade inquietante de oposição.
173
As promessas da Modernidade foram cumpridas para poucos. O pacto social constituía um
acordo entre aqueles que decidiram submeter-se a um poder superior cedendo parte da liberdade
individual, a fim de que todos pudessem usufruir das potencialidades de uma vida plena. Na
prática, contudo, o que se verificou para a grande maioria dos indivíduos, foi o pagamento do
tributo do pacto, sem a fruição da contrapartida. Esse processo configurou uma perda do poder
persuasivo do contrato social e a legitimidade, antes dele extraída, entrou também em colapso
(FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 36).
86
Diante do enfraquecimento da regulação estatal, o Estado é hoje um
campo de disputas de diferentes projetos e interesses, no qual novas formas de
fascismo societal175 buscam consolidar suas relações despóticas, privatizando a
esfera estatal.
Para que seja possível vislumbrar os meios pelos quais imperam a
violência e a coerção, em decorrência da retórica, basta nos determos aos
modelos do apartheid social e do estado paralelo, que
são experiências que ora são efetivadas em uma esfera não estatal,
muito embora com uma anuência passiva do Estado, ora sob a sua
cumplicidade ativa. Tais práticas tem assento em um pilar regulatório, na
medida em que funcionam por meio de mecanismos de controle, tutela e
coerção.176
Diante desse quadro, é necessário ressaltar que,
a violência como meio de resolução de conflitos pode assumir diversas
colorações. No seu extremo temos aquela realizada por um fascismo
174
SOUSA SANTOS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 2000, p.
34.
175
1) Apartheid social: a segregação do espaço urbano, dos excluídos que vivem em zonas
consideradas “selvagens”. Neste espaço, o Estado age de maneira predatória, sem qualquer
observância aos princípios do Estado de Direito. 2) Estado Paralelo: os cidadãos incluídos no
contrato social buscam proteção do constante perigo que emana das zonas segregadas,
fechando-se em guetos nos quais de faz presente a ação estatal por meio do fornecimento dos
serviços públicos garantidores do bem-estar social, ainda que muitas vezes de forma insatisfatória.
3) Paraestatal: usurpação das funções regulatórias estatais por agentes privados. 4) Populista:
são as promoções de incentivo ao consumismo e a apologia a um estilo de vida absolutamente
inacessível à maior parte da população. Esta busca pela realização dos sonhos pessoais “a
qualquer preço” desintegra as possibilidades de criação de redes de solidariedade e de
desenvolvimento de uma ética da alteridade. 5) Insegurança: é o déficit das expectativas futuras
em relação às experiências do presente. Este fenômeno gera uma ansiedade que se resolve no
setor privado, que comercializa a segurança. 6) Financeiro: refratários a uma intervenção
democrática, os agentes controladores do mercado financeiro podem provocar abalos econômicos
irreversíveis e definir rumos políticos de vários países (SANTOS, Boaventura de Sousa.
Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In Os sentidos da
democracia: Política do dissenso e hegemonia global. Organização: FRANCISCO DE OLIVEIRA e
MÁRCIA CÉLIA PAOLI, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 102)
176
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 75.
87
social local, que opera segundo as regras da denominada sociedade civil
não civil. Não há qualquer exercício da retórica e o poder de decisão
acerca dos conflitos é monopólio dos membros da comunidade que a
controlam pela imposição do silêncio, do medo e das armas. Como
exemplo, os chefes do tráfico de drogas nas favelas brasileiras que
destroem o sentido da comunidade a partir da negação do outro.177
Assim, a tese da justiça desenvolvida segundo os ditames do fascismo
social opera por meio da violência, e sua retórica é a arma. Sendo que o julgador,
terceiro a substituir a vontade das partes, não se pretende imparcial. Ao contrário,
trata-se de uma justiça politizada e parcial, na medida em que o julgador não atua
seguindo orientação da justiça, mas do controle da política. Além disso,
[...] pode-se encontrar os movimentos/grupos sociais não identificados
com as ações civis e políticas justas, e com os interesses do povo
espoliado, marginalizado e oprimido, cuja legitimidade é questionada,
uma vez que nem toda manifestação legal não-estatal ou nem todo
“direito” aí produzido pode ser justo, válido, ético, pois um corpo social
intermediário ou grupo dirigente qualquer pode criar regras perversas,
objetivando atender interesses contrários à comunidade, expressando
diretamente intentos contrários à comunidade, expressando diretamente
intentos de minorias identificadas com o poder, a dominação, a ambição
e o egoísmo. É nesse sentido que a “ausência de eticidade e do valor
“justo” esvaziam a legitimidade desse “direito”. 178
Portanto, a justiça do fascismo societal não oferece um segundo grau de
jurisdição e qualquer questionamento da decisão pode implicar eliminação física
do queixoso, mesmo porque este modelo adota, muitas vezes, a pena de morte
como uma das formas de punição. A violência –estatal ou não – é, pois, a
manifestação mais extremada da justiça, praticada sob um viés regulatório.
177
Ibidem, p. 78.
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 95.
178
88
2.2.3 A conciliação
Um dos instrumentos alternativos na solução dos conflitos é a conciliação.
O povo não quer decisões eruditas, recheadas de citações doutrinárias e
jurisprudenciais, mas soluções objetivas simples e, acima de tudo, que resolva o
caso concreto de forma descomplicada, atendendo às expectativas de uma justiça
rápida e eficaz. Realmente, facilitar o acesso do cidadão à justiça e que possa
apresentar a reclamação de um direito, tendo resposta imediata do Estado,
representa um anseio da sociedade.179
O Poder Judiciário não pode ser inacessível, elitista, ficando distante do
povo, sem cumprir com seu principal papel de distribuidor de justiça, sob pena
das angústias e emoções reprimidas crescerem, o descrédito se instalar, gerando
revoltas e insatisfações. A todo o momento, principalmente quem integra o Poder
Judiciário, sente na pele as críticas que são realizadas sobre a ineficiência do
aparelho judiciário e, muitas vezes, são apresentados exemplos próximos e de
pessoas conhecidas que se mostram frustradas. As reclamações e afirmações
são no sentido de que é melhor obter um acordo mesmo sem atendimento da
totalidade das pretensões, do que aguardar por um resultado final que pode
demorar e chegar em época não mais propícia para o atendimento do direito
reclamado. O rumo da conciliação deve ser valorizado, porque busca a solução
amigável do problema existente entre as partes. 180
A Resolução n.º 125 do Conselho Nacional de Justiça institui a conciliação
e a mediação como políticas públicas de tratamento adequado aos conflitos,
porém não estabelece as diferenças, tratando-as como se iguais fossem. No
entanto, honrarias devem ser dadas a sua edição, já que foi somente com ela
que estão sendo criados os Núcleos de Gerência e Centrais de
Conciliação, no âmbito de todas as modalidades jurisdicionais do país –
Federal, Estadual e Trabalhista -, visando a implantar mecanismos para
dar atendimento e resolver as questões apresentadas informalmente, no
mais das vezes pela próprias partes interessadas, objetivando um
modelo alternativo aos métodos da “justiça” tradicional, que se vale
exclusivamente do processo e da sentença judiciais para dirimir o conflito
179
180
TORRES, Jasson Ayres. O acesso à justiça e soluções alternativas. 2005, p. 160.
Ibidem, p. 161.
89
de interesses emergente no dia a dia das pessoas, independentemente
do grau de complexidade que eles apresentam.181
Assim, a conciliação pode ser vista como uma zona intermediária de
resolução de conflitos e já que dispensa o pronunciamento unilateral do juiz sobre
o mérito da causa, a condução da audiência é feita por um terceiro, juiz leigo ou
conciliador privado – com poderes para sugerir, ponderar, aconselhar as parte
quanto à melhor solução para o conflito.
Sem prejuízo de que a conciliação pode ocorrer em uma esfera privada, a
tentativa de conciliação judicial está prevista na legislação brasileira como uma
etapa obrigatória, tanto no procedimento ordinário – art. 331 do Código de
Processo Civil – quanto no rito previsto na Lei dos Juizados Especiais – art. 21 da
Lei n. 9.099/95 - bem assim, no art. 846 da CLT. Além disso, em geral, o que se
verifica é que o objeto da conciliação judicial encontra seus limites no próprio
objeto da lide. De qualquer sorte, sendo ou não judicial, a atuação do conciliador
é interventiva, na medida em que seu papel é o de estimular as partes para que
cheguem a um acordo, sugerindo alternativas e condições para a resolução do
conflito, interferindo, assim, na composição amigável.182
Várias são as contribuições da Justiça de Conciliação ao processo de paz
social. Primeiro, contribui para implantar uma cultura do diálogo entre os cidadãos
e as instituições entre si, para a prática de uma cultura do saber ceder, para
disseminar uma cultura de cooperação, em que ambas as partes possam ganhar.
Segundo, contribui para a maior efetividade da justiça, já que as decisões
atingidas por comum acordo são mais sólidas e têm mais chance de serem
obedecidas e implementadas. Finalmente, em terceiro lugar, possibilita uma
justiça mais ágil e mais econômica.183
181
BUZZI, Marco Aurélio. Movimento pela Conciliação. In: RICHA, Morgana de Almeida;
PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação:
estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 43.
182
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 79.
183
MORAES, Germana de Oliveira. A bandeira da paz na justiça brasileira (Nascimento, berço e
vida durante a gestão inicial do CNJ), 2011, p. 79.
90
2.2.4 A arbitragem
O Poder Judiciário, não ocupando todos os espaços possíveis na solução
de conflitos, não desempenhando o amplo papel que constitucionalmente lhe é
assegurado, não estará cumprindo efetivamente sua missão diante da realidade
e, então, outros segmentos do Estado e da sociedade, como um todo, encarregarse-ão de fazê-lo. A Lei n.o 9.037/96 é exemplo de uma iniciativa para implantar
um sistema de Justiça Privada, em que as partes podem livremente escolher
quem vai resolver uma questão e de que forma será feito.184
Sem deixar de reconhecer que a origem das competências dos árbitros é o
consentimento das partes, os laudos emitidos são revestidos de verdadeiros
poderes jurisdicionais, sendo que o fato de os árbitros atuarem por vontade das
partes não nega caráter público a sua atividade, já que
o instituto, segundo previsão na lei brasileira, é definido como um
processo formal pelo qual as partes, de comum acordo, aceitam
submeter o litígio envolvendo direito patrimonial disponível a um terceiro,
cuja decisão terá observância obrigatória. A sentença arbitral produzirá
os mesmos efeitos que a sentença proferida pelos órgãos do Poder
Judiciário,
constituindo,
inclusive,
título
executivo,
quando
condenatória.185
É antiga a discussão sobre a natureza jurídica da arbitragem, já que alguns
defendem seu caráter jurisdicional, outros preferindo prestigiar apenas sua faceta
contratual. Não é possível negar a origem contratual da arbitragem, que nasce da
vontade das partes no sentido de retirar a competência do juiz estatal,
outorgando-a ao juiz privado. Manifestada, porém, esta vontade (e sendo certo
que no Brasil não há arbitragens obrigatórias), põe-se em movimento uma função,
uma atividade e um poder que não diferem daqueles entregues aos magistrados:
a função é de pacificar o conflito entre os contendentes; a atividade é tipicamente
processual, utilizando-se o árbitro de um encadeamento de atos que pode ser
184
185
TORRES, Jasson Ayres. O acesso à justiça e soluções alternativas, 2005, p. 138.
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 80.
91
diferente daquele empregado pelo juiz estatal, mas cumpre o mesmo objetivo; e o
poder é o de decidir imperativamente, impondo as partes sua decisão. 186
No entanto, a obrigação do estado de zelar pela melhor forma de
administrar a justiça não importa necessariamente em monopolizar sua atividade,
momento em que é possível conceber que
a arbitragem é uma das formas de exercer a jurisdição, de modo que
entendo perfeitamente coerentes todas as consequências que decorrem
desta inclusão (inclusão ou assemelhação!). Não me perturba, portanto,
o fato de que a sentença arbitral tenha a mesma eficácia da sentença
estatal, muito menos que produza coisa julgada material (da mesma
forma que a sentença estatal), ou que possa encabeçar cumprimento de
sentença (se tiver conteúdo condenatório). Parece-me natural, enfim,
que o árbitro (no exercício da função de julgador) seja juiz de fato e de
direito, como afinca o art. 17 da Lei de Arbitragem .187
A arbitragem, portanto, não evolui à sombra do mau funcionamento deste
ou daquele tribunal, desta ou daquela justiça especializada, mas encontra seu
espaço natural como meio de solução de controvérsias de determinada feição, em
que possa imperar a autonomia da vontade, na qual haja a necessidade de
solução mais técnica e mais rápida. Não a panaceia para todos os males, é
apenas mais um meio adequado à solução de algumas controvérsias.188
Tendo em vista que o papel do árbitro é o de adjudicação, este instrumento
será pouco abordado no presente estudo, posto que sua estrutura segue o padrão
da jurisdição, tratado no item 1.3.1 deste capítulo. “O paradigma que se revela na
arbitragem é o de uma estrutura piramidal-coercitiva, sendo que no vértice desta
relação, em vez de estado-juiz, está o árbitro escolhido pelas partes nos contratos
celebrados à luz do direito privado”. 189
186
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem como meio adequado de resolução de litígios. 2011, p.
207.
187
Ibidem.
188
Ibidem, p. 210.
189
FOLEY, Gláucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça de emancipação, 2010, p. 80.
92
2.2.5 A mediação
É possível definir sinteticamente que mediação é necessariamente um
procedimento voluntário, no qual um terceiro coordena a negociação entre as
partes, não tendo vinculação decisória, tampouco sugerindo soluções. A par
destas condições, é possível afirmar que ela é voltada para a construção do
consenso. Sendo assim, os mediandos não apoiam suas soluções na letra da lei,
mas eles inventam seus próprios remédios para que seja possível observar a
particularidade do caso concreto.
Seu desenvolvimento se deu precipuamente nos Estados Unidos da
América, como técnicas alternativas ao sistema oficial, sendo que
é possível reafirmar que as duas últimas décadas do século passado
foram as da mediação. Especialmente entre os anos de 1980 e 1990
pôde-se vislumbrar a sua explosão: em todos os lugares falava-se de
mediação. O que ocorreu foi a banalização do termo, empregando-o
para todo o propósito, a torto e a direito. A função “mediação”, não se
exprime somente nas relações interpessoais, mas naquelas que cada
um pode ter das instituições e, entre outras, com as administrações
destas últimas. Assim, não há somente o emprego – bastante
intempestivo – do termo “mediação”; existe uma preocupação cada vez
mais expressa de encontrar meios para resolver ao problema real: uma
enorme dificuldade de se comunicar; dificuldade esta paradoxal numa
época em que a mídia experimenta um desenvolvimento
extraordinário.190
A mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, poderia ser
definida como a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos na
qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada
de uma sanção legal.191 Na mediação todos somos iguais enquanto humanos,
respeitando as características de cada indivíduo, não sendo possível qualquer
espécie de julgamento; as partes não são nominadas como autor – réu - vítima –
agressor e sim, são denominados como “mediandos”.
190
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 316.
191
WARAT, Luis Alberto (org). Em nome do acordo: A mediação no direito. Florianópolis: ALMED,
1998, p.05.
93
Muitas são as “fortalezas” da mediação, já que o mediador poderá auxiliar
as partes a apropriarem-se do poder de gerir o seu conflito, ao contrário do
sistema oficial, no qual este poder é delegado aos profissionais do direito. Na
realidade, a mediação não é um fenômeno novo. Ele sempre existiu e atualmente
foi redescoberto, talvez sob nova roupagem, sendo que no cenário brasileiro,
a mediação é geralmente definida como interferência – em uma
negociação ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão
limitado ou não autoritário, que ajudará as partes envolvidas a chegarem
voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às
192
questões em disputa.
A cooperação faz parte do procedimento, no qual se devolve às partes o
poder de falar, de escutar, para que eles sejam os atuantes na sessão, que de
fato façam alguma coisa para a satisfação de seus interesses. O mediador não
está ali para resolver nada, mas sim para fazer com que os mediandos sintam
suas emoções e toquem seus corações. Justamente por isso, a mediação surge
como espaço democrático
uma vez que trabalha com a figura do mediador que, ao invés de se
posicionar em local superior às partes, se coloca no meio delas,
partilhando de um espaço comum e participativo, voltado para a
construção do consenso num pertencer comum. Isso se dá porque a
mediação não é uma ciência, mas uma arte na qual o mediador não
pode se preocupar em intervir no conflito, oferecendo às partes liberdade
para discuti-lo. A mediação, porém, suscita um paradoxo composto pelo
fato de dizer ao juiz que não desempenhe o papel que disseram ser seu,
isto é, deixar de decidir e adjudicar para propô-la. Consequentemente, o
que se pede é que pacifique sem decidir, quando seu papel é
193
tradicionalmente o de decidir sem, necessariamente, pacificar. .
A decisão judicial tem por base uma linguagem terceira normativamente
regulada. Ao contrário sensum, a mediação procura desmanchar a lide,
192
MOORE, Christipher W. O processo de Mediação: estratégias práticas para a resolução dos
conflitos. Porto Alegre: ArTmed, 1998, p. 28.
193
RESTA, Eligio. Il Diritto frateno. Roma-Bari: Laterza, 2005, p. 83-84.
94
decompondo seus limites conflituosos, avizinhando os conflitantes que, portanto,
perdem as suas identidades construídas pela rivalidade. A mediação pretende
ajudar as partes a desdramatizar seus conflitos, para que se transformem em algo
de bom à sua vitalidade interior.194
Assim sendo,
o tratamento do conflito pela mediação pode acontecer mediante uma
pluralidade de técnicas, que vão da negociação à terapia. Os contextos
nos quais é possível aplicá-la são vários: mediação judicial, mediação no
Direito do Trabalho, no Direito Familiar, na escola, dentre outros.
Possuem como base o princípio de religar aquilo que se rompeu,
restabelecendo uma relação para, na continuidade, tratar o conflito que
deu origem ao rompimento.195
O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. o 8046/2010196, cuja origem
é aquele do Senado Federal n.º 166/2010197, que tende a alterar o Código de
Processo Civil, vem a submeter todos os processos de matéria cível à mediação,
de forma que não se vai mais prezar pela qualidade das sessões, e sim em
quantidade, desvirtuando, dessa maneira, o método.
As alterações vêm na Seção V - Dos conciliadores e dos mediadores
judiciais, artigos (do relatório geral do Senador Valter Pereira) 144 a 149 198.
Cumpre referir, que se o Tribunal quer quantidade ao invés de qualidade, não
194
SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos, 2010, p. 320.
195
Ibidem, p. 319.
196
A última ação legislativa de seu em 09/05/2012, na qual houve o envio à Comissão Especial
destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 6025, de 2005, ao Projeto de Lei nº 8046, de
2010, ambos do Senado Federal, e outros, que tratam do "Código de Processo Civil" (revogam a
Lei nº 5.869, de 1973) ( PL602505 ). Ademais, foi aprovado requerimento do Sr. Paulo Teixeira
que requer a prorrogação do prazo do Relator-Geral, nos termos do art. 211 do RICD. Disponível
em:<
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>
Acesso em 13 nov. 2012.
197
O último movimento foi em 20/12/2010, no qual foi remetido À CÂMARA DOS DEPUTADOS,
ocorrendo a remessa do Ofício SF nº 2428 de 21/12/2010, ao Primeiro-Secretário da Câmara dos
Deputados encaminhando o projeto para revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal
(fls.
5701).
SENADO
FEDERAL.
Disponível
em:<
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97249&p_sort=DESC&p_s
ort2=A&p_a=0&cmd=sort> Acesso em: 02 set. 2012.
198
Quadro comparativo entre a redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, o
Código de Processo Civil em vigor e as alterações apresentadas no substitutivo do Senador Valter
Pereira.
SENADO
FEDERAL.
Disponível
em:
<
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=84496> Acesso em: 03 out. 2012.
95
deve adentrar na mediação, pois corre sério risco de ter o retorno da maioria de
seus acordos para que seja realizada a execução.
Quando se trata de definir o conjunto de informações e técnicas que
compõem a mediação pode-se traçar um panorama das “escolas” que deram
fundamentação ao seu surgimento. Existe a mediação acordista/Harvard, que
define que a comunicação para ser efetiva deve ser negociada, privilegiando o
bom senso; trabalhando com as pessoas a partir de seus discursos e motivações,
as motivações de ordem subjetiva e emocionais não costumam ser abordadas.
Não envolve relacionamentos, e é indicada para relações comerciais e
contratuais.199
Já a mediação transformativa/comunicacional, necessariamente envolve
um relacionamento. Nestas sessões, o mediador deve ser gentil com as pessoas
e firme com os problemas, deve-se tentar dar às partes a possibilidade de superar
os impasses, separar as pessoas do problema, redefinindo os interesses que se
pretende com a solução do conflito. Aqui o acordo é tido como uma possibilidade
e não mais como o modelo harvardiano que tem o acordo como objetivo
principal.200
Cumpre salientar que na data de 21 de julho de 2012, o Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, visando a dar celeridade e efetividade na resolução das
demandas, criou o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos, que estabelece a utilização de métodos como a conciliação e a
mediação. A Resolução nº 04/2012-OE - Institui o Núcleo Permanente de
Métodos Consensuais de Resolução de Conflitos e as Coordenadorias de
Conciliação e Mediação de 1º e 2º graus. Já a Resolução nº 05/2012-OE - dispõe
sobre os conciliadores e mediadores no âmbito das Centrais de Mediação e
Conciliação do Poder Judiciário.
Ademais, cerca de 24 inscritos, dentre servidores do Judiciário Estadual e
profissionais de outras áreas, com experiência em mediação, participaram do 1º
Curso de Capacitação de Mediadores do Tribunal de Justiça. O curso ocorreu nas
199
WALTRICH, Dhieimy Quelem. A mediação comunitária como instrumento democratizador da
justiça. In: SPENGLER, Fabiana Marion. SPENGLER, Theobaldo Neto. Mediação enquanto
política pública [recurso eletrônico]: o conflito, a crise da jurisdição e as práticas mediativas /
organizadores: Fabiana Marion Spengler, Theobaldo Spengler Neto - 1.ed. - Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2012.
200 Ibidem.
96
dependências da Escola da AJURIS, no período de 9 a 13 de julho, em horário
integral. Foi coordenado pela Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia
Kubiak e ministrado pelas Mediadoras e servidoras do TJRS Izabel Cristina Peres
Fagundes, Liziane Camboim de Souza e Gisela Wurlitzer, que estão sendo
capacitadas pelo CNJ como instrutoras em mediação.
O evento foi promovido pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos TJRS, com a parceria da Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul (AJURIS) por meio do Núcleo de Estudo de Mediação. O curso
conta com 40 horas teóricas e um estágio prático supervisionado. Objetiva
capacitar novos mediadores para atuar junto às Centrais de Conciliação e
Mediação do Poder Judiciário.
Segundo os organizadores, o Curso de Capacitação de Mediadores
apresenta uma metodologia seguida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de
métodos autocompositivos de resolução de controvérsias. Segue as diretrizes da
Resolução 125 do CNJ, de 29/11/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária
Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, no âmbito do Poder
Judiciário.
Além de consolidar uma política pública permanente de incentivo e
aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios possui,
como objetivos, ampliar o número de Mediadores que atuam nas Centrais de
Conciliação e Mediação, aprimorar a qualidade dos serviços prestados, bem
como
disseminar
uma
cultura
de
pacificação
social,
oferecendo
aos
jurisdicionados outros meios consensuais de resolução de conflitos e, entre eles,
a mediação.
No Art.7º, § VIII, tal Resolução coloca como uma das atribuições dos
Tribunais de Justiça a criação de Núcleo Permanente de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos e as Coordenadorias de Conciliação e Mediação de 1º e
2º graus, instituídos pelo TJRS, bem como incentivar a realização de cursos e
seminários sobre mediação e conciliação e outros métodos consensuais de
solução de conflitos.201
201
Informações retiradas do sítio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <
http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/#../../system/modules/com.br.workroom.tjrs/elements/n
oticias_controller.jsp?acao=ler&idNoticia=185953>. Acesso em: 12 de jul. 2012.
97
2.3 A mediação comunitária como política pública eficiente no tratamento
dos conflitos
A mediação já e conhecida na maior parte do mundo como o procedimento
que, associado ou não ao sistema judicial tradicional, pode ser usado na
abordagem dos conflitos interpessoais. É possível, desta forma, concebê-la como
um método que se vale da sua informalidade para diferenciar-se dos outros
procedimentos, já que é baseada no diálogo, na cooperação e no respeito entre
os participantes.
Na abordagem inicial deste capítulo traçaram-se alguns apontamentos
acerca dos procedimentos públicos e privados à disposição dos cidadãos para o
tratamento de seu conflito, demonstrando-se a evidência formal, adversarial e
impositiva do processo judicial e as facilidades dos demais procedimentos com
objetivo resolutivo e autocompositivo.
Nesse sentido, Juan Carlos Vezzulla ao elaborar seu estudo acerca da
mediação de conflitos defende que:
É permitido conceitualizar e definir a mediação de conflitos como
procedimento privado e voluntário coordenado por um terceiro
capacitado, que orienta seu trabalho, para que se estabeleça uma
comunicação cooperativa e respeitosa entre os participantes, com o
objetivo de aprofundar na análise e compreensão do relacionamento,
das identidades, necessidades, motivações e emoções dos participantes
para que possam alcançar uma administração satisfatória dos problemas
em que estão envolvidos.202
A mediação é uma maneira de estabelecer a comunicação comunitária
rompida entre os cidadãos ou grupos em virtude da oposição instituída pelo
conflito. Tratando-se de uma troca, na qual os conflitantes estipulam o que
compete a cada um no tratamento do conflito em questão, a mediação facilita a
expressão da divergência, definindo um veículo que possa administrar a
discordância e chegar a um entendimento comunicativo. De fato, o principal
202
VEZZULA, Juan Carlos. A mediação de conflitos com adolescentes autores de ato infracional.
Editora: Habitus, 2006, p. 80.
98
desafio que a mediação enfrenta não é o de gerar relações calorosas e
aconchegantes, sociedades isentas do litígio ou uma ordem de mundo
harmoniosa. Ao invés disso, seu principal desafio é encontrar mecanismos que
possibilitem uma convivência comunicativamente pacífica.203
Para encontrar algum caminho neste emaranhado de “modelos” e
“mediadores”, podemos partir do ideário de dois tipos de mediação: a institucional
e a autônoma. Estas duas correntes podem ser esclarecidas seguindo duas
distinções: uma conforme a origem204 dos diferentes mediadores e a segunda, de
acordo com seu respectivo modo de ação.205
No que tange a origem dos mediadores, temos
[...] os mediadores institucionais – e entre eles, honra seja feita, o
mediador da República, estabelecido justamente pela própria República
– cumprem um trabalho específico a serviço ao mesmo tempo de sua
instituição e dos clientes desta. A própria Justiça quis instituir
mediadores que atenuassem o congestionamento dos tribunais, tentando
que tal ou qual litígio não chegasse justamente a esses tribunais, sendo
prévia e amigavelmente regulado, sob o controle de um mediador “penal”
e do juiz.206
Por certo que atualmente temos o reconhecimento da soberania do povo,
quando o cidadão é tido como um “cliente”, frente às mazelas do Estado e deve
ser tratado, por isso, como um rei. Afinal, também é eleitor. Neste contexto em
que o anonimato cresce, as instituições veem cada vez maior a necessidade de
estabelecer intermediários para o tratamento dos problemas internos.
Nesta ótica, a figura dos mediadores cidadãos contrasta fortemente, já que
sua origem é totalmente diferente, e eles não são fabricados pelas instituições,
são de origem natural. Nos dizeres de Six, os mediadores cidadãos
203
SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Editora Unijuí,
2012, p. 94.
204
Pode-se fazer a primeira distinção a partir da origem dos mediadores: aqueles que estão
estabelecidos no alto e aqueles que se colocam embaixo. De um lado os que são “funcionários” do
Estado, do município ou de um organismo; e, de outro lado, aqueles que são propostos por
associações livres, por cidadãos a outros cidadãos. De um lado mediações institucionais,
“monárquicas”, se assim se pode dizer, aquelas que vêm de um poder estabelecido; de outro, as
mediações cidadãs. (SIX, Jean François Dinâmica da mediação. Editora: Del Rey, 2001 p. 29).
205
Ibidem, p. 28.
206
Ibidem.
99
[...] são como secretados por eles para as necessidades da comunidade.
Eles não têm poder como tal, não são juízes que vão sentenciar, nem
árbitros aos quais se delega a conclusão de uma contenda; eles não têm
mais do que autoridade moral. Se alguém se dirige a eles é porque
considera que são, não gurus que decidem, mas ao contrário, sábios que
sugerem. Eles abrem uma nova via em relação ao impasse em que
alguém se perdeu, há um dilema no qual se quer sair, envolvendo a si
mesmo ou aos outros.207
No que tange ao modo de agir do mediador institucional e do cidadão,
pode-se se dizer que são distintos já que a forma de agir do mediador cidadão
conta sempre com o tempo, uma vez que o mediador institucional é coagido pelo
organismo que o colocou no lugar, para encontrar resultados, para chegar a
soluções o mais rápido possível, e então ele deve apresentar rendimento. O
mediador cidadão deve tomar tempo, afastar o simplismo, os atalhos, a
precipitação, deve guardar o senso da duração e do recuo, da paciência e da
distância.208
A par dessas considerações, pretende-se, na presente dissertação,
elaborar um estudo no qual seja possível apresentar a mediação comunitária
como um método alternativo à resolução dos conflitos, já que ela se apresenta
como uma política pública com resultados eficazes, e principalmente porque
difere das práticas tradicionais institucionalizadas.
Levando em consideração as especificidades da mediação comunitária é
que se pretende analisá-la como uma política pública eficaz no tratamento dos
conflitos.
Quando realizada sob um modelo comunitário, ou seja, para e pela
comunidade, a mediação para a emancipação está inserida na teoria política, na
medida em que trata de autodeterminação, de participação nas decisões políticas
e, ainda, porque reelabora o papel do conflito na sociedade, desenhando um
futuro sob novos paradigmas. 209
207
Ibidem, p. 31.
Idem, p. 35.
209
FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 95.
208
100
Dentre os inúmeros critérios utilizados para distinguir os modelos de
mediação – que veiculam vertentes ideológicas diferenciadas, destacam-se o
modelo de agência, cujo enfoque é voltado para a satisfação das partes,
geralmente operado em práticas de mediação vinculadas ao sistema judicial
oficial, e modelo comunitário, que oferece uma perspectiva transformadora,
porque direcionado à organização comunitária. 210
Muitos são os programas que serviram de base para a estruturação e
criação da justiça comunitária no Brasil. A este respeito, resgatam-se as
experiências americanas: a primeira é do Conselho Comunitário Americano de
São Francisco (SFCB), a segunda, do Centro de Justiça de Vizinhança de Atlanta
(NJCA). A vertente dos estudos de ambos os programas tem o escopo de
identificar como cada qual concebe as finalidades da mediação. A par do estudo
realizado foi possível verificar as seguintes conclusões:
Consoante o estudo realizado por Foley211, as duas experiências muito tem
a revelar, senão vejamos:
Conselho
O problema
A sociedade ideal
Comunitário
de
Centro
de
Justiça
de
São Francisco
Vizinhança de Atlanta
Alienação social. O sistema
O sistema oficial não responde
oficial
à
desconsidera
o
demanda
e
às
desenvolvimento comunitário.
necessidades.
Descentralizada, democrática,
Expansão do uso formal e
igualitária popular. Resolução
informal
da
autônoma das disputas.
Cidadãos
responsáveis
mediação.
e
organizados.
Transformação social
Criação de novas linguagens
Treinamentos para aptidões.
sociais.
Educação.
Organizações
de
base.
Solução Organizacional
Partes e mediadores
210
211
Ibidem, p. 96.
Ibidem.
Reconstruir a capacidade de a
Resolução dos problemas e
comunidade
efetividade. Ponte entre as
resolver
seus
próprios problemas.
cortes e comunidades.
Mediadores são membros da
Mediadores
mesma comunidade que as
treinados.
são
voluntários
101
partes.
Conflito
Oportunidade
para
crescimento organizacional e
Deve
ser
administrado
e
mediado pelo meio-termo.
transformação social.
Poder
Lei
Emponderamento no sentido
Concepção
social. É o “poder com”.
emponderamento.
Distante da realidade.
A interpretação da lei deve ser
individual
de
individual.
Ao analisar as equações propostas no quadro ilustrativo, verifica-se a
abordagem transformadora que a mediação comunitária desenvolvida pelo Centro
Comunitário da São Francisco veicula, em contraposição ao tratamento mais
pragmático desenvolvido pelo Centro de Justiça e Vizinhança da Atlanta, voltado
à resolução de problemas e ao atendimento das necessidades individuais dos
disputantes.
No Brasil, o projeto piloto de Justiça comunitária foi desenvolvido no Distrito
Federal, e nasceu a partir da experiência advinda do Juizado Especial Cível
Itinerante do TJDFT, o qual busca atender as comunidades do Distrito Federal
com dificuldades de acesso à justiça.
O projeto foi criado no ano de 2000, em outubro, com o objetivo de
democratizar a realização da justiça, restituindo ao cidadão e à comunidade a
capacidade de gerir seus próprios conflitos com autonomia e solidariedade. O
programa encontra-se instalado nas regiões administrativas da Ceilândia,
Taguatinga e Samambaia, com 332.455, 22.452 e 147.907 habitantes
respectivamente e conta com cerca de 80 Agentes Comunitários que, na
qualidade de membros das comunidades nas quais atuam, compartilham a
linguagem e o código de valores comunitários.212
Atualmente diversos são os programas instalados em todo o país,
podendo-se dar como exemplo as experiências dos Núcleos Comunitários
existentes no Estado do Rio Grande do Sul, nas cidades de: Porto Alegre (Bairro
212
Ibidem, p. 137.
102
Lomba do Pinheiro0213, Pelotas, Turuçu214 e Caxias do Sul215. Em especial a
experiência no município de Passo Fundo, com a instalação de dois Núcleos
Comunitários, projeto que será detalhadamente abordado no capítulo que segue.
Diante da instituição da Política Judiciária Nacional de tratamento dos
conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos
conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, o Conselho
Nacional de Justiça editou a Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010.
Por meio dela foi reforçado o caráter emergencial da instituição de políticas
públicas, por parte do Poder Judiciário, que garantam o efetivo acesso á justiça,
bem como o tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos que
ocorrem em grande e crescente escala na sociedade.
A esse respeito, o tema das políticas públicas vem se consolidando como
um dos mais ardentes assuntos que marcam a pauta de discussões do Estado
Democrático de Direito, tanto no Brasil quanto no exterior. Fatores como a
relevância da atuação do Poder Executivo no atual arranjo federativo nacional,
bem como as repercussões da atuação da atuação política em um mundo
marcado pela interconexão global – que maximiza o diálogo entre as diversas
instâncias estatais e não estatais – auxiliam este processo de teorização e
problematização das políticas públicas. 216
Há algumas razões gerais que favorecem o interesse pelas políticas
públicas e por seu estudo. Um primeiro é o fato de que a crescente escala da
intervenção do Estado e a complexidade dos governos nos dias atuais colocam
problemas mais complexos aos responsáveis pelas decisões, seja no setor
público, seja na sociedade civil e na iniciativa privada. Amplos segmentos da
sociedade percebem que os assuntos públicos não são simples, que as soluções
para as graves dificuldades são multifacetadas e que não se resolvem apenas
213
Maiores
informações
junto
ao
site:<
http://www.cpca.franciscanosrs.org.br/cpca/?page_id=102>
214
Maiores
informações
junto
ao
site:<
http://conciliacaopelotas.blogspot.com.br/2012_05_01_archive.html>
215
Consoante
informação
do
site;<
http://www.redesul.am.br/rsradios/Noticias/Geral/08/11/2011/Balcao-de-Conciliacoes-serainstalado-em-Caxias/89326/>
216
SCHMIDT, João Pedro. MENEGAZZI, Piero Rosa. Bases teóricas para o desenvolvimento de
políticas públicas sobre a informação ambiental. In: REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais
e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 10. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010, p.
3123.
103
pela boa vontade dos governantes ou através de formas simplistas baseadas em
alguma solução rápida.217
Outra, de ordem mais acadêmica, é que a política pública tem sido mais
analisada do ponto de vista dos resultados do que das estruturas e instituições.
Face à multiplicidade de modelos políticos institucionais e à constatação de que
nenhum deles se aplica universalmente, comprovado pelo fracasso das tentativas
de exportar os modelos dos países desenvolvidos para os demais, tem havido
uma atenção toda especial aos resultados da ação política. Ligado a isso, há uma
ênfase crescente sobre como as decisões são tomadas e as técnicas utilizadas
para resolver problemas.218
O processo de elaboração de uma política pública possui inúmeras etapas,
que vai desde a percepção e definição do problema, até a sua avaliação, que
consoante doutrina Costa,
é a fase mais importante, pois não basta apenas criá - la, implementá-la,
sem se estar disposto a fazer uma análise minuciosa dos seus
resultados, dos êxitos e das dificuldades apresentadas no estudo de sua
efetividade e eficiência. O ideal nesse processo de avaliação, é
justamente delinear se a política atingiu os objetivos no qual se propôs,
assim como determinar se é conveniente que determinada política se
mantenha ou se modifique.219
No que tange à conceituação de política pública, João Pedro Schmidt
leciona que ela
remete para a esfera do público e seus problemas. Ou seja, diz respeito
ao plano das questões coletivas, da polis. O público distingue-se do
privado, do particular, do indivíduo e de sua intimidade. Por outro lado, o
público distingue-se do estatal: o público é uma dimensão mais ampla,
que se desdobra em estatal e não-estatal. o Estado está voltado (deve
estar) inteiramente ao que é público, mas há igualmente instâncias e
217
Ibidem.
Ibidem.
219
COSTA, Marli da. A transversalidade das políticas públicas na perspectiva de gênero. In: REIS,
J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 11.
Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 199.
218
104
organizações da sociedade que possuem finalidades públicas expressas,
220
às quais cabe a denominação de não-estatais.
O termo política pública por vezes é utilizado com significados distintos,
sendo que dependendo de sua abrangência, pode indicar um campo de atividade,
um propósito político, ou até mesmo um programa e seus resultados.
No caso da mediação comunitária como política pública, ela cumpre com
um objetivo que é tratar de maneira adequada os conflitos sociais pelos membros
da própria comunidade. Para ser implementada, ela necessita da alocação dos
meios (recursos humanos, treinamento adequado e estrutura) por parte da
administração pública. Assim, a mediação comunitária pode ser apontada como
uma política pública, uma vez que se trata de um conjunto de programas de ação
governamental.
Tais
conjuntos
são
identificados
com
a
distribuição
e
redistribuição de bens e posições que oferecem condições para cada pessoa
viver dignamente e exercendo seus direitos, de modo a assegurar-lhe recursos e
condições para promover a ação, bem como liberdade de escolha para fazerem
uso de tais recursos.221
Na realidade, a mediação comunitária enquanto política pública é uma
alternativa que pretende mais do que simplesmente desafogar o judiciário. O que
se espera dela é uma forma de tratamento dos conflitos mais adequada, em
termos qualitativos, uma vez que será realizada por mediadores comunitários, ou
seja, sujeitos que conhecem a realidade social e o contexto de espaço e tempo
onde o conflito surgiu.222
220
SCHMIDT, João Pedro. MENEGAZZI, Piero Rosa. Bases teóricas para o desenvolvimento de
políticas públicas sobre a informação ambiental. In: REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais
e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 10. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010, p.
2311.
221
SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação comunitária enquanto política pública eficaz no
tratamento dos conflitos. In: REIS, J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais e políticas públicas:
desafios contemporâneos. Tomo 11. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 182.
222
Ibidem, p. 183.
105
2.4 Instituição da política judiciária nacional de tratamento adequado dos
conflitos pela resolução n.º 125 de 29 de novembro de 2010, do Conselho
Nacional de Justiça
Como abordado no capítulo anterior, o Poder Judiciário Nacional está
enfrentando uma intensa conflituosidade, e a consequente sobrecarga de
processos, o que vem desencadeando uma crise em seu desempenho e a perda
de sua credibilidade.
Tal situação é decorrente das transformações por que vem passando a
sociedade brasileira, que se configura de forma extremamente conflituosa,
decorrente de inúmeros fatores, um dos quais é a economia de massa. Alguns
desses conflitos são levados ao judiciário em sua configuração molecular, por
meio de ações coletivas, mas a maioria é judicializada individualmente, o que dá
ensejo ao fenômeno dos processos repetitivos, que vem provocando a
sobrecarga de serviço do judiciário. 223
A esse respeito, a crise mencionada deve-se também pela
falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de
interesses que ocorrem na sociedade. Afora os esforços que vêm sendo
adotados pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais de Justiça
de grande maioria dos Estados da Federação Brasileira e pelos
Tribunais Regionais Federais, no sentido da utilização dos chamados
Meios Alternativos de Solução de Conflitos, em especial da conciliação e
da mediação, não há uma política nacional abrangente, de observância
obrigatória por todo o Judiciário Nacional, de tratamento adequado dos
conflitos de interesses. 224
A esse respeito, se o escopo é debater um meio compartilhado, adequado
e eficiente de tratar conflitos, a mediação e a conciliação, conforme já visto,
surgem como hipóteses viáveis a tal intento. Tal se dá porque elas são destinadas
a criar e fortalecer laços entre indivíduos, prevenindo e tratando conflitos. Essa
223
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado
dos Conflitos de Interesses. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord).
GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 03.
224
Ibidem, p. 04.
106
tarefa tem como fomentador o conciliador/mediador que é uma pessoa
independente cujo objetivo é despertar no cidadão o sentimento de inclusão social
através da possibilidade de tratamento de seus conflitos de maneira autônoma.
Diante de tais institutos, é possível, então. a criação de vínculos e o
fortalecimento do sentimento de cidadania e de integração/participação da vida
social.225
Foi com base nessas premissas que restou cristalino e imperioso o
estabelecimento, pelo próprio Poder Judiciário, de uma política pública adequada
ao tratamento dos conflitos de interesse, que o estimulasse e induzisse a sua
ampla utilização, em nível nacional, dos meios consensuais de solução de
conflitos.
A competência para seu estabelecimento é do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ)
226
, consoante o art. 103-B, da Constituição Federal, que criou o
CNJ e estabeleceu suas competências, sendo que seu parágrafo 4 o, inciso II227
prevê a necessidade de zelar pela observância do art. 37, que faz referência à
administração pública.
225
MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 166.
226
É sabido que o Conselho Nacional de Justiça foi criado com o objetivo de garantir o controle da
atuação administrativa, financeira, o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, bem como
elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do
Poder Judiciário no país, bem como as atividades realizadas no decorrer do ano. Ora, estando o
Conselho Nacional de Justiça zelando pela autonomia do Poder Judiciário, bem como tendo a
competência para expedir atos regulamentares e recomendando providências, nos termos do art.
103- B, § 4o, inciso I, ele também deve elaborar semestralmente relatórios estatísticos sobre
processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder
Judiciário. (art. 103- B, § 4o, inciso VI). A título de esclarecimento, para que seja possível a
elaboração de relatórios estatísticos, são necessários números denominados como “metas”, que
atualmente correspondem às sentenças judiciais, como forma de avaliação dos magistrados.
Todos os magistrados do país estão sujeitos aos regulamentos expedidos pelo Conselho, logo,
agindo em desacordo estarão condicionados ao respectivo julgamento e a conseqüente
penalidade.
227
BRASIL.
Constituição
Federal.
Disponível
em:
<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 04 out.
2012.
[...]
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e
do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que
lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
[...]
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade
dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo
desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União.
107
Foi então, no discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal
Federal, que o Ministro Cezar Peluzzo expressou com clareza o seu
entendimento acerca dos problemas que acometem o Judiciário Brasileiro. Para
melhor elucidação, buscamos alguns trechos de seu discurso:
[...] é tempo, pois, de, sem prejuízo doutras medidas, incorporar ao
sistema os chamados meios alternativos de resolução dos conflitos, que,
como instrumental próprio, sob rigorosa disciplina, direção e controle do
Poder Judiciário, sejam oferecidos aos cidadãos como mecanismos
facultativos de exercício da função constitucional de resolver conflitos.
Noutras palavras, é preciso institucionalizar, no plano nacional, esses
meios como remédios jurisdicionais facultativos, postos alternativamente
à disposição dos jurisdicionados, e de cuja adoção o desafogo dos
órgãos judicantes e a maior celeridade dos processos, que já serão
avanços muito por festejar, representarão mero subproduto de uma
transformação social ainda mais importante, a qual está na mudança de
mentalidade em decorrência da participação decisiva das próprias partes
na construção de resultado que, pacificando, satisfaça seus
interesses.228
Há de se referir que tão logo o Ministro assumiu a Presidência do Supremo
Tribunal Federal, nomeou comissão especial para concretizar a política pública
anunciada.
Diante
desta
iniciativa,
o
Conselho
Nacional
de
Justiça
institucionalizou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesse no Poder Judiciário.
Com base nos estudos realizados pela então comissão, a Resolução nº
125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, veio controlar
a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela
observância do art. 37 da Constituição da República; sendo que a eficiência
operacional, o acesso ao sistema de Justiça e a responsabilidade social são
objetivos estratégicos do Poder Judiciário, nos termos da Resolução/CNJ nº 70,
de 18 de março de 2009.229
228
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado
dos Conflitos de Interesses. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord).
GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 08.
229
Resolvendo:
CAPÍTULO I- DO PLANEJAMENTO E DA GESTÃO ESTRATÉGICA
DISPOSIÇÕES GERAIS
108
O direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à
ordem jurídica justa; de forma que cabe ao Judiciário estabelecer política pública
de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses,
que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em
âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais,
como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de
conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.
Art. 1° Fica instituído o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, consolidado no Plano
Estratégico Nacional consoante do Anexo.
I desta Resolução, sintetizado nos seguintes componentes:
I - Missão: realizar justiça.
II - Visão: ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz
social.
III - Atributos de Valor Judiciário para a Sociedade:
a) credibilidade;
b) acessibilidade;
c) celeridade;
d) ética;
e) imparcialidade;
f) modernidade;
g) probidade:
h) responsabilidade Social e Ambiental;
i) transparência.
IV - 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas:
a) Eficiência Operacional:
Objetivo 1. Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos;
Objetivo 2. Buscar a excelência na gestão de custos operacionais;
b) Acesso ao Sistema de Justiça:
Objetivo 3. Facilitar o acesso à Justiça;
Objetivo 4. Promover a efetividade no cumprimento das decisões;
c) Responsabilidade Social:
Objetivo 5. Promover a cidadania;
d) Alinhamento e Integração:
Objetivo 6. Garantir o alinhamento estratégico em todas as unidades do Judiciário;
Objetivo 7. Fomentar a interação e a troca de experiências entre Tribunais nos planos nacional e
internacional;
e) Atuação Institucional:
Objetivo 8. Fortalecer e harmonizar as relações entre os Poderes, setores e instituições;
Objetivo 9. Disseminar valores éticos e morais por meio de atuação institucional efetiva;
Objetivo 10. Aprimorar a comunicação com públicos externos;
f) Gestão de Pessoas:
Objetivo 11. Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes dos magistrados e servidores;
Objetivo 12. Motivar e comprometer magistrados e servidores com a execução da Estratégia;
g) Infraestrutura e Tecnologia:
Objetivo 13. Garantir a infraestrutura apropriada às atividades administrativas e judiciais;
Objetivo 14. Garantir a disponibilidade de sistemas essenciais de tecnologia de informação;
h) Orçamento:
Objetivo 15. Assegurar recursos orçamentários necessários à execução da estratégia (BRASIL.
Resolução n. 70, do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:< http://www.cnj.jus.br/gestao-eplanejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/resolucao-n-70> Acesso em: 03 out. 2012).
109
Considerando, portanto, a necessidade de se consolidar uma política
pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais
de solução de litígios foi sendo sedimentado o entendimento de que a conciliação
e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e
prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já
implementados nos país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de
interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças. Nesse sentido
justifica-se o ensinamento de Bolzan e Spengler:
Além disso, a formulação de políticas públicas enquanto atividade de
planejamento sempre leva em consideração o objetivo que pretende
atingir, bem como a finalidade almejada. Em se tratando de solucionar
conflitos sociais as políticas públicas podem correr paralelas ao Poder
Judiciário ou serem anteriores ao processo judicial. Exemplo aqui é a
conciliação e a mediação uma vez que podem acontecer antes ou depois
do processo, e em se alcançando um acordo entre os conflitantes, este
poderá ser homologado judicialmente se for objetivo produzir um título
executivo judicial.230
Desta forma, torna-se imprescindível estimular, apoiar e difundir a
sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais.
Ademais, a relevância e a necessidade de organizar e uniformizar os serviços de
conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos, se
fazem mister para evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para
assegurar a boa execução da política pública, respeitadas as especificidades de
cada segmento da Justiça.
Fica, pois, claro que a Política Judiciária Nacional
trata-se do primeiro marco oficial, institucional, e não apenas políticoprogramático, ou de mera gestão, versando sobre o reconhecimento da
existência de uma nova modalidade, em que pese ressurgente, de se
solucionar contendas, e nisso inaugura o novo formato da verdadeira
Justiça Nacional, a qual nasce, ou como Fênix, ressurge sob o signo da
missão cidadã de implantar métodos que detenham a real capacidade de
230
MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.168.
110
dar pronta solução, em tempo útil razoável, aos conflitos de interesses
apresentados no seio das populações, a bem de imensidões de
jurisdicionados que a cada dia mais querem e necessitam se valer
desses serviços demonstrando que é de fato relevante para o Estado o
elemento mais significativo integrante do teorema da ação judicial, qual
seja, “o tempo de vida”, durante o qual as partes, pacífica e
resignadamente, aguardam a solução do conflito sem recorrer, para
231
tanto, a métodos marginais, até mesmo ilícitos.
Assim, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a organização dos
serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de
conflitos devem servir de princípio e base para a criação de Juízos de resolução
alternativa de conflitos, verdadeiros órgãos judiciais especializados na matéria.
Os novos métodos consensuais de resolução dos conflitos são modelos de
interação social que fogem daquele modelo impositivo, antagônico e dão espaço
para o vínculo participativo, dialógico e cooperativo.
O que se pretende é repensar a jurisdição num sentido mais amplo, haja
vista que o conflito assume uma dinâmica negativa a qual deixa de conduzir ao
crescimento, e que deflagra a necessidade de procedimentos eficientes para
tratá-lo. As sentenças proferidas pelos juízes muitas vezes desagradam uma ou
as duas partes, o que ocasiona a mágoa, e diante dela, os laços jamais se
reabilitarão.
Diluir é eliminar, e o diálogo assertivo, conduzido pelo mediador, que tem
técnicas apropriadas pode conseguir este intento, administrando, desta forma, um
consenso.
Nesse sentido, a reflexão proposta visa a defender o modelo da ação
orientada ao entendimento, o que deixa de privilegiar aquela atitude objetiva em
que o sujeito se dirige a ele mesmo como entidade do mundo. Ao contrário, a
mediação pautada na comunicação232 defende que o entendimento recíproco é
231
BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Movimento pela conciliação – um breve histórico. In: RICHA,
Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.].
Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense,
2011, p. 47.
232
A técnica habermasiana somente pode se efetivar num dado contexto social, manifestando-se
na prática quotidiana, sob a forma de “ação comunicativa”, que permite uma relação crítica com os
três mundos simultaneamente (mundo dos objetos, mundo social e mundo subjetivo).Para
validação desse conceito, parte-se da elucidação de três vias possíveis. A primeira consistiria na
111
fundamental, haja vista que a atitude dos participantes na interação que
coordenam visa ao entendimento entre si, sobre algo no mundo.
À medida que os ditames da referida resolução vão tornando forma e
aplicabilidade, pode-se traçar alguns comentários acerca dos seus pontos mais
relevantes233:
1) Houve a atualização do conceito de acesso à justiça, que não pode mais
ser compreendido como mero acesso aos órgãos judiciários e aos processos
contenciosos, e, sim, como acesso à ordem jurídica justa;
2) Definiu-se o direito de todos os jurisdicionados à solução dos conflitos de
interesses pelos meios mais adequados a sua natureza e peculiaridade, inclusive
com a utilização dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como a
mediação e a conciliação;
3) Há, portanto, a obrigatoriedade de oferecimento de serviços de
orientação e informação e de mecanismos alternativos de resolução de
controvérsias, além da solução adjudicada por meio de sentença;
4) Nasceu a preocupação pela boa qualidade desses serviços de resolução
dos conflitos, com a adequada capacitação, treinamento e aperfeiçoamento
permanente dos mediadores e conciliadores;
5) Constatou-se a necessidade de disseminação da cultura da pacificação,
com apoio do CNJ aos tribunais na organização dos serviços de tratamento
adequado aos conflitos, e com a busca da cooperação dos órgãos públicos e das
instituições públicas e privadas da área de ensino, com vistas à criação de
disciplinas que propiciem o surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos
de interesses;
elaboração formal-pragmática desse conceito, a segunda optaria pela validação empírica, e a
terceira, a reelaboração, com intenções sistemáticas, da história da teoria.
233
O artigo 6o da Resolução 125, diga-se de passagem, traça toda a metodologia de trabalho a ser
instituída no Poder Judiciário. Tendo em vista que trata: a) as diretrizes para implementação da
política pública de tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais; b)
conteúdo programático mínimo e ações voltadas à capacitação dos mediadores, conciliadores,
servidores e demais facilitadores; c) cooperação dos órgãos públicos; d) interlocução com a
Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público,
estimulando a participação junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania; e)
gestão junto às empresas e às agências reguladoras de serviços públicos. No entanto, a
aplicabilidade de tais competências merece um minucioso acompanhamento, por parte dos
próprios Tribunais, já que atualmente se encontram em situação de disparidade frente à proposta
primeiramente ventilada. Tal disparidade é no sentido de não reconhecer os cursos de
capacitação não vinculados ao CNJ.
112
6) Foi imposta aos Tribunais a obrigação de criar: Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, Centros Judiciários de Solução de
Conflitos e Cidadania, Cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de
mediadores e conciliadores, com observância do conteúdo programático e carga
horária mínima estabelecida pelo CNJ, Banco de dados para a avaliação
permanente do desempenho de cada Centro e Cadastro dos mediadores que
atuem em seus serviços. 234
Muitas são as renovações propostas pela extensa produção legislativa de
nosso país, por vezes, evasivas e sem cunho prático, ou outras por ausência de
políticas públicas que garantam sua efetividade, porém nada é alterado. Desde
que seja adequadamente implementada a Resolução,
certamente assistiremos a uma transformação revolucionária, em termos
de natureza, qualidade e quantidade do serviços judiciários, com o
estabelecimento de filtro importante da litigiosidade, com o atendimento
mais facilitado dos jurisdicionados em seus problemas jurídicos e
conflitos de interesses e com maior índice de pacificação das partes em
conflito, e não apenas solução dos conflitos, isso tudo se traduzindo em
redução da carga de serviços de nosso Judiciário, que é sabidamente
excessiva, e em maior celeridade das prestações jurisdicionais. A
consequência será a recuperação do prestígio e respeito de nosso
judiciário. E assistiremos, com toda a certeza, à profunda transformação
do nosso país, que substituirá a atual “cultura da sentença” pela “cultura
da pacificação”, disso nascendo, como produto de suma relevância, a
maior coesão social. 235
Neste ponto, como bem exposto por Nalini,236“nada impede que se persiga
a utopia. As utopias continuam com seu lugar no século XXI. A convenção
cronológica não elimina a substância humana, cujo principal componente é o
sonho. Tirem tudo do homem e ele sobreviverá. Só não subsistirá sem a
capacidade de sonhar”.
234
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado
dos Conflitos de Interesses. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord).
GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 09.
235
Ibidem.
236
NALINI, Jose Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. XXI.
113
Ao instituir a proposta de uma nova cultura dos “juízes”, a da solução
pacífica dos conflitos, o que se pretende é proporcionar ao magistrado um
exercício estimulante; já que ele é considerado individualmente como integrante
do Poder Judiciário, por óbvio, este órgão é suscetível
de constante
aperfeiçoamento. Para tanto, cada juiz pode influir nas estratégias de alteração da
estrutura e atividade de seu universo profissional.
Logo, a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições
públicas e privadas da área de ensino contribuirá diretamente para a aceleração
no movimento de revitalização da justiça, tanto que a Resolução prevê, inclusive,
que nas Escolas da Magistratura haja módulo voltado aos métodos consensuais
de solução de conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de
aperfeiçoamento.
Tudo quanto foi dito se mostra altamente eficiente para a aceleração da
proposta, já que oferece contributo para aperfeiçoar a justiça.
Todas essas observações vêm a dar respaldo a interlocução proposta com
a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e
Ministério Público, estimulando suas participações nos Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania237, e bem como valorizando a atuação na
prevenção dos litígios.
Como se pode observar, o sucesso dos “Centros” somente verificar-se-á
com a efetiva participação dos advogados, que poderão tanto auxiliar na escolha
do melhor método de solução de conflito, quanto na atuação de terceiro facilitador
(conciliação ou mediação). Ademais, essa atuação confere maior segurança às
partes, já que poderão aconselhar juridicamente, bem como indicar a utilização de
termos necessários, afim de que o acordo seja exequível, em caso de
descumprimento.
237
Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”) são unidades do Poder
Judiciário às quais cabe, preferencialmente, a realização das sessões e audiências de conciliação
e mediação a cargo de conciliadores e mediadores, no âmbito de determinado território definido
pela organização judiciária do Estado, e o atendimento e orientação aos portadores de dúvidas e
problemas jurídicos (art. 8o). Os parâmetros utilizados para a criação dos “Centros” foram o
gerenciamento do processo e os Setores de Conciliação e Mediação do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, e o fórum de Múltiplas Portas ou Tribunal Multiportas (Multidoor
237
Courthouse ) do direito norte-americano. (LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. A Resolução
n.125 do Conselho Nacional de Justiça: Origem, objetivos, Parâmetros e Diretrizes para
Implantação Concreta. In: RICHA, Morgana de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord).
GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.]. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 239).
114
No que tange à atuação dos Promotores de Justiça e dos Defensores
Públicos, suas participações serão o estágio ideal, já que analisam os
encaminhamentos a partir dos atendimentos realizados, e fazem uma espécie de
triagem pré-processual, evitando-se demandas desnecessárias. Ainda, exercem
dupla função, seja na fiscalização dos acordos, bem como no acompanhamento
das partes, quando de sua lavratura.
Nalini238 já apresentava em sua Obra a Rebelião da Toga a enfermidade
social refletida na atividade judiciária, sendo que atualmente “multiplicam-se as
críticas, e seria reducionista enxergar em todas elas teorias conspiratórias ou
expressão de iniquidade, afinal, elas vêm de todos os setores”.
Ao lado desta grande possibilidade de mudança, é importante mantermos o
debate acerca da necessidade de instituição de novas políticas públicas que
garantam o acesso a uma justiça adequada, para fins de aparar as arestas 239 e
ajustar a implementação das mesmas evitando distorções, descaminhos e
confusões de /entre ambos os institutos (mediação e conciliação). “O pior pecado
é instituir mecanismos chamados mediativos ou conciliativos que na prática não
possuem nada ou muito pouco em comum com a mediação e a conciliação.
Afinal, um dos meios de evitar o engano é manter aceso o debate”.240
238
NALINI, Jose Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. 198).
No entanto, há algumas dificuldades a serem suplantadas, por ora, pela boa vontade e pelo
voluntarismo dos conciliadores e mediadores, qual seja, a falta de indicação de fonte de custeio
para o pagamento das respectivas atividades profissionais. De todo o modo, é de meridiana
clareza que conciliadores e mediadores profissionalmente capacitados não poderão permanecer
sem retribuição ou ao alvedrio dos tribunais, no exercício de função voluntária e honorífica.
Acresce que as dificuldades de implantação, a cargo dos tribunais estaduais, através de
Provimentos ou Resoluções, e desde que não suplantadas as dificuldades orçamentárias,
capacitação de profissionais e sua remuneração, poderão conduzir a novo fracasso. (NETO,
Caetano Lagrasta. A conciliação judicial- avanços, retrocessos e esperança. In: RICHA, Morgana
de Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini... [et.al.]. Conciliação e
mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 104).
240
MORAIS, José Luis Bolzan. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.166.
239
115
3
A
MEDIAÇÃO
COMUNITÁRIA
COMO
POLÍTICA
PÚBLICA
DEMOCRATIZADORA DE ACESSO À JUSTIÇA: o projeto de Justiça
Comunitária da cidade de Passo Fundo-RS241
O escopo deste capítulo é desenvolver uma abordagem teórica acerca da
mediação comunitária, bem como descrever o processo de implantação do
Projeto Justiça Comunitária no município de Passo Fundo – RS, e,
consequentemente, avaliação de seus resultados de forma que seja possível, de
antemão afirmar que a metodologia democrática da mediação comunitária é uma
eficiente política pública no tratamento dos conflitos.
3.1 Considerações teóricas acerca da mediação comunitária
A sociedade atual vivencia cada vez mais o surgimento de novos conflitos,
frutos das transformações políticas sociais, econômicas, além de um enorme
crescimento populacional urbano, é o que gera um aumento no desemprego e,
como consequencia, no nível de violência. Essas mudanças causam um aumento
dos tipos e na quantidade de conflitos interpessoais, especialmente nas camadas
sociais menos favorecidas, que são privadas dos direitos fundamentais garantidos
pela nossa constituição, tais como direito à saúde, à educação, à alimentação, à
moradia e ao acesso à justiça.242
A revisão permanente de nossa sociedade revela que
todas as relações sociais da atualidade experimentam conflitos em
determinado momento. Esses conflitos, por uma série de fatores, dentre
os quais se podem citar a distribuição e o desenvolvimento dos papéis
sociais, o ritmo frenético imposto pela economia globalizada, a facilidade
de comunicação que – paradoxalmente – afasta os seres humanos e faz
241
Cumpre esclarecer que, com exceção das informações referenciadas, todas as demais
constantes neste capítulo foram retiradas Blog Justiça Comunitária. Disponível em:<
http://justicacomunitariapf.blogspot.com.br/ > Acesso em 02 out. de 2012.
242
SALES, Lilia Maia de Morais. MIRANDA, Ana Karine P.C. COLARES, Elisabeth Fialho. Casa
de mediação comunitária – um instrumento eficaz na solução participativa e pacífica dos conflitos.
In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetivação do direito na
atualidade: a cidadania em debate. Lilia Maia de Morais Sales, organizadora. Fortaleza:
Universidade de Fortaleza, 2005, p. 180.
116
artificiais os laços comunitários, tornaram-se mais complexos do que
aqueles existentes poucas décadas atrás. Desse modo, contata-se que a
atual complexidade conflitiva é um traço contemporâneo avistado nas
esferas mundial e local.243
Deve-se, pois, antes de tudo recordar que até o término da era industrial, o
homem tinha que se adaptar aos produtos oferecidos e se contentar com uma
demanda maior que a oferta. Hoje, na era do conhecimento, o foco deixa de ser o
produto e passa a ser a necessidade do homem. Dentre as suas necessidades
contemporâneas está o aprendizado e a prática do diálogo produtivo na
composição de diferenças. São imprescindíveis nesse momento os métodos que
facilitam e favorecem esse diálogo e buscam co-autoria responsável pelo que se
vive e se proporciona ao outro viver. É nesse cenário que os métodos
extrajudiciais de tratamento de conflitos, como a mediação244 comunitária, surgem
em nossa cultura, afinal, 245
falar em conflito tornou-se um inevitável lugar comum, especialmente
quando se verifica que a resposta “sólida” – que deveria ser oferecida
por instituições como o Judiciário – aos poucos esmaeceu corroída pela
incompatibilidade entre as complexas relações comunitárias e
estratégias hegemônicas atuais.246
243
SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed. Unijuí,
2012, p. 197.
244
O termo mediação procede do latim mediare que significa mediar, dividir ao meio ou intervir.
Estas expressões sugestionam o entendimento do vocábulo mediação, que se desvela um método
pacífico de solução de conflitos. Numa acepção moderna, mediação é um processo voluntário de
ajuste de conflitos, no qual uma terceira pessoa atua no sentido de encorajar e facilitar a resolução
de uma disputa ser determinar qual a solução. Dessa forma, a mediação é um meio consensual e
não adversarial de resolução de conflitos, no qual as partes escolhem um terceiro imparcial e
capacitado, no caso o mediador, que servirá de canal de diálogo e pacificador entre as partes, não
interferindo no mérito das decisões. Na mediação, as partes são protagonistas, tendo em vista que
elas que conhecem desde a origem aquela controvérsia e que terão co-responsabilidade de
decidir o que será melhor para ambas às partes. Contudo, sempre deverá se priorizar a boa-fé das
partes envolvidas, a possibilidade e igualdade no diálogo, a autonomia das partes no processo e a
visão positiva do conflito. Além disso, a utilização da mediação, normalmente, é mais adequada
aos conflitos familiares, de vizinhança e entre empresas. (MIRANDA, Ana Karine Pessoa
Cavalcante. A mediação de conflitos como instrumento de acesso à justiça, inclusão social e
pacificação social. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a
efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate. Lilia Maia de Morais Sales,
organizadora. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2005, p. 08).
245
Ibidem, p. 07.
246
SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed. Unijuí,
2012, p. 197.
117
Nestas condições, importante que se mencione a noção exata do que se
pretende ao discutir a justiça comunitária como meio democrático de acesso à
justiça, bem como instrumento eficaz no tratamento dos conflitos de uma
determinada comunidade, “como possível resposta à incapacidade estatal de
oferecer uma jurisdição quantitativa e qualitativamente adequada”. 247
A mediação comunitária tem como objetivo principal, por meio do diálogo,
fazer com que as pessoas administrem bem seus conflitos. Assim, ela contribui
para preveni-los, conscientizando-os da importância de sua participação na
discussão de seus problemas, o que dá a elas o sentimento de inclusão na
sociedade. Desta maneira, a mediação comunitária se mostra como um
importante meio de solução de disputas, principalmente se levarmos em
consideração os indivíduos que vivem à margem da sociedade, desolados pela
desigualdade social que atinge todo o país. 248
Lilia Mais de Morais Sales salienta que
a mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a
população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos
conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática e
uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os valores e
as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para um
melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento
adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade,
249
perturbam a paz.
Ademais, à medida que a sociedade se conscientiza de que o homem
evolui a partir de contraposições, percebe que os conflitos devem ser
administrados positivamente, e que a técnica da mediação está prevenindo a má
administração das controvérsias, bem como o surgimento de futuros conflitos. A
247
SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed. Unijuí,
2012, p. 198-199.
248
MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante. A mediação de conflitos como instrumento de
acesso à justiça, inclusão social e pacificação social. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa
Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate.
Lilia Maia de Morais Sales, organizadora. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2005, p. 17-18.
249
SALES, Lilia Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Editora Belo Horizonte: Del Rey,
2003, p. 135.
118
técnica da mediação incentiva a prevenção dos conflitos individuais, pois estimula
a prática do diálogo, a conscientização dos indivíduos acerca de seus direitos e
deveres, a responsabilização pela concretização dos mesmos, a mudança de
uma visão negativa para uma percepção positiva do conflito, a comunicação
pacífica entre as partes, a busca pelo consenso.250
É sabido que os conflitos podem ser interpessoais, intrapessoais,
intracoletivos, intercoletivos e internacionais. Sempre que existir um conflito podese questionar de que modo seus participantes – bem como suas características
individuais (força, meios de cognição, personalidade, estado emocional, etc.) e as
eventuais relações prévias de um com o outro – afetam o desenvolvimento e o
andamento do processo conflituoso. Assim, tal tese conforma a hipótese de que o
ambiente no qual ocorreu o conflito também pode influenciar sua resolução.251
Neste ponto, a mediação comunitária atua com a lógica de um mediador
independente, membro desta mesma comunidade, que pretende levar aos demais
moradores o sentimento de inclusão social. Essa inclusão dos componentes da
comunidade
pode
ser
concretizada
mediante
a
autonomização
e
a
responsabilização por suas escolhas e por suas decisões, seja no concernente a
conflitos vivenciados ou a conflitos ocultos. Assim, criam-se vínculos, fortalecendo
o sentimento de cidadania e de participação da vida social da comunidade. 252
Nesse sentido, a mediação comunitária, cumpre com duas funções:
primeiro oferece um espaço de reflexão e busca de alternativas na
resolução dos conflitos nas mais diversas esferas: família, escola, no
local de trabalho e de lazer, entre outros. Em segundo lugar o indivíduo
possui um ganho que, não obstante parecer secundário, assume
proporções políticas importantes quando ao resolver autonomamente
seus conflitos passa a participar mais ativamente da vida política da
comunidade. Assim, ele estimula e auxilia os indivíduos a pensarem
como conjunto (nós) e não mais como pessoas separadas (eu-tu). A
resolução do conflito é boa quando satisfatória para todos. Nesse
contexto, a maior lição é valorizar o bem comum mais do que os bens ou
ganhos individuais. Consequentemente a cidadania acontece de modo
250
COSTA, Andreia da Silva. ANDRADE, Denise Almeida de. Mediação de conflitos: outras
possibilidades. In: MIRANDA, Ana Karine Pessoa Cavalcante...[et al]. Estudos sobre a efetivação
do direito na atualidade: a cidadania em debate. Lilia Maia de Morais Sales, organizadora.
Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2005, p. 37.
251
SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed. Unijuí,
2012, p. 199.
252
Ibidem, p. 200.
119
efetivo quando os “conflitantes comunitários”, com o auxílio do mediador,
entendem e usufruem de seu poder de decisão, respeitando e zelando
pelo bem-estar social.253
Mais do que um meio de acesso à justiça fortalecedor da participação
social do cidadão, a mediação comunitária é uma política pública que vem
ganhando fomento do Ministério da Justiça, da Secretaria de Reforma do
Judiciário, do CNJ brasileiros, uma vez que comprovado está sua eficiência na
administração e resolução de conflitos.254 É o que se pretende demonstrar através
da análise pormenorizada do Projeto Justiça Comunitária da cidade de Passo
Fundo- RS, iniciando a abordagem com breves comentários acerca da
necessidade de estudo e entendimento das comunidades envolvidas.
3.2 Locus: comunidade e seu conceito.
É sabido que a humanidade aspira a uma sociedade que não seja
unicamente uma sociedade civil, senão que chegue a ser uma boa sociedade.
Diante disso, deve-se reconhecer que em uma sociedade onde nada é
desrespeitado, e se trata todos com idêntico respeito, todos somos capazes de
alcançar o mais completo potencial humano. 255
Diz-se com frequência que o conceito de comunidade é vago e equívoco.
Ocorre que as comunidades têm sido frequentemente menosprezadas como fator
social de importância, mas pendente de conseguir um equilíbrio entre o estado e
o mercado.
253
SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Ed. Unijuí,
2012, 227- 228.
254
Ibidem, p. 228.
255
Entendiendo que una buena sociedad es aquella en la que las personas se tratan mutuamente
como fines en sí mismas y no como meros instrumentos; corno totalidades Iersonales y no como
fragmentos; como miembros de una comunidad, unidos por lazos de afecto y compromiso mutuo,
y no sólo como empleados, comerciantes, consumidores o, incluso, conciudadanos. (ETZIONI,
Amitai. La tercera vía hacia uma buena sociedad. Propuestas desde el comunitarismo. Prólogo de
José Pérez Adán. Madri: Editorial Trotta, 2001, p. 15.)
120
Se buscarmos seu sentido etimológico, o vocábulo “comunidade” expressa
a associação de pessoas que têm os mesmos objetivos [...] 256
Assim, é possível conceber que o locus favorece a convivência, bem como
a comunhão de esforços, já que todos estarão voltados ao mesmo objetivo,
fazendo da união a condução ao entendimento, à confiança e à segurança.
Spengler, ao tecer considerações acerca dos efeitos da vivência em
comunidade,
diz
que
“independentemente
e
não
obstante
as
alterações/interpretativas do significado da palavra “comunidade”, sem sombra de
dúvida é bom “ter uma comunidade” ou “estar numa comunidade”.257
Cultivar as comunidades onde já existem e ajudar a formar as novas aonde
foram esquecidas, é essencial para a formação de um futuro que preserve os
bens sociais. Para promover as comunidades, os chefes de governo devem pedir
aos seus ministros que lhes facilitem informes anuais sobre como comprometer
mais as comunidades em seus trabalhos.
Uma boa sociedade se sustenta melhor em base de organização de
serviços mútuos e a renovação comunitária pode ser facilitada se for
proporcionado o intercâmbio social.
Ademais, para o florescimento das comunidades, as políticas públicas
devem ter em conta muitas vezes, que os limites geográficos das comunidades
não correspondem com aos limites administrativos.258
As políticas que pretendem renovar e apoiar os espaços locais precisam
ter presente que estes só se fortalecem, sobretudo, nos espaços públicos e não
na intimidade da casa própria e do próprio veículo. Portanto, as culturas morais
das comunidades são um recurso básico para edificar a boa sociedade e também
há de se defender que a cultura moral comunitária requer que seja examinada e
controlada pelos próprios membros e por observadores externos.
Forçoso reconhecer que uma boa sociedade combina o respeito com os
direitos individuais, bem como a satisfação das necessidades básicas dos
256
BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. Editora FTD
Paulo, 2010.
257
SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação comunitária enquanto política pública
tratamento dos conflitos. IN: LEAL, R; REIS, J.R. Direitos Sociais e Políticas Públicas
Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 178.
258
ETZIONI, Amitai. La tercera vía hacia uma buena sociedad. Propuestas
comunitarismo. Prólogo de José Pérez Adán. Madri: Editorial Trotta, 2001, p. 38.
S.A.: São
eficaz no
11. Santa
desde el
121
homens com expectativa de que seus membros vivam com respeito e
responsabilidade consigo mesmos, suas famílias, amigos e a comunidade em
geral.
Diante deste contexto, é na esfera territorial que as pessoas estabelecem
suas relações e se reconhecem como pertencentes de uma mesma comunidade.
Com base neste sentido que o Projeto de Justiça Comunitária da cidade de Passo
Fundo adota a comunidade como esfera de atuação. Já que é na
instância da comunidade que os indivíduos edificam suas relações
sociais e podem participar de forma mais ativa das decisões políticas. É
nesse cenário que se pode estimular a capacidade de autodeterminação
259
do cidadão e de apropriação de sua própria história.
Para possibilitar o entendimento da prática comunitária, apresentam-se
algumas considerações acerca de cada comunidade objeto de aplicação do
Projeto Justiça Comunitária, bem como as principais informações relacionadas ao
projeto e aos convênios estabelecidos pela política pública, ora em análise.
3.3 Política Pública de Justiça Comunitária
A justiça comunitária visa a levar a comunidade a construir e escolher seus
caminhos para a realização própria, de maneira pacífica e solidária, tendo como
principal meio a mediação. O Núcleo de Justiça Comunitária de Passo Fundo foi
implantado em março de 2011, entre uma parceria do Governo Federal, através
do Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário com a Prefeitura de
Passo Fundo, através da Secretaria de Segurança Pública260.
259
FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça Comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 139-140.
260
A Secretaria de Segurança Pública de Passo Fundo foi criada em outubro de 2010. É uma
conquista bastante importante para o desenvolvimento de nosso município, pois permite que mais
benefícios sejam levados à população na área de segurança e prevenção à violência e
criminalidade. O projeto Justiça Comunitária, realizado em parceria com a Escola de Direito da
IMED (com o apoio e participação das outras Escolas da faculdade), já está entrando em
funcionamento, e com certeza representará um grande avanço na segurança pública passofundense. Márcio Patussi é o secretário municipal responsável pela Secretaria Segurança Público.
122
Esta é uma das ações do PRONASCI, e objetiva auxiliar na pacificação da
sociedade, fortalecendo as bases comunitárias de apoio social e facilitando o
acesso à justiça por meio de informação, prevenção, e da própria mediação.
O projeto contempla dois bairros: José Alexandre Zachia e Valinhos. O
Núcleo visa promover a coesão social, a solidariedade, a intensificação da paz,
por meio de atividades e informações jurídicas, mediação comunitária e animação
das redes sociais261.
O Projeto Justiça Comunitária: “A Interface sistêmica entre Estado e
Sociedade Civil para elaboração de políticas públicas visando à gestão de
conflitos e a efetivação do acesso à justiça”, da Escola de Direito da IMED 262,
Em matéria publicada pelo Jornal Diário da Manhã, ele comenta: "O nosso momento inicial é
trabalhar com a violência, com relação às causas e a prevenção da violência. Já temos os
recursos do Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania) que são oriundos do
Ministério da Justiça, através do governo federal, onde se incentiva um novo olhar no tratamento
da violência. Os municípios brasileiros não podem trabalhar com policiamento ostensivo, com
aquela repressão, que é típica, das polícias constituídas, sejam elas as polícias militares, ou as
polícias civis que são de obrigação dos estados, sejam elas da polícia federal, ou até mesmo do
exército brasileiro que tenham o seu comando na união. O município tem que fazer uma atividade
diferente, e o município de Passo Fundo assim foi habilitado com recursos, vem a ser o nosso
carro chefe. Nós temos inicialmente aprovado no Pronasci R$ 2 milhões e 600 mil, ainda no ano
de 2009, estes recursos já estão disponíveis para a prefeitura. Temos três projetos
importantíssimos, no tratamento a prevenção das causas de violência, um deles é “Mulheres da
Paz”, outro deles é “Protejo”, e outra “Justiça Comunitária”, onde estaremos inserindo nas
comunidades mais carentes, onde haja um determinado índice de violência estaremos inserindo
uma cultura de paz, formando pessoas, ajudando aquele adolescentes que cometem atos
infracionais a mudar um pouco a sua visão, e se tornarem pessoas de bem." A Justiça
Comunitária é um modelo que vem sendo adotado com sucesso em vários lugares do Brasil.
Agora, Passo Fundo também irá adotar projetos inovadores de prevenção da violência.
(Disponível em: < http://justicacomunitariapf.blogspot.com.br>. Acesso em 05 nov. 2012.
261
As redes sociais são a expressão dos contornos da contemporaneidade. O padrão de
organização em rede caracteriza-se pela multiplicidade dos elementos interligados de maneira
horizontal. Os elos de uma rede se comunicam voluntariamente sob um acordo intrínseco que
revela os traços de seu modus operandi. A animação das redes sócias tem por objetivo promover
o capital social, cujo grau, embora não possa ser mensurado, pode ser avaliado a partir da
presença dos seguintes elementos na comunidade: sentimento de pertença, cooperação,
confiança mútua, elaboração de respostas locais, emergência de um projeto comum, repertório
compartilhado de símbolos, ações, conceitos, rotinas, ferramentas, estórias e gestos,
relacionamento, comunicação, realização de coisas em conjunto. Nesse sentido, é fundamental
que os Agentes Comunitários e equipe multidisciplinar mantenham em suas agendas permanentes
contatos com a comunidade, por meio de reuniões previamente organizadas. Estas reuniões
devem propiciar que o tema que as ensejaram seja objeto de reflexão, abordagem e troca de
saberes diferenciados, incluídos os técnicos que eventualmente participem e daquele produzido
localmente. Também deve haver um espaço para falar do futuro que é sempre um norteador dos
esforços comunitários. Ao propiciar esses encontros e promover esses diálogos, os Agentes
Comunitários agem como tecelões contribuindo para que essa teia social se fortaleça e integre a
construção de uma comunidade coesa. (FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça Comunitária: por uma
justiça da emancipação. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 143-144).
262
Obs.: O projeto envolveu professores que atuam em diferentes Escolas na IMED.
123
ocorreu de março de 2011 a março de 2012263, na cidade de Passo Fundo- RS,
nos bairros Zachia e Valinhos.
O projeto264 buscou examinar o papel do Estado e da sociedade civil na
gestão de conflitos e acesso à justiça. Para tanto, se propôs a elaborar um estudo
de caso junto ao município de Passo Fundo, mapeando em um primeiro momento
a natureza dos conflitos existentes nos bairros Zachia e Valinhos em Passo
Fundo, e as redes que atuam nestas comunidades, bem como oferecer subsídios
ao poder público e os demais órgãos responsáveis pela implementação do
Projeto Justiça Comunitária no município de Passo Fundo, para elaboração de
políticas públicas de democratização do acesso à Justiça.
A justificativa do projeto se deu em virtude de tratar-se de um projeto
multidisciplinar de relevância social pela oportunidade de estudar a formação de
líderes no processo de implantação da mediação comunitária dos conflitos em
dois bairros “de risco” em Passo Fundo. Tal ação contribuiu com a formação,
capacitação e com o desenvolvimento do ser humano à medida que se amplia a
qualidade de vida.
Além disso, do ponto de vista acadêmico,265 fomentou o conhecimento e as
publicações nas áreas envolvidas. Soma-se ao exposto a implantação de uma
prática multidisciplinar, colocando-se na vanguarda o que se refere ao acesso à
justiça e à administração da justiça, o que envolve professores e alunos de
diferentes cursos da instituição. A pesquisa revelou-se importante para a
implementação dos dois projetos em que a IMED ganhou os editais (Pacificar e
Justiça Comunitária), angariando, assim, recursos mínimos e uma excelente
projeção social e científica para a instituição em âmbito estadual e nacional.
263
Mesmo após o término do convênio com o Ministério da Justiça, a PMPF subsidiou a
continuidade do projeto até o mês de Junho de 2012.
264
Equipe executora: Professor Doutor Mauro Gaglietti Coordenação do Projeto de Pesquisa, Prof.
Ms. Marcelino Meleu, Coordenação e Execução, Profa. Ms. Sabrina Francio – Coordenação do
Grupo de Estudo- Desenvolvimento Humano e Formação de Líderes Mediadores.
265
Projeto de Extensão vinculado ao Projeto: Cartografia dos conflitos nos Bairros Zachia e
Valinhos em Passo Fundo (RS) e mapeamento das organizações existentes na área pesquisada:
sustentando ações de democratização do acesso à justiça. Objetivos: O projeto pretende em
linhas gerais identificar e mapear os tipos de conflitos que afetam os moradores dos bairros Zachia
e Valinhos e, especificamente, identificar as pessoas envolvidas. Ao mesmo tempo, visa constituir
uma equipe composta de voluntários, e das entidades que compõe a rede de atuação junto às
comunidades pesquisadas, bem como, encaminhar proposta de resolução destes conflitos tendo
em vista as práticas de resolução de conflitos tais como a mediação e a justiça restaurativa dentro
de um projeto maior denominado de Justiça Comunitária.
124
O objetivo geral do projeto foi examinar as formas utilizadas pelos
moradores dos Bairros Zachia e Valinhos para o acesso à justiça.
Dentre os objetivos específicos, podemos citar os seguintes:
1) Detectar e mapear a ação das organizações sociais presentes nos
referidos bairros;
2) Estudar a natureza dos conflitos na região em foco, sobretudo aqueles
relacionados ao ambiente escolar e as brigas envolvendo casais e
vizinhança;
3) Identificar as lideranças de ambos os bairros e examinar suas trajetórias
e
as
formas
inventadas para
encaminhar
as demandas
das
comunidades citadas;
4) Avaliar as representações sociais dos líderes comunitários acerca do
cotidiano dos Bairros Zachia e Valinhos, principalmente no que se
refere às metodologias de resolução de conflitos, da ação do Poder
Judiciário, da Prefeitura, da Câmara de Vereadores, do Ministério
Público, do Conselho Tutelar, da Escola e das Organizações com forte
atuação naquela região.
Ademais, a base teórica do projeto foi desenvolvida de forma que fosse
possível a execução da melhor abordagem e construção da temática, bem como
o problema de pesquisa, e algumas hipóteses de investigação. São elas:
1) A descoberta da crise do Estado e da jurisdição “como” crise.
2) A Jurisdição e os institutos processuais no Estado Democrático de
Direito para a democratização do acesso à justiça.
3) Superação da crise jurisdicional com a participação da comunidade e
elaboração de políticas públicas.
O projeto de pesquisa fez uso de três métodos teóricos relacionados e, ao
mesmo tempo, complementares para dar conta da realização de 20 entrevistas 266
com os líderes comunitários dos bairros Valinhos e Zachia em Passo Fundo (RS).
266
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1) NOME
2) IDADE
3) FORMAÇÃO ESCOLAR
4) EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
5) TEMPO DE MORADIA NA COMUNIDADE E HISTÓRIA DE VIDA
125
O objetivo das entrevistas era verificar junto aos mediadores o domínio das
situações desafiadoras de cada comunidade que se viam inseridos.
Os métodos e técnicas de análise justificam-se na medida em que se
percebe que, nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com
uma grande massa de informações. As novas questões e os eventos que surgem
no horizonte social exigem - por nos afetarem de alguma maneira -, que
busquemos compreendê-los, aproximando-os daquilo que já conhecemos,
usando palavras que fazem parte de nosso repertório.
Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos
instados a nos manifestar sobre eles, a procurar explicações, fazendo
julgamentos e tomando posições. Estas interações sociais criam “universos
consensuais” sobre a violência, a criminalidade, os conflitos e o papel das
famílias, da sociedade e do Poder Judiciário e Ministério Público no âmbito dos
quais as novas representações vão sendo produzidas e comunicadas, o que
passa a fazer parte desse universo não mais como simples opiniões, mas como
verdadeiras “teorias” do senso comum, construções esquemáticas que visam a
dar conta da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas.
6) EXPERIÊNCIA EM ENTIDADES, GRUPOS, IGREJAS, ESPORTE, ESCOLA, ASSOCIAÇÃO
DE MORADORES outros...
7) CARACTERÍSTICAS DE UM LÍDER DA COMUNIDADE
8) CARACTERÍSTICAS DE UM MEDIADOR DA COMUNIDADE
9) IDEIA A RESPEITO DO BAIRRO
10) IDEIA COM RELAÇÃO AOS ASPECTOS POSITIVOS DO BAIRRO
11) IDEIA ACERCA DOS PONTOS CONSIDERADOS NEGATIVOS EXISTENTES NO BAIRRO
12) VISÃO SOBRE AS PESSOAS QUE NÃO PARTICIPAM DAS REUNIÕES E ENCONTROS
VOLTADOS A DEBATER AS QUESTÕES QUE DIZEM RESPEITO À COLETIVIDADE
13) OCORRÊNCIAS DE SENTIMENTOS DE AMIZADE, ANTIPATIA OU SIMPATIA QUE
PERMEIAM AS PESSOAS NO BAIRRO
14) OS MOTIVOS E INTERESSES PARA PARTICIPAR DAS REUNIÕES E DA ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES
15) COMO FICOU INFORMADO ACERCA DO PROJETO JUSTIÇA COMUITÁRIA
16) POR QUE SE INTERESSOU EM PARTICIPAR
17) QUAIS SÃO AS REGRAS QUE OS MORADORES COSTUMAM SEGUIR
18) IDEIA DE JUSTIÇA
19) IDEIA DE LEI
20) IDEIA DE ORDEM
21) IDEIA DE DIREITO
22) IDEIA ACERCA DO PODER JUDICIÁRIO
23) IDEIA ACERCA DA BRIGADA MILITAR, POLÍCIA CIVIL, CONSELHOS TUTELARES
24) IDEIA ACERCA DA PREFEITURA MUNICIPAL
25) IDEIA SOBRE A PRESENÇA DE ALUNOS E PROFESSORES DA IMED NO BAIRRO
26) QUAIS AS EXPECTATIVAS CRIADAS COM O PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA
27) O QUE SE ENTENDE POR MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA
126
Essas “teorias” ajudam a forjar a identidade grupal e o sentimento de
pertencimento do indivíduo ao grupo. Assim, vamos buscar apoio do suporte
metodológico
e
teórico
da Observação
Participante 267,
da Análise
de
Conteúdos268 e das Representações Sociais.269
267
Essa técnica coloca o pesquisador numa tensão permanente entre a necessidade de se
adequar às características do grupo e a necessidade de manter o necessário espírito crítico e a
isenção científica. Assim, a observação participante é uma técnica de investigação social em que
o observador partilha, na medida em que as circunstâncias o permitam, as atividades, as
ocasiões, os interesses e os afetos de um grupo de pessoas ou de uma comunidade. É, no fundo,
uma técnica composta, à medida que o observador não só observa como também tem de se
socorrer de técnicas de entrevista com graus de formalidade diferentes. O objetivo fundamental
que subjaz à utilização desta técnica é a captação das significações e das experiências subjetivas
dos próprios intervenientes no processo de interação social. Como o observador tem de se
integrar num grupo ou comunidade que, em princípio, lhe é estranho, ele sofrerá um processo de
"ressocialização", tendo, frequentemente, de aprender novas normas e linguagens ou gírias e de
representar novos papéis, o que coloca problemas particulares relativos à objetividade científica. A
técnica possibilita graus diversos de integração no grupo observado e de sistematização dos
procedimentos de recolha de informação, de acordo com os objetivos que o investigador
estabelece para a investigação, e adequa-se particularmente a fenômenos ou grupos de reduzida
dimensão, pouco conhecidos e/ou pouco visíveis, como é o caso, por exemplo, de atividades que
uma sociedade define como ilícitas e às quais dificilmente se poderia aceder de outro modo.
Todavia, pelas suas próprias características, a observação participante apresenta algumas
vantagens, como o risco, sempre presente, do investigador resvalar para a subjetividade, devido
ao seu envolvimento pessoal com o objeto, e a possibilidade da sua presença perturbar o normal
decurso da interação social.
268
A Análise de Conteúdo se define como um "conjunto de técnicas de análise das comunicações"
que aposta grandemente no rigor do método como forma de não se perder na heterogeneidade de
seu objeto. Nesses termos, como em qualquer outro procedimento de investigação, também neste
o investigador deve assegurar-se e deve assegurar os seus leitores “que mediu o que pretendia
medir”.O método das entrevistas está sempre relacionado com um método de análise de
conteúdo. Os métodos de entrevista são uma aplicação dos processos fundamentais de
comunicação que quando são corretamente utilizados permitem ao investigador retirar das suas
entrevistas elementos de reflexão muito ricos. Nos métodos de entrevista, contrariamente ao
inquérito por questionário, há um contato direto entre o investigador e os seus interlocutores. Esta
troca permite o interlocutor do investigador exprimir as suas idéias, enquanto que o investigador,
por meio das suas perguntas, facilita essa expressão e não deixa fugir dos objetivos de
investigação. No âmbito da análise de histórias de vida, o método de entrevista é extremamente
aprofundado e detalhado com muitos poucos interlocutores, o que leva a que as entrevistas sejam
divididas em várias sessões. O método de entrevista é especialmente adequado na análise que os
atores dão às suas práticas, na análise de problemas específicos e na reconstituição de um
processo de ação, de experiências ou acontecimentos do passado. Tem como principais
vantagens o grau de profundidade dos elementos de análise recolhidos, a flexibilidade e a fraca
ação do dispositivo que permite recolher testemunhos dos interlocutores. Quanto a desvantagens,
a questão de flexibilidade também pode contribuir. Isto porque o entrevistador tem que saber jogar
com este fator, de forma a estar à vontade, mas também de forma a não intimidar o interlocutor, o
que poderia ocorrer caso por exemplo a linguagem ou a postura do entrevistador fossem de tal
forma flexíveis. Outra desvantagem comparativamente ao método de inquérito por questionário é o
fato de os elementos recolhidos não se apresentarem imediatamente sob uma forma de análise
particular.
269
Parte-se da premissa de que não existe separação entre o universo externo e o universo
interno do sujeito: em sua atividade representativa, ele não reproduz passivamente um objeto
dado, mas, de certa forma, o reconstrói e, ao fazê-lo, se constitui como sujeito, pois, ao apreendêlo de uma dada maneira, ele próprio se situa no universo social e material. Além disso, afirma que
as representações sociais, tal como as opiniões e as atitudes, são “uma preparação para a ação”,
mas, ao contrário dessas, não o são apenas porque orientam o comportamento do sujeito, mas
127
A gestão do projeto se deu em parceria com o Ministério da Justiça (MJ),
que forneceu informações acerca da temática da pesquisa, suporte financeiro
para auxiliar na viabilização da pesquisa, fiscalização do andamento da pesquisa
por intermédio da análise minuciosa dos relatórios e acompanhamento no local
por meio de visitas periódicas. Também pela:
Secretaria da Reforma do Judiciário (SRJ) – PRONASCI: que forneceu
informações sobre a implantação dos Projetos Pacificar e Justiça Comunitária de
outras cidades do País, suporte financeiro para auxiliar na viabilização da
pesquisa, suporte técnico e teórico acerca do acesso à justiça por meio da
experiência internacional no que se refere às práticas restaurativas, à mediação e
outras metodologias como a justiça comunitária.
Poder Judiciário: através do convênio entre a Vara de Família e o NUJUR,
priorizando os casais oriundos dos bairros Valinhos e Zachia, bem como
fornecendo informações relacionadas à pesquisa.
Ministério Público Estadual: que forneceu as informações sobre os conflitos
que têm origem nos bairros Valinhos e Zachia, no que se refere aos processos
em tramitação.
Prefeitura Municipal de Passo Fundo (PMPF): que forneceu informações
acerca dos entrevistados selecionados na amostra de 40 líderes comunitários,
suporte financeiro para auxiliar na viabilização da pesquisa, como também
fiscalização do andamento da pesquisa por intermédio da análise minuciosa dos
relatórios e acompanhamento no local por meio de visitas periódicas.
Escola Municipal de Ensino Fundamental Guaracy Marinho, a União das
Associações Comunitárias de Passo Fundo (UAMPF), a Escola de Pais do Brasil,
a ONG Leão XIII: que forneceram informações acerca dos entrevistados
selecionados na amostra de 40 líderes comunitários, bem como deram suporte
humano e técnico em apoio aos pesquisadores.
principalmente porque reconstituem os elementos do ambiente no qual o comportamento terá
lugar, integrando-o a uma rede de relações às quais está vinculado o seu objeto. Finalmente,
observa que os conceitos de opinião, atitude e imagem não levam em conta o papel das relações
e interações entre as pessoas: os grupos são considerados a posteriori e de maneira estática,
apenas enquanto selecionam e utilizam as informações que circulam na sociedade e não como as
instâncias que as criam e as comunicam. Os contextos, bem como os critérios, as intenções e as
propensões dos atores sociais não são considerados.
128
Associação de Voluntários de Passo Fundo (AVOCE), o Núcleo de Prática
Jurídica - NUJUR/IMED: que deram suporte humano e técnico em apoio aos
pesquisadores.
Escola de Direito, Psicologia, Gestão Pública e Administração da IMED:
dando suporte técnico por meio do NUJUR, dos bolsistas e dos pesquisadores.
No que tange aos recursos financeiros270 aplicados ao projeto,
o Ministério da Justiça fez um investimento de R$ 312.467,00 para o
Núcleo de Justiça Comunitária no município, conforme consta no site da
Secretaria de Reforma do Judiciário. O projeto foi realizado pela
Secretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal de Passo
Fundo – RS, que, por meio de licitação, firmou contrato com a Faculdade
Meridional – IMED para a implantação do projeto, numa parceria que
durou até junho de 2012, consolidando-se a primeira etapa do projeto no
município.271
Responsáveis pelo projeto Justiça Comunitária:
Márcio Patussi - Secretário de Segurança Pública da Prefeitura Municipal
de Passo Fundo (Advogado e Professor Universitário)
Marisa Ré De Rocco - Gestora Local do Projeto Justiça Comunitária
junto a Secretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal de
Passo Fundo
Coordenador da Equipe Técnica
Prof. Dr. Mauro Gaglietti
Equipe técnica responsável pelo projeto:
Assistente Social: Isabel Frosi Benetti
Psicólogo: Luiz Ronaldo Freitas de Oliveira (Coordenador da Escola de
Psicologia da IMED, Mestre em Psicologia/UNISINOS)
Advogado: Marcelino da Silva Meleu (Professor Universitário (IMED),
Mestre em Direito (URI – SANTO ÂNGELO) e Doutorando em Direito
(UNISINOS)
270
Cumpre salientar que a equipe executora captou recursos externos para a execução do projeto,
cerca de R$270.000,00, desdobrados em dois projetos: “Pacificar e Justiça Comunitária”. Salientese que a IMED ganhou o edital do Projeto Pacificar junto ao Ministério da Justiça, ficando em
quarto lugar no âmbito nacional. Essa verba está na PMPF desde janeiro de 2010 e foi liberada
para a utilização em meados do ano de 2011. Além disso, a IMED atingiu a primeira colocação
junto ao edital da PMPF no que se refere a implementação do Centro de Mediação Comunitária
nos Bairros Zachia e Valinhos em Passo Fundo. A PMPF repassou para a IMED, no primeiro caso,
cerca de R$100.000,00 e no segundo R$170.000,00.
271
ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do Projeto Justiça
Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de Direito) - Faculdade MeridionalIMED, Passo Fundo, 2012.
129
Laura Teston Machado: Estudante do Curso de Direito da IMED e
Estagiária no Núcleo de Justiça Comunitária no Bairro Zachia
Morgana Giacomini - Estudante do Curso de Direito da IMED e
Estagiária no Núcleo de Justiça Comunitária no Bairro Valinhos.
3.4 Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo
O que é Núcleo de Mediação nos bairros Zachia e Valinhos em Passo
Fundo?
É o instrumento de mediação de conflitos implantado pelo Ministério da
Justiça (PRONASCI, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria da
Reforma do Judiciário), Prefeitura Municipal de Passo Fundo (Secretaria de
Segurança Pública) e IMED (Faculdade IMED) visando promover a pacificação
social, o fortalecimento das bases comunitárias e a prevenção e solução de
conflitos.
O que é Mediação Comunitária?
É uma técnica de administração de conflitos de caráter informal, não
adversarial, no qual um terceiro, chamado mediador, que não tem poder sobre as
partes (não decide, nem sugere), facilita a comunicação entre estas e ajuda a
criar opções, para chegar a um acordo consensual e mutuamente satisfatório. A
mediação comunitária promove uma maior responsabilidade e participação da
comunidade na solução dos seus conflitos, abrindo novos caminhos para uma
positiva transformação sócio-cultural.
Quem pode ser atendido no Núcleo de Mediação Comunitária?
Qualquer pessoa física ou jurídica. O Núcleo de Justiça Comunitária não
cobra pelos serviços prestados.
Consoante o exposto, muitos colaboraram para a correta execução e
andamento do projeto, sendo que o início dos trabalhos in loco ocorreu em março
de 2011, quando a equipe estruturante do Projeto buscou os líderes do Bairro
José Alexandre Zachia para que fosse possível a implantação do Núcleo de
130
Justiça Comunitária, bem como a escolha do local que melhor atendesse a
demanda.
Assim que houve a locação, iniciaram-se os trabalhos de cadastramento
dos interessados em realizar a seleção. Em maio de 2011, iniciou-se a
capacitação dos agentes comunitários.
A escolha dessas duas comunidades foi através de um consenso, que
identificou os bairros com maiores necessidades sociais e com alto índice de
violência. “A escolha dos bairros partiu de um acordo com os órgãos envolvidos.
Nessas comunidades, 90% das pessoas são da classe trabalhadora e que
necessitam muito desse núcleo”, disse Gaglietti, Coordenador do Projeto272.
Mensalmente ocorreram reuniões junto às lideranças, para que fosse
possível traçar o mapa de trabalho, bem como adequar o projeto às necessidades
das comunidades atendidas.
Como a maioria da população não conhece, tampouco participou de uma
sessão de mediação, houve a distribuição da cartilha273: "O que é Justiça
Comunitária?" Ela explica de maneira bem fácil e rápida o que é a Justiça
Comunitária e por que é tão importante.
Primeiramente estava prevista a data de 24 de março de 2011 para a
assinatura do contrato que daria início ao Projeto de Justiça Comunitária, mas ela
foi adiada para 31/03/2011.
O lançamento do projeto ocorreu na escola Guaracy Barroso Marinho, no
bairro Zachia e foi um sucesso, contando com a presença de muitos alunos,
voluntários, pessoas da comunidade, autoridades, apoiadores e imprensa.
272
Mauro Gaglietti, Cientista Político e Doutor em História. Professor e Pesquisador do Mestrado
em Direito da URI (Santo Ângelo, RS); Professor do Curso de Direito da IMED (Passo Fundo, RS);
Professor do Curso de Direito da FAI/UCEFF (Itapiranga, SC) e Coordenador do Projeto Justiça
Comunitária em Passo Fundo. O evento, que fez parte da programação do Mês do Advogado, foi
promovido pela Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas. A secretária-geral da OAB/RS,
Sulamita Santos Cabral, fez a abertura do Seminário Os Caminhos da Mediação no RS, em 16 de
agosto de 2011, no Auditório Guilherme Schültz Filho,. O evento, que faz parte da programação do
Mês do Advogado, foi promovido pela Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas. Em sua
fala, o presidente da Comissão, conselheiro seccional Ricardo Dornelles, destacou que a
mediação é muito mais do que um modelo teórico. “Temos a Casa de Mediação, um projeto
pioneiro, que visa auxiliar a população em situação de vulnerabilidade social”, afirmou. Durante o
evento, houve a abordagem da experiência vivenciada em Passo Fundo, pelo seu Coordenador.
273
Disponível para download no sítio do Ministério da Justiça:
http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={597BC4FE-7844-402D-BC4B-06C93AF009F0}
131
Compareceram cerca de 260 pessoas. O contrato entre a IMED e a Prefeitura foi
assinado.
Em agosto de 2011, houve a visitação aos bairros Integração, Professor
Schisler, Jaboticabal e Zachia, pelos Integrantes do Gabinete e Gestão Integrada
Municipal, coordenadores do Programa Estadual de Segurança Pública com
Cidadania da Secretaria de Segurança Pública do Estado, delegado Carlos
Roberto Santana e Coronel Júlio Cezar Marobin.
Estes bairros foram denominados “Territórios de Paz”, através do
PRONASCI, e possuem em funcionamento o Centro de Referência de Assistência
Social, Núcleo de Justiça Comunitária, ginásio construído com verbas do
Programa de Prevenção à Violência e Posto Móvel de Polícia Comunitária do 3 o
RPMon.
Estiveram presentes durante a visita, Delegados da Policia Civil, Oficiais e
Praças da Brigada Militar, Policiais Rodoviários Federais e o Secretário de
Segurança do município Sr. Márcio Patussi.
Na data de 17 de setembro, o Núcleo de Justiça Comunitária recebeu a
visita do 3º BOE de Passo Fundo. Na oportunidade houve um bate-papo com o
objetivo de conhecer mais sobre o trabalho do Batalhão de Operações Especiais,
além de aproximar a comunidade das forças policiais da cidade, dialogando e
atuando para a promoção de uma cultura de paz.
O Batalhão tem como missão apoiar os Comandos Regionais de Polícia
Ostensiva do Planalto, Serra, Fronteira Noroeste e Missões, que no total
compreendem 256 municípios em eventos especiais. Além disso, busca controlar
os distúrbios sociais, garantindo a segurança física e patrimonial da população e
atuar na repressão ao crime organizado e aos criminosos com maior potencial de
agressividade e que trazem maior intranquilidade à região, como, por exemplo,
assaltos a bancos, situações com reféns localizados (procedimentos preliminares,
até a chegada do Grupo Tático da Capital), entre outras situações (invasões de
terra, controle de distúrbios civis, etc.).
Importante salientar que na data de 22 de novembro de 2011, houve o
lançamento do RS na PAZ, Programa de Segurança Pública com Cidadania do
Estado do Rio Grande do Sul. Passo Fundo foi o primeiro município do interior do
132
Estado a receber o programa, implementando nos bairros José Alexandre Zacchia
e Integração.
O programa é composto por um conjunto de políticas públicas baseadas no
diálogo entre as ações sociais e policiais, fundamental para a redução dos índices
de violência e criminalidade e da vulnerabilidade das pessoas.
A ideia do projeto é que, juntamente com a implantação do RS na PAZ,274
crie-se alternativas para que o jovem deixe o mundo do crime e possa ingressar
na sociedade como um profissional capacitado. Segundo o Governador, “o
projeto275 tem o objetivo de cortar as veias alimentadoras de recrutamento do
crime, porque ao mesmo tempo em que tem um trabalho policial de alto nível,
abre um leque de oportunidades para os jovens não serem captados pelas
quadrilhas”, frisa.
De acordo com o secretário de Segurança Pública de Passo Fundo, Márcio
Patussi, essa cidade foi beneficiada com esse primeiro modelo do Território da
Paz, que ainda é contemplado pelos núcleos de justiça comunitária, graças a um
conjunto de ações da Prefeitura Municipal de Passo Fundo com o Governo do
Estado. Ele explicou que os bairros Integração e Zachia estão inseridos no projeto
em função de problemas de criminalidade e vulnerabilidade social. “Após
efetivarmos o Território da Paz, com certeza esses índices serão diminuídos, e
com isso a tranquilidade será devolvida a essas comunidades”, disse.
No encontro ainda estiveram representantes de várias secretarias do
Governo Estadual, como Educação, Saúde, Esporte e Lazer, e Ação Social, além
274
No viés de promover a paz e a cidadania, a IMED e a Prefeitura Municipal de Passo Fundo,
desenvolvem o projeto da Justiça Comunitária, vinculado ao PRONASCI (Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania). O projeto é uma ação que visa contribuir para a
democratização do acesso à justiça por meio da mobilização e capacitação de agentes
comunitários preparados na gestão de conflitos. O Núcleo de Justiça Comunitária está inserido no
bairro Zachia.
275
RS na Paz, programa de segurança pública com cidadania do Estado do Rio Grande do Sul,
inaugura uma nova fase na consolidação do princípio de que segurança pública não é sinônimo de
polícia. "É um conjunto de políticas públicas baseadas no diálogo entre ações sociais e policiais,
fundamental para a redução dos índices de violência e criminalidade e da vulnerabilidade das
pessoas", apontou Carlos Sant`Ana. Os Territórios da Paz possibilitam, além do controle
preventivo da violência, a convivência pacífica nas comunidades. As atividades do RS na Paz
começam com o diagnóstico das áreas de maior concentração de violência e criminalidade. A
etapa seguinte é a ação policial intensa e qualificada contra o crime. A partir daí, a permanência
da polícia nos locais críticos garante a ordem pública e possibilita a implantação de ações sociais
que materializem a presença do Estado nessas áreas. O RS na Paz atua prioritariamente com
jovens entre 12 e 24, faixa etária em que é possível trabalhar com a prevenção do uso e
dependência de drogas e também do envolvimento com o tráfico de entorpecentes.
133
do coordenador Estadual do RS na Paz, o delegado Carlos Roberto Santana, e o
coronel Júlio César Marobin, responsáveis pelas ações de lançamento do
Território da Paz e dos núcleos de polícia comunitária em Passo Fundo.
Várias ações foram implantadas com o objetivo de combater e reduzir os
números de violência e da criminalidade, além do oferecimento de projetos sociais
à população em situação de vulnerabilidade.
A comitiva do Governo Estadual apresentou as ações que foram
desenvolvidas nos territórios e, após, todos visitaram os locais que receberam os
Territórios da Paz. O delegado Carlos Sant`Ana ainda se reuniu com o diretor da
Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo
(UPF), Marcio Leiria, a coordenadora do curso de Educação Física, Lorita
Weschenfelder, e professores do projeto Atleta do Futuro. Sant`Ana apresentou o
RS na Paz e conheceu os programas da universidade voltados a crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Depois de ocorrida a seleção dos agentes comunitários, houve o início dos
trabalhos. Esse agentes passaram a atuar junto às suas comunidades, de forma
que houve o mapeamento do local, com a visitação residencial e o levantamento
dos principais conflitos.
Os agentes comunitários definiram este momento como “pré-mediação”, já
que era o momento inicial da abordagem, e o eventual encaminhamento, com o
respectivo agendamento, para a equipe multidisciplinar, advogados, psicólogos,
assistente social.
Dali em diante eram definidas as mediações, onde teria a presença de um
técnico - advogado, psicólogo ou assistente social - e do mediador.
O Projeto “Mulheres da Paz” contribui bastante com o trabalho dos agentes
comunitários. Afinal, trabalhavam de maneira interligada, já que também
realizavam encaminhamentos, em virtude das estatísticas revelarem um grande
número de ocorrência de violência doméstica na cidade.
A idéia inicial era a capacitação de 40 mediadores, mas foram capacitados
20, destes, 15 atuaram efetivamente.
134
Como já referido anteriormente, para o melhor desenvolvimento dos
trabalhos, dois núcleos276 foram instalados: um no bairro Zachia e outro no
Valinhos. Conforme o IBGE, essas duas regiões abrangem quase oito mil
habitantes. Os serviços oferecidos gratuitamente estavam associados aos
encaminhamentos à área jurídica, social e psíquica em parceria com a Secretaria
de Segurança, a Secretaria de Educação, Agentes Comunitários de Saúde e os
CRAS.
Além disso, o principal trabalho referiu-se à mediação dos problemas
enfrentados pelas famílias, casais, vizinhos e os dependentes do crack. O projeto
atuou no serviço de mediação de conflitos através de sua equipe técnica e dos
agentes comunitários.
Os mediadores foram preparados para auxiliar na solução dos problemas
que surgem nos respectivos bairros, com apoio do Ministério da Justiça, da
Prefeitura, da Imed, do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e
das forças policiais, do Conselho Tutelar e da OAB. O objetivo era reduzir os
conflitos domésticos, familiares e escolares, bem como evitar a distribuição de
demandas perante o poder judiciário.
Como referido anteriormente, a escolha dos bairros se deu em virtude do
mapeamento das áreas que demonstravam carência em diversos aspectos e em
níveis consideráveis.
Na década de 1980, foi criado no Brasil um banco para financiamento de
moradias, o BNH (Banco Nacional da habitação). Mas esse tipo de financiamento,
só beneficiava trabalhadores com renda entre cinco a dez salários mínimos.
Então dentro do BNH, foi criado um órgão denominado COHAB (Cooperativa
habitacional), beneficiando trabalhadores com renda salarial entre dois a cinco
salários mínimos.
Em Passo Fundo, foram construídos quatro conjuntos habitacionais,
financiados pela Cohab-RS. No bairro Planaltina, (popularmente conhecido como
as casas do BNH), o bairro Lucas Araújo (popularmente conhecido como as
casas populares), o bairro Edmundo Trein (popularmente conhecido como Cohab
I, e o bairro Luís Sechi (popularmente conhecido como Cohab II).
276
Os Núcleos de Justiça Comunitária funcionavam de segunda à sexta-feira das 13h30 às 17h30
e aos sábados entre 8h30 e 12h.
135
Mas e os assalariados (com renda de um salário mínimo), onde se
encaixavam nesses benefícios? Foi aí que foi criado, dentro da Cohab, um
departamento denominado de Promorar, beneficiando famílias com rendimentos
de zero a dois salários mínimos.
O bairro José Alexandre Zachia foi o último conjunto habitacional
construído pela Cohab-RS em Passo Fundo. O objetivo da construção do Zachia
foi tentar realocar famílias que residiam nas margens dos trilhos de Trem, os
denominados beira-trilhos, para o novo bairro.
Mas por que bairro José Alexandre Zachia? Como pelo interior do estado
do RS houve cerca de uma dezena de construções do projeto Promorar, os
moradores do novo bairro passo-fundense, pleitearam pela mudança do seu
nome. Primeiramente vários nomes foram cogitados, inclusive o nome da família
que era proprietária da área (família Barbosa), até que o vereador Afrânio Peixoto
levou à votação o nome do fundador do projeto Promorar, Sr. José Alexandre
Zachia, que foi aceito pelos moradores do bairro e aprovado pela Câmara de
Vereadores de Passo Fundo, através do projeto nº 2098/84.
Ocorre que até os dias atuais tratar do tema moradia, o acesso a projetos
habitacionais para pessoas de baixa renda é uma loteria, e quando se é
"sorteado" na maioria das vezes o "projeto" fica em um local distante da cidade,
onde não há escola, posto de saúde, área de lazer,etc.
Normalmente a desistência dos primeiros moradores é grande, (como foi
no projeto Promorar, onde cerca de 80% das pessoas que vieram morar no início
desistiram) e isso se deve a vários fatores, como:
1- Violência: são centenas de famílias, sem nenhum vínculo que de uma
hora para outra vão morar no mesmo bairro. Aí os conflitos aumentam e surgem
espaços para alguns se sobreporem pela força.
2- Distância dos parentes: a maioria dos casais com filhos trabalha, e
nesses loteamentos raramente há uma creche pública para deixar os pequenos.
Se morassem próximos dos parentes se ajudariam.
3-Falta de acesso a serviços básicos como saúde, educação, segurança.
Na verdade os projetos habitacionais pouco mudaram ao longo dos anos.
Continuam a segregar famílias de baixa renda, sendo que talvez um dos objetivos
136
seja esconder a pobreza. Ademais, não é possível concebermos que habitação é
só um imóvel; por vezes o acesso a serviços essenciais é negligenciado, e a
fiscalização peca, uma vez que surgem problemas até de estrutura nas
construções por uso de material de baixa qualidade.
Quando o bairro Zachia foi criado, como projeto Promorar no início dos
anos 80, o objetivo era proporcionar moradia às pessoas de baixa renda. O bairro
foi construído afastado do centro da cidade, não havia ônibus, escola, posto de
saúde, saneamento básico. As pessoas recebiam as casas de 4 x 5m e tinham de
se adaptar, independente do número de familiares.
De lá pra cá muita coisa mudou no bairro, devido à mobilização dos
moradores. O quadro hoje é outro, afinal já possuem posto de saúde, uma escola
que compreende aprendizado até o final do ensino médio, transporte coletivo
urbano. Ao longo dos anos seguiram-se diversas ocupações por moradia: a
primeira área a ser ocupada foi no lado do bairro próximo ao rio Passo Fundo,
depois a área próxima onde hoje funciona o posto de saúde, tudo isso no início
dos anos 90.
Em 2005 foi ocupada uma área da Corsan, por aproximadamente 200
famílias, uma das maiores mobilizações por moradia que já aconteceu na cidade.
Devido à mobilização, essas pessoas conseguiram, após quase dois anos, o
acesso à energia elétrica e rede de água. Mas passados sete anos, ainda
aguardam pela regularização fundiária.
Em outra área ocupada por 90 famílias há mais de dois anos, próximo á
escola Guaracy Barroso Marinho, a situação ainda é pior: as famílias não têm
acesso à rede de água e de energia elétrica. Alguns utilizam água cedida pela
escola, outros cavaram poços e podem estar consumindo água contaminada. O
acesso à energia elétrica é feita através de "gatos", o que representa um risco de
choques e incêndios.
Constata-se, assim, que o estado continua tratando os moradores do bairro
da mesma forma que há quase trinta anos atrás: com descaso.
137
Na data de 12 de novembro do corrente ano, um jornal local277 vinculou em
sua edição um mapeamento dos pontos com maior índice de violência em Passo
Fundo. (Anexo 10)
Em todas as estatísticas dos órgãos de segurança pública do Estado,
Passo Fundo figura entre as com maiores índices de criminalidade no Rio Grande
do Sul. Os indicativos da criminalidade no município preocupam a ponto de duas
iniciativas da Secretaria de Segurança do Estado terem sido instaladas aqui, no
caso, os Territórios da Paz, localizados nos bairros Integração e José Alexandre
Zachia e a Força Tarefa de Combate aos Homicídios, que atuou por 120 dias
entre julho e outubro deste ano, dando origem à Equipe Especializada em
Homicídios da 1ª Delegacia de Polícia.
Atualmente, os furtos e roubos são os crimes mais comuns, especialmente
a estabelecimentos comerciais. Contabilizando apenas as prisões realizadas pela
Brigada Militar, até o final de outubro deste ano, 741 pessoas haviam sido presas,
com o crime de furto e ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha como os
que tiveram maior incidência. Foram abordadas mais de 23 mil pessoas.
Bairro Vera Cruz e Zachia registraram mais homicídios: em 2011, com um
total de 40 homicídios. Os locais que registraram maior índice de assassinatos
foram o Centro, com quatro ocorrências e a Vila Donária, também com quatro.
Neste ano o panorama teve uma mudança, sendo que o bairro Vera Cruz já
registra seis homicídios em 2012 e o bairro José Alexandre Zachia, quatro, sendo
os pontos que registram maior incidência desde janeiro.
Até o momento já foram 38 homicídios em 2012, bem próximo do número
total registrado em todo o ano passado. Considerando as médias mensais de
ocorrências deste tipo, é muito provável que 2012 termine com um número maior
de pessoas assassinadas.
Ademais, no final do ano passado foram instalados dois Territórios da Paz
em Passo Fundo278, em regiões em que a criminalidade era considerada alta, no
277
Levantamento aponta que Vera Cruz é o bairro mais violento. Disponível em: <
http://www.onacional.com.br/policia/2552/levantamento+aponta+que+vera+cruz+e+o+bairro+mais
+violento>. Acesso em 12 nov. 2012.
278
Ver item 3.2.2 O Programa Justiça Comunitária em linhas gerais, onde é realizada uma melhor
abordagem da temática: Territórios da Paz, programa desenvolvido pelo Governo do Estado do
Rio Grande do Sul.
138
bairro Integração, que congrega nove bairros e no bairro José Alexandre Zachia.
Com exceção dos homicídios, que no bairro Zachia tiveram um acréscimo em
2012, os outros tipos de delitos reduziram-se nestes locais.
Prestes a completar um ano de atividades, a iniciativa, antes vista como um
projeto que traria mais tranquilidade e qualidade de vida à população, hoje em
dia, pelo menos aos olhos das lideranças destes bairros, há algumas carências a
serem supridas. “Teve bastante resultado no início, mas ultimamente tem deixado
a desejar. Acredito que o policiamento tem que estar mais presente dentro do
bairro. No início, a viatura ficava somente dentro do bairro e agora ela tem saído
para atender outras ocorrências fora do Zachia”, disse o presidente da
Associação de Moradores do bairro José Alexandre Zachia, Nilson Santa Helena
da Silva.
Apesar desta leitura da situação, o presidente do bairro afirma que houve
melhorias na região, a qual reúne outras ações como o projeto Mulheres da Paz.
“A criminalidade tem diminuído bastante em função do trabalho das Mulheres da
Paz, que tem realizado um ótimo trabalho junto à comunidade. Só queremos que
aquilo que foi prometido no início seja cumprido”, observou Nilson.
O outro Território da Paz, instalado no bairro Integração que reúne os
bairros Jaboticabal, Parque Recreio, Professor Schisler, Alvorada, Loteamento
Boqueirão, Ipiranga, Xangri-lá, Morada do Sol e Parque do Sol, também registrou
queda na criminalidade.
Mesmo assim, para João Otacílio Pereira de Mello, presidente da
Associação de Moradores do Bairro Jaboticabal, a observação quanto ao trânsito
das viaturas no local é a mesma que a do presidente do bairro Zachia. “Quando o
projeto foi implantado, seria por 24 horas. Antes de vir a viatura diziam que era
esse o motivo, e que a viatura utilizada antes era utilizada também para atender
ocorrências fora do bairro Integração. Com a viatura própria continuou a mesma
coisa. Até os fios da câmera de vigilância foram cortados. Se saíres pela cidade
encontrará a viatura do Território da Paz em todos os locais, menos no bairro
Integração onde o projeto foi implantado”, disse.
O major Eriberto discorda das reclamações dos líderes dos bairros. “É
difícil ter policiamento 24 horas por dia em todos locais. Nenhum ponto de Passo
Fundo tem policiamento o tempo inteiro. Realmente, em alguns momentos, as
139
viaturas do Território da Paz tinham que atender ocorrências em outros locais.
Mas agora temos um oficial e uma sargento para coordenar estes efetivos, não
houve mais este tipo de problema. Mesmo com estes contratempos os índices de
criminalidade nestas regiões caíram”, declarou.
No que tange ao bairro Valinhos, a realidade é bastante aproximada, tanto
que devido a tais circunstâncias é que foram os dois escolhidos para a
implantação do Projeto Justiça Comunitária.
Depois do mapeamento local, buscou-se o agregamento de agentes
interessados em atuar nas comunidades, lembrando que os mesmos devem
integrar a área atendida.
Primeiramente, cumpre definir o que é o Mediador Comunitário. Ele é uma
pessoa da comunidade, escolhida pelas partes para facilitar e estimular o diálogo,
atuando no sentido de ajudar na prevenção e solução do conflito, sem indicar a
solução, para que essas sejam capazes de, por si próprias, chegarem a um
acordo que proteja os seus reais interesses. O mediador comunitário desenvolve
ações voltadas às pessoas necessitadas, tais como:

Identificar as suas necessidades, interesses e desejos;

Compreender as necessidades, interesses e desejos do outro;

Identificar os pontos fundamentais do conflito;

Incentivar a cooperação entre eles para resolver o problema;

Explorar várias vias de solução;

Analisar de forma realista as possibilidades de concretizar as opções
por elas pensadas.
Dentre as contribuições diretas da mediação para a comunidade nos
bairros Valinhos e Zachia, destacam-se:

O reforço da cultura de paz, por meio do estímulo ao diálogo e da
solução pacífica dos casos em disputa;

O reforço a democracia direta por intermédio da participação cidadã
em temas que envolvam interesses coletivos e o monitoramento do poder público;

A aproximação do discurso dos direitos à realidade da comunidade,
respeitando as diferenças e fazendo destas um potencial de crescimento;
140

O estímulo e o surgimento de novas formas de tratamento de
diferenças, produzindo transformações culturais em âmbito coletivo e individual;

A atuação de maneira interdisciplinar e autônoma;

O desenvolvimento de ações preventivas de conflitos;

Incentivou o trabalho voluntário, como atividade não remunerada,
prestada por pessoa física, cuja missão é contribuir para ajudar aos cidadãos a
resolverem problemas pessoais ou sociais e a melhorar a qualidade de vida da
comunidade;

Celeridade e privacidade no processo, que não há custos.
Os agentes comunitários que atuaram junto ao projeto ora em análise,
passaram por uma seletiva pública, sendo que para ser selecionado, o
interessado deveria reunir algumas qualidades, tais como: honestidade, com
residência por um longo período na comunidade, ter a confiança dos vizinhos.
Também se desejou a atuação de jovens bem integrados com os moradores, para
que fosse possível a influência positiva nos conflitos, por pessoas mais novas.
Após a seleção, todos os agentes foram submetidos ao treinamento 279, de forma
a sensibilizá-los para a transmissão das informações necessárias à função. Os
selecionados cumpriam uma carga horária de oito horas semanais e recebiam
uma ajuda de custo no valor de R$ 140,00 (cento e quarenta reais), para suprir
despesas com transporte e alimentação.
Após a realização de todos os trâmites, foram selecionados 20 mediadores.
(Anexo 11). Ademais, mensalmente ocorriam reuniões de capacitação e
renovação dos primados do trabalho.
A capacitação dos agentes esteve sob responsabilidade do Ministério da
Justiça. A preparação dos mediadores contou com o apoio de especialistas
internacionais que estão assessorando o Ministério da Justiça a desenvolver
projetos desta natureza em todo o país.
Além disso, entra também a atuação das secretarias municipais que,
através do Pronasci, desenvolverão suas atividades, tais como assistência social
ou em saúde, por exemplo.
279
Formados por orientadores que vindos de Brasília. A equipe foi formada por profissionais que
têm grande experiência e atuação fora do Brasil, em outros países onde já se desenvolve projetos
semelhantes.
141
O curso de formação dos agentes comunitários selecionados foi ministrado
por Juan Carlos Vezzulla280. Junto dele, atuaram professores da Imed.
Para que seja possível entender a linha de estudo deste pesquisador,
buscou-se analisar alguns de seus ensinamentos, tidos como referencial para a
formação dos agentes, e requisitos para a realização dos procedimentos.
PRÉ – MEDIAÇÃO 1:
-Acolhimento;
-Explicação do que é mediação e como é o processo;
-Tomada de conhecimento da situação que levou a pessoa a procurar a
mediação e se a mesma pode ser objeto de mediação;
-Diagnóstico (verificar se no caso existe algum tipo de violência, doença,
etc..., sendo que se constatado algo deve ser comunicado ao mediador);
-Constatação se a pessoa tem o efetivo interesse em participar da
mediação;
-Avaliação da conveniência da mediação, do mediador que conduzirá
(perguntar se pode ser um agente comunitário, ou terceiro de outro bairro ou,
ainda alguém da equipe técnica) e das possíveis datas das sessões (ainda, se
serão individuais ou conjuntas).
Documentos: termo de confidencialidade e carta convite (com horário
marcado)
280
Coordenador Científico do Curso – Mediador de Conflitos – Presidente do Conselho Científico
do IMAP – Ex Secretário-Geral do Fórum Mundial de Mediação – Coordenador do Conselho
Assessor do Fórum Mundial de Mediação e do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e
Arbitragem (CONIMA) – Presidente do Conselho Científico do Instituto de Mediação e Arbitragem
do Brasil (IMAB) – Ex Coordenador Científico da Associação de Mediadores de Conflitos –
Formador em Meios de Resolução de Conflitos – Formador designado pelo Ministério da Justiça
de Portugal para ministrar cursos aos Mediadores Familiares e aos Mediadores dos Julgados de
Paz no momento da sua criação – Formador de mediadores na Argentina, Brasil, Alemanha, Chile,
Panamá, Paraguai, Portugal, México e Angola.
Autor dos livros:Teoria e Prática da Mediação. Mediação, Guia para Usuários e Profissionais.
Mediação, Teoria e Prática, Guia para Utilizadores e Profissionais, Editado pelo Ministério da
Justiça de Portugal. Mediação de Conflitos com Adolescentes Autores de Ato Infrator, publicado
em espanhol pela Universidade de Sonora, México e em português pelo Ministério da Justiça de
Portugal e pela Ed. Habitus de Brasil. Co-autor do Sistema de Ensino a Distância para
Conciliadores e Mediadores das Casas da Cidadania.Autor de diversos artigos de livros editados
no Brasil, na Argentina, na Itália, no México e em Portugal. Instituto de Mediação e Arbitragem de
Portugal- IMAP. Disponível em: < http://imap.pt/oimap/membros/juan-carlos-vezzulla/> Acesso em
01 out. 2012.
142
PRÉ-MEDIAÇÃO 2
-Acolhimento;
-Explicação do que é mediação e como é o processo;
-Tomada de conhecimento da situação que levou a pessoa a procurar a
mediação e se a mesma pode ser objeto de mediação;
-Diagnóstico (verificar se no caso existe algum tipo de violência, doença,
etc..., sendo que se constatado algo deve ser comunicado ao mediador);
- Constatação se a pessoa tem o efetivo interesse em participar da
mediação;
-Avaliação da conveniência da mediação, do mediador que conduzirá
(perguntar se pode ser um agente comunitário, ou terceiro de outro bairro ou,
ainda alguém da equipe técnica) e das possíveis datas das sessões (ainda, se
serão individuais ou conjuntas).
Documentos: termo de confidencialidade.
Antes da sessão de mediação, quando os participantes chegam ao Núcleo
serão recebidos pelo mediador que fez a pré-mediação, sendo que neste
momento deverá ser lido e explicado o Termo de Compromisso de Mediação.
Com a assinatura, o mediador (que realizou a pré-mediação) os conduz à sala
onde será realizada a sessão de mediação (onde já deverão estar os mediadores
e observadores). Obs.: Caso seja possível, a pré-mediação deve ser realizada
com todos os participantes; o termo é assinado na pré-mediação.
MEDIAÇÃO
- Dar boas vindas. Deixar os participantes à vontade para sentar onde
quiserem.
- Uma vez acomodados:
- Apresentar-se;
- Pedir seus nomes e como gostariam de ser chamados;
- Cumprimentar pela escolha da mediação, bem como agradecer a
oportunidade de mediar;
143
- Explicar o funcionamento e as regras que permitirão o diálogo na sessão;
- Esclarecer, detalhadamente, a função do mediador e das partes;
- Perguntar se existe alguma dúvida acerca da mediação e do que foi
explicado.
- Entregar o Termo de Compromisso de Mediação ao mediador;
- Convidar as partes a falarem, sendo que a escolha de quem fala primeiro
é feita livremente pelos participantes.
- NECESSIDADE DE CAUCUS: Ouvir as partes em separado. E depois
voltar à sessão conjunta.
- Após a exposição das partes, tendo sido apresentada a situação objetiva,
parcial e pontual, iniciar a investigação;
- Investigação (conhecer a inter-relação):
Perguntas:
Abertas,
fechadas,
circulares,
de
cadeira
vazia,
de
responsabilização, a futuro (de responsabilização), do milagre.
Resumos: Linear e cooperativo.
Técnicas: Reformulação positiva e legitimação.
DEFINIR: estrutura da relação e do conflito, controvérsias, posições,
motivações, expectativas, interesses, intenções, dificuldades e diferenças de
percepções.
• Uma vez definidos os fatores acima, passa-se à agenda.
• AGENDA (objetivação):
Colaboração do mediador para identificar os temas (sendo-lhes atribuídos
valores, prioridades);
Estabelecer o consenso com base na motivação das partes;
Criar opções para cada um dos temas (simplesmente gerar ideias de
solução/soluções);
- Levantar o compromisso de somente criar ideias e não avaliá-las, nem
criticá-las/julgá-las (por enquanto);
- Usar e abusar da criatividade do mediador e das partes;
Cumprida a tarefa, passa-se à análise das opções;
- Avaliação contemplando futuro próximo e longínquo;
144
- Levar em conta a funcionalidade, praticidade e viabilidade, cuidar para
que haja consenso;
Após, escolhe-se as opções;
- Critérios objetivos;
- Assessoramento legal;
Solução:
- Construção conjunta do termo de acordo. Deve contemplar tudo que os
mediados escolheram e identificaram como resolução/transformação do conflito
(Quem, faz o que, como, quando, onde);
- O termo deve ser redigido de forma clara e com as palavras dos
mediados
Documentos: RELATÓRIO DE MEDIAÇÃO E TERMO DE ACORDO (3x) (o
mediador deverá ter em mãos o termo de compromisso de mediação entregue no
início).
Ademais, mensalmente ocorriam encontros com os voluntários, com o
propósito de esclarecer dúvidas acerca do desenvolvimento do referido projeto,
bem como comprovar os resultados obtidos até o referido momento, tentando
sempre angariar mais voluntários. Para tal, lembrava-se que toda e qualquer
pessoa poderia atuar como voluntário, desde que tivesse simpatia pelo ser
humano, soubessem ouvir e orientar as pessoas que procurassem assistência
social, jurídica e psíquica.
Reuniu-se o depoimento de alguns voluntários, que demonstraram afinco e
orgulho do trabalho realizado:
Para Pedro Iorczeski, acadêmico de Direito do 1º semestre da IMED, ser
voluntário significa ajudar as pessoas que precisam de assistência, ele
espera aprender muito sobre o direito na prática, além de estreitar
envolvimento com as pessoas dos bairros.
Moisés Santo Visentin, formando de Direito pela IMED, acredita que sua
participação no projeto como voluntário é uma maneira de ajudar as
pessoas a solucionar problemas e conflitos, os quais não encontram
saídas sozinhos. “Melhorar a comunidade em que vivemos é seu
principal objetivo”, analisa.
145
Além do atendimento realizado pelos agentes, os Centros Comunitários
contavam com atendimento multidisciplinar, com atendimento psicológico, jurídico
e de assistência social.
A abordagem multidisciplinar é uma alternativa à redução do saber,
inerente à epistemologia positivista. Trata-se de uma ferramenta apropriada para
a construção de um conhecimento integrado que rompa com as fronteiras e a
doutrina das disciplinas.281
Na esfera do trabalho social, a multidisciplinaridade permite o diálogo
permanente acerca dos compromissos entre as diferentes perspectivas de um
mesmo objeto. Foi com esse escopo que se formou a rede de atendimento
multidisciplinar do Programa de Justiça Comunitária de Passo Fundo- RS, que dá
suporte administrativo e técnico às atividades desenvolvidas pelos agentes
comunitários.
A realização do trabalho, de forma articulada e construída sob a ótica de
diversos saberes, possibilita a adequação do conflito às diversas possibilidades
de encaminhamento.
Como já referido diversas vezes, dois foram os Centros Comunitários de
Justiça e Cidadania, instalados na cidade de Passo Fundo.
O projeto inicial foi no bairro Zachia, com a atuação completa de toda a
equipe, incluindo o atendimento multidisciplinar.
Já na data de 21 de marco de 2012, a prefeitura entregou mais uma sede
do Núcleo de Justiça Comunitária em Passo Fundo. Essa veio para atender às
demandas do bairro Valinhos, onde a equipe multidisciplinar realizava o
atendimento aos moradores.
Cumpre salientar que até a instalação no novo núcleo, a sede do bairro
Alexandre Zachia atendia os dois bairros, mas em função da demanda do bairro
Valinhos, a prefeitura municipal disponibilizou a nova sede aos moradores, que
não mais precisariam dirigir-se ao Zachia para receber o atendimento.
281
FOLEY, Glaucia Falsarella. Justiça Comunitária: por uma justiça da emancipação. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 154.
146
A nova estrutura contava com duas salas de mediação, refeitório,
recepção, almoxarifado e banheiros. A equipe era formada por 10 agentes de
mediação comunitária, capacitados pelo Ministério da Justiça, sendo 1 assistente
Social, 1 psicólogo, 1 advogado e estagiários da equipe multidisciplinar da Imed,
parceira da prefeitura municipal no programa do Núcleo de Justiça. O Núcleo fica
na Travessa Osório, nº 20, Bairro Valinhos, estando atualmente desativada.282
Entre as principais demandas das mediações estavam o pagamento do
aluguel, desavenças entre vizinhos, pagamento de faturas, desentendimentos de
menores, débito de prestações, término de relacionamento, conflito referente a
alimentos, entre outros. Nos atendimentos psicológicos, as principais consultas
foram referentes às crianças com comportamento agressivo ou introspectivo e
bullying entre colegas, filhos envolvidos com drogas e homens com problemas de
alcoolismo.
Cumpre ressaltar que todo o desenvolvimento do projeto se deu de forma
voltada à cidadania, a fim de que fosse possível o fortalecendo dos laços sociais
comunitários, como por exemplo, o trabalho das duas escolas dos bairros (Cel.
Sebastião Rocha e Guaracy Barroso Marinho), da Leão XIII e das duas
Associações de Moradores.
Muitos são os tipos de conflitos que podem ser solucionados no Núcleo de
Mediação Comunitária, tais como:
282

Conflito Familiar

Conflito Vizinhança

Pensão Alimentícia

Reconhecimento Paternidade

Separação Consensual

Dissolução de União estável

Conflito de Imóvel

Conflito de Locação

Conflito Trabalhista
Mais um Núcleo da Justiça Comunitária entregue à comunidade. Disponível em:
http://rdplanalto.com/mais-um-nucleo-da-justica-comunitaria-entregue-a-comunidade/> Acesso em
02 out. 2012.
147

Cobrança de Dívida

Conflito do Consumidor

Conflito Societário

Conflito escolar

Difamação

Injúria

Calúnia

Lesão Corporal Leve

Ameaça

Apropriação Indébita
O objetivo, portanto, foi cumprido, já que o que se pretendia com o projeto
era a resolução local dos conflitos, sem que estas questões fossem
encaminhadas ao Judiciário.
Segundo o professor e cientista político, Mauro Gaglietti, coordenador do
projeto Justiça Comunitária:
“Todos estes conflitos, como brigas entre colegas, desentendimentos
entre vizinhos, disputa de guarda dos filhos ou problemas de pagamento
de pensão acabam parando no Judiciário. Com a ação dos mediadores,
o objetivo é que se resolvam e sejam encaminhados dentro da própria
comunidade”.
3.5 Resultados e discussões
Consoante referido inicialmente, o convênio com o Ministério da Justiça
findou em março de 2012. Ocorre que a Prefeitura Municipal de Passo Fundo
financiou os trabalhos (aluguel, água e luz), até o mês de junho/2012, momento
em que se apresentam os resultados, conforme quadro a seguir:
148
Procedimentos
Atendimentos
Encaminhament
Ações
Sessões
os
Comunitárias
mediação
de
Acordo exitoso
coletivas,
realizadas com
outras
instituições
591
329
pessoas
que
(Psicologia,
NUJUR - Núcleo
de 2011 e maio
passaram
pelo
Jurídicos
de
de 2012)
976 (número de
Núcleo
de
Justiça
e
de
(para
Assistência
Jurídica
Social):
IMED,
o
Prática
21
53 (entre agosto
82%
da
para
a
Comunitária
Clínica
de
(bairros Zachia e
Psicologia
da
Valinhos)
entre
IMED,
para
o
julho de 2011 e
CRAS,
para
a
maio de 2012)
rede de saúde
pública)
É sabido que no Brasil o processo de avaliação das políticas públicas ainda
é muito frágil. Afinal, esse momento se resume em uma manobra dos políticos
utilizarem-se de pseudo-resultados com o propósito de campanha para as novas
eleições, a fim de se manterem no poder. Diante desta temida constatação, os
processos atuais avaliativos acabam tendo pouca credibilidade perante a
sociedade.283
É necessário, pois, a conscientização da importância que esta fase assume
no processo de elaboração e análise de uma política pública. Nesta esteira, as
políticas públicas não podem ser compreendidas como meros programas que se
dividem em setores, conforme a necessidade do Estado, mas sim como maneiras
interligadas, para que possam ser compreendidas a partir da própria construção,
da instituição e do processo político, os quais estão interligados com todas as
questões que regem a sociedade.
283
COSTA, Marli da. A transversalidade das políticas públicas na perspectiva de gênero. In: REIS,
J. R.; LEAL, R.G..(org.) Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 11.
Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011, p. 199.
149
"O Projeto Justiça Comunitária é uma das mais importantes políticas
públicas de acesso à justiça implementadas pela Secretaria de Reforma
do Judiciário do Ministério da Justiça. Trata-se de devolver para
a comunidade o poder e a legitimidade de resolver seus próprios
problemas; uma experiência recente, mas que em seus primeiros
resultados, já demonstrou ter um caráter fortemente emancipatório e
libertador.
(Marcelo Sgarbossa Coordenador de Democratização do Acesso à
Justiça (2009-2010) Secretaria de Reforma do Judiciário - MJ).
A imprensa local destacou os trabalhos realizados no decorrer da vigência
do programa, dando ênfase à cultura de paz inserida no cotidiano da comunidade.
No caso do Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo, observou-se
que, apesar dos desafios encontrados, o projeto conseguiu alinhar-se com os
objetivos que revestem a justiça comunitária, tais como as noções de
responsabilidade e autonomia dos sujeitos, que passam a se envolver mais
ativamente nas decisões de seus próprios conflitos, não depositando mais todo o
poder de decisão nas mãos de um terceiro.284
Consoante as considerações teóricas, é possível conceber que este projeto
beneficiou uma gama considerável da população, atendendo os ideários de um
acesso à justiça democrático e eficaz.
Nesse sentido, a expectativa da população, sem dúvidas, foi atendida, na
medida em que demonstraram grande interesse e capacidade de envolvimento,
recebendo, assim, muito bem a ideia inicial dos propósitos do Projeto, justamente
por perceberem uma possibilidade bastante ampla
de valorização das
comunidades envolvidas no projeto. Ademais, os voluntários foram fundamentais
para dar uma energia ao Projeto e agregarem sua experiência de vida,
curiosidades e ideias novas ao que já está estabelecido pelo Ministério da Justiça.
Para auxiliar na divulgação do projeto, na comunicação com a comunidade
externa e na manutenção da memória do projeto, foi criado um blog de internet.
284
ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do Projeto Justiça
Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de Direito) - Faculdade MeridionalIMED, Passo Fundo, 2012.
150
No blog Justiça Comunitária em Passo Fundo – RS era realizada uma
cobertura das atividades do projeto, a divulgação de fotos e eventos e o
compartilhamento de textos sobre assuntos como a mediação de
conflitos. Este blog foi um dos principais meios para a realização da
presente pesquisa, além dos livros, artigos e observações realizadas.285
Com o projeto, outros ideários ganharam tonicidade. Foi o caso do grupo
de estudos sobre Justiça Restaurativa, o qual reúne um grupo de profissionais
que foram capacitados no ano de 2010 para realização de círculos restaurativos,
embasados nos princípios da Justiça para o século XXI.
Todos os encontros debatiam uma proposta de temáticas teóricas, que
estariam associadas à prática de cada equipe em seu ambiente de trabalho, em
que ficava acordado um cronograma quinzenal para se reunirem e aprofundarem
o tema.
No segundo semestre de 2012, o mesmo grupo realizou um evento para a
comunidade de Passo Fundo e região, com a presença de lideranças atuantes na
Justiça Restaurativa.
As entidades que se fizeram representadas neste encontro foram: FASECASE, Secretaria Municipal de Educação, Leão XIII, CEDEDICA, COMADI,
IMED, CASEMI e 7ª Coordenadoria Regional de Educação.
O Secretário Municipal de Segurança Pública, Márcio Patussi, avaliou
como positiva essa primeira experiência que é pioneira, afirmando que já tem
demanda para essa mesma linha de atuação em outras comunidades. Porém,
Passo Fundo só terá o alcance de novos recursos junto ao Ministério da Justiça
no encaminhamento final dessa ação, momento em que o município deve
requerer a solicitação de renovação desse convênio para aí, sim, atuar nas
mesmas ou em outras comunidades do município.
Ocorre que o projeto não teve renovação, os agentes comunitários
perderam o auxílio financeiro, e dos 15 atuantes, somente 03 se manifestaram no
sentido de prosseguir sem a ajuda de custo.
Quanto à Secretaria de Segurança Pública, apresentou o balanço das
atividades e trouxe o levantamento de todas as abordagens e intervenções feitas
285
Ibidem.
151
pela polícia. Os bairros que fizeram parte do projeto foram escolhidos por
apresentar índices de criminalidade e vulnerabilidade diferenciadas.
Segundo o major Angelo, o Território da Paz é um novo modelo de
segurança pública. “É uma política do Estado e depende de uma série de agentes
que agrega todas as secretarias, como Saúde, Educação, Infraestrutura e
Segurança”, destaca. O projeto alcançou resultados expressivos, principalmente
pelo trabalho efetivo da Brigada Militar. Um dos índices destacados pelo major
Angelo é o de homicídios, que ficou em zero nos dois bairros, um importante
passo na conquista pela paz, que iniciou em 22 de novembro de 2011, quando foi
implantado.
Ainda, na esteira dos investimentos, houve o lançamento do Projeto
Mulheres da Paz em Passo Fundo. O Projeto também faz parte das ações do
Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), do Governo Federal,
através do Ministério da Justiça, em parceria com o município e coordenado pela
Secretaria de Segurança Pública. Com duração de 15 meses, o projeto é
destinado à prevenção e controle da criminalidade. Através de um processo
licitatório, foi habilitada a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo para
selecionar, capacitar e acompanhar as 200 Mulheres da Paz, através de uma
Equipe Multidisciplinar, composta por Assistente Social, Psicólogo, Advogado e
Educadores Sociais.A capacitação foi de 150 horas envolvendo assuntos como
Lei Maria da Penha, Acesso à Justiça, Mediação de Conflitos, Conhecimentos
básicos de Informática, Direitos Humanos, Ações do PRONASCI e Apoio
Psicossocial Coletivo. Além da formação, as Mulheres receberão auxílio
financeiro no valor de R$ 190,00, uniforme e material para a capacitação.
Ainda, houve o oferecimento do curso „Mediação de Conflitos: Perspectivas
Teóricas e Processos de Intervenção‟, ministrado pelo Dr. Juan Carlos Vezzulla. A
iniciativa foi coordenada pelos professores da IMED Me. Leda Rúbia Maurina e
Me. Marcelino Meleu.
No primeiro dia do curso, Vezzulla apresentou a evolução da mediação
familiar, que segundo ele, tem sofrido evoluções nos dias de hoje. Vezzulla
salientou ainda a importância do trabalho do mediador. “A mediação familiar é a
construção do futuro. Ela deve começar pela problemática e não pela solução”.
152
No segundo dia, o professor respondeu a dúvidas e falou sobre o tema da
adolescência e a mediação de conflitos.
Engajados com a defesa dos princípios da cidadania, a Faculdade
Meridional- IMED, promoveu Mutirões da Cidadania, nos bairros Bairro José
Alexandre Zachia, Victor Isler e na Vila Ipiranga. Os serviços foram prestados de
forma gratuita à comunidade.
Durante o Mutirão da Cidadania foram realizadas atividades de orientação
jurídica e mediação de conflitos, orientação para escovação e saúde bucal,
realização de atividades ligadas à inclusão social e digital, brincadeiras
envolvendo trânsito, orientações sobre nutrição, diálogos sobre transtornos
psicológicos, bem como realização de testes de glicose e medição de pressão
arterial.
O Mutirão é uma realização da Faculdade Meridional – IMED, da UAMPAF,
da Escola de Nutrição e Estética da Leão XIII, Escola de Enfermagem do HSVP e
Brigada Militar. O projeto proporcionou um espaço para que os acadêmicos se
tornem agentes de mudanças, contribuindo para a inclusão social.
De fato, a avaliação que pode ser feita do projeto na cidade de Passo
Fundo- RS, é positiva, já que prestou assistência a centenas de famílias,
propiciando o acesso democrático à justiça, bem como dando noções de
cidadania e inclusão social.
O contrato para a realização desta primeira etapa do projeto compreendeu
o período de maio de 2011 a junho de 2012. Após este período, iniciou-se outra
etapa, com a saída da equipe executora, devido ao encerramento do contrato
com a IMED. Iniciou-se um novo debate sobre como seriam os novos rumos do
projeto, que ainda estavam em discussão no momento da realização desta
dissertação. Constatou-se, assim, que após os 15 meses de execução do projeto,
houve o corte do recurso do Ministério da Justiça de R$190,00 que era repassado
pela Secretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal de Passo Fundo
para cada um dos 20 mediadores. Cerca de 12 mediadores continuaram atuando
voluntariamente junto à comunidade, porém se dedicando às mediações de
conflito de forma menos intensa. Houve a inserção de quase todas as mulheres
153
mediadoras dos bairros Valinhos e Zachia (Projeto Justiça Comunitária) no
Programa Mulheres da Paz, programa esse também associado ao PRONASCI. 286
Em notícia vinculada pela mídia local, a partir de 24 de outubro do presente
ano, os Núcleos de Justiça Comunitária de Passo Fundo passaram a atuar em
parceria do curso de Direito da Faculdade Anhanguera.
Na data de 22 de outubro, os alunos e coordenadores do curso foram
recepcionados pelas mediadoras de conflitos do bairro Zachia, onde puderam
conhecer o trabalho, que começou em 2011.
O programa teve inicialmente a parceria do município com a Imed, contrato
que teve a duração de 15 meses.
Marisa Ré de Rocco, coordenadora das ações da Secretaria de Segurança,
falou que o programa tem dado ótimos resultados nas comunidades assistidas,
tendo em vista a disciplina dos mediadores na condução de cada caso, que vão
desde brigas entre famílias e vizinhos até discussões de cunho judicial, como
atraso em aluguéis e outras dívidas.
Os Núcleos voltaram a funcionar de segunda a sábado, pela manhã,
quando moradores podem tirar dúvidas, acompanhar o andamento de suas
solicitações e ter suas mediações agendadas. A partir de agora, os assistentes
sociais e psicólogos serão disponibilizados pela prefeitura municipal, e atenderão
nos CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) e a parte jurídica fica por
conta da Anhanguera, que no primeiro momento, atenderá na própria faculdade,
com horário agendado pelas mediadoras dos Núcleos.287
Ademais, necessário salientarmos a presença constante dos Agentes
Comunitários frente à sociedade.
Portanto, claro está que as ações devem continuar. Com este escopo que
na data de 16 de outubro os agentes de mediação Comunitária, acompanhados
por técnicos da Secretaria de Segurança Pública, participaram de uma atividade
na Faculdade Anhanguera. O encontro teve como objetivo uma interlocução entre
286
ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do Projeto Justiça
Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de Direito) - Faculdade MeridionalIMED, Passo Fundo, 2012.
287
Núcleo de Justiça Comunitária recebe apoio da Faculdade Anhanguera.
<http://www.rduirapuru.com.br/noticias/nucleo-de-justica-comunitaria-recebe-apoio-da-faculdadeanhanguera> Acesso em 24 out. 2012.
154
as ações realizadas por ambas as partes, com troca de experiências,
apresentação de ações e da demanda de cada bairro.
Através de uma parceria realizada entre o Governo Federal e o município,
a Secretaria de Segurança Pública coordena as ações do Núcleo de Justiça
Comunitária.
Para os agentes, esta é uma ação que merece continuidade porque foi
bem aceita nos dois bairros e percebe-se a diferença em cada um deles, após a
instalação do Núcleo. As ações com maior procura são na área de psicologia e
jurídica.
Finalizando, o município ampliou sua rede de parcerias através de ações
que promovem atitudes de cidadania na comunidade. O trabalho em rede, e o
estabelecimento de parcerias constituem um dos pilares fundamentais na
organização das ações em sociedade.288
288
Projeto
Justiça
Comunitária
inicia
nova
fase.
Disponível
em:
<http://www.onacional.com.br/geral/cidade/1803/projeto+justica+comunitaria+inicia+nova+fase>
Acesso em 20 nov. 2012.
155
CONCLUSÃO
Primeiramente se faz necessário um resgate histórico acerca da história da
humanidade, em que a comunidade era considerada nociva e de medo, primeiro
do „outro‟, haja vista a ausência de regramentos estatais que regulassem as
relações sociais, depois do monstro-estado que veio a regrar e punir os
comportamentos presentes na comunidade.
Desta
forma,
o
homem foi
estabelecendo
os primeiros vínculos
comunitários, foi formando círculos de convivência em que foram criadas regras
para garantia da segurança coletiva. Foi nesse momento que o homem abriu mão
de sua autonomia, pois qualquer um matava ou morria, para que fosse, portanto,
estendida a segurança de forma coletiva, garantindo-se proteção para a
comunidade com um todo.
Diante deste aspecto protetivo instalado, a comunidade veio a conceber o
estado como um monstro (leviatã), dando início aos primeiros conflitos que
envolviam a concepção de comunidade e a intervenção estatal em sua
integridade e organização. A parcela do estado no surgimento destes conflitos se
dá em parte pelo surgimento do poder judiciário, que tira da comunidade a
capacidade de resolver os conflitos e passa para o estado- poder judiciário,
pessoa extra-comunidade, a competência para a resolução dos conflitos.
De fato, o escopo da presente dissertação é a abordar a mediação
comunitária como política pública eficaz no tratamento de conflitos, demonstrando
que é possível, através da inclusão social, a devolução da capacidade às
comunidades no tratamento de seus conflitos, com a utilização das regras,
hábitos, costumes e linguajar local.
Destarte, discutir a crise do estado moderno gera a instabilidade do
cidadão frente aos poderes constituídos na República. Novos mecanismos,
portanto, indicam formas viáveis de reversão dessa situação, dando possibilidade
à cidadania de tomar espaço centralizado no processo democrático.
Desta forma, as reformas do poder judiciário priorizam o acesso à justiça e
estimulam fórmulas alternativas de resolução de conflitos, novas iniciativas que
156
não se contrapõem ao sistema clássico de justiça. Ao contrário, o complementam
e desoneram da litigiosidade excessiva, além de promover a coesão social.
Em suma, é visível que a sociedade não pode mais contar tão somente
com o auxílio da justiça estatal, tendo em vista a realidade contemporânea, plural
e fragmentada em que se vive, que exige cada vez mais uma concepção de
direito que se adéque a estas características.
No tocante à realização da justiça, a mediação comunitária é capaz de
oferecer uma justiça cidadã, alterando-se a visão negativa que se tem acerca do
conflito, com fundamento da alteridade e na percepção do todo. Ademais, é
possível, a partir da mediação, desenvolver o senso no ser humano de que ele faz
parte de um contexto maior, bem como que é capaz de reconhecer seus direitos e
deveres, chegando, por conseguinte, à resolução dos conflitos.
Sob este prisma, a jurisdição, enquanto modelo estatal regulatório, é
necessária à manutenção da ordem, contudo não pode ser encarada como única
possibilidade de resolução de conflitos. Desta forma, é preciso que se reconheça
que o monopólio da jurisdição deve ceder espaço às alterações promovidas por
métodos adequados de resolução dos conflitos, para que se “devolva” à
comunidade parte desta competência, nos espaços onde os cidadãos constroem
suas relações.
De fato, a solidariedade está inserida no diálogo, sendo que as pessoas
discutem seus problemas e o conflito deixa de ser algo negativo, que afasta as
pessoas, e passa a ser algo pelo qual as pessoas lutam para mudar.
Ao contrário dos ritos da justiça instituída pelo estado, que se mostra aos
olhos dos membros da sociedade como lenta, burocrática, sem humanidade, a
mediação comunitária promove a participação direta da comunidade, resgatando
e valorizando o perfil cidadão, bem como o poder de voz da comunidade.
É por isso que novos mecanismos estão sendo utilizados como forma
autêntica e democrática na resolução de litígios. A mediação fomenta a
participação dos cidadãos na tomada de decisões, facilita o acesso à justiça,
como também promove a responsabilização dos sujeitos e auxilia o diálogo
assertivo.
157
Portanto, a mediação é uma prática emancipatória na medida em que
revela no cidadão a capacidade que o mesmo possui de, por si só, reconhecer
direitos e deveres e administrá-los.
Nesse sentido, coloca os mediandos como co-responsáveis pelo conflito
existente e pela harmonia coletiva, devolvendo a noção e a responsabilidade de
que são atores de suas próprias vidas e de que fazem parte de uma coletividade,
fomentando, em suma, os contornos da cidadania plena.
Deve-se contanto ter bem claro que a mediação não vem inibir a atuação
do poder judiciário, nem mesmo fortalecer a idéia do estado mínimo. Pelo
contrário, o judiciário é essencial à considerável parcela dos conflitos.
O que a mediação comunitária preza é o estímulo ao diálogo, a consciência
de que o cidadão pode solucionar seu conflito de forma amigável, sem
necessidade de recorrer ao judiciário. Daí ser mais fácil o cidadão cumprir o
acordo que ele mesmo firmou, já que é mais conveniente que cumprir uma
decisão que um terceiro – juiz- que pouco ou nada conhecia de sua realidade.
Os objetivos da mediação são eminentemente quatro: a solução dos
conflitos, a prevenção da má administração dos conflitos, a inclusão social e a paz
social. A prioridade imediata é a própria solução do conflito, aparente e oculto,
levado à mediação. O que é preciso se destacar é que somente se chega à
solução do conflito com o estabelecimento de um diálogo.
A busca pelo diálogo para a solução do conflito deve ser considerada com
um ponto de extrema importância, tendo em vista que é a partir da discussão
sobre seus direitos e o tratamento realizado pelas próprias pessoas da
comunidade que se faz possível construir uma justiça realmente cidadã. É por
isso que, no processo de mediação, o mediador esclarece que as pessoas
envolvidas têm o poder de decisão do conflito que foi levado ao debate, não o
mediador.
É exatamente por esta razão que os acordos tendem a ser cumpridos,
porque são as próprias partes envolvidas que decidem o que é melhor, em uma
relação em que ambas saem ganhando, em que o foco da questão é retirado de
si e transferido para uma situação geral: família, bairro, sociedade.
158
Assim, a mediação comunitária não surge em razão da procura suprimida,
mas em razão da consciência dos direitos, e, mais ainda, da consciência de que
tais direitos podem ser satisfeitos de forma autocompositiva, ou seja, de forma
que quem irá decidir serão as próprias pessoas envolvidas.
Nessa esteira é que a mediação comunitária se apresenta como forma que
ultrapassa a simples eficácia no tratamento de conflitos, sendo capaz de gerar o
diálogo cidadão, o que dá ensejo ao surgimento de uma justiça cidadã. A
percepção do outro, a aceitação, a informalidade, a oitiva são características que
garantem a viabilidade de uma justiça baseada no fomento da cidadania
Baseada nessa idéia da solução tradicional, bem como da possibilidade de
se estabelecer uma justiça eficaz, que fomente a cidadania, surgiu, em diversas
comunidades, organizações em que pessoas da própria localidade, líderes, se
propõem, em regra voluntariamente, a colaborar com a pacificação social e
cidadania, como facilitadores do diálogo na busca da pacificação. Como exposto
no decorrer da presente dissertação, o estado do Rio Grande do Sul, possui
muitas experiências que comprovam estas benesses.
Ao trabalhar com o exemplo prático da cidade de Passo Fundo- RS
verificou-se que o propósito principal do projeto foi garantir o acesso à justiça,
num território vulnerável como são os bairros Zachia e Valinhos, por meio de
medidas de descentralização, urbanização e recuperação dos espaços públicos
com a efetiva participação dos agentes políticos da própria comunidade.
Ao sensibilizar, mobilizar e selecionar os agentes comunitários, formandoos a partir da ação integrada de uma equipe multidisciplinar com sustentação da
Prefeitura Municipal de Passo Fundo e do Ministério da Justiça, o projeto
proporcionou a solução de conflitos envolvendo vizinhos, casais, adultos e jovens,
sobretudo àquelas brigas e polêmicas que ocorrem junto ao ambiente escolar.
Nesses termos, a justiça comunitária é uma ação que visa a contribuir para
a democratização do acesso à justiça por meio da mobilização e capacitação de
agentes comunitários preparados na gestão de conflitos. A execução do projeto
do Núcleo de Justiça Comunitária em Passo Fundo/RS teve por objetivo oferecer
à comunidade dos bairros Zachia e Valinhos um serviço de mediação de conflitos
desenvolvido por agentes comunitários; sendo que o presente projeto vinculou-se
ao PRONASCI, na medida em que seus fundamentos teóricos, e a respectiva
159
base instrumental relacionam-se ao enfrentamento da criminalidade em Passo
Fundo e que vincula as políticas de segurança às ações sociais envolvendo várias
Secretarias da PMPF, bem como a prioridade à prevenção dos atos infracionais,
buscando alcançar as causas que levam a população à prática de tais delitos.
Logo, possível conceber que a elaboração e a implementação de políticas
públicas que garantam o efetivo acesso à justiça são de extrema importância para
o desenvolvimento social, bem como refletem a busca pelo aperfeiçoamento, o
que dá ao Estado uma roupagem responsável e consciente, implementando e
provocando uma maior organização social e fortalecimento das relações entre os
indivíduos, bem como a efetiva participação do cidadão.
Nesses termos, a repercussão do projeto, entre tantas outras, está
centrada na promoção dos direitos humanos, intensificando uma cultura de paz,
sem preconceitos de gênero, étnico, geracional, de orientação sexual e de
diversidade cultural.
Além disso, o projeto fortaleceu as redes sociais e comunitárias já
existentes na região em foco, tal como: o trabalho já desenvolvido pelas
Associações de Moradores, pelos Agentes Comunitários de Saúde, pela direção,
professores e funcionários da Escola Municipal, buscando sempre criar
mecanismos comunitários de promoção da segurança e da convivência pacífica
entre os moradores.
Por fim, o projeto estabeleceu interfaces com as famílias expostas às
práticas de violências, cujos filhos são os adolescentes e os jovens,
respectivamente egressos do CASE- Centro de Atendimento de Sócio-Educação e do sistema prisional, com o objetivo de dialogar com as políticas públicas
existentes no município no sentido da inclusão das mesmas em projetos
educativos, esportivos e profissionalizantes, ou seja, participação e inclusão em
programas capazes de responder, de modo consistente e permanente, às
demandas das vítimas da criminalidade por intermédio de apoio psicológico,
jurídico e social.
A presente dissertação não visou esgotar seu objeto, mas apenas, como
dito, fomentar o debate acerca dele, firmando as premissas acerca do caráter
emancipatório e democrático da mediação comunitária como instrumento eficaz
de acesso à justiça.
160
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Almeida; PELUSO, Antonio Cezar; (Coord). GRINOVER, Ada Pellegrini...[et.al.].
Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de
Janeiro: Forense, 2011.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova
cultura no Direito, 2001.
ZANTEDESCHI, Jader Mateus. Mediação de conflitos extrajudiciais: O caso do
Projeto Justiça Comunitária em Passo Fundo (RS). (Monografia do curso de
Direito) - Faculdade Meridional- IMED, Passo Fundo, 2012.
171
ANEXOS
172
ANEXO 01- Casa de Mediação Comunitária no Bairro Zachia e os integrantes do
Projeto.
173
ANEXO 02- Casa de Mediação Comunitária no Bairro Zachia e os
integrantes do Projeto.
174
ANEXO 03- Esta cartilha foi desenvolvida pela Secretaria de Reforma do
Judiciário do Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
175
ANEXO 04- Convite para a assinatura do Projeto Núcleo Justiça Comunitária de
Passo Fundo.
176
ANEXO 05- Registrou-se a presença de autoridades, bem como de integrantes da
comunidade no ato de assinatura do convênio.
177
ANEXO 06- Ato solene de assinatura do Projeto Justica Comunitária em
convênio com a Faculdade Meridional- IMED, neste ato representada pelo
seu Diretor Geral: Eduardo Capellari.
178
ANEXO 07- Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e a
equipe de Agentes Comunitários do Bairro Zachia.
179
ANEXO 08- Autoridades reunidas em planejamento.
180
ANEXO 09- Vista aérea do bairro Zachia, no ano de 2010.
181
ANEXO 10- Mapeamento da violência em 2012, na cidade de Passo Fundo-RS.
182
ANEXO 11- Mediadores selecionados.
Lista dos mediadores do bairro Valinhos
Titulares
CLÉLIA GARCIA CALEGARI
CRISTIANE DA SILVA
CRISTIANO DA SILVA DIAS
DIONE LUIZ TOHMÉ
GERCI DA SILVA DE VARGAS
IONE SALET DA SILVA
LAZARO ALENCAR FRANTZ BRIZOLA
LORECI ÁVILA RIBEIRO
MARLI DA VEIGA
ZULMIRA DE JESUS MORAIS RISSON
Suplentes:
Arminda da Silveira
Clélia Garcia Calegari
Oscar Ferreira da Silva
Lista dos mediadores do bairro Zachia
Titulares
ANDRÉIA MARIA CARVALHO
CÍNARA APARECIDA NUNES DOS SANTOS
JOCELI DAS CHAGAS
LETÍCIA KARINE DOS SANTOS CARVALHO
LUIZ FERNANDO LEMES FLORÊNCIO
MARILENA DO AMARANTE
ROSANA KÁTIA DE OLIVEIRA
ROSANE NICKEL DE LIMA
SANTA CATARINA DA SILVA
SUZANA GRAEFF
Suplentes:
CLEUSA RODRIGUES DOS SANTOS
JOSIANE GONÇALVES DE ARAUJO
DANIELE DA SILVA MEIRA
ROSELI SILVA MACEDO DOS SANTOS
183
ANEXO 12- Encontro de capacitação e orientação dos voluntários atuantes junto
ao projeto.
184
ANEXO 13- Dia 18 de março de 2011 ocorreu uma reunião na Secretaria de
Segurança Pública do Município de Passo Fundo com a equipe do Projeto Justiça
Comunitária e o líder comunitário do Bairro Valinhos, Jandir Sebastião dos
Santos. A comunidade do bairro Valinhos também será beneficiada pelo projeto.
185
ANEXO 14- Estrutura de pessoal e assessoria dos Núcleos de Justiça
Comunitária.
Responsável pela equipe Jurídica
Advogado Marcelino da Silva Meleu
Equipe Jurídica
1. Eduardo Tedesco Castamann - Advogado
2. Luiz Felipe Nunes - Advogado
3. Andréia Gomes - Bacharel em Direito
4. Saara Letícia Nunes Simão – bacharel em direito
5. Ariane Sommer Torres Rufatto (Bacharel em Direito).
Equipe de atendimento em Psicologia
Psicólogo Luiz Ronaldo Freitas de Oliveira
1) Gabriele Albuquerque Silva
2) Glen Rigo da Silva
3) Cerita Bressan
4) Mônica Golfetto Rech
5) Anelise de Souza Légori
6) Natacha Martins Machado
7) Marinês Pituco Bicca
1)
Equipe de atendimento no âmbito do Serviço Social
Responsável: Assistente Social Isabel Frosi Benetti
Lísia Rodigheri Godinho - Formanda em Serviço Social na UPF
2)
Maria Anabel Almeida Bonfim- SUSEPE
EQUIPE DE APOIO
Gabriele Albuquerque Silva - Formanda em Psicologia na IMED Responsável pelo blog http://justicacomunitariapf.blogspot.com e pela
Sala do Projeto Justiça Comunitária na IMED.
Gabriela Ceratti – Estudante de Direito e Bolsista FAPERGS.
Glen Rigo da Silva - Estudante de Psicologia e Bolsista Desempenho da
IMED.
Barbara Fincato da Silva – Estudante de Direito e Bolsista Desempenho
da IMED.
Barbara Siteneski de Oliveira - Estudante de Direito e Bolsista
Desempenho da IMED.
Lucieli Breda - Estudante de Direito e Bolsista Desempenho da IMED.
VOLUNTÁRIOS
Todos os alunos da Disciplina de Prática IV, do curso de Direito.
ESTAGIÁRIAS QUE PASSARAM PELO PROJETO
1. Keli Susana Pilatti
2. Janaíne Vieira Benites
Estudantes do Curso de Direito da IMED
- Voluntários: com plantão semanal na Casa Núcleo de Justiça
Comunitária
Gabriela Ceratti
186
Aline Taiane Kirch
Celso Tadeu Zwirts
SUPORTE TÉCNICO
Prof. Ms. Eduardo Capellari (Diretor Geral da IMED)
Profa. Ms. Thaise Nara Graziottin Costa – Coordenadora da Escola de
Direito da IMED
Prof. Ms. Luiz Ronaldo Freitas de Oliveira (Coordenador da Escola de
Psicologia da IMED)
Prof. Ms. Israel Kujawa - Contribui com a execução do Programa Justiça
Comunitária, um dos programas do PRONASCI de Passo Fundo, como
articulador junto com poder público e com as lideranças comunitárias da
UAMPAF.
187
ANEXO 15- Centro Comunitário de Justiça e Cidadania do bairro Zachia.
188
ANEXO 16- Centro Comunitário de Justiça e Cidadania do bairro Valinhos.
189
ANEXO 17- Desenvolvimento do curso.
190
ANEXO 18- Encerramento do curso.
191
ANEXO 19- Reunião dos voluntários.
192
ANEXO 20- Jornal Diário da Manhã destaca o trabalho realizado na comunidade.
193
ANEXO 21- Lançamento do Projeto Mulheres da Paz.
194
ANEXO 22- Reunião da Anhanguera e Mediadores.
195
ANEXO 23- Desfile de 07 de Setembro.
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