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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ABIDIAS FREIRIA TEIXEIRA
TRANS MUNDIAL: UM ESTUDO DE CASO DA
PRIMEIRA RÁDIO MISSIONÁRIA DO BRASIL
SÃO PAULO
2010
2
ABIDIAS FREIRIA TEIXEIRA
TRANS MUNDIAL: UM ESTUDO DE CASO DA
PRIMEIRA RÁDIO MISSIONÁRIA DO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós Graduação em Ciências da
Religião da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito para
obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Ricardo Bitun
SÃO PAULO
2010
3
T266t Teixeira, Abidias Freiria
Trans Mundial : um estudo de caso da primeira rádio
missionária do
Brasil / Abidias Freiria Teixeira – 2010.
136 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 130-135
1. Rádio 2. Religião 3. Missões 4. Mídia 5. Protestantismo
I. Título
LC BX4836.B6
CDD 261.52
4
ABIDIAS FREIRIA TEIXEIRA
TRANS MUNDIAL: UM ESTUDO DE CASO DA PRIMEIRA
RÁDIO MISSIONÁRIA DO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito para obtenção do título de Mestre
em Ciências da Religião.
Aprovado em ___/____/____.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ricardo Bitun - Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Paulo Rodrigues Romeiro
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
Universidade Federal do Rio de Janeiro
5
A Deus, sustentador da minha vida.
À minha esposa Alcione Lopes Freiria Teixeira, o incentivo
e paciência para com esse período intenso de estudos.
A meus filhos, Henrique e Jônatas
pelo apoio nos momentos mais difíceis da pesquisa.
6
AGRADECIMENTOS
A Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela oportunidade desta especialização
e pela bolsa de estudos que me foi concedida.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Bitun, pelas repetidas palavras de
estímulo.
Ao secretário executivo da Rádio Trans Mundial, José Carlos dos Santos, que
colocou em minhas mãos os documentos necessários para que esta pesquisa fosse
possível.
Ao Prof. Dr. Antônio Máspoli de Araújo Gomes, de quem recebi o primeiro
incentivo para contar a história da Rádio Trans Mundial.
Ao Prof. Dr. Paulo Rodrigues Romeiro, por suas análises e contribuições.
Ao Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, pelas sugestões feitas
durante a qualificação.
Ao Conselho da Igreja Presbiteriana de Vila Bonilha, o tempo cedido para os
estudos.
A todos meus sinceros agradecimentos.
7
RESUMO
O objetivo desta pesquisa está diretamente relacionado com a mídia evangélica
brasileira, produzida pela empresa Rádio Trans Mundial. Trata-se de um estudo de caso
sobre a produção midiática protestante histórica, porém, não denominacional.
A partir das transformações culturais produzidas pelo Renascimento e invenção
da imprensa, analisaremos o processo de desenvolvimento da comunicação humana até
o surgimento do rádio e sua utilização como meio de comunicação religiosa para longas
distâncias por instituições missionárias. A pesquisa tem o foco histórico-cultural em
aspecto geral, se propõe a analisar o papel da mídia no campo religioso brasileiro e sua
eficácia em delimitar identidades culturais evangélicas.
Em seguida, faremos um levantamento historiográfico da Rádio Trans Mundial,
sua origem internacional, sua implantação no Brasil e sua contribuição no campo
religioso.
A pesquisa também proporcionará o resgate histórico-cultural, a partir do
depoimento dos ouvintes que receberam a influência da Rádio Trans Mundial,
mostrando que suas transmissões e o contato com os ouvintes contribuíram para o
fortalecimento das referências ideológicas e culturais do protestantismo brasileiro.
Palavras-chave: rádio, religião, missões, historia, mídia, Protestantismo.
ABSTRACT
The aim of this thesis is directly related to the Brazilian evangelical media
produced by Trans World Radio. This is a case study of a mainline Protestant nondenominational media production.
Starting from the cultural changes produced by Renaissance and the invention of
the press, it will look into the development process of human communications to the
rise of radio and its use as a medium to communicate to long distances by religious
8
missionary institutions. The research has a focus on cultural history, and its purpose is
to analyze the role of media in the Brazilian religious field and its effectiveness in
defining evangelical cultural identities.
Subsequently we will make a historical survey of Trans World Radio, his
international origins, his implementation in Brazil and his contribution to the Brazilian
religious field.
The research also will provide a historical and cultural rescue, based on reports
from listeners who received the influence of Trans World Radio, showing how their
broadcasts and contact with listeners contributed to the strengthening of ideological and
cultural references of Brazilian Protestantism.
Key-words: radio, religion, missions, history, media, Protestantism .
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 OS CÉUS ESTÃO ABERTOS: RAÍZES HISTÓRICAS DA RÁDIO
TRANS MUNDIAL NO BRASIL.............................................................................................18
1.1 O Renascimento no Século XVI ...................................................................................... 20
1.2 O Renascimento e o Nascimento da Imprensa .................................................................. 22
1.3 A Modernidade e a Secularização ..................................................................................... 26
1.4 O Nascimento do Rádio .................................................................................................... 28
1.5 Primeira Transmissão Radiofônica Comercial .................................................................. 30
1.6 A Primeira Rádio Brasileira .............................................................................................. 31
1.7 As Rádios Missionárias ..................................................................................................... 36
1.7.1 HJBC (World Radio Missionary Fellowship) – A Voz dos Andes ................................ 40
1.7.2 Far East Broadcasting Company (Companhia de Radiofusão do Oriente) .................... 41
1.7.3 Trans World Rádio – Rádio Trans Mundial ................................................................... 42
CAPÍTULO 2 EM CÉU BRASILEIRO: O DESENVOLVIMENTO DA RÁDIO
TRANS MUNDIAL NO BRASIL................................................................................55
2.1. Das Primeiras Transmissões ao Estabelecimento da Rádio Trans Mundial no Brasil ..... 59
2.2. Edmund Spieker e a Organização da Rádio Trans Mundial no Brasil ............................. 61
2.3 Os Primeiros Anos da RTM-B: Fase de Instalação da Infra Estrutura da Rádio .............. 69
2.4 Os Primeiros Anos da RTM-B: O Capital Humano .......................................................... 70
2.5 Consolidação da RTM-B................................................................................................... 72
2.6 Fase de Expansão da RTM-B ............................................................................................ 74
2.7 O Perfil dos Ouvintes da RTM-B ................................................................................... ...78
2.8 Programação e Conteúdo...................................................................................................88
CAPÍTULO 3 ONDAS AO CÉU E PRODUTO NA TERRA: A RTM E A PRODUÇÃO
DE BENS SIMBÓLICOS..........................................................................................................96
3.1 Conectando a Nação Religiosa: Emissoras Afiliadas da RTM-B.....................................105
3.1.1 Parceria com a Rádio Nova Difusora de Osasco............................................................106
3.1.2 Emissora Afiliadas em Rede com a RTM-B...................................………...……..….108
10
3.1.3 Entrevista com José Carlos dos Santos: Atual Secretário Executivo da RTM-B..........112
3.2 Linha Editorial e Outros Produtos: Andando com os Próprios Pés..................................114
3.2.1 O Pão Diário ................................................................................................................. 115
3.3 Atuações de Desdobramentos da RTM-B. ...................................................................... 119
3.3.1 Línguas Indígenas: Projeto Ticunas. ............................................................................ 122
3.3.2 Capelania Escolar ......................................................................................................... 123
3.3.3 Projeto Ana................................................................................................................... 124
3.3.4 Projeto Antenas e Projeto Ceifa Sul: Plantação de Igrejas ........................................... 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 130
ANEXO - CD contendo programas históricos da RTM ................................................... 136
11
INTRODUÇÃO
A Rádio Trans Mundial surgiu no cenário midiático internacional de forma bem
tímida e, em menos de quarenta anos, se tornou uma das principais emissoras
missionárias operando em âmbito mundial.
Fundada pelo missionário americano Paul Ernest Freed, iniciou suas
transmissões em 1953, em Tânger, Marrocos, no extremo Norte da África, cidade
separada da Espanha e do continente europeu por apenas 14 km. Denominada “A Voz
do Tanger”, nome sugestivo, pela característica “oral” do meio de transmissão da
mensagem – o rádio, e inspirado em outras rádios internacionais, cuja “voz” atravessava
continentes por meio das ondas sonoras de rádio1.
O objetivo inicial de Paul Freed era evangelizar a Espanha, país de maioria
Católica Romana e, segundo ele, negligenciado pelo movimento missionário
protestante2 moderno. A utilização do rádio permitiria atingir grandes distâncias,
sobrepondo barreiras políticas, ideológicas, religiosas, num período histórico marcado
por inúmeras restrições, conhecido como Guerra Fria.
Transmitindo primeiramente em inglês e espanhol, não demorou muito para que
outros países no continente europeu e africano fossem alcançados pelas transmissões a
partir de Tânger, desafiando Paul Freed a ampliar sua visão missionária para outras
nações, além da Espanha.
Diante da impossibilidade política de continuar em Marrocos, a Voz do Tânger
foi transferida para Monte Carlo, capital do Principado de Mônaco, Sul da França,
mudando seu nome para “Trans World Radio” – Rádio Trans Mundial -, deixando clara
a abrangência mundial pretendida a partir daquele momento.
No Brasil, as primeiras transmissões da Rádio Trans Mundial aconteceram em
1964, através da nova estação transmissora na Ilha de Bonaire, Antilhas Holandesas,
próxima à costa da Venezuela, utilizando transmissores super potentes, com capacidade
de atingir todo o país. Seu impacto foi positivo, visto que o rádio era o meio de
1
A rádio Voz da América foi ao ar em 1942, financiada pelo governo dos EUA. Ainda está em operação
e possui uma audiência estimada em 125 milhões de pessoas. < http://www.voanews.com >, acesso em 23
de novembro de 2010.
2
Protestantismo. Um dos três ramos do cristianismo, sua história está intimamente vinculada à Reforma.
O protestantismo nasceu no século XVI com Martinho Lutero (1483-1546). O nome “protestante” foi pela
primeira vez pronunciado em 1529 quando os luteranos protestaram contra as resoluções da Assembléia
de Spira e posteriormente caracterizou os adeptos deste movimento nos lugares por onde propagou sua
mensagem (AZEVEDO, 1999,p.368)
12
comunicação mais popular e difundido neste período, e, em muitos lugares, a única
maneira de entrar contato com o mundo exterior. A Rádio Trans Mundial em Bonaire
transmitia para o Brasil em português e também em alemão, com o objetivo de alcançar
a expressiva colônia alemã radicada no Sul do país.
Após cinco anos de transmissões contínuas para o Brasil, curiosamente partiu
dos emigrantes alemães, em São Paulo, a iniciativa de organizar uma Rádio Trans
Mundial brasileira, o que aconteceu em 1970. Da comunidade evangélica alemã
brasileira vieram as primeiras lideranças nacionais da rádio, o apoio na infra estrutura e
o suporte financeiro, que ainda hoje, 40 anos depois, responde por boa parte do sustento
da emissora.
No Brasil, a Rádio Trans Mundial seguiria os mesmos princípios administrativos
e ideológicos de sua sede, o de ser uma rádio missionária, sustentada com recursos dos
fieis e suas igrejas, sem vinculação denominacional e sem natureza comercial.
Ao longo de quarenta anos, a Rádio Trans Mundial foi se adaptando às
transformações tecnológicas, religiosas, culturais e políticas brasileiras, inovando sua
grade de programação, investindo na produção editorial, em projetos sociais,
contribuindo para a construção da história cultural religiosa brasileira.
Objetivo
O objetivo desta pesquisa está diretamente relacionado com a mídia evangélica3
brasileira, produzida pela empresa Rádio Trans Mundial. Trata-se de um estudo de caso
sobre a produção midiática protestante histórica4, porém, não denominacional. Tendo
3
Denominamos evangélicos todos os grupos de origem protestante anglo-saxã que se instalaram no Brasil
entre o início do século XIX (anglicanos, episcopais, presbiterianos, metodistas, batistas,
congregacionalistas, adventistas) e as primeiras décadas do século XX (pentecostais em geral Assembléia de Deus, Congregação Cristã, Igreja do Evangelho Quadrangular, entre muitas outras), e seus
desdobramentos nacionais ao longo de todo o século XX e início do século XXI. (BELLOTTI, 2009)
4
Por protestantismo histórico se entende todas as denominações clássicas do protestantismo que no
século XIX foram implantadas no Brasil até o final do Império. Presbiterianos, metodistas, batistas,
episcopais, anglicanos e luteranos são os principais ramos do protestantismo histórico. (MENDONÇA,
1995).
13
em perspectiva as transformações culturais produzidas pelo Renascimento e invenção da
imprensa, analisaremos o processo de desenvolvimento da comunicação humana até o
surgimento do rádio e sua utilização como meio de comunicação religiosa para longas
distâncias por instituições missionárias. Na continuação, faremos um levantamento
historiográfico da Rádio Trans Mundial, sua origem internacional, sua implantação no
Brasil e sua contribuição no campo religioso.
Justificativa
O surgimento do rádio e seu poder para dizer tudo a todos, atraiu muito cedo a
atenção de líderes evangélicos americanos e, posteriormente, de outras partes do mundo,
inclusive no Brasil.
No contexto brasileiro, principalmente nas duas últimas décadas do século XX, a
ascensão das programações religiosas evangélicas, no rádio e na televisão, “tem
chamado a atenção de pesquisadores, estudiosos da mídia, assim como da própria mídia
não religiosa” (FONTELES, 2010, p. 3).
Uma parte significativa destas pesquisas está voltada para analisar o fenômeno
do crescimento das denominações pentecostais e neopentecostais, a utilização ostensiva
que fizeram dos meios de comunicação de massa, especialmente o rádio e a televisão,
por serem os segmentos religiosos que melhor se adaptaram e se destacaram no uso
desses meios de comunicação de massa.
O que atraiu a atenção para a Rádio Trans Mundial, foi sua abrangência
internacional; o fato de não estar historicamente ligada ao movimento pentecostal, mas
às igrejas de tradição histórica e cultural reformada; sua origem, com finalidade
missionária; sua aceitação dentro de um protestantismo brasileiro fragmentado por
diferentes tendências teológicas; a ausência de um registro historiográfico mais
detalhado de sua presença e atuação no campo religioso brasileiro por quatro décadas.
De natureza interdenominacional, contribuiu para um diálogo com os variados
segmentos denominacionais que foram desafiados a ver a relevância da rádio como
agência missionária singular, fazendo o papel de um agente multiplicador em território
nacional, com abrangência maior do que uma comunidade religiosa poderia alcançar.
14
A pesquisa também proporcionará o resgate histórico-cultural, a partir do
depoimento dos ouvintes que receberam a influência da Rádio Trans Mundial,
mostrando que suas transmissões e o contato com os ouvintes contribuíram para o
fortalecimento das referências ideológicas e culturais do protestantismo brasileiro. Com
uma programação, não restrita ao discurso religioso e conversionista, com abordagem
de temas seculares e de interesse geral, contribuiu para inserção cultural e política de
seus ouvintes, bem como para a superação do preconceito dos meios de contato com o
sagrado.
A pesquisa também contemplará os efeitos das rápidas transformações ocorridas
no campo das comunicações, a partir da virada do milênio, principalmente a interligação
do território nacional, via satélite, o que tornou as transmissões em OC (ondas curtas),
freqüência utilizada pela Trans Mundial, menos relevante, obrigando-a a buscar
parcerias com emissoras mais regionalizadas, com transmissões nas freqüências AM e
FM, mais utilizadas pelos ouvintes, visando resgatar sua visibilidade e justificar sua
relevância missionária. Alinhando-se aos novos tempos, assimilou rapidamente as novas
tecnologias de comunicação disponível, como a transmissão via-satélite e pela internet,
buscando instantaneidade de transmissão e acessibilidade de qualquer lugar do planeta.
Também assumiu um caráter mais empresarial, redefinindo o conceito de “missão de
fé”, sustentada por ofertas voluntárias, passando a priorizar a produção de bens
simbólicos religiosos, marcando presença mais destacada no mercado consumidor
evangélico, seguindo as tendências mercadológicas dos novos tempos.
Referências Teóricas
A pesquisa tem o foco histórico-cultural em aspecto geral, se propõe a analisar o
papel da mídia no campo religioso brasileiro e sua eficácia em “delimitar identidades
culturais evangélicas” (BELLOTTI, 2009, p. 207).
Podemos contar com a contribuição de Peter Burke, para quem qualquer
pesquisa no campo da comunicação e dos estudos culturais deve levar em consideração
a própria história do desenvolvimento da tecnologia da comunicação. Burke entende
que a mídia deve ser vista como um sistema em contínua mudança, onde diversos
15
fatores desempenham papeis de maior ou menor destaque. Para Burke, “As reações dos
diferentes grupos de pessoas sobre o que ouvem, vêem ou lêem exige estudo
permanente” (2006, p. 15).
Para Burke o principal objetivo do historiador cultural deve ser o de retratar
padrões de cultura, ou seja, descrever os pensamentos e sentimentos característicos de
uma época e suas expressões ou incorporações manifestas em suas produções culturais.
Determinadas idéias ou influências de uma época não podem ser desvinculadas
daqueles que a vivenciaram e estiveram sob sua influência.
A Rádio Trans Mundial, como a pesquisa procurará demonstrar, é, ela própria,
resultado de influências ideológicas e teológicas de uma época, pós Segunda Guerra,
marcada por um sentimento de urgência em relação ao trabalho missionário mundial e
pela abertura para novas tecnologias que poderiam viabilizar esse objetivo.
A tecnologia ligada à comunicação pelo rádio foi recebida como a resposta para
o cumprimento da missão de evangelizar o maior número de pessoas, no menor espaço
de tempo possível, visto que poderia separar corpo e mensagem, ou seja, a presença
física da comunicação.
A utilização do rádio não foi uma descoberta, mas uma
conseqüência natural da cultura radiofônica em auge no mundo pós-guerra.
Ao mesmo tempo, no contexto brasileiro, na perspectiva do impacto cultural
causado nos ouvintes, reflete também uma época em que o rádio, principalmente na
freqüência de ondas curtas, conseguia alcançar e influenciar inúmeras comunidades
isoladas, levando cultura, informação, valores morais e espirituais, além de atenuar a
sensação de abandono e isolamento. No caso dos ouvintes da Rádio Trans Mundial é
possível destacar dos depoimentos escritos a influência marcante na história pessoal e
familiar de muitos deles.
Também, do mesmo autor, o livro A Escola dos Annales (1929 – 1989). A
Revolução Francesa da Historiografia (1997), onde critica o modelo rankeano, em que
a história é apresentada apenas na perspectiva dos heróis - a perspectiva memoralista,
com a consequente marginalização da história cultural.
Poderíamos também chamar este paradigma [história rankeana] de a
visão do senso comum da história, não para enaltecê-lo, mas para
assinalar que ele tem sido com freqüência – com muita freqüência –
considerado a maneira de se fazer história, ao invés de ser percebido
como uma dentre as várias abordagens possíveis do passado.
16
A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de quem
tem sempre se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens,
estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos. Ao resto da
humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história.
[...] Vários novos historiadores estão preocupados com a história vista
de baixo; em outras palavras, com opiniões de pessoas comuns e com
sua experiência da mudança social (BURKE, 1992, pp.10, 12,13).
No cenário midiático da atualidade, dominado por grandes corporações ou
mesmo denominações religiosas, é importante estudar a história da perspectiva de uma
rádio com as características da Trans Mundial. O registro historiográfico tem esse
objetivo, qual seja, trazer à luz a contribuição de uma emissora de rádio religiosa, de
escopo missionário, não comercial, não denominacional, presente em vários países, mas
com menor visibilidade midiática, ou mesmo desconhecida por grandes contingentes
populacionais.
Na mesma perspectiva da história cultural, a dissertação de Karina Bellotti, Uma
Luz Para o Seu Caminho: A Mídia Presbiteriana no Brasil no Caso de “Luz Para o
Caminho” (1976-2001) traz uma contribuição importante pela análise da mídia
evangélica ligada ao protestantismo histórico. Bellotti afirma que “tudo o que é
produzido no âmbito dos meios de comunicação possui sentido histórico” (2003, p. 16).
Ainda que o foco de suas pesquisas seja as representações do sagrado na literatura, esse
mesmo conceito sociológico contribui para entender o conteúdo das transmissões da
Rádio Trans Mundial, sua forma de ver e exprimir o mundo e os efeitos da recepção da
mensagem sobre os ouvintes, na forma como impõe coletivamente tais representações
religiosos definindo sua forma de agir e de pensar.
Os diversos grupos cristãos evangélicos que produziram mídia no
Brasil, visavam moldar a cultura brasileira utilizando os novos meios,
a fim de tornar o cristianismo evangélico predominante na cultura
brasileira (BELLOTTI, 2009, p. 274).
Karina Bellotti analisa a circulação de bens culturais evangélicos por meio da
mídia e o decorrente mercado consumidor em franco crescimento no Brasil, afirmando
que “por meio do mercado de bens cristãos, a mídia evangélica possibilita meios de
17
expressão para diversos grupos culturais” (BELLOTTI, 2009, p. 303) além de contribuir
para a cultura transdenomincional tão evidente hoje no protestantismo brasileiro.
Joana Puntel, escrevendo sobre cultura midiática e igreja, destaca as várias
abordagens de cultura na atualidade, principalmente a abordagem antropológica, onde a
cultura é vista como o comportamento mediado por símbolos. A partir desta perspectiva
analisa os meios de comunicação de massa, onde a “produção e a circulação de formas
simbólicas passaram a ser cada vez mais mediadas pelos mecanismos de comunicação
de massa das instituições” (PUNTEL, 2005, pp. 46, 47). A transmissão cultural, dentro
desta abordagem, “é o processo pelo qual as formas simbólicas são transmitidas dos
produtores aos receptores” (PUNTEL, 2005, p. 47) e em como o ouvinte, no caso do
rádio, apropria-se do conteúdo da mensagem e torna aquele conteúdo significativo para
sua vida, interpretando sua vida a partir daquelas referências simbólicas recebidas.
“Neste contexto a comunicação de massa transforma-se em produção e transmissão de
formas simbólicas. É uma grande e profunda mudança na sociedade, porque a
comunicação de massa, como forma simbólica, começa a mediar a cultura moderna.”
(PUNTEL, 2005, p. 113, grifo do autor).
Como fonte primária, a pesquisa se beneficiará do registro histórico na obra
Towers to Eternity (Torres para a Eternidade), autobiografia de Paul Freed, fundador da
Rádio Trans Mundial, em que relata sua infância, como filho de missionários, sua
formação acadêmica, bem como as influências que foram decisivas na escolha do país e
do meio de transmissão da mensagem religiosa, o rádio.
No contexto histórico brasileiro, utilizaremos o depoimento de primeira mão,
não editado, cujo título é: Os Céus Estão Abertos, escrito em 1982 por Edmund Spieker,
que assumiu a responsabilidade pela fundação da Rádio Trans Mundial no Brasil. Os
detalhes históricos, os primeiros dados estatísticos sobre a abrangência da audiência da
rádio foram documentados por ele nesta obra.
Outra contribuição importante, na linha acadêmica, é o da historiadora Ruth A.
Tucker, em “...Até aos Confins da Terra.” – Uma História Biográfica das Missões
Cristãs (1986), em que dedica um capítulo para descrever as primeiras iniciativas
evangélicas na utilização do rádio.
18
Metodologia
O método empregado nesta dissertação será histórico, pois as informações nela
contidas estarão baseadas em depoimentos registrados em diversas fontes bibliográficas
e testemunhais, seguindo as seguintes etapas:
Pesquisa bibliográfica e documental.
As investigações bibliográficas foram realizadas a partir de materiais escritos
sobre meios de comunicação com ênfase em radiofusão, especialmente os depoimentos
de primeira mão de Paul Freed e Edmund Spieker, diretamente relacionados com a
origem da Rádio Trans Mundial.Foram realizadas algumas entrevistas com personagens
que conheceram pessoalmente o fundador da Trans World Radio – Rádio Trans
Mundial – internacional e com os que conviveram com Edmund Spieker, o primeiro
missionário de tempo integral a serviço da Rádio Trans Mundial, responsável pela
implantação da rádio no Brasil.
19
CAPÍTULO 1 - OS CÉUS ESTÃO ABERTOS: RAÍZES HISTÓRICAS DA
RÁDIO TRANS MUNDIAL
A invenção do rádio e sua capacidade extraordinária de transmissão do discurso
para longas distâncias revolucionaram o cenário da comunicação mundial a partir do
final da década de 1920.
Em 1927, a BBC5 de Londres tornou-se pioneira ao inaugurar sua primeira
estação experimental visando comunicar-se em inglês, por ondas curtas de rádio, com os
seus cidadãos espalhados por diversas partes do Império Britânico. Em 1938 a BBC já
produzia programas em diversos idiomas e se firmava no cenário internacional pelos
relevantes serviços que prestava na área da comunicação. Outros países logo seguiram
os passos da BBC, igualmente interessados na radiofusão internacional.
As transmissões internacionais pelo rádio em ondas curtas, por décadas foram
utilizadas na transmissão de pronunciamentos oficiais de governantes, na promoção da
cultura, dos interesses comerciais, da educação, do entretenimento e do turismo por
parte dos países que a utilizavam. A utilização deste recurso de comunicação permitia
estabelecer contato com pessoas expatriadas ou no mar, com os militares em bases
distantes, para reforçar os laços culturais com outras nações, ou mesmo, para a
satisfação do orgulho nacional.
O rádio também era um valioso instrumento de
comunicação em tempos de crise.
Alguns missionários, dentre eles, Clarence Jones, logo perceberam o potencial
que a transmissão por ondas curtas de rádio teria na comunicação do evangelho para
grandes distâncias, transpondo, sem qualquer resistência, barreiras geográficas,
culturais, lingüísticas, políticas e ideológicas. Afinal de contas, os céus estavam abertos.
Uma emissora de rádio, utilizando esta tecnologia de comunicação, poderia
fornecer “ao vivo” a presença de missionários em regiões que estes não poderiam
exercer o seu trabalho regular, além de alcançar uma ampla maioria de ouvintes não
letrados em diversas partes do mundo. A união do meio de transmissão - o rádio, com o
livro sagrado – a Bíblia, somadas ao zelo missionário americano, presente na primeira
5
British Broadcasting Corporation. Neste ano, acordos governamentais estipulavam “que a BBC deveria
fornecer informação, entretenimento e educação. [...] Ela deve levar para o maior número possível de
lares, o que de melhor houver em cada setor de conhecimento, esforço e realização humanos
(BRIGGS;BURKE, 2006, pp. 219,220).
20
metade do século XX, fez dos Estados Unidos da América um líder no campo da
radiofusão do protestantismo evangélico.
A historiadora Ruth A. Tucker, afirma que no final da década de 1920,
Cristãos perspicazes perceberam o potencial desse novo meio de
divulgação do evangelho. Paul Rader em Chicago, R.R. Brown em
Omaha, e Charles E. Fuller em Santa Ana, Califórnia, foram todos
pioneiros no campo de radiofusão cristã. À medida que esses
divulgadores cristãos abriram novos horizontes na América, outros
cristãos de visão ampla começaram a sonhar com a possibilidade do
impacto do rádio no campo missionário no exterior (TUCKER, 1986,
p. 402).
A Rádio Trans Mundial surgiu dentro deste contexto histórico de expansão e
consolidação da radiofusão internacional por ondas curtas de rádio. Em todos os lugares
ao redor do mundo, pessoas buscavam por meio do rádio, ampliar seus conhecimentos
do mundo, de outras culturas e línguas – ou mesmo receber informações políticas mais
confiáveis do que as de seu próprio país. O rádio era uma forma de conectar-se com o
mundo, com a informação, com o conhecimento; uma forma de ir além de suas próprias
fronteiras culturais e políticas e se abrir para novos conhecimentos.
Paul Freed, fundador da Trans Mundial, via na tecnologia do rádio, o meio mais
eficaz para proclamar a mensagem cristã reformada para o maior de número de pessoas,
no menor tempo possível. Esse ímpeto expansionista e, porque não dizer, ideológico,
ficaria marcado na própria identidade da rádio, quando se firmou no cenário da
rediofusão evangélica internacional com o nome: Trans World Radio – Telling the
World of Redemption, que traduzido é: “Contando ao Mundo sobre a Redenção”.
Não podemos entender as mudanças na tecnologia da informação e
comunicação, sem uma análise do panorama que acolheu este fato, pois eles
aconteceram num cenário de intensas transformações na área da comunicação a partir da
imprensa de Gutenberg, em pleno Renascimento Cultural, movimento intelectual que
lançou os fundamentos teóricos da modernidade.
Gerson Leite de Moraes, pesquisador na área da mídia, observou que “O
processo de desenvolvimento da imprensa permite afirmar que a modernidade nasceu
sob a égide da comunicação” (2008, p. 21).
21
Partindo do Renascimento, movimento de redescoberta das potencialidades do
homem, e da invenção da imprensa, este capítulo mostrará o desenvolvimento dos
meios de comunicação, hoje denominados de “mass media”6, ou seja, meios de
comunicação de massa, até a invenção do Rádio e a possibilidade de transmissão da
informação, em tempo real, para longas distâncias.
1.1 O Renascimento no Século XVI.
O Renascimento foi um período histórico marcado por um encadeamento de
transformações e mudanças econômicas, sociais, políticas, religiosas, artísticas, morais e
literárias. Teve início em Florença, na Itália, no fim do século XIV e propagou-se por
toda a Europa entre os séculos XV e XVI, mais intensamente e rapidamente em algumas
regiões do que em outras. Intelectuais desse período, cansados da escolástica
aristotélica, começam a buscar uma nova inspiração artística e literária a partir dos
clássicos da antiguidade grega e latina. Dos escritos de Petrarca, do humanismo de
Erasmo, da Reforma de Lutero, até o despertar científico, político e filosófico dos
iluministas, o que se vê é uma virada radical e sem precedentes, até então, na forma do
homem ver a si mesmo, a natureza, a religião, e a política. Citando Burckhardt, Reali &
Antisteri, escrevem que
O Renascimento emergia como fenômeno tipicamente italiano quanto
às suas origens, caracterizado pelo individualismo prático e teórico,
pela exaltação da vida mundana, pelo acentuado sensualismo, pela
mundanização da religião, pela tendência paganizante, pela libertação
em relação às autoridades constituídas que haviam dominado a vida
espiritual no passado, pelo forte sentido de história, pelo naturalismo
filosófico e pelo extraordinário gosto artístico. [...] Seria, portanto,
uma época que viu surgir uma nova cultura, oposta à medieval
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 25).
O termo “renascimento” foi usado primeiramente nas artes, referindo-se a uma
arte mais requintada em relação à arte medieval e foi utilizado pelos próprios homens da
6
Mass media. Meios de comunicação de massa que atingem uma gama vastíssima de pessoas (MORAES,
2008, p.19).
22
Renascença para se autodenominarem, deixando claro que queriam distanciar-se daquilo
que definiam como fantasias medievais a fim de buscar um novo modelo cultural nos
escritores da Antiguidade Clássica. Se na Idade Média, a palavra “renascimento”
possuía uma conotação teológica de transformação espiritual do homem, no
“Renascimento” irá adquirir o sentido secular de “re-forma” do homem e do seu mundo
por meio da renovação de sua capacidade e poderes.
Talvez o traço mais característico desse período seja o humanismo
[...]. O Renascimento, fiel à sua valorização dos clássicos, foi buscar o
lema do humanismo no filósofo grego da sofística, Protágoras, em seu
célebre fragmento: “O homem é a medida de todas as coisas”. Este
lema marca de forma decisiva a ruptura com o período medieval, com
sua visão fortemente hierárquica de mundo, com sua arte voltada para
o elemento sagrado e com sua filosofia a serviço da teologia e da
problemática religiosa (MARCONDES, 2001, p.141).
O humanismo representou o esforço do homem de pensar e agir por si mesmo,
de tomar suas decisões e ser responsável por elas; em ser autônomo em relação a toda e
qualquer autoridade ou verdade imposta, quer pela Igreja ou tradição. Costa (2009,
p.194), observa: “Se a Idade Média foi o tempo de Deus, a Renascença foi o tempo do
homem”.
É o homem redescobrindo a sua singularidade enquanto ser dotado de razão e de
palavra e, por isso, da capacidade de conferir sentido e forma às suas idéias. Assim
fazendo, rompe com a concepção teocêntrica predominante durante toda a Idade Média
que via o homem com um ser miserável e incapacitado pelo pecado. A dignitas hominis
– a dignidade do homem renascentista opõe-se a miséria hominis – miséria do homem
medieval. Dessa forma, segundo Walker:
O Renascimento significou uma nova visão do mundo, na qual foi
posta ênfase sobre esta presente vida, sua beleza e alegria – sobre o
homem como homem – mais que sobre o céu ou o inferno futuros e
sobre o homem como objeto de salvação e perdição. O meio pelo qual
se realizou esta transformação foi a reaparição do espírito da
Antiguidade clássica, especialmente como manifesta em seus grandes
monumentos literários (WALKER, 1980, p. 388).
23
Devemos levar em consideração que esse antropocentrismo não foi radical, mas
paulatino, pois ainda viviam numa sociedade onde a presença da cultura cristã os
envolvia por todos os lados, conforme escreveu Lucien Febvre:
Antigamente, no século XVI, com mais fortes razões ainda, o
cristianismo era o próprio ar respirado por toda a região que
convencionamos designar por Europa e que constituía a Cristandade.
Uma atmosfera em que o homem vivia sua vida, toda a sua vida – e
não unicamente sua vida intelectual; também sua vida privada em seus
múltiplos comportamentos, sua vida pública em suas diversas
ocupações, sua vida profissional onde quer que se enquadrasse. Tudo
isto, automaticamente, sob qualquer condição, total e
independentemente de toda vontade expressa de ser crente, de ser
católico, de aceitar ou de praticar sua religião.
Atualmente se escolhe. Ser cristão ou não. No século XVI não havia
escolha. Era-se cristão de fato. [...] Do nascimento até a morte,
estabelecia-se uma imensa cadeia de cerimônias, de tradições, de
costumes e práticas que, sendo todas cristãs ou cristianizadas,
amarravam o homem, mesmo contra sua vontade, escravizando-o
apesar de suas pretensões de tornar-se livre. E, acima de tudo,
cercavam sua vida privada (FEBVRE, 1978, p. 38).
1.2 O Renascimento e o Nascimento da Imprensa.
A invenção da imprensa no século XV, segundo Jean Delumeau (1983, p. 151),
marca o que ele caracteriza como sendo o “avanço decisivo” do Renascimento. Essa
“revolução” cultural não teria atingido tais proporções sem a imprensa inventada por
Johann Gutenberg por volta do ano 1440. Segundo Hermisten M. Costa,
O Renascimento nunca poderia ter sido o verdadeiro Renascimento, a
difusão da cultura entre a multidão, se esse entusiasmo não tivesse
surgido simultaneamente com o meio de difundi-lo. Até parece, na
verdade, que o próprio entusiasmo produziu a invenção da imprensa,
assim como uma corrente poderosa força um passagem. Numa época
em que a disseminação da literatura dependia de copistas de
manuscritos, mesmo que houvesse centenas deles, as idéias estavam
fadadas a permanecer em possessão da minoria. É sempre uma
questão interessante a de que os homens produzem os movimentos, ou
os movimentos produzem os homens (COSTA, 2009, p.40).
24
A imprensa não apenas divulgou e consolidou o Renascimento, mas também
precedeu o que foi chamado de era moderna pelos historiadores. Chineses e japoneses
conheciam e praticavam a impressão, mas seus milhares de ideogramas tornavam o
método da impressão algo muito complexo, se comparado com um alfabeto de 20 ou 30
letras conforme o alfabeto Ocidental. Até então, o livro era um artefato caro, raro e
disponível a uma pequena parcela da população ligada ao clero. Sua reprodução
dependia do árduo trabalho desenvolvido por copistas que levavam muito tempo para
compilar e reproduzir as obras existentes. Paralelamente a isso, a Europa vivia um
período de renovado interesse pelo conhecimento que levou uma grande parcela da
população a interessar-se pelo aprendizado da leitura.
Até então, o clero tinha sido o único intermediário entre o livro e as camadas
comuns da população. Mas após a invenção da imprensa, conforme observa Costa
(2009, pp. 40, 41), “iniciou-se um processo efetivo de confecção de livros para os
estudantes, rompendo, aos poucos, com o monopólio intelectual do clero e a
transmissão oral do saber, que caracterizou bem a Idade Média.” Conforme observou
Roberts, o conhecimento deixou de ser privilégio de “uma pequena elite [...] por
estarem íntima e especialmente ligadas aos ritos religiosos” (1996, p. 187).
O que se observa na Europa, a partir da primeira impressão de Gutenberg é o
que ficou conhecido como “revolução gráfica”. A Europa, com uma população laica
letrada, reunia condições culturais e sociais que contribuíram para essa revolução, o que
pode ser verificado pelas inúmeras máquinas de impressão que rapidamente se
espalharam por esse continente em poucas décadas. O número crescente de imprensas
instaladas na Europa e a grande demanda por livros demonstram isto.
Por volta de 1500, haviam sido instaladas máquinas de impressão em
mais de 250 lugares na Europa – 80 na Itália, 52 na Alemanha e 43 na
França. As prensas chegaram a Basiléia em 1466, a Roma em 1467, a
Paris e Pilsen em 1486, a Veneza em 1469, a Leuven, Valência,
Cracóvia e Buda em 1473, a Westminster (distinta cidade de Londres)
em 1476 e a Praga em 1477. Todas essas gráficas produziram cerca de
27 mil edições até o ano de 1500, o que significa que – estimando-se
uma média de 500 cópias por edição – cerca de 13 milhões de livros
estavam circulando naquela data em uma Europa com cem milhões de
habitantes (BRIGGS;BURKE, 2006, p. 24).
25
Embora num contexto histórico e cultural em que o monopólio do saber estava
nas mãos da Igreja Romana, firma-se irremediavelmente por meio da imprensa, o que
foi posteriormente denominado de democratização da cultura e da informação.
Muitos autores, pelo conteúdo polêmico de seus escritos e por sua ligação com a
Igreja, não permitiram que seus livros fossem divulgados para não serem perseguidos
pela Inquisição. Embora o rigor das autoridades eclesiásticas no final do século XV e
XVI, os editores sempre encontravam uma maneira de burlar a censura e publicar os
livros proibidos.
Percebe-se desde essa época que a mídia é um objeto de difícil
controle. Qualquer tentativa de controlar a mídia em qualquer tempo é
uma ação infrutífera. A modernidade nasceu rompendo com padrões
arcaicos e trazia no seu bojo o germe da liberdade (MORAES, 2008,
p. 25).
Para o filósofo Francis Bacon (1561 – 1626), grande crítico da ignorância e do
obscurantismo intelectual o trio “imprensa – pólvora - bússola” mudou definitivamente
o mundo. A bússola impulsionou a navegação para limites nunca antes imaginados. A
pólvora mudou o modelo arquitetônico das cidades, tornando obsoletos os castelos e
suas muralhas, bem como mudou todo o conceito bélico. A imprensa abriu as comportas
da divulgação e do acesso ao conhecimento.
Vale também recordar a força, a virtude e as conseqüências das coisas
descobertas, o que em nada é tão manifesto quanto naquelas três
descobertas que eram desconhecidas dos antigos e cujas origens,
embora recentes, são obscuras e inglórias. Referimo-nos à arte da
imprensa, à pólvora e à agulha de marear [bússola]. Efetivamente
essas três descobertas mudaram o aspecto e o estado das coisas em
todo o mundo: a primeira nas letras, a segunda na arte militar e a
terceira na navegação (BACON, 1973, p. 94).
Carter Lindberg (2001, p. 428), destacando a tradução da Bíblia feita por
Martinho Lutero e a ênfase dada por ele na educação universal, reconhece tais
iniciativas, além de pioneiras, “um passo à frente no sentido de privar a elite do controle
26
exclusivo sobre as palavras e sobre a Palavra.” Asa Briggs destaca as mudanças
culturais trazidas pelo aumento do letramento da sociedade européia:
As conseqüências do aumento do letramento e sua penetração na vida
diária foram muitas e variadas. Cresceu o número de pessoas em
ocupações ligadas à escrita: empregados de escritório, contadores,
escrivães, notários, escritores públicos e carteiros, por exemplo. [...]
Os resultados políticos do letramento compreendiam a disseminação
dos registros escritos – o que se pôde notar a partir do século XVIII,
se não antes – e, com eles, a grande dependência do processamento da
informação, termo que iria aparecer com destaque nas futuras teorias
de comunicação, a saber, na identificação, no final do século XX, de
uma sociedade de informação (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 41).
Com o incremento da produção gráfica e com o amplo letramento da sociedade
européia, a leitura passou a ser mais crítica, visto que vários livros tratavam sobre o
mesmo assunto e suas opiniões poderiam ser comparadas, dando origem as inúmeras
controvérsias acadêmicas que resultavam sempre em novas publicações e novas
polêmicas. Mesmo assim, ressalta Burke:
A mudança cultural foi mais aditiva do que substantiva. [...] a velha
mídia de comunicação oral por manuscritos coexistiram e interagiram
com a nova mídia impressa, assim como esta , hoje uma mídia antiga,
convive com a televisão e a Internet desde o princípio do século XX
(BRIGGS; BURKE, 2006, p.74).
O surgimento do jornal, no século XVII, pode ser visto dentro deste contexto de
busca pela informação e pelo conhecimento que caracterizou o homem moderno. J.M.
Roberts destaca que no século XVIII os jornais possuíam ampla circulação pela Europa
A partir de folhas impressas e de boletins informativos impressos ocasionais
surgiram no século XVIII jornais de publicação regular, que satisfaziam
várias necessidades. Os jornais nasceram na Alemanha do século XVII,
aparecendo um diário em Londres em 1702, existindo em meados do século
uma importante imprensa provincial e imprimindo-se, anualmente, milhões
de jornais. Revistas e semanários começaram a circular em Inglaterra na
primeira metade do século XVIII (ROBERTS, 1996, p. 9).
27
1.3 A Modernidade e a Secularização.
As mídias escritas e impressas trouxeram outros fatores e ligações que não podemos
deixar de verificar para a análise do contexto que contribuiu para o avanço da comunicação por
meio de mídia radiodifusora. Gerson Leite de Moraes associa o nascimento da modernidade
com o desenvolvimento da mídia ao afirmar:
Não é exagero dizer que a modernidade nasceu sob o impacto do
desenvolvimento da mídia, principalmente da mídia escrita, - que foi
pioneira nesse contexto -, abrindo com isso, um largo caminho para o
desenvolvimento da liberdade e da expressão dessa liberdade por meio
de outras mídias que serão desenvolvidas nos séculos seguintes
(MORAES, 2008, p. 25).
O termo “modernidade”, embora associado àquilo que julgamos contemporâneo,
historicamente está situado no final da Idade Média, entre os séculos XV e XVI, quando
os valores medievais estavam entrando em colapso.
Esse período de transição foi posteriormente denominado de modernidade,
principalmente pelas intensas transformações ocorridas, como o nascimento da
burguesia, do capitalismo, fim do monopólio religioso do catolicismo, pluralidade de
crenças e práticas religiosas, primeiros ensaios científicos, principalmente as hipóteses
heliocêntricas levantadas por Nicolau Copérnico e posteriormente confirmadas por
Galileu Galilei (1564-1642).
O termo “secularização” nasce no contexto religioso da Reforma Protestante,
quando aconteceram as expropriações de terras que pertenciam à Igreja Católica e que
estavam situadas dentro do Sacro Império Romano Germânico.
Historiadores, como Greens e Roberts associam o nascimento da era moderna
com o alvorecer do Iluminismo.
Bebendo na fonte da Renascença, o Iluminismo elevou o indivíduo ao
centro do mundo. René Descartes lançou as bases filosóficas do
edifício moderno ao privilegiar o papel da dúvida – um princípio
formulado por meio de sua apropriação da máxima de Agostinho
Cogito ergo sum [Penso, logo existo]. Descartes, portanto, definiu a
natureza humana como uma substância pensante e a pessoa humana
como um sujeito racional autônomo. Posteriormente, Isaac Newton
28
deu à modernidade seu arcabouço científico ao descrever o mundo
físico como uma máquina cujas leis e regularidade podiam ser
apreendidas pela mente humana. O ser humano moderno pode muito
bem ser descrito como a substância autônoma e racional de Descartes,
cujo habitat é o mundo mecanicista de Newton (GRENS, 1997,
pp.17,18, Grifo do autor).
Percebe-se claramente o projeto secularizante da modernidade via Iluminismo.
A razão “iluminada” pelo conhecimento e pela informação é vista como responsável
pelas transformações históricas e culturais sem precedentes no mundo ocidental.
Roberts afirma que “parte do que tem sido designado por revolução científica do século
XVII deve ser atribuída ao simples efeito cumulativo de uma informação mais rápida e
amplamente difundida” (1996, p. 191).
Tudo passa agora a ser avaliado pela razão, produzindo uma reviravolta na
filosofia, no conceito de ciência, no dogmatismo religioso, na moral e na política. A
sociedade deve ser construída racionalmente. Crêem firmemente na capacidade da razão
autônoma do homem.
O homem deixa de ser um mero observador passivo da natureza, busca
compreende-la, visto que supõe que seu conhecimento é exato, objetivo e bom. Assim, a
marca do Iluminismo é o seu otimismo no progresso do conhecimento e da ciência, que
associado à educação, produzirá um novo homem e uma nova sociedade, conforme
observa Greens: “O ideal moderno defende a autonomia do eu, o sujeito
autodeterminante que existe fora de qualquer tradição ou comunidade.” (1997, p. 20).
As crenças religiosas são colocadas sob suspeita, pois podem reduzir a autonomia do
homem, que coloca acima de si uma autoridade “externa” - acima da razão. O
historiador David Harvey destaca a dessacralização do conhecimento que caracterizou o
Iluminismo:
O pensamento iluminista abraçou a ideia do progresso e buscou
ativamente a ruptura com a história e a tradição esposada pela
modernidade. Foi, sobretudo, um movimento secular que procurou
desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social
para libertar os seres humanos de seus grilhões. [...] Abundavam
doutrinas de igualdade, liberdade, fé na inteligência humana e razão
universal (HARVEY, 1992, p. 23).
29
1.4 O Nascimento do Rádio
Da invenção da imprensa e dos milhares de livros impressos e divulgados pelo
mundo, da preocupação com a melhoria das estradas e do aperfeiçoamento do sistema
postal evidenciado ao longo dos séculos, a preocupação era uma só – o acesso a
informação. Tornar a informação acessível a um maior número de pessoas, em
diferentes regiões, no menor tempo possível.
Com a invenção do telégrafo elétrico em 1837 a ligação entre transporte e
comunicação, que fora realidade até o século XIX, sofreu um processo radical de
transformação. Mesmo assim, as localidades precisavam ser interligadas por cabos
transmissores – a telegrafia por cabos - como até hoje acontece com a transmissão de
energia elétrica.
Poucas décadas depois já se discutia a possibilidade de realizar a transmissão de
mensagens sem o uso de fios, o que aconteceu primeiramente com a transmissão de
sinais e posteriormente com a transmissão da voz. Cientistas intrigados e desafiados por
essa
possibilidade
realizaram
inúmeras
pesquisas
relacionadas
ao
campo
eletromagnético. O telégrafo sem fio tornou-se realidade, possibilitando um grande
avanço nas comunicações principalmente marítimas, por onde escoava o comércio
mundial e o transporte internacional de passageiros.
Alguns nomes se destacaram mundialmente pelas pesquisas que realizaram com
a transmissão da voz por ondas eletromagnéticas – a radiofonia, entre eles, Nikola
Tesla, de origem sérvia, mas que muito cedo imigrou para os Estados Unidos. Foi, de
acordo com Sônia Virgínia Moreira, um dos pioneiros nesse campo de pesquisa, e
conseguiu registrar as primeiras patentes de rádio em 1900 no Departamento de Patentes
dos Estados Unidos.
Nikola Tesla está entre os pioneiros nas tentativas de transmissão sem
fio à distância porque as experiências realizadas com as ondas
terrestres estacionárias levaram-no a vislumbrar que nelas estava o
caminho capaz de conduzir a um sistema mundial integrado para a
distribuição centralizada de recursos eletrônicos, muitos dos quais a
serem inventados (MOREIRA, 2005, p. 26).
30
Outros nomes importantes desenvolveram pesquisas semelhantes, como o de
Guglielmo Marconi, imigrante italiano radicado na Grã-Bretanha, e o do canadense
Reggie Fasseden. Eduardo Miditsch destaca no texto abaixo importantes personalidades
ligadas aos primeiros experimentos de transmissão da voz sem a utilização de fios:
A história oficial igualmente atribui a primeira transmissão da voz por
ondas eletromagnéticas ao canadense Reggie Fasseden. Na noite de
Natal de 1906, Fasseden surpreendeu os operadores de telégrafo sem
fio dos navios que navegavam na costa de Massachussets, adaptando
um microfone para transmitir-lhes sua própria voz e um solo de
violino. O pioneirismo de Marconi e Fasseden, no entanto, é
questionado por evidências de que os mesmos experimentos já
estavam sendo realizados, com sucesso, em outros lugares. Nos
Estados Unidos, o imigrante croata Nikola Tesla, engenheiro
responsável por várias outras invenções, como a transmissão de
energia elétrica por corrente alternada e o controle remoto, realizou a
transmissão sem fio de um sinal sonoro em 1893. Sem a mesma sorte
e sem o tino comercial de Marconi, Tesla morreu praticamente na
miséria, em 1943, seis meses antes da Suprema Corte dos Estados
Unidos reconhecer a primazia de suas patentes em relação às do
italiano (MEDITSCH, 2001, p. 33).
À parte dessas discussões, temos que reconhecer que foi com Guglielmo
Marconi e suas pesquisas com a transmissão de sinais por impulsos elétricos, que as
potencialidades do rádio chamaram a atenção do mundo, ainda que inicialmente apenas
visto como uma substituição da telegrafia por fios.
Marconi não via o rádio como um meio de grande difusão. Na verdade
nem usou a palavra radio. E nisso não estava sozinho. Por exemplo,
em 1899, The Electrician afirmava que mensagens dispersas por
radiofusão somente desperdiçam energia, viajando com persistência
fútil para o espaço celestial (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 157).
É interessante observar que o aspecto visto como sendo o mais inútil ou fútil da
radiofusão, posteriormente seria reconhecido como o seu maior mérito – o de levar a
cultura, a informação, o entretenimento para os lugares mais distantes possíveis. Este
fato evidencia o quanto nossa própria visão de realidade é limitada pelos parâmetros
históricos culturais nos quais estamos inseridos.
31
1.5 A Primeira Transmissão Radiofônica Comercial
No dia dois de novembro de 1920, após inúmeras tentativas experimentais,
começa a operar comercialmente, em East Pittsburg (Pensilvânia), a primeira emissora
radiofônica com transmissões regulares trazendo as informações sobre as eleições
americanas daquele ano. A pesquisadora Lia Calabre destaca, além do início da primeira
rádio comercial, a cobertura jornalística presente nas primeiras transmissões.
Apesar das diversas experiências realizadas em vários países desde os
primeiros anos do século XX, a radiofusão como um serviço de
transmissão regular surgiu em novembro de 1920, nos Estado Unidos.
A KDKA, como foi batizada a primeira emissora radiofônica,
utilizava equipamentos fabricados pelo Westinghouse e tinha como
base de sua programação a produção de coberturas jornalísticas. Na
Inglaterra e na França, as primeiras emissoras radiofônicas surgiram
no ano de 1922 (CALABRE, 2002, p. 8).
Três anos após essa primeira transmissão regular, o rádio já alcançava a marca
aproximada de 12 milhões de ouvintes com sua atenção disputada por mais de cem
estações transmissoras. Esse crescimento só foi possível devido às potencialidades
comerciais que muitos investidores americanos anteviam na fabricação e na venda de
rádios.
A radiofusão norte-americana foi montada estruturalmente como
empresa comercial. A Westinghouse fabricou e vendeu receptores de
rádio, quase ao mesmo tempo em que sua estação emissora, a KDKA,
transmitia notícias sobre as eleições presidenciais de novembro de
1920. Logo depois, passou a irradiar músicas conhecidas e de
aceitação geral, provocando um aumento na venda dos aparelhos
receptores (TOTA, 1990, p. 35).
Nos Estados Unidos, no final da década de 1920, já existiam mais de 5,5 milhões
de rádios em uso, metade dos rádios existentes no mundo. Com a popularização
crescente desse meio de comunicação, ampliou-se também as possibilidades de acesso
a esse bem de consumo – objeto dos desejos de todas as famílias. O rádio, de acordo
32
com Lia Calabre, foi o primeiro artefato eletrônico a entrar no espaço doméstico,
produzindo alterações nas relações familiares, como posteriormente aconteceu com a
televisão, cuja influência se estendeu por gerações até a chegada da Internet na década
de 1990.
Na década de 1930, o rádio já trazia o mundo para dentro da casa. [...]
O rádio foi o primeiro meio de comunicação a falar individualmente
com as pessoas, cada ouvinte era tocado de forma particular por
mensagens que eram recebidas simultaneamente por milhões de
pessoas. O novo meio de comunicação revolucionou a relação
cotidiana do indivíduo com a notícia, imprimindo uma nova
velocidade e significação aos acontecimentos (CALABRE, 2002, p.
9).
Na Europa, a popularização do rádio, como meio de comunicação, seguiu a
mesma tendência de crescimento verificada nos Estados Unidos. Na Alemanha da
década de 1930, por exemplo, o número de ouvintes estimados em 4 milhões em 1933,
saltou para 29 milhões em 1934 e, no final desta década, em 1939, ano em que começou
a Segunda Guerra Mundial, o número de ouvintes saltou para 97 milhões.
1.6 A Primeira Rádio Brasileira
Definitivamente aceito e consolidado como meio eficaz de comunicação, não
foram poucos os intelectuais que imaginaram o rádio como difusor da cultura e do
conhecimento, dentre estes, Edgard Roquette Pinto que no início da década de 1920
idealizou o rádio como meio eficaz de interligar o imenso território nacional por meio
da informação e do conhecimento. Liana Milanez destaca o otimismo de Roquette com
a utilização do rádio na integração e educação dos brasileiros.
Os Estados Unidos estavam sendo interligados pelo rádio e a Europa
também, através de Marconi. Nas fantasias dos mais otimistas, já
havia operários ouvindo Mozart, analfabetos bebendo as palavras de
Bernard Shaw e gente dos mais distantes rincões sabendo as últimas
de Wall Street ou do palácio de Buckingham, tudo pelo rádio. Ele era
33
uma arma, mil vezes mais poderosa do que os canhões da Grande
Guerra. Roquette começou a imaginá-la integrando e educando os
milhões de brasileiros dispersos pelos mais de 8 milhões de
quilômetros quadrados. Seria como completar, só que em escala
nacional, a obra de Rondon (MILANEZ, 2007, p. 71).
Introduzido no Brasil em 1922, o rádio foi o primeiro veículo de massas a
predominar em nosso país, no século XX, fazendo parte do cotidiano doméstico. O
rádio, conforme observa Pereira (2001, p. 52), “veio, pela sua estrutura, uso e
principalmente função, adicionar novos conteúdos à sociedade e cultura brasileiras.”
Em 1922, durante as comemorações do Centenário da Independência do Brasil,
duas empresas americanas de energia elétrica, a Western e a Westinghouse, instalaram
pequenas estações de rádio de 500 watts no pavilhão reservado aos Estados Unidos na
Exposição Internacional do Rio de Janeiro. As multidões ouviram assombradas o som
do Hino Nacional e um discurso do presidente Epitácio Pessoa. Depois foi irradiada a
ópera O Guarani, de Carlos Gomes.
Nesse período ainda o governo não demonstrara interesse no uso do rádio.
Comprou os equipamentos, mas entregou-os aos Correios para serem usados como
telégrafos. O que se espalhava pelo país era a comunicação independente, rádioamadora, mesmo assim os obstáculos legais eram imensos para obter a permissão para o
funcionamento.
Roquette Pinto estava presente nesta exposição e prontamente percebeu a
importância dessa nova extraordinária invenção - o rádio. Juntamente com o professor
Henrique Morize, seu amigo e presidente da Academia Brasileira de Ciências e outros
intelectuais, ele empenhou-se no projeto da construção de uma emissora de rádio.
O primeiro grande obstáculo a ser superado era o das leis brasileiras que
dificultavam que os brasileiros tivessem o rádio em suas casas por se tratar de uma
tecnologia pouco conhecida e que poderia ameaçar a segurança do país. Liana Milanez
destaca este momento histórico em que o rádio foi colocado sob suspeita no país.
Com ecos e fumaças da Grande Guerra de 1914-1918 ainda no ar,
supunha-se que o rádio podia ser um instrumento perigoso, capaz de
levar os segredos militares brasileiros para as potências estrangeiras –
donde todo cuidado era pouco. A polícia estava autorizada a prender
quem fosse flagrado ouvindo aparelhos desautorizados (MILANEZ,
2007, pp. 70, 71).
34
Roquette Pinto finalmente conseguiu convencer as autoridades políticas sobre as
vantagens que o rádio apresentava para um país de dimensões continentais como o
Brasil e em 20 de abril 1923 surge, em uma sala nas dependências da Academia
Brasileira de Ciências, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, acreditando no potencial
cultural do novo veículo de comunicação para um Brasil composto, na sua grande
maioria, de analfabetos. Renato Ortiz (2001, p. 188), afirma que “o índice de
analfabetismo brasileiro era comprometedor: 84% em 1890, 75% em 1920.”
Como outros intelectuais brasileiros, Roquette se convertera ao Positivismo do
filósofo francês Augusto Comte, que defendia que a redenção do homem se daria por
meio do conhecimento. O rádio poderia dar ao Brasil aquilo que ele mais precisava – a
educação.
No dia 1º de maio, sob vista grossa da autoridade, com um transmissor
montado por Morize, a Rádio Sociedade fez a sua primeira
transmissão experimental pela estação da Praia Vermelha. [...]
Roquete tomou o microfone e, com grande otimismo e exagero, disse:
“A partir de agora todos os lares espalhados pelo imenso território do
Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo
milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no
espaço, as harmonias” (MILANEZ, 2007, p. 73, grifo do autor).
Pelo idealismo de seus fundadores e por estar ligada a Academia Brasileira de
Ciências, o conteúdo de sua programação foi considerado altamente elitizado. Era uma
rádio fundada pela elite e transmitindo uma programação para a elite brasileira.
Devemos levar em conta que o rádio era uma tecnologia que não estava disponível para
a massa da população brasileira na década de 1920.
Esse rádio da década de 1920, com uma programação intelectualizada
e de preços altos, terminava sendo ouvido pelo mesmo grupo que o
produzia, ou seja, era um veículo de comunicação ligado às camadas
altas da população (CALABRE, 2002, p. 22).
35
Em 1924 surgiria a Rádio Clube do Brasil, sendo acompanhada por inúmeras
estações de rádio nos anos seguintes. Entramos definitivamente e irreversivelmente na
era do rádio, cativados pelo encanto e liberdade de suas ondas sonoras, tão bem
descritas por Robert McLeish no texto abaixo:
Esta capacidade de deslocamento geográfico é que gera seu próprio
entusiasmo. [...] Livros e revistas podem ser detidos em fronteiras
nacionais, mas o rádio não respeita limites territoriais. Seus sinais
eliminam barreiras montanhosas e cruzam as profundezas do oceano.
O rádio pode juntar os que se encontram separados pela geografia ou
pela nacionalidade – ajuda a diminuir outras distâncias de cultura,
aprendizado ou status. Os programas de propagandistas políticos ou de
missionários cristãos podem ser transmitidos num país e ouvidos em
outro. Algumas vezes enfrentando interferências hostis, outras bemvindas como uma verdade que sustenta a vida, os programas
radiofônicos possuem uma liberdade independente das linhas de um
mapa. Obedecendo às regras da capacidade do transmissor, atividades
das manchas solares, interferências de canal e sensibilidade do
receptor, o rádio pode trazer liberdade para os oprimidos e luz para o
que estão nas trevas (MCLEISH, 2001, pp. 16, 17).
Na década de 1930 é autorizada a propaganda comercial pelas rádios e começa a
popularização do rádio. Sua programação se diversifica e se adapta ao gosto popular,
iniciando uma guerra pela preferência do público.
Com isso, como numa avalanche, surgiram os patrocinadores, os
cachês artísticos, os programas de auditório, os humorísticos, as
transmissões esportivas, os anúncios e os jingles ao vivo. Os aparelhos
baratearam e o rádio tornou-se, finalmente, acessível a todo mundo
(MILANEZ, 2007, pp. 79, 80).
O ideal de Roquette Pinto - de uma rádio educativa - começava a ser ameaçado.
Ele entendia que o rádio não deveria ter vinculação comercial, política e religiosa,
apenas cultural e educativa. Porém, a realidade posterior demonstrou que as
possibilidades do novo invento não poderiam ser enquadradas dentro de esquemas
rígidos e pré-estabelecidos de uso. O rádio até 1935, afirma Renato Ortiz,
36
Se organiza basicamente em termos não comerciais, as emissoras
formando sociedades e clubes cujas programações eram
marcadamente literomusicais. Havia poucos aparelhos (eram de
galena), e o ouvinte tinha de pagar uma taxa de contribuição para o
Estado pelo uso das ondas. Essa foi uma fase de experimentação
(muitos amadores construíam seus próprios receptores sonoros), e a
radiofusão estava mais amparada na personalidade de um indivíduo do
que numa organização empresarial ou estatal. Os problemas técnicos
eram ainda consideráveis, e a irradiação sofria contínua interrupção. A
situação começa a se modificar na década de 1930 com a introdução
dos rádios de válvula e a mudança da legislação, que permitia então a
publicidade no rádio, fixando no início um limite de 10% da
programação diária (em 1952 esse limite seria aumentado para 20%).
As emissoras podiam agora contar com uma fonte de financiamento
constante e estruturar suas programações em bases mais duradouras
(ORTIZ, 2001, p. 191).
Percebendo que a sobrevivência da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro estava
ameaçada, Roquette entra em contato com o Ministério da Educação e acerta os termos
de sua doação para o Governo Federal – principalmente o de continuar investindo na
transmissão de programas educativos e culturais, sem fins lucrativos. No dia 7 de
Setembro de 1936, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro deixou de existir surgindo a
Rádio Ministério da Educação.
A distração foi ocupando todo o espaço da programação da rádio, ficando em
lugar secundário àquelas irradiações que se poderiam vagamente denominar educativas:
boletins informativos, orientação cívica, religiosa e política, cursos, etc. A programação
do rádio deixa de ser elitista e na medida em que as elites foram perdendo o interesse
nesse meio de comunicação, as massas começaram a ter acesso ao rádio. A
popularidade e a popularização do rádio pode ser medida pelo aumento do número de
emissoras no país a partir da década de 1930, conforme dados apresentados pelo
antropólogo João Baptista Borges Pereira.
Até 1932 – data do início do rádio propagandístico – O Estado
bandeirante possuía apenas 9 emissoras, 3 das quais localizadas na
capital. Em 1935, este número elevava-se respectivamente para 18,
indo alcançar em 1940 total de 31 emissoras, sendo 10 situadas em
São Paulo. Em 1942, localizava-se no Estado aproximadamente 40%
do total de 106 estações espalhadas pelo país. (...) Segundo publicação
da Unesco, em 1962, entre todos os países de língua portuguesa e
espanhola espalhados pelos quadrantes do globo, o Brasil com 934
prefixos situou-se em 1º. Lugar, quanto ao número de transmissoras.
37
(...) Ainda, segundo a mesma publicação da Unesco, em 1952, entre
países de língua portuguesa e espanhola, o Brasil colocava-se em
segundo lugar, com 2 milhões e quinhentos mil aparelhos (PEREIRA,
2001, p. 62).
O crescimento do número de emissoras de rádio no país atesta claramente o
“florescimento de uma cultura radiofônica com o surgimento de espetáculos, como
programas de auditório, de música popular e as radionovelas” (ORTIZ, 2001, p. 191).
1.7 As Rádios Missionárias
A mídia tem acompanhado a história da evangelização protestante desde a
invenção da imprensa por Gutenberg. Todos os meios de comunicação escrita foram
amplamente empregados para a divulgação da mensagem religiosa, porém nada
comparado em extensão e eficácia ao rádio. As potencialidades desse novo meio de
comunicação despertaram o interesse de variados segmentos confessionais que com sua
utilização poderiam multiplicar o número de seus ouvintes e libertar tanto o mensageiro
quanto a mensagem do espaço sagrado do templo, lançando suas vozes pelo ar.
Leonildo Silveira Campos observa que o nascimento comercial do rádio e o uso
do rádio para fins religiosos foram quase que simultâneos.
Comercialmente, o rádio nasceu no dia 2 de novembro de 1920, em
Pittsburgh, iniciando-se, apenas dois meses depois, em janeiro de
1921, a transmissão de programações religiosas, colocando-se no ar os
cultos da Calvary Episcopal Church. No ano seguinte, entrou em
operação a primeira emissora ligada a uma igreja, a National
Presbyterian Church de Washington [...] Em 1925 [...] já eram 600
emissoras em operação nos Estados Unidos, das quais 63 pertenciam
às igrejas ou movimentos religiosos (CAMPOS, 1997, p. 266, grifo do
autor).
Desse ponto em diante, a presença de pregadores no rádio apenas cresceu,
principalmente entre os pentecostais, segmento que soube tirar o maior proveito da
38
visibilidade midiática do novo meio de comunicação. Isael de Araújo, pesquisador do
movimento pentecostal afirma que,
Os pentecostais norte-americanos foram os primeiros a reconhecer o
potencial do rádio para o ensino da Bíblia e o evangelismo,
imediatamente depois que as estações comerciais começaram a ter seu
funcionamento autorizado, em 1920. (ARAÚJO, 2007, p. 722).
No contexto brasileiro, uma denominação pentecostal em particular, a
Congregação Cristã no Brasil7, sempre se mostrou resistente à mídia de forma geral.
Leonildo Campos escreve sobre a resistência de grupos pentecostais quando do advento
do rádio por julgarem “o ar como morada de demônios e que não se deveria misturar
pregação com entretenimento” (1997, p. 267, grifo nosso). Esta observação histórica
também é registrada por Isael de Araújo.
Durante os primeiros anos do rádio, nem todos os pentecostais
aceitaram o veículo como um meio para pregar o evangelho. Para
alguns, o “ar” era como o território do Diabo, e, por essa razão, não
devia ser usado pelos crentes. A transmissão do evangelho pelo rádio,
que também estava sendo usado para entretenimento mundano, era
considerado por alguns como uma forma de comprometer o evangelho
– uma crítica que, mais tarde, também foi usada contra os ministérios
televisivos (ARAÚJO, 2007, p. 722).
De forma geral, quer nos EUA como no Brasil, os evangélicos assimilaram
rapidamente o valor positivo desse meio de transmissão de mensagem e incorporaram a
defesa do mesmo em seu discurso. Os que possuíam uma visão mais ampla começaram
a pensar na utilização do rádio no campo missionário no exterior e no impacto que
causaria.
O rádio, embora não substituísse os meios tradicionais de transmissão da
mensagem – a transmissão pessoal, presencial e a transmissão pela mídia impressa –
poderia ampliar a capacidade de alcance e a eficácia desta transmissão. Ruth A. Tucker
7
Congregação Cristã no Brasil: Denominação pentecostal fundada em 1910 por Louis Francescon
39
observa que a utilização do rádio não substituiria a presença missionária no campo, mas
poderia ser um facilitador desse processo de contato e aceitação. Afirma:
Desde o início, a rádio não foi vista como um instrumento a ser usado
independentemente da abordagem missionária tradicional. Embora
alguns missionários se mostrassem duvidosos a princípio, eles logo
compreenderam o valor de ter seu caminho aberto por meio do rádio
(TUCKER, 1986, p. 402).
Os céus estavam abertos às ondas sonoras do rádio. Barreiras culturais, sociais,
políticas, econômicas, ou mesmo preconceitos religiosos, que poderiam constituir-se
obstáculos intransponíveis para a transmissão presencial da mensagem, poderiam ser
mais facilmente retiradas por meio do rádio. O rádio abriria o caminho para a
evangelização pessoal, iria a lugares que missionários não poderiam ir, alcançaria
pessoas que jamais responderiam a uma abordagem convencional – corpo a corpo, e
fortaleceria as igrejas nos campos missionários.
O potencial de uma estação de rádio serviria muito bem aos propósitos da
Conferência Missionária de Edimburgo, realizada na Escócia, de 14 a 23 de julho de
1910, cujo lema era “Evangelizar o mundo nesta geração”. Serviria também aos
propósitos do Congresso do Panamá, realizado em 1916, visando incluir a América
Latina no centro dos interesses das agencias missionárias protestantes.
Se a Conferência de Edimburgo percebia que o cenário mundial, sob forte
influência inglesa, era favorável para o esforço missionário no continente africano,
asiático e na Oceania, o Congresso do Panamá “está relacionado à emergência dos
Estados Unidos como potência mundial [...] com o papel estratégico da América Latina
nesta nova fase de expansão norte-americana” (WIRTH, 2009, p. 40).
Conscientemente ou não, os ecos da ideologia do “Destino Manifesto”
(MENDONÇA, 1995, p. 62), se faziam presentes impulsionando esta nova investida
missionária com os melhores recursos que a tecnologia possuía neste momento
histórico. Alimentados por esta ideologia, acreditavam na supremacia cultural e
espiritual americana, como povo destinado por Deus a estender a influência “superior”
da cultura americana protestante sobre nações pagãs e atrasadas.
Outro aspecto importante a ser levado em consideração é a mudança do conceito
de missionário que ocorre na virada para o século XX. No século XIX, o missionário
40
era essencialmente um evangelista, preocupado com a salvação de almas e com a
implantação de igrejas. Sua função prioritária, ainda que desenvolvesse a medicina ou
trabalhasse na tradução de textos bíblicos, era a de um pregador do evangelho. No
século XX, mais especificamente na década de 1930, começa a existir, segundo a
historiadora Ruth A. Tucker, uma preocupação com a especialização do missionário.
A ênfase na especialização das missões surgida em grande parte como
uma resposta às mudanças tecnológicas, políticas, sociais e religiosas
durante o século XX, tem sido ampla e variada. As áreas da medicina,
trabalhos de tradução, rádio e aviação atraíam milhares de
especialistas missionários nas décadas recentes, e outras como
educação, literatura e trabalho agrícola também cresceram num ritmo
firme (TUCKER, 1986, p. 349).
Essa ênfase irá crescer após o término da Segunda Guerra mundial, quando os
Estados Unidos volta a experimentar um reavivamento religioso e uma nova percepção
do senso de urgência da obra missionária mundial. Muitos desses especialistas vão
surgir dentre os veteranos da guerra que usarão suas habilidades profissionais em
campos missionários mundiais. A divisão do mundo pós guerra em dois blocos,
capitalista e comunista, com a “cortina de ferro” colocada ao redor da Europa Oriental,
fortaleceu ainda mais esse senso de urgência missionária, bem como a necessidade de
profissionais especializados, com vocação missionária, para atuarem na evangelização
do mundo.
As especializações missionárias em maior número e que causaram o
impacto mais profundo sobre as tendências recentes na evangelização
do mundo, foram as ligadas à medicina, trabalhos de tradução e
linguística, rádio e gravações, e aviação. Essas especialidades não
foram um fim em si mesmas, mas na verdade ministérios que
incentivaram e apoiaram a obra de evangelistas missionários e
dirigentes de igrejas nativas (TUCKER, 1986, p. 361).
Três emissoras de rádios surgiram desse esforço pela evangelização mundial e
todas fundadas por missionários americanos. O foco da primeira emissora, na década de
1930, foi a América Latina de língua hispânica, embora sua capacidade de transmissão
41
tenha atingido vários países, inclusive o Brasil. A segunda emissora, fez do Continente
Asiático seu alvo e teve origem com missionários pentecostais após a 2ª. Grande
Guerra. A terceira emissora, a Rádio Trans Mundial, nasceu com o objetivo de
evangelizar a Europa e antes de completar duas décadas de existência, suas transmissões
já atingiam o Brasil, firmando definitivamente sua presença no país a partir de 1970.
1.7.1 HCJB (World Radio Missionary Fellowship) - A Voz dos Andes
Clarence Wesley Jones nasceu em 1900, no estado de Illinois, em uma família
cristã a serviço do Exército da Salvação. Na adolescência entrou para a Banda do
Exército da Salvação aprendendo a tocar vários instrumentos musicais. Graduou-se no
Instituto Bíblico Moody em 1921, recebendo nos anos que se seguiram forte influência
dos movimentos avivalistas e dos movimentos voltados para as missões mundiais. Em
1927, ainda envolvido com a música e com a evangelização, “convenceu-se de que
Deus queria que fosse para a América do Sul a fim de implantar uma rádio missionária
nessa região” (TUCKER, 1986, p. 404).
Em 1928, em viagem exploratória para a América do Sul, convenceu-se de que o
trabalho missionário poderia ser desenvolvido mais rapidamente com a ajuda do rádio.
Passou pela Venezuela, Colômbia, Panamá e Cuba, solicitando permissão dos oficiais
dos governos desses países para a instalação de uma emissora de rádio, pedido
definitivamente negado pelas autoridades.
Em 1930, prestes a desistir desse projeto, conheceu Reuben e Grace Larson,
missionários no Equador desde 1924, e por meio deles conseguiu permissão daquele
governo para a instalação de uma rádio no país. Quito, capital do Equador, foi a cidade
escolhida por Jones para irradiar os programas radiofônicos para a América do Sul.
Segundo a historiadora Ruth A. Tucker, a Voz dos Andes foi a primeira rádio
missionária mundial.
O primeiro programa missionário mundial pelo rádio foi transmitido
ao vivo no dia de Natal em 1931, através de um transmissor de 250
watts localizado num curral de ovelhas em Quito, no Equador. [...] Os
42
treze aparelhos receptores no país estavam ligados, e a Voz dos Andes
estava no ar (TUCKER, 1986, p. 406).
A Voz dos Andes dependia das doações das igrejas americanas que enfrentavam
os efeitos da recessão econômica provocada pela crise de 1929. As dificuldades iniciais
foram superadas e a rádio foi conquistando o reconhecimento do governo e do povo do
Equador. Na medida em que isso acontecia, a Voz dos Andes ampliava o número de
seus receptores e sua capacidade de transmissão.
Clarence Jones teve como princípio, anunciar a mensagem evangélica de forma
positiva, visto estar inserido em uma cultura fortemente marcada pelo catolicismo.
Também abriu os microfones da rádio para que as autoridades políticas tivessem livre
acesso nas comunicações oficiais ou nas datas comemorativas do país, o que sempre
fizeram.
Em 1940 a Voz dos Andes já operava com um transmissor de 10.000 watts e
recebia cartas de lugares distantes como Nova Zelândia, Japão, Índia, Alemanha e
Rússia. Nas décadas de 1950 e1960 a potência da rádio aumentou para 500.000 watts e
programas religiosos eram transmitidos em português. Na década de 1980 a emissora já
transmitia suas mensagens em quinze línguas, funcionava 24 horas e prestava
assistência médica para a população por meio de dois hospitais e clínicas médicas
móveis.
Ao longo dos últimos 65 anos, a história da Voz dos Andes tem
demonstrado uma profunda identificação com o evangelismo
conservador e conversionista, mas não pode ser considerada uma
emissora a serviço do pentecostalismo. Seus dirigentes colocaram no
ar a primeira emissora de televisão daquele país, em 1961. Em 1993, a
Voz dos Andes contava com 3.2 milhões de Watts de potência e
irradiava sua programação religiosa em 18 idiomas, incluindo grego,
chinês e árabe (CAMPOS, 1997, p. 268).
Esta definição que identifica o discurso da HCJB como “conservador e
conversionista” e de não estar a “serviço do pentecostalismo” também caracterizará a
Rádio Trans Mundial.
A partir de 01 de janeiro de 2007 a HCJB – A Voz dos Andes, conhecida no
exterior como HCJB WORLD RADIO, mudou oficialmente o seu nome para HCJB
43
GLOBAL. Seu objetivo atual é o de integrar o ministério de mídia e de saúde visando
impactar a sociedade ao redor do mundo, bem como, anunciar o Evangelho e cooperar
com o crescimento da Igreja.
Em alguns países, as letras que compõem o nome da emissora, são traduzidas de
diversas formas. No Brasil, por exemplo, significa: Hoje Cristo Jesus Bendiz; nos
Estados Unidos: Heralding Christ Jesus´Blessings, que é o sinal de identificação
original da estação; no Equador e América Latina: Hoy Cristo Jesús Bendice; na
Alemanha, a rádio se apresenta como: Hore Christi Jesu Botschaf.
1.7.2 Far East Broadcasting Company - (Companhia de Radiofusão do
Extremo Oriente)
Com o final da Segunda Guerra Mundial, um novo despertamente missionário
toma conta dos Estados Unidos. A Companhia de Radiofusão do Extremo Oriente, a
FEBC, surgirá dentro deste contexto histórico. Soldados americanos em guerra no
pacífico ficaram sensibilizados com as necessidades espirituais da Ásia, da China
particularmente, e viram no rádio um meio eficaz de transmissão da mensagem cristã
para esses povos. Três desses ex-soldados, Robert Bowman, John C. Broger e Willian J.
Roberts, de formação religiosa pentecostal, “construíram uma rede com estações
potentes, a qual denominaram de Far East Broadcasting Company” (ARAÚJO, 2007, p.
723).
A historiadora Ruth A. Tucker acrescenta:
Com o fim da guerra [...], a visão latente de três homens no sentido de
levar o evangelho pelo rádio ao Extremo Oriente concretizou-se. John
Broger, um jovem oficial das Forças Armadas dos Estados Unidos [...]
voltou para casa mais apaixonado do que nunca pela rádio
missionária. Seus dois amigos, Robert Bowman, figura conhecida na
rádio cristã de Los Angeles, e William Roberts, um pastor que tinha
seu programa diário pelo rádio, concordaram entusiasmados em
juntar-se a ele na aventura proposta (TUCKER, 1986, p. 409).
44
A iniciativa de estabelecer uma estação de rádio na China não foi bem sucedida.
Como a Indonésia estava sob forte influência americana e sua localização no Mar do Sul
da China era favorável para atingir a Ásia como um todo, ela foi escolhida para a sede
da FEBC. As primeiras transmissões foram ao ar no dia 04 de junho de 1948, da cidade
de Manila. No ano seguinte, as transmissões internacionais já estavam atingindo a
China e expandiu-se até cobrir a maior parte do sudeste asiático. Atualmente a FEBC
produz programas em mais de 154 línguas do mundo, com transmissões diárias,
totalizando 627 horas, atingindo os seguintes países: Índia, Indonésia, Japão, Coréia,
Filipinas, Rússia, Singapura, Taiwan, Tailândia, Vietnã.
1.7.3 Trans World Radio – Rádio Trans Mundial
A.L.Robertson, Vice-diretor do Conselho de Diretores da Trans World Radio,
prefaciando a biografia de seu fundador, publicada em 1968 (1ª. edição) afirma que o
começo da Rádio Trans Mundial não aconteceu em uma estação transmissora, “...mas
no coração de um homem, Paul E. Freed” (FREED, 1994, p. 9, tradução e grifo nosso).
Paul Ernest Freed nasceu em 1918, em Detroit, Michigan. Seus pais, Dr. Ralph Freed e
Mildred Forsythe Freed atuaram como missionários da Aliança Cristã e Missionária no
Oriente Médio, trabalhando na Palestina, Transjordânia (atual Jordânia) e Síria, região
que sofria forte interferência política inglesa nas primeiras décadas do século XX, antes
da fundação do Estado de Israel em 1948.8
Dos pais missionários, Paul Freed recebeu as influências espirituais
determinantes na sua formação a na escolha da carreira religiosa. Já adolescente,
completou seu colegial em Beirute, no Líbano, indo depois para os Estados Unidos
estudar na Faculdade Wheaton, Illinois, graduando-se em antropologia em 1940.
Continuou seus estudos na Faculdade Missionária Nyack, New York, instituição
8
A Aliança Cristã e Missionária foi fundada pelo pastor presbiteriano Albert Benjamin Simpson em
1887. O que nos meados do século XX se tornou mais uma denominação evangélica resultou da junção
de duas organizações paraeclesiáticas: A Aliança Cristã, que incidiu sobre o exercício e a promoção da
vida cristã e Superior O Evangélica Missionário da Aliança, que incidiu sobre a mobilização dos
"consagrados" cristãos na obra de esforços missionários estrangeiros. Estes dois grupos reunidos em 1897
para formar a Aliança Cristã e Missionária. Foi apenas muito mais tarde durante a meados do século XX
que uma denominação oficial foi formado. Site: Acesso dia 07/setembro/2010 www.cmalliance.org/about/history/sim
45
fundada por A. B. Simpson e ligada a Aliança Cristã e Missionária, onde estudou com
renomados missionários, dentre eles,
Clarence Jones, fundador da primeira rádio
missionária no mundo, A Voz dos Andes, em Quito, Equador.
Obteve mestrado na Universidade de Colúmbia em 1956 e em 1960, já na
direção da Rádio Trans Mundial, obteve seu doutorado em comunicação de massa pela
New York University.9
Em 1948, Paul Freed começou a trabalhar para a Youth for Christ (Mocidade
Para Cristo) em Nyack, New York, e posteriormente em Greensboro, Carolina do Norte.
Foi ordenado pastor pela Convenção Batista do Sul em 1949, ano que viajou
como representante de sua região para o congresso da Youth for Christ, em Beatenberg,
distrito de Interlaken, Suíça.
Paul Freed precisou fazer uma parada em Barcelona, na Espanha. A Espanha,
país historicamente católico, nunca fizera parte dos interesses missionários de Paul
Freed. Na época, com 30 anos de idade, recém casado com Betty Jane Freed, com
planos de vida bem definidos, nem mesmo entendia o que ele fazia em Barcelona.
Durante a realização daquele congresso, dentre inúmeros participante de várias partes da
Europa e da América, dois representantes da Espanha tornaram-se elos importantes nos
acontecimentos que se dariam em sua vida ao chamarem a sua atenção para a realidade
espiritual da Espanha e seus 30 milhões de habitantes na época. Eles desafiaram Paul
Freed a começar a Youth for Christ na Espanha, o que conseguiu, embora restrições
colocadas pelo governo espanhol ao este trabalho.
Daquele momento em diante a Espanha passou a fazer parte de suas
preocupações. Em Greensboro, Carolina do Norte, cidade onde residia, Paul Freed
refletia numa forma mais eficaz de atingir a imensa população de espanhóis. Escreveu:
9
Esse movimento teve início nos Estados Unidos, em na década de 1940, com o objetivo de
alcançar os jovens através de canais não convencionais de evangelização que, na opinião de seus
organizadores, estavam faltando para a igreja da época. Comícios bem animados direcionados
especificamente para os jovens foram realizados em diversas cidades americanas. Com a rápida expansão
do movimento, sentiu-se a necessidade de estabelecer – organizar uma liderança e estruturar o
movimento. Assim nasceu a Youth for Christ – Mocidade para Cristo – tendo como seu primeiro
presidente o pastor de Chicago, Torrey Johnson e Billy Graham como primeiro evangelista de tempo
integral. Em 1950 a MPC já era um movimento internacional e Mocidades para Cristo surgiram em
diversos países com o objetivo de influenciar a vida religiosa dos jovens ao redor do mundo. O lema da
MPC “Voltada para o tempo, mas ancorada na Rocha” – ou seja, valendo-se das mais variadas formas de
comunicação do evangelho com os jovens, mas firmada na Palavra de Deus.
http://www.yfci.org/yfci/history.php - acesso dia 29 de maio de 2010
46
No segundo país mais montanhoso da Europa, o relevo espanhol
intrincado torna extremamente difícil o acesso às comunidades. Trinta
milhões de pessoas mexeram com o meu coração. Havia apenas uma
única resposta em minha mente para o problema: o rádio. Como nada
mais, o rádio poderia ser o cobertor da nação, dos picos aos vales, do
interior de Madri à costa de Cádiz. Eu não tinha um centavo de apoio,
eu não sabia quais as medidas a tomar. Mas de uma coisa eu estava
certo: O Senhor ligara inquestionavelmente o meu coração ao coração
da Espanha (FREED, 1994, p. 17, tradução nossa).
Ele não estava sendo pioneiro nesta conclusão. O mundo da década de 1950 já
estava bem avançado no terreno das comunicações radiofônicas. Vivia-se o período
áureo da comunicação radiofônica mundial – cuja tecnologia já estava disponível para
grande parte da população mundial e caminhava a passos largos para se tornar ainda
mais acessível para as camadas mais simples da população. A televisão dava seus
primeiros passos e o acesso a essa nova tecnologia de comunicação ainda era
extremamente limitado. Ele sabia que, depois dos Estados Unidos da América, a Europa
era o continente com maior número de aparelhos de rádio naquela década.
Tendo vivido as experiências do campo missionário na infância e adolescência,
acompanhando o trabalho de seus pais, sabia também que a ação missionária
tradicional, ou seja, de abordagem pessoal, seria um trabalho desgastante, lento, com
fortes resistências culturais e religiosas e com resultados regionalizados e isolados.
Sabia também que o rádio, por suas características, poderia ter sua transmissão captada
em qualquer lugar sem sofrer as mesmas resistências que um contato pessoal sofreria. O
rádio poderia até mesmo antecipar uma ação missionária mais efetiva.
Em 1949, com essa meta futura bem definida, compreendeu que não poderia
ficar restrito a uma cidade e pediu demissão da Youth For Christ. Até o final de 1950,
dedicou-se ao trabalho secular visando o sustento da família e a preparação de um fundo
de poupança para o início de suas viagens a Espanha. Trabalhou em Scranton,
Pennsylvania, como desenhista e construtor de trailers e posteriormente dedicou-se a
construção de casas.
Em 1951, Paul e sua esposa, Betty Jane, e outro amigo viajaram para a
Espanha a fim de verificar as possibilidades de estabelecer uma
estação de rádio. Embora Paul não tivesse considerado qualquer outro
lugar, além da própria Espanha, tornou-se logo evidente que Tanger,
47
no Norte da África, a 40 km da Espanha através do Estreito de
Gibraltar, seria um ponto mais adequado (TUCKER, 1986, p. 414).
Na Espanha, como no restante da Europa, as rádios eram estatais e não havia
concessões para emissoras privadas, enquanto em Tânger, no Marrocos, além da
proximidade com a Espanha, tais restrições não existiam no início da década de 1950,
devido às condições políticas desta região africana, sob administração política
internacional.
Sobre as restrições européias, Paul Freed escreveu:
O interesse dos europeus, na transmissão cristã na Europa era quase
inexistente quando começamos em 1954. Uma das razões para a
indiferença entre os evangélicos foi que, além de Mônaco e
Luxemburgo, nenhum dos países europeus tinha autorização para
iniciativas de radiodifusão privada. As empresas de radiofusão ou
eram públicas, ou operavam em um sistema de supervisão, que
instituía conselhos de acordo com a proporção da força dos partidos
do governo (FREED, 1994, p. 68, tradução nossa).
Em Tânger, Paul Freed adquiriu uma propriedade que pertencera a uma escola
missionária e que estava desativada, pelo preço simbólico de 15 mil dólares. Retornou
aos Estados Unidos, produziu um filme colorido retratando a realidade espiritual do
povo espanhol – Banderilla - e empenhou-se na divulgação deste projeto por igrejas nos
EUA e no Canadá, visando captar recursos para a estação de Tânger. Ele estava
definitivamente convencido que o seu ministério era com o rádio e que Tanger era o seu
endereço.
No dia 11 de Fevereiro de 1952, a Trans World Radio teve seu início oficial sob
o nome: “International Evangelism” - Evangelismo Internacional. Mas foi somente no
ano seguinte que a estação começou a ser construída. Paul Freed vendeu sua própria
casa e carro para investir neste projeto. Seu pai Ralph Freed e sua mãe Mildred Freed,
missionários aposentados, aceitaram o desafio de cooperar com o filho na instalação da
estação e mudaram-se para Tânger, tornando-se seu braço direito por longos anos. Dois
outros colaboradores integraram a equipe inicial: Hermann Schulte, alemão, que
compartilhava do mesmo sonho de Paul Freed e Ruben Lores, cubano, pastor de uma
48
pequena comunidade evangélica de língua espanhola em Tânger, que ficaria
responsável pelas transmissões em Espanhol.
Com a instalação de um pequeno transmissor com capacidade de 2.500 watts –
alugando o tempo de transmissão de uma emissora de rádio local, as primeiras
transmissões para a Espanha tiveram início no dia 22 de Fevereiro de 1954 com
programações bilíngües: inglês e espanhol.
Com o retorno de Ruben Lores para Cuba no início de 1955, a direção dos
programas em espanhol passaria para a responsabilidade de Miguel e Maria Balbuena,
espanhóis. Ele elaborou os primeiros cursos bíblicos por correspondência oferecidos aos
ouvintes e ela produziu os primeiros programas direcionados ao público infantil.
Em 1956, “A Voz do Tânger” passou a operar com um transmissor de 10.000
watts de potência e tempos depois, outro transmissor da mesma potência foi instalado,
duplicando e melhorando sua capacidade de transmissão. Em cinco anos de operação, o
grupo de “missionários” passou de dois para 26 e as programações eram transmitidas
em 24 diferentes idiomas, alcançando partes da Europa, Norte da África e Oriente
Médio. Em meio a esse visível crescimento, os rumos políticos em Tânger sofreram
alterações com a independência do Marrocos e uma das primeiras determinações do
novo governo foi a de nacionalizar todas as rádios estrangeiras em seu território até o
fim de 1959.
Nesse entremeio, Paul Freed já vinha mantendo contados confidencias com a
Rádio Monte Carlo, no Principado de Mônaco, estudando a possibilidade de estabelecer
ali a nova sede da RTM. Os acontecimentos políticos em Marrocos só fizeram acelerar
esses contatos.
Como parte do acordo, caberia a Paul Freed a aquisição de antenas e
transmissores e caberia a Rádio Monte Carlo, que detinha os direitos legais de
transmissão, alugar todo o tempo para as programações da RTM e dar o suporte técnico
e operacional na instalação dos equipamentos. O contrato teria vigência de dez anos,
renovados automaticamente. As despesas iniciais com o aluguel, suporte técnico e
instalações de equipamentos somaram, na época, o montante de 500.000 dólares.
Em setembro de 1959, Paul Freed assinou o contrato com a Rádio Monte Carlo,
surgindo a Rádio Trans Mundial, em substituição “A Voz de Tânger". A partir de então
a Rádio Trans Mundial alcançaria projeção no campo da mídia evangélica mundial. .
49
“A Voz do Tânger” permaneceu no ar até o dia 31 de Dezembro de 1959. Após
esta data, seus estúdios continuaram sendo utilizados para a produção dos programas de
língua hispânica.
As transmissões de Monte Carlo começaram efetivamente no dia 16 de outubro
de 1960, nove meses após a última transmissão em Tânger. Operando com
equipamentos mais modernos e com um potente transmissor de 100.000 watts, com
antenas capazes de atingir os países mais próximos como a Itália, Alemanha e França,
bem como oito áreas que foram definidas como alvos da rádio naquele momento:
1º. Espanha e Portugal.
2º. Ilhas Britânicas.
3º. Escandinávia.
4º. União Soviética.
5º. Países satélites do Leste Europeu, quando ainda estavam sob a influência política da
União Soviética.
6º. Europa Central.
7º. Sul da Europa.
8º. Oriente Médio e Norte da África.
Muito interessante é o comentário do Dr. Benjamim L. Armstrong, que cooperou
com o Dr. Paul Freed na implantação da RTM em Monte Carlo e posteriormente serviu
como seu diretor.
Quem teria pensado que Mônaco, a famosa capital do jogo [...] se
tornaria o local da recém constituída [...] rádio missionária? Ninguém,
exceto o visionário, Dr. Paul E. Freed, fundador da TWR, de Cary,
Carolina do Norte, EUA., que realizou negociações confidenciais com
a Rádio Monte Carlo para um contrato de arrendamento a longo prazo
do meio mais poderoso de transmissões de ondas curtas
(ARMSTRONG, Ben. Informative: ASSIST News Service (ANS).
Norah Chambers Freed, 101, Of Trans World Radio Dies September
22,2007.
Disponível
em:
<http://www.assistnews.net/Stories/2007/s07090199.htm>. Acesso em
15 de setembro de 2010).
A revista Time, na sua edição maio de 1961, no artigo intitulado, “Religion: The
Word from Monte Carlo” – Religião: A Palavra de Monte Carlo -, dedica uma coluna
50
para falar da Rádio Trans Mundial desde a concepção de sua idéia na Suíça, em 1948,
até o ano de 1961, quando já transmitia de Monte Carlo e era internacionalmente
conhecida. Escreve:
O Principado de Mônaco, centro playboy do país europeu, tornou-se
importante reduto do evangelismo protestante. Em uma montanha
com vistas para o Mediterrâneo, um ministro batista, nascido em
Detroit e uma equipe [...] estão irradiando um fluxo constante de
transmissões religiosas [...] que atingem da Ásia ao Pacífico. [...]
Espanha e América Latina. A mensagem do Evangelho é transmitida
em Russo, Espanhol, Letão, Hebraico, Árabe, Sueco, Português,
Francês, Inglês, Italiano e Alemão. Dentro de três meses serão
adicionados a Armênia, Georgia e Usbequistão; dentro de um ano,
Chinês e Hindu [...]. Este novo estilo de falar em línguas teve sua
origem em uma reunião perto de Interlaken, Suíça, em 1948, na qual
um grupo de líderes evangélicos protestantes Norte Americanos,
incluindo Billy Graham e o Dr. Harold Ockenga da Boston’s Park
Street Church, decidiram que o Protestantismo Europeu estava
escondendo sua luz debaixo do alqueire. Embora houvesse 28 estações
protestantes no Exterior, eles notaram que nenhuma estava na Europa,
que tinha dois terços dos aparelhos de rádio fora dos Estados Unidos.
A Trans World Radio, como a missão é chamada, se viu forçada a
deixar o Tânger em 1959 quando Marrocos anunciou que estava
prestes a incorporar esta “porta livre”. Seu novo endereço, a Mônaco
Católico Romana, perto do palácio de verão do príncipe Rainier e
princesa Grace, revelou-se admiravelmente estratégico para as
transmissões (TIME. Religion: The World from Monte Carlo, EUA,
1961,5 de maio de 1961. Disponível em
<http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,872350,00.html>
Acesso em: 15 de setembro de 2010. Tradução nossa).
No primeiro ano de transmissão em Monte Carlo, a RTM recebeu
aproximadamente 18.000 mil cartas e mais 800 pedidos de ajuda espiritual de diversas
partes do mundo. Esse retorno favorável levou Paul Freed a um novo desafio: produzir
os programas nos próprios países alcançados pela rádio, retransmitindo-os pelas
potentes antenas de Monte Carlo. Seu objetivo era que líderes conhecidos e respeitados
em seus países na área da exposição bíblica e da música dessem a sua contribuição na
gravação dos programas para o seu próprio povo.
De acordo com Robert T. Coote, “Freed começou a estabelecer escritórios
regionais na Europa para providenciar liderança e programação nacional. Como
51
resultado, em 1965, mais da metade do apoio financeiro vinha da Europa” (COOTE, p.
225, 1998, tradução nossa).
Destes contatos com “representantes” regionais dos países alcançados pelas
antenas da rádio, surgiram os primeiros escritórios internacionais que passaram a
trabalhar em cooperação com a RTM, inclusive o Brasil.
A sucursal da Alemanha, precursora da “Evangeliums Rundfunk” – o ramo
alemão da RTM – teve início neste período, 19 de outubro de 1959, sob a direção de
Hermann Schulte, dedicado cooperador de Paul Freed desde o início em Tânger.
Hermann Schulte e a Evangeliums Rundfunk seriam decisivos para a instalação da
Rádio Trans Mundial no Brasil em 1970.
A estratégia de Paul Freed foi descrita por ele mesmo com estas palavras:
Este tipo de arranjo dá-nos qualidade e influência que nunca
poderíamos alcançar se nós mesmos tivéssemos que produzir toda a
programação em um único local. Por apresentar pregadores com uma
clara mensagem do Evangelho, homens conhecidos e amados em seus
países, temos automaticamente maior influência e uma audiência mais
receptiva. [...] Acreditamos firmemente que é absolutamente
imperativo atingir as pessoas a partir de sua própria casa, a fim de
relacionar a nossa programação com as reais necessidades dos nossos
ouvintes (FREED, 1994, pp. 119, 124, tradução nossa).
Percebemos que o esforço de Paul Freed era com o alcance e com a qualidade da
transmissão da mensagem cristão pelo rádio. Correspondentes nos países alcançados
pela RTM enviavam relatórios esporádicos, notificando a freqüência sintonizada e
horários mais favoráveis para a recepção dos sinais, o que contribuía para o
planejamento estratégico das programações.
Cartas chegadas dos pontos mais longínquos ou mesmo narrativas de pessoas
que, por exemplo, conseguiram fugir dos países sob a “cortina de ferro” relatando sobre
os benefícios da programação da RTM, só faziam crescer a sua certeza que pessoas
estavam sendo alcançadas e impactadas com as transmissões ao redor do mundo. Ainda
que “potência de transmissão” não garantisse quantidade de audição, Paul Freed
entendia que a rádio estava atingindo o seu objetivo.
52
Em 1961, com 42 anos de idade, emocionalmente fragilizado por um enfarto,
Paul Freed percebeu, entre outros questionamentos pessoais, que ainda faltava muito
para ser feito em termos de alcance de transmissão radiofônica.
No final de 1961 e começo de 1962, durante o tempo de recuperação do enfarto
sofrido, ele começou a questionar seriamente sobre a possibilidade de encontrar outro
local para a construção de uma “super estação” de transmissão.
Especialistas apontavam o Caribe, na América Central, como ponto ideal para
atingir seus objetivos. Dessa região poderia alcançar quatro, dos cinco continentes do
mundo, com qualidade considerável.
A sugestão seria entrar em contato com as autoridades holandesas para obter do
governo Holandês a concessão para a construção de uma estação de rádio em seu
território. Se obtida a concessão, a estação no Caribe poderia agir em cooperação com a
de Monte Carlo, captando o seu sinal e retransmitindo-o com maior força e eficácia.
Para os representantes do governo das Antilhas holandesas, Paul Freed fez um
pedido para a utilização de um transmissor com a capacidade de 500.000 watts – o que
faria da Rádio Trans Mundial a maior estação de transmissão AM no Hemisfério
Ocidental. A emissora mais potente dos EUA operava com a capacidade máxima de
50.000 watts.
Para sua surpresa, depois de um curto período de negociações com os
representantes do governo holandês, recebem a autorização para a construção de uma
estação no Caribe além de todo o apoio na infra-estrutura para o projeto. Paul Freed
escreveu:
Jamais antes na história da radiofusão, um grupo particular de
qualquer tipo obteve tal concessão. Ela nos capacitaria a atingir
milhares e milhares no interior de muitos países, pessoas que jamais
teriam possibilidade de ouvir de outra maneira (FREDD, 1994, p. 169,
tradução nossa).
O objetivo de Paul Freed para o Caribe era a construção de uma estação
transmissora com a tecnologia mais moderna disponível - com antenas potentes para
alcançar todas as direções com a maior força possível. Escreveu: “Devemos fazer todo o
esforço técnico para chegar a todas as pessoas possíveis.” (FREED, 1994, p. 170,
tradução nossa). A princípio, essa super estação deveria ser construída em Curaçao, mas
53
engenheiros, tanto do governo holandês como da Rádio Trans Mundial, perceberam a
impossibilidade desse local cedido pelo governo por ficar nas proximidades do
aeroporto, o que causaria problemas nas transmissões.
Nesse momento, pensaram na possibilidade de colocar a estação numa ilha
adjacente, Bonaire, o que foi prontamente permitido pelas autoridades. Posteriormente
descobriram que Bonaire era local indicado, visto que a intensa salinidade da ilha
contribuía favoravelmente para a condutividade – o sal molhado é junto com o metal o
melhor condutor. Peritos diziam que a estação em Bonaire teria sua capacidade de
transmissão ampliada devido a esta particularidade da ilha.
A construção da estação começou em Setembro de 1963. Em 01 de Outubro de
1964 aconteceu a abertura oficial da estação em Bonaire diante da presença dos oficiais
governamentais presentes na ilha. A dedicação da emissora só aconteceu no dia 25 de
fevereiro de 1965, para coincidir com a visita da princesa Beatriz da Holanda ao local.
Em 1964 as transmissões estavam sendo levadas ao ar regularmente, com
resposta aos sinais vindo desde o Canadá até a Terra do Fogo, a ponta mais meridional
da América do Sul. As transmissões em espanhol, a partir de Bonaire, se estendiam
como um cobertor sobre toda a América Latina.
Em 1965 começou a operar um transmissor de ondas curtas com 260.000 watts
de potência, possibilitando transmissões em vários idiomas para vários países do
mundo, o que passou a exigir da RTM uma programação em vinte e quatro línguas
diferentes já no final da década de 1960.
Da Argentina ao Canadá, Cuba, Índia, as cartas de incentivo chegam
em Bonaire. [...] Durante as três primeiras semanas após a abertura do
complexo da rádio das Antilhas, 1200 cartas chegaram dando
evidências de que os programas estavam sendo ouvidos em cinqüenta
e oito diferentes países na Europa, África, América Central e do Sul e
Estados Unidos. [...] O primeiro vai ao ar em Português, para o Brasil;
outros são enviados para a América Central e do Sul, em Inglês,
Espanhol e Holandês, em seguida, ao longo do dia, até a meia-noite,
os programas em vinte idiomas ganham asas pelo ar. [...] Outras cartas
indicam que as emissões são ouvidas claramente em lugares como a
Tchecoslováquia, a Letônia, Portugal, Finlândia, Ceilão, África do
Sul, Gana e em navios no mar (FREED, 1994, pp. 181, 183, tradução
nossa).
54
A certeza de que deveriam transmitir com qualidade e ao maior número possível
de nações, independentemente da certeza da recepção ou dos resultados da recepção,
constituía a grande motivação da RTM, que continuou, após Bonaire, articulando meios
para atingir os lugares mais distantes do globo.
De Tânger, na África, para Monte Carlo, na Europa, seguida da Estação em
Bonaire, na América Latina, a Rádio Trans Mundial deu continuidade a seu projeto de
expansão mundial.
Em agosto de 1973, a Suazilândia, pequeno país do sudeste africano, deu
permissão para a Rádio Trans Mundial montar ali mais uma estação transmissora com
capacidade para alcançar a África subsaariana e Paquistão.
Em 1974, em cooperação com a Rádio Monte Carlo, a RTM iniciou suas
transmissões a partir de Chipre utilizando um transmissor AM de 600 mil watts. Vinte e
um países no Oriente Médio e Norte da África ficaram ao alcance de suas transmissões
– uma população estimada na época de 350 milhões de pessoas.
Em 12 de maio de 1975 a Rádio Trans Mundial instalou transmissores na ilha de
Guam, e em 22 de agosto de 1975 começou a emitir sua programação diariamente em
mais de 35 idiomas para a Ásia Central, Sudeste Asiático e na região Ásia-Pacífico.
Em 25 de novembro de 1975, o governo de Sri Lanka concedeu permissão para
construir uma estação de transmissão em seu território. As transmissões só tiveram
início em 1978, com suas antenas voltadas para a Índia e com programas produzidos em
mais de 15 idiomas.
Na década de 1980 a Rádio Trans Mundial estabeleceu uma relação de
cooperação com rádios no Uruguai, dando uma melhor cobertura para a zona conhecida
como “Cone Sul”.
Na década de 1990, outros acordos foram assinados: Primeiro com a Rádio
Tirana, na Albânia, em 20 de agosto de 1993, com o objetivo de atingir a Europa
Oriental. Em seguida, com a Rádio Moscovo sul da Ásia, que a partir de junho de 1993
passou a transmitir para o norte da Índia, Butão, Nepal e Tibet.
Em 1994 mais uma estação foi organizada na África do Sul, em Johanesburgo,
expandindo consideravelmente a área de cobertura da transmissão da Rádio Trans
Mundial no continente Africano.
Outras estações transmissoras foram instaladas em anos posteriores. Na Polônia,
em 1997, oferecendo programação cristã para os povos da Escandinávia. Na Rússia, em
55
São Petersburgo, em janeiro de 2000 e no Brasil, em novembro de 2002, com um
transmissor de 50.000 watts em ondas curtas.
Se, a princípio, o alvo de Paul Freed era a Espanha, tempos depois se tornou o
mundo todo. Quanto maior a capacidade de transmissão, maiores eram as possibilidades
de cobrir pelas ondas de rádio vastas extensões territoriais. A historiadora Ruth A.
Tucker, em 1986 já registrava esse crescimento da RTM, conforme escreve:
De todas as organizações missionárias de radiofusão, a maior e mais
diversificada é a Rádio Trans-Mundial. Fundada em 1954, a RTM
transmite hoje com uma potência de cerca de cinco milhões de watts,
cuja capacidade pode atingir oitenta por cento da população mundial.
De Monte Carlo, Bonaire, Swazilândia, Chipre, Sri Lanka e Guam,
seus transmissores gigantes enviam programas cristãos em mais de
oitenta línguas e dialetos diferentes (TUCKER, 1986, p. 413).
Atualmente, a Rádio Trans Mundial é uma rede de rádio com mais de duas mil e
setecentas emissoras, operando em ondas médias (OM), ondas curtas (OC) e FM, além
de sua transmissão pela internet. É a maior rede de rádio do mundo e está presente em
todos os continentes, transmitindo sua programação em mais de 200 idiomas, incluindo
inúmeros dialetos. Utiliza 40 transmissores em 14 localidades espalhadas pelo mundo e
transmite via satélite para três continentes. É composta por uma equipe internacional de
mais de 2.000 pessoas servindo em mais de 40 países e recebe mais de 1,5 milhões de
cartas por ano a partir de ouvintes em mais de 160 países. A Rádio Trans Mundial
coopera com outras emissoras cristãs, com os produtores de programas nacionais,
organizações missionárias, denominações, igrejas locais e indivíduos. Atualmente
possui transmissores em Monte Carlo, Bonaire, Suazilândia, Chipre, Guam, no Sri
Lanka, Uruguai, Albânia, Rússia, Johanesburgo, e na Polônia.
Paul Ernest Freed permaneceu na presidência da Rádio Trans Mundial até o ano
de sua morte, em 1994. A sede internacional da Trans Word Rádio fica em Cary,
Carolina do Norte, USA, e seu atual presidente é Lauren Libby.
56
CAPÍTULO 2 - EM CÉU BRASILEIRO: O DESENVOLVIMENTO DA
RÁDIO TRANS MUNDIAL NO BRASIL
A América Latina, segundo alguns historiadores, foi negligenciada durante
séculos pelas missões protestantes, e somente no final do século XIX a percepção desse
esquecimento começou a chamar a atenção. A historiadora Ruth A. Tucker apresenta
dados estimativos da presença evangélica na América Latina na virada do século XIX
para o século XX.
Calcula-se que em 1900 havia apenas 50.000 cristãos evangélicos em
toda a América Latina, cuja cifra praticamente centuplicou nos
cinqüenta anos que se seguiram e excede hoje a casa dos vinte
milhões. “Em lugar algum”, segundo Herbert Kane, “o cristianismo
cresceu tão rapidamente neste século XX (TUCKER, 1986, p. 329).
Algumas explicações foram apresentadas para essa indiferença para com as
missões na América Latina. Citando Harold Cook, escreve Ruth A. Tucker:
Harold Cook, outro historiador de missões, deu porém algumas razões
ou mesmo uma explicação satisfatória para essa negligência. Um dos
fatores era que a violenta perseguição católica romana tornava as
missões protestantes para a América Latina pouco atraente ou até
impossíveis. Outro elemento mencionado por Cook foi que a América
Latina não possuía a atração ligada de alguma forma às regiões
como o Oriente, a África ou os Mares do Sul. Outrossim, alguns dos
líderes das sociedades missionárias protestantes argumentavam que a
América Latina já era nominalmente cristã e portanto a atividade
protestante nessa área não podia ser propriamente ser classificada
como missões da mesma maneira que a obra na Índia, China e África
(TUCKER, 1986, p. 329).
Tucker, no entanto, esclarece que essa visão sobre a América Latina partia dos
delegados da Conferencia Missionária de Endinburgo em 1910 e de alguns líderes das
missões de “fé” cuja prioridade era alcançar locais onde a mensagem de Cristo ainda
não fora anunciada.
57
Se as sociedades missionárias individuais tinham as restrições acima
mencionadas sobre a América Latina, o mesmo não acontecia com as sociedades
denominacionais que estavam sendo estruturadas na virada do século XIX para o século
XX. Estas sociedades fizeram da América Latina em geral, e do Brasil em particular,
seu grande alvo missionário. Ruth A. Tucker, citando Stephen Neill afirma que essas
sociedades missionárias denominacionais se introduziram na América Latina “com o
propósito expresso de converter os católicos romanos”. Acrescenta: “A maioria dos
latinos-americanos, especialmente os índios nativos, eram católicos-romanos nominais e
nunca haviam recebido a menor instrução sobre a doutrina católica” (1986, p. 330).
Observa ainda a mesma historiadora:
Foi sobre esses povos aborígenes – cerca de dez milhões deles na
parte ocidental da América do Sul – que muitas das novas missões
concentraram seus esforços. A Missão para os índios da América do
Sul (South American Indian Mission), a Missão Evangélica para os
Andes (Andes Evangelical Mission), a Missão Wycliffe para
Tradução da Bíblia (Wycliff Bible Traslators) e a Missão Novas
Tribos (New Tribes Mission), foram todas fundadas com o objetivo de
alcançar esses povos primitivos sobre os quais Charles Darwin
escreveu: É difícil acreditar que sejam nossos semelhantes. Para os
missionários, porém, não havia dificuldade em crer que fossem
criaturas humanas e mais ainda, almas preciosas por quem Cristo
morreu. Eles estavam dispostos a arriscar suas vidas a fim de levar a
esses povos a esperança da vida eterna (TUCKER, 1986, p. 330, grifo
do autor).
Essa visão sobre a América Latina no final do século XIX, especificamente do
Brasil, como local pouco viável ou atraente para o envio de missionários devido a
violenta perseguição da Igreja Católica Romana não condiz com os relatos de Émile G.
Léonard, historiador do protestantismo brasileiro, que nos seus levantamentos históricos
defende a tese de que o Brasil desse período, até mesmo pelas características do
catolicismo aqui praticado, era um país aberto para a propagação da mensagem
protestante ou reformada, fato este que se evidenciou na prática, pela receptividade e
crescimento do protestantismo em solo brasileiro.
Alguns historiadores ressaltam que as incursões permanentes do protestantismo
na América Latina estão diretamente relacionadas com a chegada de imigrantes
protestantes ao continente. A imigração, consequentemente, favoreceu a vinda dos
58
primeiros missionários ao continente, resultando num protestantismo denominado
“protestantismo de imigração”10 e “protestantismo de missão”11. Os governos da
América Latina, principalmente o Brasil, segundo Ondina Gonzáles, viam na imigração,
Uma forma de contrabalançar a influência do conservadorismo
político e econômico e o catolicismo tridentino. Esses governos
geralmente eram os mesmos que convidavam e protegiam os
missionários protestantes. Eles o faziam pelas mesmas razões que os
levavam a promover a imigração protestante. Assim, embora
diferentes em muitos aspectos, as duas formas que deram origem ao
protestantismo na América Latina – imigração e as missões – estavam
intimamente ligadas (GONZÁLES, 2010, p. 304).
No Brasil, as denominações ligadas a este protestantismo de missão, mais
destacadamente, presbiterianos, batistas e metodistas, se destacaram nas primeiras
décadas do século XX por sua intensa atividade evangelizadora estimulados,
principalmente, pelas dimensões geográficas do país com grandes áreas não alcançadas.
Émile G. Léonard, historiador do protestantismo brasileiro, sobre esse ímpeto
evangelístico escreveu:
Os países novos permitem, se assim podemos dizer, uma
evangelização a fogo contínuo, pelo fato de oferecerem,
constantemente, novos campos de trabalho e novos obreiros,
recentemente convertidos e tomados pela flama do primeiro amor
(LÉONARD, 2002, p. 342).
Paralelamente à evangelização pessoal ou individual, realizada pelos membros
das Igrejas, os meios mais modernos de comunicação de massa da época, com destaque
para o rádio, começavam a ser utilizados pelas igrejas. Émile G. Léonard, acrescenta
que:
10
Protestantismo de imigração: Teve início com a vinda dos primeiros imigrantes alemães para o Brasil a
partir de 1824 (Mendonça, 1990).
11
Protestantismo de missão: Teve início com a vinda dos primeiros missionários norte americanos para o
Brasil a partir de 1855 (Mendonça, 1990).
59
“Ao lado dessa técnica rudimentar, a mais poderosa de todas, a
evangelização protestante utiliza, no Brasil, os meios mais modernos.
Possui alto-falantes em suas capelas e nas praças públicas; começa a
adotar o uso de automóveis missionários; dispõe, aos domingos, de 22
emissões radiofônicas e, embora muitas sejam de alcance apenas
local, outras, como a “Voz Evangélica do Brasil” – para a qual
contribuem presbiterianos, congregacionais, metodistas, batistas,
independentes e episcopais – alcançam grande parte do país
(LÉONARD, 2002, p. 346).
Isto significa que no Brasil da década de 1940, o rádio já havia sido incorporado
como aliado na transmissão de programas evangélicos, algo que já era realidade na
Europa, na América do Norte e na América Latina. Em 1931, na América Latina, ocorre
a primeira transmissão evangélica pela HCJB de Quito, “A Voz dos Andes” (Campos,
1997, p.268).
Karina Bellotti, pesquisadora da produção midiática evangélica no Brasil,
escreve:
O uso evangélico da mídia de massa no Brasil iniciou-se no final dos
anos 1930 e no começo dos anos 1940, juntamente com a
profissionalização dos meios seculares de comunicação. [...] O
primeiro caso é o uso do rádio pelos Adventistas do Sétimo Dia [...]
em 1943. [...] O rádio foi adotado pelos evangélicos por ser o único
meio de massa acessível em termos de custos e de retorno. Desde
meados do século XIX, os primeiros missionários evangélicos usaram
a imprensa e a distribuição de Bíblias e tratados como forma de
comunicação, porém, sua inserção cultural foi limitada, pois a maioria
da população brasileira era analfabeta. Assim, quando o rádio se
popularizou em nosso país entre os anos 1930 e 1940, um novo
investimento em propaganda foi feito. O mais antigo registro de uso
do rádio por evangélicos encontrado até hoje está no jornal
presbiteriano “O Puritano”, que em 10 de maio de 1938, convida seus
leitores a prestigiar em 15 de maio de 1938 a primeira irradiação do
programa (BELLOTTI, 2009, pp. 625, 626).
Pela utilização do rádio, as diversas denominações protestantes buscavam sua
inserção na cultura brasileira, visibilidade midiática, relevância e crescimento no
número de seus seguidores. Isto, segundo Karina Bellotti (2009, p. 623), contribuiu para
fomentar uma “cultura evangélica transdenominacional”.
60
Os evangélicos marcariam sua presença na mídia brasileira, primeiro no rádio,
depois na televisão, buscando, de acordo com Luís Mauro Sá Martino, “legitimação
perante a sociedade, a fim de divulgar suas ideologias” (2003, p. 45). É importante
ressaltar que o rádio nas décadas de 1940 a 1970 era ainda um artigo de luxo que não
estava presente na grande maioria dos lares brasileiros. O geógrafo brasileiro Milton
Santos observa que as
Condições materiais que são hoje consideradas banais nos lares
brasileiros conhecem sua difusão em meados da década de 1980,
aproximadamente. Em 1975, objetos como fogão, geladeira, televisão
e rádio estavam presentes em poucos domicílios urbanos e eram
extremamente escassos nas áreas rurais. No Sudeste, região onde a
geladeira alcançava maior difusão na década de 1970, 46,3% dos
domicílios urbanos tinham esse artefato, presente em apenas 8,6% dos
domicílios urbanos nordestinos. Por outro lado, apenas 18% das
residências urbanas sulistas havia um aparelho de televisão, e em
23,1% delas havia rádio. No Sudeste esses índices eram 10,9% e
31,9%, respectivamente (SANTOS, 2001, pp. 226, 227).
2.1 Das primeiras transmissões ao estabelecimento da Rádio Trans Mundial
no Brasil
As primeiras transmissões da Rádio Trans Mundial para o Brasil acontecem após
o estabelecimento de sua mais nova transmissora em Bonaire, Antilhas Holandesas,
conjunto de ilhas próximas da Venezuela. Todo o território brasileiro ficou debaixo do
desta nova transmissora da Trans Mundial.
Através de Bonaire, em 1965, a Rádio Trans Mundial faria sua transmissão
inaugural na língua portuguesa, na voz do pastor Israel de Lima, o primeiro brasileiro a
fazer parte do departamento de língua portuguesa da Trans Mundial.
Isto aconteceu num momento em que o cenário evangélico brasileiro era
altamente favorável e receptivo para uma rádio com a sua característica
“transdenominacional”.
O protestantismo já estava instalado no Brasil há pouco mais de um século e as
mais diversas denominações protestantes já estavam espalhadas de norte a sul do país.
Aparelhos de rádio capazes de recepção de ondas curtas já estavam bem difundidos nos
61
lares brasileiros e a imensa extensão territorial do país era ainda um grande desafio para
uma rádio com capacidade suficiente para cobrir esta vasta extensão territorial.
Ouvintes espalhados por todo o Brasil poderiam sintonizar a RTM e apropriar do
seu conteúdo para a construção de seu desenvolvimento cultural e humano. Sendo uma
rádio internacional, que não dependia do mercado publicitário para a sua sobrevivência,
seu conteúdo era marcantemente educativo, ainda que essa educação fosse de natureza
religiosa.
O rádio, de ondas curtas é [...] um instrumento de mediação de valores
culturais representados pelos signos, linguagens e conhecimento,
expressos nos seus programas, que permite ao ouvinte construir a sua
concepção de mundo a partir da percepção e interpretação daquilo que
ouve (SILVA NETO, 2004, pp. 9, 10).
Como observou a pesquisadora Martha Scheimberg, o rádio, ao “transmitir
informação, ao comunicar significados, ele participa do processo sócio-cultural de
grande parte da população do planeta, pelo que podemos dizer, efetivamente, que o
rádio educa” (1997, p. 50).
Após três anos de transmissões contínuas para o Brasil, de 1965 a 1968, vê-se a
necessidade da criação de um Conselho Administrativo da RTM no Brasil. Esta
iniciativa fazia parte da política da RTM - Internacional, qual seja, a de aproximar-se do
contexto cultural e religioso dos países alcançados por suas transmissões.
A Rádio Trans Mundial sentia a necessidade de iniciar uma
representação no Brasil. O missionário que em Natal, Rio Grande do
Norte, apoiara o trabalho até então havia falecido. A estação estava
irradiando diariamente os seus programas em português ao Brasil e a
equipe na Ilha de Bonaire estava muito distante para fazer qualquer
contato direto com os ouvintes ou mesmo os radio programadores. A
programação existente tinha de ser ampliada. [...] A Rádio Trans
Mundial Internacional via como condição para este trabalho, a
formação de uma entidade missionária nacional, que funcionasse em
cooperação, mas não em dependência com a organização internacional
(SPIEKER, 1982, p. 4).
62
Observa-se desta declaração acima que, embora houvesse uma preocupação
intensa com a transmissão – quanto mais longe, melhor - havia também uma
preocupação, não menor, com a recepção. Ao buscar maior proximidade com os
ouvintes, produzindo programas valendo-se do contexto histórico, político e social do
país, a Rádio Trans Mundial deixava evidente sua natureza missionária.
A formação de um Conselho Missionário seria o primeiro passo efetivo dessa
aproximação da RTM com os ouvintes brasileiros. O passo seguinte deveria levar ao
estabelecimento de uma rádio totalmente brasileira, voltada exclusivamente para a
realidade brasileira e dentro da filosofia de administração idealizada pela RTM
internacional, ou seja, que trabalhasse em cooperação com a emissora internacional,
mas que fosse auto-sustentável e independente.
O professor Leonildo Campos, pesquisador da religião, escrevendo sobre a
Rádio Trans Mundial, destaca esta característica administrativa “independente” que a
rádio deveria ter no Brasil:
A rigor trata-se de um conglomerado de emissoras independentes, cuja
história começou em 1953, no Marrocos, norte da África, com uma
pequena rádio transmitindo pregações protestantes à Espanha católica,
então sob regime franquista (CAMPOS, 1997, pp. 268, 269).
De onde viria o apoio para a formação da RTM aqui no Brasil? Qual pessoa
poderia apresentar as credenciais necessárias e lançar mão integralmente desta tarefa?
Que grupo de homens e denominações ligaria suas histórias com a história da RTM no
Brasil?
2.2. Edmund Spieker e a organização da Rádio Trans Mundial no Brasil
Assim como a história da RTM internacional está ligada ao nome de Paul Freed,
a história da RTM no Brasil, doravante designada como RTM-B, está ligada ao nome de
Edmund Spieker.
63
Edmund Spieker nasceu na Alemanha Ocidental e imigrou para o Brasil quando
tinha apenas oito anos de idade.
Edmund Spieker residia em Curitiba e pertencia, naquele momento, a uma
denominação de origem alemã, presente no Sul do País, Igreja Evangélica Cristianismo
Decidido. Atuava como secretário assistente na Diaconia, organização social ligada à
Igreja Luterana. No exercício desta função, viajava constantemente, de Manaus a Porto
Alegre, a fim de implantar e supervisionar o programa nacional da entidade por todo o
Brasil. Era casado com Marli Spieker, brasileira, descendente de alemães e já tinham
um filho, Márcio Spieker, com alguns meses de vida.
Em 1967 mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro para ficar mais perto
do escritório central da Diaconia. Nesta época, juntamente com outros imigrantes
alemães, já fazia parte do recém criado Conselho da Rádio Trans Mundial, porém,
desconhecia totalmente o universo do funcionamento de uma rádio. Partilhava do
interesse comum em dar apóio as transmissões da RTM no Brasil, embora julgasse estar
ainda muito distante o tempo do estabelecimento de uma representação da Rádio Trans
Mundial no Brasil.
De acordo com os registros históricos da RTM-B, a iniciativa que resultou na
sua fundação partiu da própria comunidade evangélica alemã brasileira.
Um pequeno grupo de cristãos das regiões Sul e Sudeste se reúne para
levar adiante o plano de fundar a RTM. Foram feitos contatos entre os
produtores em língua alemã e um grupo de pastores e empreendedores
alemães no Brasil. Com a visita de dois diretores da ERF, uma rádio
evangélica alemã ao nosso país, ficou decidida a criação de uma
entidade missionária radiofônica brasileira, ligada à TWR (Trans
World Radio, fundada em 1954) e à ERF (Boletim Informativo da
Rádio Trans Mundial, nº 9, Janeiro; Fevereiro, 2007).
Em meio a estas circunstâncias, Edmund Spieker recebeu uma carta da
Alemanha, convidando-o para participar de uma reunião com Herman Schulte, da
Evangeliums-Rundfunk (ERF), a versão alemã da Rádio Trans Mundial fundada em
1959.
64
Foi uma surpresa quando chegou a carta de Horst Marquardt, diretor
de programação do Evangeliums-Rundfunk (ERF), o ramo alemão da
Rádio Trans Mundial, solicitando a minha presença em São Paulo. Lá
deveria ter entrevista com Herman Schulte, o presidente desta missão,
naquele país. Ele estaria chegando de uma reunião com a diretoria
internacional da RTM em Chatham, nos EUA, para apresentar-me
algum assunto de importância (SPIEKER, 1982, p. 3).
O alemão Herman Schulte foi um dos primeiros cooperadores de Paul Freed,
quando do início das transmissões radiofônicas em Tânger, no Marrocos.
Compartilhava do ideal de Paul Freed de uma rádio exclusivamente missionária. Seu
maior desejo era fazer com que as transmissões evangélicas atingissem a Alemanha e
países onde houvesse grande concentração de emigrantes, como era o caso do Brasil.
Não é sem razão que as primeiras transmissões radiofônicas da RTM em Bonaire, para
o Brasil, em 1965, foram feitas em português e também em Alemão, atingindo a
significativa colônia alemã radicada no sudeste e sul do país.
Herman Schulte era o presidente da sucursal alemã da Rádio Trans Mundial
quando o nome de Edmund Spieker foi sondado para iniciar uma representação da RTM
no Brasil. Schulte e Horst Marquardt, ex-militante comunista que se convertera ao
cristianismo, assumiram o compromisso de contribuir mais efetivamente com a
implantação de uma representação da RTM no Brasil, valendo-se do amplo apoio
recebido da comunidade alemã brasileira para este projeto.
Edmund Spieker, alemão de nascimento, pastor filiado a Igreja Evangélica
Livre12, com pleno domínio do idioma, identificado com a comunidade alemã e com a
realidade brasileira, foi o nome indicado pelo então conselho da RTM no Brasil para dar
os passos efetivos na organização da rádio no Brasil.
O encontro entre Herman Schulte e Edmund Spieker aconteceu em fevereiro de
1969, na Igreja Batista Alemã, em São Paulo. O tema da conversa foi a organização de
um escritório da RTM no Brasil que estivesse sob a coordenação de Spieker. Ele seria
contratado como representante de tempo integral da RTM para o Brasil para a execução
12
A Igreja Evangélica Livre surgiu da reunião de imigrantes alemães que residiam em São Paulo desde o
final da década de 1930 e foi organizada em 16 de agosto de 1959 e registrada oficialmente no dia 23 de
junho de 1960.
65
deste projeto de implantação da rádio. Mesmo sem qualquer experiência anterior na área
de comunicação de massa, o desafio foi aceito por Edmund Spieker.
As metas traçadas naquele encontro para os próximos meses incluíam uma série
de viagens, período em que Edmundo Spieker faria alguns estágios nas estações
transmissoras da RTM Internacional, a fim de familiarizar-se com o meio de
transmissão de mensagem – o rádio - e suas particularidades. Viajaria primeiramente
para Monte Carlo, depois para Wetzlar (Alemanha), local da sede da ERF. Seguiria para
os EUA, para um encontro com Paul Freed, concluindo seu estágio na estação de
Bonaire, no Caribe.
O compromisso da ERF era o de auxiliar apenas no início da representação da
RTM no Brasil, mais especificamente nos dois primeiros anos. Depois disto, caberia a
Edmundo Spieker, juntamente com o Conselho da RTM, mobilizar as igrejas
brasileiras, sensibilizando-as para a viabilidade do projeto. Edmund Spieker tinha
naquele momento, 30 anos de idade e, sua esposa, Marli, 24 anos.
Nos fins de maio de 1969 viajaram para Monte Carlo, onde foram recebidos pelo
Dr. Ralph Freed, pai de Paul Freed e diretor geral da Rádio Trans Mundial. Edmund
escreveu sua impressão deste momento.
Foi interessante conviver com a equipe em Monte Carlo. Eram
missionários de muitos países e idiomas diferentes que produziam os
seus programas no conjunto de modernos escritórios. Posteriormente
estes programas eram irradiados pela estação de Monte Carlo, com a
qual a RTM mantinha um contrato. Os poderosos transmissores
cobrem a Europa, Oriente Médio e o Norte da África: uma área onde
vivem 600.000.000 de pessoas (SPIEKER, 1982, p. 7).
Em julho de 1969 o casal Spieker chegou à Alemanha Ocidental, na cidade de
Wetzler, sede da Evangeliums-Rundfunk, onde foram recebidos por Horst Marquardt
para mais um período de treinamento nas questões técnicas relacionadas à comunicação
pelo rádio. Informa que naquela época a ERF recebia uma média diária de 240 cartas
dos ouvintes (SPIEKER, 1982, p. 8). Deixou a Alemanha no final do mês de agosto de
1969, levando consigo alguns equipamentos eletrônicos para o primeiro estúdio de
gravação no Brasil.
66
Da Alemanha seguiu para os EUA, em direção a sede da RTM internacional, que
naquela época ficava em Chatam, New Jersey, para um encontro com Paul Freed, já na
condição de primeiro representante de tempo integral da RTM na América do Sul.
Um dia depois, viajou para a Ilha de Bonaire, onde foram recebidos pelos
missionários brasileiros, Rev. Israel de Lima e sua esposa Eudália, para um último
período de 15 dias de treinamento.
Bonaire impressionou profundamente Edmund Spieker. Escreveu:
Estávamos na maior emissora evangélica do mundo. [...] Dois
geradores, cada um do tamanho de uma locomotiva, alimentavam três
gigantescos transmissores, dois de OC e um de OM (ondas curtas e
médias). [...] Em RTM – Bonaire opera o mais potente transmissor de
OM de nosso continente. Ele tem a potência de 500.000 watts (500
Kw), e, dado a um sistema de antenas direcionais, se faz ouvir desde o
Canadá até o Sul da Argentina. Este potentíssimo transmissor entrou
no ar em oito de agosto de 1964 e apenas três semanas mais tarde já
haviam chegado cartas de 58 países. [...] E o que falar dos
transmissores em Onda Curta? O maior deles tem 250 Kw e leva o
evangelho literalmente ao redor do nosso globo terrestre, à distâncias
que nunca antes haviam sido alcançadas por um pregador do
Evangelho (SPIEKER, 1982, pp. 11,12).
Edmundo Spieker, descrevendo o alcance e a eficiência da estação de Bonaire,
acrescenta:
A impressão que temos é a de um gigantesco farol que Deus instalou
naquela pequena nesga de terra, ali no Caribe, para iluminar todo o
nosso continente com a luz do evangelho. RTM-Bonaire é um milagre
moderno, e uma prova do grande amor de Deus, que impulsiona
homens, mulheres e crianças a servirem ao Senhor naquela Ilha
distante. Amor que utiliza a técnica de hoje para proclamar Redenção
a Todo Mundo. [...] Deus nos confiara o maior púlpito para a
proclamação do Evangelho e este deveria estar à disposição de Sua
Igreja no Brasil (SPIEKER, 1982, p. 12).
A ideologia conversionista, presente na teologia e na tradição missionária
protestante é evidente nas palavras de Edmund Spieker, o que nos remete às
observações do professor Antônio Gouvêa Mendonça, estudioso da Sociologia do
Protestantismo, quando afirma:
67
A teologia conversionista, componente da tradição missionária,
repousa sobre o princípio de que convertendo-se os indivíduos a
sociedade toda acabará se convertendo e mudando para melhor. [...] O
protestantismo missionário brasileiro não veio do continente europeu,
mas dos Estados Unidos, cujo protestantismo tinha raízes na Reforma
Inglesa. Talvez por isso que o protestantismo que chegou ao Brasil
tenha tido intenções fortemente pragmáticas: pretendia ser elemento
transformador da sociedade através da transformação dos indivíduos
(MENDONÇA, 1990, pp. 56,17).
No registro histórico da Rádio Trans Mundial no Brasil, Os Céus Estão Abertos,
escrito por Spieker em 1982, ele informa que retornando ao Brasil, reuniu o Conselho
da RTM no dia 4 de outubro de 1969, em Curitiba, na época presidido pelo missionário
Alfred Pfeiffer, ligado a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, onde
relatou suas experiências e os sete objetivos que deveriam ser alcançados no Brasil em
relação a RTM.
1º. Formação de um Conselho Nacional da RTM no Brasil para assistir o
secretário executivo Edmundo Spieker, doravante, representante da RTM no Brasil sob
a direção de William Mial, diretor da RTM Bonaire para a América Latina.
2º. Parceria entre a ERF e o Secretário Executivo, para o fornecimento de
mensagens em alemão e atendimento das correspondências dos ouvintes deste idioma
no Brasil – aproximadamente três milhões de emigrantes no final da década de 1960.
3º. Edmund Spieker, como missionário da RTM responderia diretamente a
Bonaire, mas no desenvolvimento e implantação do trabalho poderia ter toda liberdade
de ação.
4º. A representação da RTM no Brasil trabalharia em parceria com o
departamento de português em Bonaire.
5º. Despertar o interesse de cristãos brasileiros para contribuir com o sustento da
RTM a fim de torná-la auto-sustentável. O caminho sugerido para atingir este objetivo
seria irradiar as mensagens de pastores conhecidos no território brasileiro. Eles dariam a
visibilidade que a nova rádio precisava naquele momento e sensibilizariam para a
necessidade de sua manutenção.
6º. Dar suporte a Bonaire na instalação de um sistema de monitores que
acompanhariam as freqüências das transmissões; contatar organizações eclesiásticas
68
interessadas em irradiar programas em português; incentivar as lideranças evangélicas
nacionais a cooperarem ativamente na programação da RTM-B.
7º. Manter uma caixa postal para atendimento dos ouvintes.
A primeira diretoria da RTM no Brasil, após a volta de Edmund Spieker ficou
assim constituída:
1. PRESIDENTE: Johann Rempel,da Igreja Evangélica Livre de São Paulo,
industrial.
2. VICE-PRESIDENTE: Pr. Hartmut R. Glaser, membro da Convenção Batista
Pioneira e professor da cadeira de Eletrônica da Universidade de São Paulo.
3. SECRETÁRIO: Roland Koerber , diácono da Igreja Batista Alemã em São
Paulo, químico industrial.
4. DIRETOR e TESOUREIRO: Osvaldo Krebs, industrial.
5. PRESIDENTE DO CONSELHO DE PROGRAMAÇÃO: Pr. Robert Schmidt,
da Igreja Batista Alemã.
6. SECRETÁRIO EXECUTIVO: Edmund Spieker.
Os passos seguintes foram legais, ou seja, elaboração dos estatutos da RTM-B e
a eleição de uma diretória para registrá-la como entidade jurídica o que aconteceu no dia
18 de dezembro de 1970, no Cartório Adalberto Netto, em São Paulo, Capital, com a
seguinte publicação no diário oficial:
Fundada nesta Capital, sua sede tem por fim propagar o evangelho de
Jesus Cristo, na sua pureza e integridade, bem como promover a vida
cultural e educacional, através do rádio, da televisão, da distribuição
de literatura e de outros meios de comunicações. O prazo de duração é
indeterminado, será administrada por uma diretoria, cujo presidente a
representará em juízo ou fora dele. Os estatutos poderão ser
reformados. Os sócios não respondem subsidiariamente pelas
obrigações sociais. No caso de dissolução seu patrimônio será
transferido para uma entidade com fins análogos e reconhecido pelo
governo, como de utilidade pública (SPIEKER, 1982, p. 21).
A diretoria eleita para fins legais ficou assim constituída:
69
Presidente
Arthur Bruno Alfredo Clebsch
Vice-Presidente
Johann Rempel
Secretário
Dr. João Bernardes da Silva
Tesoureiro
Walter Frederico Matschulat
Conselheiro
Willy Haeuser
Com exceção do Dr. João Bernardes da Silva, pastor da Igreja Presbiteriana
Independente, todos os demais membros da diretoria da RTM-B estavam ligados a
comunidade evangélica alemã no Brasil, responsáveis diretos pela implantação da rádio
no Brasil, conforme registrou Edmund Spieker:
Lembramos aqui, com gratidão, de Alfred Pfeiffer, de São Bento do
Sul – SC, missionário pioneiros da M.E.U.C13. e que serviu como
presidente do Conselho da RTM-B na fase de instalação da entidade;
do Pr. Karl Gerhard Braun, da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana do Brasil [...]. Ainda o missionário Theodoro Grischy da
A.I.C.D14., de Curitiba; Walter Glaser da Igreja Batista Alemã de São
Paulo; Pr. Traugott Salzmann, da Igreja Evangélica Livre de Santo
André; Pr. Helmut Fuerstenau, da Igreja Batista Alemã em São Paulo.
Todos eles foram homens da primeira hora e que atenderam, sem
medir esforços, ao desafio da RTM-B, com muito amor e uma ampla
visão missionária (SPIEKER, 1982, p. 21).
13
A MEUC é uma entidade missionária evangélica que se reconhece na tradição da Reforma
Protestante e do Pietismo, inserida no contexto da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
(IECLB), com atividades realizadas em diversas cidades e através de diversos departamentos. Surgiu com
a
chegada
ao
Brasil
do
missionário
Alfred
Pfeiffer
em
14
de
dezembro
de
1927.
(http://www.meuc.org.br/quemsomos - acesso em 25 de setembro de 2010)
14
A.I.C.D – Associação cristã que surgiu na Alemanha em 1894 com o objetivo de organizar e
dinamizar o trabalho das mocidades nas igrejas daquele país, denominada "Jugend für Entschiedenes
Christentum". Os missionários que vieram da Alemanha a partir de 1932 e que faziam parte desta
associação, organizaram a AICD no Brasil, chamada de - Mocidade de Cristianismo Decidido ligada a
IECD – Igreja Evangélica Cristianismo Decidido. ( http://www.iecdpg.org.br/historico.html - acesso
em 25 de setembro de 2010)
70
2.3 Os Primeiros Anos da RTM-B: Fase de Instalação da Infra Estrutura da
Rádio.
Da Alemanha, Spieker trouxe para o Brasil os primeiros equipamentos para a
montagem de um estúdio piloto. Um gravador, microfones, mixer e alguns pequenos
acessórios. De Bonaire, trouxe um rádio receptor “Grundig Satellit 5000”, usado na
época para sintonizar as frequências de ondas curtas. “Com este aparelho seria possível
sintonizar a emissora, medir a força de seu sinal e recomendar as melhores freqüências
para Bonaire” (SPIEKER, 1982, p.14, grifo nosso).
Com o apoio da comunidade evangélica alemã no Brasil, o primeiro escritório e
o primeiro estúdio da RTM-B foram instalados em São Paulo, nas dependências da
Igreja Batista Alemã e inaugurados no dia 8 de dezembro de 1969.
No dia 12 de Março de 1971 foi adquirido um terreno de 1000m2, na Rua
Épiro, na Vila Alexandria, São Paulo, local em que seriam definitivamente instalados os
escritórios e estúdios da RTM, com recursos levantados em grande parte pela colônia
alemã.
O jornal “O Estado de São Paulo”, segundo relato de Spieker, na edição de 10 de
Novembro de 1971, publicou uma pesquisa sobre as 22 estações estrangeiras mais
ouvidas no Brasil, dentre essas, mencionou a RTM em Bonaire, seus horários e
freqüência de transmissões. A nota acrescentava que a “RTM, a par da doutrinação
evangélica, se ocupa de problemas educativos e culturais, mas sempre relacionados com
a religião” (SPIEKER, 1982, p. 29).
No final deste mesmo ano, a RTM, precisando de acomodações mais amplas,
instalou-se numa residência na Rua Conde de Arajá, 196, na Vila Mariana, na capital
paulista, onde permaneceu até a construção de sua sede própria.
A construção do edifício da Rádio Trans Mundial só teve início no dia 30 de
Março de 1973, ocasião do lançamento da pedra fundamental, em solenidade dirigida
pelo missionário Arthur B. Clebsch, presidente da RTM-B.
Oito meses após, no dia 01 de Dezembro daquele ano, deu-se a inauguração do
prédio de escritórios e estúdios ocupando uma área construída de 400 m2. O entusiasmo
de Edmund Spieker transparece no depoimento abaixo:
71
No dia 1 de dezembro de 1973 festejou-se a inauguração do prédio de
escritórios e estúdios na Rua Épiro, 110, na Vila Alexandria. Que
festa! Perto de 300 pessoas estavam reunidas para o culto de louvor. E
o ambiente era de exultação e alegria no Senhor. Thomas J. Lowell
[representante da TWR international] descerrou a fita verde amarela.
E a casa moderna e bem equipada foi naquela hora, dedicada a Deus.
Uma casa de pregação da Palavra! [...] Após 4 anos de constantes
adaptações e mudanças estávamos enfim em nossa própria casa.
No primeiro tempo a equipe dos 12 colaboradores quase se perdia na
amplidão das novas instalações. Tínhamos construído com a visão do
futuro e queríamos estar preparados para as tarefas que continuavam a
crescer constantemente (SPIEKER, 1982, pp. 31,31).
2.4 Os Primeiros Anos da RTM-B: O Capital Humano
No primeiro ano de funcionamento da RTM-B, Edmund Spieker e Marli Spieker
assumiram todas as responsabilidades com a administração, produção e gravação dos
primeiros programas no Brasil.
A primeira integrante da equipe chegou em fevereiro de 1970. Tratava-se da
missionária Hildegard Metzger, cedida pela Missão Evangélica Independente.
Hildegard foi uma maravilhosa resposta às nossas orações. O trabalho
já era demais para mim e Marli. Hildegard assumiu a parte da
correspondência enquanto Marli se dedicava à produção do programa
infantil, ao qual deu o nome de “Criança Feliz”. [...] Eu fazia
programas em português incluindo as mensagens de pastores,
reportagens de acontecimentos do mundo evangélico e diversas
entrevistas com obreiros cristãos ativos na obra do Senhor. Além disso
realizava muitas viagens com reuniões informativas e contatos
diversos.
Frequentemente era convidado para pregar em igrejas, em retiros, em
congressos e sempre aproveitava estas oportunidades para falar do
trabalho que Deus nos confiara.
Havia muito que fazer. Às vezes eu me deparava com meus limites e
pensava em como seria bom se fosse dois. [...] O trabalho crescia a
olhos vistos. O programa infantil recebia cartas cheias de gratidão e
entusiasmo (SPIEKER, 1982, p. 24).
72
Em Julho de 1970, outro integrante somou-se à pequena equipe da RTM-B. Era
o Pr. Fritz Sharf, que assumiu a responsabilidade de buscar a colaboração de pastores
brasileiros para a gravação de programas semanais, tarefa difícil neste primeiro
momento em que a Trans Mundial era pouco conhecida da liderança evangélica,
principalmente em São Paulo.
No mesmo ano, Ana Giraldi, ex-missionária entre os índios, integrou a equipe da
RTM-B, assumindo em 1971 a responsabilidade pelos cursos bíblicos por
correspondências direcionadas para o público adulto e infantil.
Em 1972, dois anos após sua organização, a equipe da RTM-B possuía nove
colaboradores e produzia programas para adultos, crianças e jovens. Fitas com
gravações dos programas estavam sendo reproduzidas por cinco estações de rádio no
Paraná e Santa Catarina e recebiam uma média mensal de 750 cartas.
Muitas Bíblias, Novos Testamentos, livros e folhetos evangelísticos
haviam sido enviados, acompanhando os milhares de cartas circulares
e pessoais. A edição de folhetos, informativos e boletos de horários
chegava perto de 200.000 exemplares (SPIEKER, 1982, p. 29).
Em 18 de Fevereiro de 1974, o Rev. Davi Nunes dos Santos, esposa e dois
filhos, retornam ao Brasil depois sete anos de permanência na TWR (Trans World
Rádio), em Bonaire, onde atuou no departamento de língua portuguesa.
Original de Mamanguape, na Paraíba, formado em teologia e jornalismo, com
larga experiência na produção de programas de rádio, tornou-se um dos nomes mais
destacados nos primeiros anos da RTM-B.
No Brasil, seu nome ficaria identificado com o programa “Através da Bíblia”,
destinado a uma exposição sistemática de toda a Bíblia dentro de uma linguagem
contextualizada para a realidade brasileira. Esta série de programas foi traduzida e
adaptada do original americano “Thru the Bible”, de autoria do pastor presbiteriano, Dr.
J. Vernon McGee, e permaneceu sob a direção do Rev. Davi Nunes dos Santos até o ano
de 2006.
Em 1975, Germano Shuettel, rádio-técnico, de Porto Alegre, RS, assumindo toda
a responsabilidade com as questões técnicas da RTM.
Em 1977, Neusa Itioka, assume o departamento de Aconselhamento Espiritual.
73
No mesmo ano, Walter Matschulat, após aposentar-se com 53 anos de idade,
integrou a equipe RTM-B, assumindo a responsabilidade pela contabilidade e a função
de Secretário Executivo Assistente.
Com a rádio estruturada, Edmund Spieker dedicou-se mais intensamente ao
trabalho de divulgação da RTM por todo o Brasil. Seu objetivo era tornar a Trans
Mundial conhecida no território nacional e despertar a liderança evangélica brasileira
para apoiar sua visão missionária.
2.5 Consolidação da RTM-B
No início da década de 1980, a RTM-B já havia consolidado sua presença no
cenário midiático evangélico brasileiro como a primeira rádio missionária do país.
Possuía sede própria, equipe de funcionários, produção e gravação de programas para
diferentes públicos, intensa comunicação por cartas com ouvintes das mais variadas
regiões brasileiras.
Os programas produzidos no Brasil eram enviados por avião a Bonaire, no
Caribe, e mandados de volta para o Brasil através das ondas sonoras emitidas pelos
potentes transmissores daquela estação internacional de rádio. Bonaire tornou-se um
nome bem conhecido principalmente nas regiões, norte, nordeste, central e sul do Brasil.
Edmund Spieker escreveu:
A Palavra de Deus está dia e noite varrendo os céus do Brasil! Os 23
milhões de rádio receptores em uso no país se transformavam em
poderosos veículos de comunicação do Evangelho. [...] Se
inicialmente ficamos impressionados com a enorme audiência no
Norte e Nordeste, mais tarde então nos fascinava o número de
ouvintes na região Central e Sul do Brasil (SPIEKER, 1982, p. 34).
O Brasil atravessava a ditadura militar, e o rádio de ondas curtas era ainda um
meio de comunicação acessível das camadas sociais mais simples da população, ou
daquelas mais isoladas no imenso território nacional. Desde período, a RTM guarda
inúmeros depoimentos de ouvintes assíduos de sua programação em diversas regiões
74
brasileiras, para quem os nomes Bonaire e Trans Mundial eram familiares. Os
depoimentos abaixo foram selecionados por Edmund Spieker.
Existem casos bem originais como aconteceu em Imperatriz, MA, de
onde nos relata o Sr. José Inácio de Souza: “Moramos aqui num
povoado com 16 mil habitantes e a nossa rua ainda não tinha nome.
Quando chegou a época do emplacamento, o responsável encontrou-se
com a minha esposa e em conversa pediu que ela dessa uma sugestão
sobre qual nome daria à nossa rua. Ela respondeu: Rua Bonaire. A
sugestão foi aceita e hoje moramos na Rua Bonaire. Esta é a origem
de nosso endereço. Isto em gratidão a Deus pelas bênçãos recebidas
através das programações da RTM transmitidas de Bonaire”
(SPIEKER, 1982, p. 45).
Pessoas que vivem em áreas remotas têm testemunhado da
importância da RTM em suas vidas. De Ji-Paraná (Rondônia):
“Irmãos, moramos muito distantes da igreja. São 28 Km a pé ida e
volta. Agradecemos a Deus por este programa que chega em nossa
casa todos os dias” (SPIEKER, 1982, p. 44).
Uma carta que nos sensibilizou bastante chegou de São Miguel do
Guamá, PA, em março de 1979. “Venho lhes avisar que, alguns meses
quando a porca velha deu cria, separei logo um porquinho para criar
para a Trans Mundial. Sendo já grande o porco, passou um marreteiro
com o seu barco e o comprou por Cr$ 600,00. Mando este dinheiro,
pois a RTM é como um pastor para mim” (SPIEKER, 1982, p. 47).
Depoimentos como esses, sobre o benefício da informação veiculada pelo rádio,
podem ser multiplicados aos milhares, no Brasil como em outros países, o que levou
pesquisadores a destacar a observação de Marshal McLuham, sobre o rádio como um
“meio quente”15 de comunicação. Ele estimula a imaginação do ouvinte - falando as
massas, sua mensagem chega a cada um de forma muito particular, como se o locutor
estivesse conversando apenas com ela.
Outras características apontadas pelos pesquisadores que fazem do rádio um
meio eficaz de comunicação são: O uso da linguagem oral, o que permite que sua
mensagem chegue a todos igualmente, mesmo que o ouvinte não seja alfabetizado; sua
15
Meio quente de comunicação: Um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos e
em alta definição. [...] A fala é um meio frio de baixa definição, porque muito pouco é fornecido e muita
coisa deve ser preenchido pelo ouvinte. De outro lado, os meios quentes não deixam muita coisa a ser
preenchida ou completada pela audiência (McLuhan, 2007).
75
penetração, podendo chegar aos cantos mais remotos; sua mobilidade, visto que pode
estar presente, sem complicações, nos mais variados lugares; seu imediatismo e
instantaneidade, vistos que os fatos são transmitidos no momento da ocorrência. Cesar
Cyro destaca a capacidade do rádio de estimular a imaginação dos ouvintes.
O rádio possui um magnetismo próprio, característica única como
veículo de comunicação. Por não podermos ver nosso interlocutor, o
imaginamos do nosso jeito, da forma que gostamos. É nesta liberdade
de pensarmos da nossa maneira, que ele nos conquista, pois como
ouvintes abrimos nossa mente para receber suas mensagens. O rádio
entra sem pedir licença nas casas, nos automóveis, nos escritórios,
enfim, em todos os lugares em que um simples receptor estiver ligado
(CYRO,1990, p. 63).
2.6 Fase de Expansão da RTM-B
Apesar de sua presença no campo religioso brasileiro, como a primeira rádio
missionária do país, a RTM-B, de sua fundação até o ano de 1996, atuou apenas como
produtora de programas. Por se tratar de uma rádio internacional, com uma
representação no Brasil, a RTM-B existia e desenvolvia suas funções sem necessidade
de permissão ou concessão do Governo Federal, assim como outras emissoras
internacionais ouvidas no país.
Os programas eram produzidos nos estúdios da rádio em São Paulo, transmitidos
via satélite para Bonaire e mandados de volta para o Brasil pelos transmissores de
Bonaire. Assim permaneceu por quase três décadas.
Somente em 1996, quando emissoras pentecostais e neopentecostais já
dominavam o cenário da radiofusão evangélica no país, por meio da compra de
emissoras em diversas capitais brasileiras, a RTM-B adquire finalmente sua emissora de
rádio – a Rádio Nova Visão, em Santa Maria, RS. Esta rádio detinha a concessão de
três freqüências de ondas curtas de rádio. Finalmente a RTM-B passaria a transmitir sua
programação a partir do território brasileiro.
76
O pesquisador Isael de Araújo documentou esse período do avanço pentecostal
sobre as emissoras de rádio. Afirma que a Igreja Universal do Reino de Deus16 comprou
sua primeira emissora em 1984, a Rádio Copacabana, no Rio de Janeiro. Outras
denominações são apontadas pelo pesquisador pelo seu investimento pesado na compra
e produção de programas de rádios, como a Igreja Pentecostal Deus é Amor17 e a Igreja
Internacional da Graça de Deus18.
Em 1990 [a Igreja Universal do Reino de Deus], já havia adquirido
emissora nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas
Gerais, Goiás, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná. Em muitos lugares,
a igreja nasceu através de um núcleo a partir de um programa de rádio.
Em 2007, a Rede Aleluia contava com 56 emissoras afiliadas e estava
presente em 22 Estados brasileiros, abrangendo uma área
correspondente a 75% do território nacional.
A Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada em 1980, por R.R.
Soares, também investe pesado na ridiofusão. Ela adquiriu a Rádio
Relógio que pertencia à Nova Vida, e montou a rede Nossa Rádio FM,
com estações no Rio (89.3), São Paulo (91.3) e Minas Gerais (97.3).
(ARAÚJO, 2010, p. 729).
Entre as denominações de tradição histórica não houve o mesmo ímpeto pela
presença na mídia radiofônica. Não houve ao que tudo indica, por razões doutrinárias ou
culturais, empenho destas igrejas tradicionais em persistir. Também não houve
percepção para levar em consideração todo o potencial que o rádio significava,
especialmente num país com forte tradição cultural oral. Os pentecostais, mais atentos a
esta característica cultural brasileira, tiraram melhor proveito deste meio de
comunicação. “A cultura popular, dominada pela oralidade, cria o sentido de que a
palavra falada tem poder – e mobiliza o povo para o pentecostalismo” (CESAR, 1999,
p. 76).
Os pentecostais, no contexto da mídia evangélica, não foram os primeiros a
perceber o potencial do rádio, mas foram os primeiros a adaptá-lo às características
culturais da massa populacional brasileira, especialmente a mais pobre, resultado das
ondas migratórias para os grandes centros urbanos, carente de consolo espiritual e que
encontraram no rádio uma palavra de estimulo e esperança.
16
Denominação neopentecostal fundada em 1977 por Edir Macedo.
Denominação pentecostal fundada em 1967 por Davi Miranda.
18
Denominação neopentecostal fundada por 1980 Romildo R. Soares.
17
77
O movimento pentecostal ajudou a satisfazer a grande necessidade
emocional de um povo analfabeto e abandonado e a dar sentido de
objetividade e comunidade àqueles a quem Niebuhr chamou
“deserdados” (HAHN, 1989, p.352, grifo do autor).
A Rádio Nova Visão, na cidade de Santa Maria, RS, pertencia ao Pr. Ivan
Nunes, ligado a denominação pentecostal O Brasil para Cristo. Em 1996, entendendo
que a Trans Mundial poderia dar prosseguimento ao seu projeto de evangelizar o Brasil
pelo rádio, vendeu sua concessão para a RTM-B, que passou a utilizar suas antenas para
a transmissão de suas programações, passo significativo para a consolidação de sua
atuação missionária no Brasil. Segue-se um período de cinco anos, até o dia 24 de maio
de 2001, quando uma publicação do Diário Oficial da União finalmente oficializa a
concessão das três freqüências de rádio para a Trans Mundial. Para legalizar a transação
comercial, a RTM-B precisou ser transformada em fundação, passando a se chamar
Fundação Sistema RTM de Rádio e Televisão. Em 2004, finalmente foi inaugurado o
novo pátio de transmissão em Santa Maria, com 50 mil watts de potência, transmitindo
em três freqüências de OC (ondas curtas), 24 horas por dia.
Observa-se que enquanto os pentecostais e neopentecostais enxergavam no rádio
uma excelente alternativa para dar visibilidade institucional a suas denominações, ou até
mesmo como um negócio lucrativo, as denominações de tradição histórica não se
mostraram entusiasmadas com a utilização desta mídia.
Ainda que tardiamente tenha conseguido sua concessão de rádio, a RTM-B, em
nenhum momento deixou de assimilar e incorporar os avanços na tecnologia da
comunicação. Em 1996 já fazia suas transmissões por via satélite, tecnologia que
estimulou a produção de programas ao vivo, buscando maior interação com os ouvintes,
assimilando o formado das rádios seculares AM e FM. Em 1998 inaugurou o site da
emissora – www.transmundial.com.br - disponibilizando ao público todas as
informações da rádio, como por exemplo, sua história, boletins informativos, redes
afiliadas, depoimentos dos ouvintes, linha editorial, dentre outras informações. Em
2000, a rádio começou a operar por 24 horas seguidas, e em 2002, começou a transmitir
sua programação pela internet, permitindo o acesso da rádio de qualquer lugar do
mundo, beneficiando ouvintes dentro e fora do país, conforme os depoimentos abaixo.
78
Meu nome é Miriam, vivo na Alemanha e sou ouvinte assídua desta
maravilhosa rádio que é uma benção para minha vida, principalmente
naqueles momentos que me sinto desanimada e com saudades do
Brasil. Conheci a Rádio Trans Mundial quando era criança, minha
mãe ouvia na madrugada e eu pensava que ela não existisse mais. Este
ano quando estava procurando rádios evangélicas para ouvir,
encontrei a Rádio Trans Mundial novamente, quase nem acreditei e
desde este dia não deixei mais de ouvir. [...] Que Deus abençoe a
todos e abraços meu aqui de Munique, Alemanha. Miriam Bendak.
Email, 2007 (Rádio Trans Mundial, Assembléia SP/2009, p.116).
Aqui é Viviani, moro no Japão e estou, sempre que possível, ligada na
Trans Mundial. Agradeço a Deus por vocês existirem pois longe da
minha família, da minha igreja [...] ficaria difícil viver sem a palavra
de Deus. Escuto muito o programa Um Amigo na Madrugada, pois
com doze horas de fuso, aqui é dia. Acompanho também o Pão Diário
e tudo o que me dá tempo de participar. Agradeço a Deus por vocês
terem este ministério tão precioso! Que a unção de Deus esteja sempre
sobre vocês. Viviani, email, 2007, Japão (Rádio Trans Mundial,
Assembléia SP/2009, p.114).
Os dados de acesso ao site da RTM-B e a rádio online em 2009 são
significativos, embora modestos diante do potencial que o recurso oferece.
ACESSO MENSAL AO SITE - 2009
79
ACESSO MENSAL A RÁDIO ONLINE EM 2009
2.7 O perfil dos ouvintes da RTM-B
A partir da década de 1930, as emissoras de rádio começaram a se espalhar pelo
Brasil no ritmo do aumento na aquisição de aparelhos receptores. De nove emissoras em
1932, o número elevou-se respectivamente para 18 em 1935, 31 em 1940 e 106 estações
em 1942. João Batista Borges Pereira, com base nos dados da Unesco, afirma que em
1952, “entre os países de língua portuguesa e espanhola, o Brasil colocava-se em
segundo lugar, com 2 milhões e quinhentos mil aparelhos” (PEREIRA, 2001, p. 62).
Em 1962 o Brasil, com 934 prefixos, já ocupava o primeiro lugar em números de
transmissoras entre os países de língua portuguesa e espanhola.
De 1970 até 1999, segundo as informações de Milton Santos,
O rádio vê quadruplicar seu número de emissoras entre 1977 e 1999.
[...] Com uma presença maciça tanto na cidade como no campo, o
rádio mostra-se bem eficiente no seu papel de transmissor de
informação e de elo de comunicação. Mais de 70 % de todos os
domicílios – urbanos e rurais – do Brasil possuíam, em 1995, um
aparelho de rádio (SANTOS, 2001, p. 241).
80
A mesma precisão de dados não se verifica quando o assunto é sobre a audiência
das emissoras de rádio. O pesquisador João Batista Borges Pereira, escrevendo sobre a
extensa rede de aparelhos receptores no Brasil na década de 1960 e sobre os milhares de
ouvintes distribuídos de maneira irregular por largos espaços físicos e sociais, destaca a
inexistência de dados sistemáticos sobre os ouvintes de rádio neste período.
Nenhuma investigação sistemática foi feita no Brasil sobre esta
categoria social. Aquilo que dele se sabe são os resultados de
levantamentos parciais, visando determinar diferentes índices de
audiência deste ou daquele programa, desta ou daquela emissora.
Enfim, são dados colhidos apenas para atender a interesses específicos
de mercado (PEREIRA, 2001, p. 29).
No caso da RTM-B, também não há uma investigação sistemática da audiência e
todas as inferências são feitas a partir do contato dos ouvintes com a rádio. Os
depoimentos são inúmeros e provenientes de diversas regiões do Brasil. Isto significa
uma expressiva cobertura das ondas sonoras em boa parte do território nacional, porém
não são garantia de que a audiência da rádio seja igualmente expressiva.
Os depoimentos por cartas, numericamente expressivos até o final da década de
1990, começaram a ser substituídos por emails, resultados da cultura digital em
expansão no país. Esses depoimentos demonstram o que os pesquisadores afirmam
sobre o rádio, ou seja, que a sua utilização como meio de comunicação, religiosa ou
secular, estabelece vínculos afetivos com os ouvintes fazendo da audição do rádio
necessidade constantes. Da análise das correspondências dos últimos cinco anos, um
detalhe chama a atenção, são escritas por ouvintes evangélicos agradecendo os
benefícios recebidos por meio da programação da emissora.
Ricardo Bitun (2007, p. 98), estudioso da mídia evangélica, acrescenta ainda,
que o uso dos meios de comunicação de massa permite que o ouvinte tenha uma
experiência religiosa mediada por esse meio. O fiel, na solidão de sua própria casa,
experimenta uma “apropriação do sagrado” fora do espaço físico da igreja.
A medição da audiência está muito relacionada com a natureza de uma rádio. Se
ela é comercial e depende da propaganda para sobreviver economicamente, a audiência
passa a ser o seu foco principal. Se é “missionária”, como a Rádio Trans Mundial,
poucos ou muitos ouvintes justificam a sua razão para existir e transmitir.
81
Lia Calabre informa que o rádio, a partir da década de 1930 e com a permissão
de inserção de propaganda comercial em sua programação, também passou a se
interessar pela audiência.
A forma mais comum para isso – medir a audiência - era a promoção
de concursos com distribuição de brindes, seguida pela análise da
correspondência recebida. Caso a reação do público fosse negativa, o
programa era reformulado ou retirado do ar. Quanto mais crescia o
número de emissoras, mas exigentes ficavam os ouvintes (CALABRE,
2002, pp. 25,26, grifo nosso).
Edmund Spieker, com base no número de aparelhos de rádio na década de 1970,
estimado em 23 milhões de unidades, e com base nas correspondências recebidas neste
período, estimava que 60% de todos os municípios brasileiros estavam sob o alcance
dos transmissores da Rádio Trans Mundial em Bonaire. No sul do país, este percentual
subia para 75% dos municípios (1982, p. 33).
A relação com os ouvintes sempre foi importante dentro da filosofia da Rádio
Trans Mundial. Um departamento específico de relacionamento com os ouvintes sempre
existiu e ainda existe na RTM. Por meio destas cartas era possível analisar o alcance da
emissora e o benefício que ela estava trazendo para ouvintes espalhados por diversas
localidades. As cartas sempre serviam para motivar as equipes envolvidas no processo
de produção e veiculação dos programas. Sabiam que vidas estavam sendo atingidas
pela programação, o que compensava todo e qualquer esforço realizado, ainda que a
maior parte dos ouvintes permanecessem no anonimato.
Pelos testemunhos e as inúmeras cartas que recebemos, sabemos que
o nosso auditório ouvinte no Brasil é imenso. Para estimar a audiência
de uma emissora, diz uma estatística da Europa: “1 escreveu, 5.000
gostariam de ter escrito.” Nos EUA se conclui: “1 escreveu, 10.000
escutaram”. Não temos um referencial absoluto para fixar o nosso
número de ouvintes no Brasil, onde em determinadas áreas ainda
existe o analfabetismo e um sistema de correio elementar. Mas
tomando por base apenas a média entre as estatísticas da Europa e dos
EUA, então baseando na média de cartas recebidas mensalmente entre
1978 e 1982, chegaríamos a 7.560.000 ouvintes por mês. Isso
realmente é maravilhoso (SPIEKER, 1982, pp. 53,54, grifo do autor).
82
Os depoimentos dos ouvintes sempre estiveram presentes em todos os relatórios
e publicações da Rádio Trans Mundial. Atualmente, em plena era digital, estas
informações detalhadas podem ser obtidas com facilidade no endereço eletrônico da
rádio.
O estímulo produzido pelas correspondências é evidente nos relatos de Edmund
Spieker (1982, p. 25), no depoimento histórico que produziu sobre os primeiros anos da
RTM no Brasil: “A entrada de cartas aumentava dia a dia. Em julho de 1970 já
registrávamos o milésimo ouvinte em nosso arquivo de endereços. No fim do mesmo
ano já recebíamos uma média de 500 cartas por mês.”
Outros depoimentos de Spieker podem ser destacados:
Muitas das cartas encaminhadas ao departamento de aconselhamento
espiritual são provenientes de alunos do curso bíblico por
correspondência “Viver como Cristão” que procuram maior
orientação. Este curso foi lançado em 29 de setembro de 1971 e mais
de 23.000 pessoas já participaram dele. Ana Giraldi, ex-missionária
entre os índios, que desde 1970 tem feito parte da equipe da RTM-B é
a pessoa que cuida minunciosamente do bom andamento deste setor.
Além do curso para ouvintes adultos, Ana, atende também o curso
bíblico por correspondência “Criança Feliz”. [...] Mais de 2000
crianças de todo o Brasil, desde 15 de agosto de 1978 têm participado
deste cursinho.
No decorrer dos anos foram muitas as cartas, os testemunhos e os
relatos que ouvimos. Aqui podemos fazer menção de uns poucos
apenas. Bem no interior de Piranhas - MA, um ouvinte escreve: “Aqui
nesta região há muitos crentes, os quais se converteram através de seu
programa. São poucos os meus vizinhos que possuem rádio, por isso
eu coloco o meu rádio aqui em casa na janela, que dá para a rua,
ponho o volume no máximo e assim todos ouvem os programas.
Pessoas que vivem em áreas remotas têm testemunhado da
importância da RTM em suas vidas. De Ji-Paraná (Rondônia):
“Irmãos, moramos muito distantes da Igreja. São 28 Km a é ida e
volta. Agradecemos a Deus por este programa que chega em nossa
casa todos os dias. Eu sou crente há mais de três anos, mas ainda não
tinha ouvido explicações tão boas como as suas sobre a Palavra de
Deus.”
Ler a correspondência na RTM é algo emocionante. Dia após dia
recebemos cartas de todas as partes do Brasil. O conteúdo é o mais
diverso e reflete a situação espiritual de nossos ouvintes. Baseados
nestas informações podemos ainda melhor dirigir a mensagem
(SPIEKER, pp. 40, 41, 44, 45).
83
No decurso dos 40 anos de existência e transmissão da Rádio Trans Mundial, a
manifestação dos ouvintes sempre se fez presente. Cartas e fotos estão acumuladas na
sede da RTM em São Paulo, como testemunho desse contato com os ouvintes,
principalmente no período de forte audiência das ondas curtas, quando o aparelho de
rádio era o único meio de contato com o mundo exterior, especialmente em regiões
remotas do Brasil. As cartas, deste período, estão marcadas por expressões de gratidão,
por depoimentos de conversão e de bem estar espiritual recebidos por meio das
transmissões da emissora.
Com a integração via satélite das comunicações no Brasil, tecnologia cujo
acesso se popularizou a partir da década de 1990, a audição das rádios de ondas curtas
em geral, e também da Trans Mundial, sofreu um retrocesso significativo. Outros meios
de comunicação, principalmente a televisão, ficaram disponíveis para a população do
país, mesmo nas regiões mais longínquas.
Com a difusão da internet, em ritmo crescente desde o final da década de 1990
até hoje, de acordo com Solange Dias Mendes19, a frente do Setor Ministerial e de
Atendimento ao Público desde 1993, “as cartas enviadas diminuíram progressivamente,
sendo substituídas por emails. O conteúdo das mensagens também sofreu uma alteração
significativa com a mudança do meio de comunicação. As cartas eram longas,
detalhadas, carregadas de sentimentos. O ouvinte queria contar um pouco da história de
sua vida. Os emails são curtos, objetivos, apressados, mais impessoais, destacando esta
ou aquela preferência específica do ouvinte sobre a programação da rádio” (informação
verbal).
De acordo com José Carlos dos Santos, atual diretor executivo da Rádio Trans
Mundial, quando questionado sobre o perfil dos ouvintes da rádio, respondeu:
Pelo rádio em Ondas Curtas, AM e FM20, a maior parte dos ouvintes
da Rádio Trans Mundial pertencem às classes sociais C e D, mais
19
Informação fornecida por Solange Dias Mendes, reponsável pelo setor ministerial e de atendimento ao
público, em São Paulo, em Outubro de 2010
20
OC (ondas curtas) É a modulação em amplitude (AM), cuja portadora está compreendida na faixa de
frequencia de 4.950 kHz até 26.100 kHz.
AM – Amplitude Modulada – Quando o sinal modulador da mensagem de radiofrequencia, que se
propaga do transmissor, é recebido pelo portador de um aparelho de rádio em sintonia com faixa de ondas
médias. As faixas de OM (onda médias), OT (onda tropicais 62,90 e 120 m) e OC (ondas curtas 49,31,
25,15,13m) adotam este tipo de modulação. AM é designativo deste tipo de modulação. OM é designativo
de uma faixa de freqüência.
84
identificados com esse veículo de comunicação. Pela Internet,
alcançamos mais as classes sociais A e B, mais integrados com a
comunicação digital (Informação verbal, 14.10.10 – na RTM-B).
A RTM-B procura em seus boletins informativos impressos ou pela internet, dar
amplo destaque as comunicações feitas pelos ouvintes, por carta, telefone ou por email.
É uma forma de legitimar a sua existência dentro do cenário evangélico brasileiro e de
continuar sensibilizando os seus mantenedores.
Fora esses contatos dos ouvintes com a Rádio Trans Mundial, não existe
nenhuma pesquisa científica de sua audição no Brasil. Todas as informações estatísticas
são elaboradas e publicadas apenas com bases nestes relatos esparsos, importantes como
base ideológica, mas sem precisão científica.
No relatório impresso referente ao exercício de 2009, apresentado na Assembléia
Geral da RTM-B, realizada uma vez por ano, com a presença dos sócios mantenedores,
dois terços das duzentas e quarenta e uma páginas desta prestação de contas contêm
depoimentos isolados dos ouvintes da RTM-B, no Brasil e no mundo, desde 2005. Da
página 83 à página 234, os depoimentos são repetidos à exaustão, prefaciados com as
seguintes palavras:
Frutos do nosso trabalho. Todo o material recebido como resposta ao
nosso trabalho pode ser observado através dos testemunhos relatados
em cartas, telefonemas, emails. Extratos gerais da Rádio Trans
Mundial. O que dizem nossos ouvintes (Relatório da Diretoria
Referente ao Exercício de 2009. Rádio Trans Mundial. Assembléia
SP/2009, p.83).
Enquanto empresa sem fins lucrativos, de natureza missionária, cujo objetivo é a
transmissão do discurso religioso, a questão da medição da audiência não é a mais
relevante para a RTM-B. Porém, isto não implica que haja um desinteresse pela
FM – Frequencia Modulada – “Sistema de transmissão em que a onda portadora na faixa 88 a 108 Mhz é
modulada em freqüência, ou seja, a moduladora, que é a informação na faixa de audiofrequencia, altera a
freqüência central da emissora em função de sua intensidade e de sua freqüência. O processo em FM é
submetido a menor incidência de ruído e lhe é inerente uma faixa mais ampla de reprodução do áudio, o
que lhe dá maior fidelidade (César Cyro, 1990)
85
audição. O constante investimento na produção de programas com qualidade, a
programação “ao vivo” durante várias horas do dia, a permanência no ar por 24 horas, a
possibilidade do acesso digital e, mais destacadamente, a busca de parcerias com
emissoras AM e FM em várias localidades do país são indícios suficientemente fortes
do empenho da Rádio Trans Mundial no Brasil por uma audiência maior.
Karina Bellotti, analisando outra produção de mídia, menor em sua expressão,
mas semelhante na tradição histórica protestante, afirma que a não preocupação com a
medição da audiência,
Longe de ser desinteressada, visa a uma lógica: a de atrair somente
quem estiver preparado para ouvir e entender a mensagem cristã.
Precisar da mensagem cristã, na visão teológica cristã, todo mundo
precisa, mas no caso da tradição protestante reformada, a conversão
não ocorre de uma hora para outra; é mais um processo.
O apelo às massas é atraente para qualquer igreja, mas na visão
protestante reformada, isso esconde o perigo da corrupção da
mensagem. Agradar a todos significaria subjugar Deus às vontades de
todos (BELLOTTI, 2003, p. 47).
Em agosto de 2009, na comemoração dos 40 anos de existência da Trans
Mundial no Brasil, uma pesquisa foi feita pela própria rádio a fim de definir o perfil de
seus ouvintes. Foram pesquisados ouvintes por telefone, email, cartas. Outros foram
estimulados por chamadas ao vivo, dentro da programação.
De um total de 207 ouvintes entrevistados, 57% são homens e 48% têm entre 36
e 55 anos de idade. 95% dos entrevistados se consideram evangélicos, destes, 31%
pertencem à igreja Assembléia de Deus e 20 % pertencem à Igreja Batista. Os outros
49% estão divididos entre variadas denominações. Quase a totalidade dos ouvintes é
alfabetizada, 99%.
A cidade com maior audiência é Goiânia. Os Estados com maior audiência são
Goiás e São Paulo. A maior parte dos ouvintes escuta a Trans Mundial pelas emissoras
afiliadas, o que mostra que a estratégia da rádio para buscar visibilidade utilizando
emissoras regionais está dando certo. Um número expressivo de ouvintes, 36%,
acompanha a Trans Mundial pela internet, confirmando a cultura digital em expansão
no país.Na maior parte dos estados a audiência é inexpressiva, ou ausente, como na
região amazônica. Vale lembrar que na década de 1970, os Estados da Amazônia se
destacaram pela grande audiência da Trans Mundial a partir de Bonaire.
86
O resultado da pesquisa foi transformado em gráficos que reproduzimos abaixo.
Sexo
119
88
Masculino
Feminino
119 - Homens
88 - Mulheres
Total = 207 ouvintes.
Ouvintes pesquisados
Faixa Etária
FAIXA ETÁRIA
4655
a 55
3644
a 45
2638
a 35
10 a 14
15 a 25
5635
a 65
26 a 35
36 a 45
1521
a 25
46 a 55
56 a 65
666
ou +
101
a 14
A) 0,5 % - 10 a 14 anos
D) 21,3% - 36 a 45 anos
B) 10% - 15 a 21 anos
E) 26,7% - 46 a 55 anos
C) 18% - 26 a 38 anos
F) 17,5% - 56 a 65 anos
G) 3% - 66 ou mais
Faixa Etária Predominante
Obs.: 7 não responderam
Divisão por faixa etária
Cidades com mais ouvintes
1%
5%
Cidades com 1 ouvinte
14%
Cidades entre 2 a 5
ouvintes
Cidades entre 6 a 10
ouvintes
80%
Cidades com mais de 10
ouvintes
Cidades com mais ouvintes:
1º - Goiãnia GO = 16
3º - Nova Russas CE = 6
2º- São Luiz MA = 12
4º - Osasco SP = 6
5º - São Paulo SP = 5
Distribuição por cidades
66 ou mais
87
Estados
citados
ESTADOS
QUE PARTICIPARAM
35
34
30
25
15
9
3
1
5
1
8
7
3
2
7
3
1
São Paulo
Rondônia
Santa Catarina
Ceará
Goiás
Distrito Federal
Paraná
Bahia
Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
Pernambuco
Piauí
Minas Gerais
Rio Grande do Sul
Tocantins
Maranhão
Rio de Janeiro
Pará
8
Estados com mais participações:
1º Goiás = 35 ouvintes
2º São Paulo = 34 ouvintes
3º Minas Gerais = 30 ouvintes
4º Mato Grosso = 25 ouvintes
5º Maranhão = 15 ouvintes
6º Ceará = 9 ouvintes
Distribuição por Estados
Estados com mais participações:
1º Goiás = 35 ouvintes
2º São Paulo = 34 ouvintes
3º Minas Gerais = 30 ouvintes
4º Mato Grosso = 25 ouvintes
5º Maranhão = 15 ouvintes
6º Ceará = 9 ouvintes
De 1 a 8 ouvintes.
Estados com participação zero.
Estados com maior participação
Profissões mais Citadas
56
95
Dona de Casa
30
Autônomo
21
Professor
13
Vigilante
8
7
7
7
7
6
6
Dona de Casa
Autônomo
Professor
Vigilante
Costureira
Func. Público
Aposentado
Comerciante
Agricultor
Estudante
Outros
Profissão dos Ouvintes
88
1 - 2º Grau Completo 26%
ESCOLARIDADE
Escolaridade
1 grau incompleto ou em
curso
1%
2 -11ºgrau
Graucompleto
Completo 25%
4%
19%
17%
3 -21ºgrau
Grauincompleto
Imcompletoou
19%
em
curso
4 -2Superior
Completo 17%
grau completo
Completo 8%
5 -Superior
2º Grau Imcompleto
25%
26%
incompleto
6 -Superior
Superior em
curso 4%ou
em curso
8%
ñ alfabetizado
7 - Não alfabetizado 1%
Escolaridade dos ouvintes
Denominações Citadas
RELIGIÃO
31% Assenbléia de Deus
20%
31%
20% Batistas
20% Outras
95 % Evangélico/Protestante
4% Católico
1 % Católico Ortodoxo
0% Sem Religião
10%
10% Não tem Denominação
3%
9% Presbiterianos
3%
4% Congregação Cristã
4%
20%
9%
3% Deus é Amor
3% Metodistas
Denominações
Denominações mais Citadas
64
42
41
20
19
8
7
6
Assembléia de Deus
Batista
Presbiteriana
Congregação Cristã
Deus é Amor
Metodista
64 - Assembléia de Deus
41 - Batistas
19 - Presbiterianos
08 - Congregação Cristã
07 - Deus é Amor
06 - Metodistas
20 - Não tem denominação
42 - Outras
Não tem
Outras
Religião
– Denominações
dos ouvintes pesquisados
Linha do Tempo
Quanto tempo do dia
ouvem a RTM ?
25% ouvem
dia todo ? 25%
Ouvem o Dia Todo
Horários Mais Ouvidos
75% Ouve Tempo Parcial
75% ouvem
tempo parcial
Horários de maior audição
89
Como Ouvem
Total 225
ouvintes. 18
responderam
que ouvem
tanto por
radio, como
por internet.
26
53
Internet
39
Podcast
2
OC
FM
AM ou OM
105
64 % ouvem por Radio
36%
36 % ouvem por Internet
64%
Audição pelo Rádio e Internet
2.8 Programação e conteúdo
A programação da RTM sempre teve como objetivo levar mais do que a mera
informação ou o entretenimento para os ouvintes, queria na verdade, levar valores que
pudessem fazer a diferença em suas vidas ou contribuir de forma positiva para sua
evolução humana, certamente pensado dentro de um contexto histórico-cultural
alinhado com a tradição protestante.
Como veículo de comunicação de massa, a RTM nunca pretendeu neutralidade
religiosa. Houve a todo instante uma mobilização consciente da mídia para mudar as
atitudes das pessoas, o que Burke denomina de “propaganda religiosa” (2006, p. 105).
Seus objetivos foram claramente delineados desde sua origem, ou seja, produzir
programas de qualidade, tendo a Bíblia Sagrada como parâmetro infalível para fazer
uma leitura dos acontecimentos históricos, políticos, sociais, culturais, relacionando-os
com as questões espirituais, definindo padrões ou referências éticas, morais,
comportamentais capazes tanto de interferir na vida dos ouvintes como em reforçar suas
convicções religiosas. “No campo da construção de sentido por meio das
representações, o “real” é sempre um dado construído historicamente conforme o
prisma de quem se apropria dele” (BELLOTTI, 2003, p. 44).
Na sua programação, a Rádio Trans Mundial apropria-se do real e dá sentido a
ele a partir das referências bíblicas como base de comportamento para todas as pessoas.
90
Por sua natureza interdenominacional e vocação missionária, o conteúdo de sua
programação não aborda questões polêmicas no universo doutrinário dos diversos
“protestestantismos” brasileiros, optando sempre pelos temas de consenso. Sobre isto,
observou Spieker:
O Conselho de Programação da RTM-B, bem como a equipe de
produção tem estado alerta às necessidades de tão grande auditório. É
grande a variedade dos programas que são dirigidos a descrentes e
crentes, crianças, jovens e adultos. São abordados assuntos como
Salvação, Edificação, Mordomia, há um programa de clínica pastoral,
séries sobre Espiritismo, drogas, tóxicos e pornografia, bem como
comentários sobre notícias e fatos da vida. São diversas também as
formas de abordagem: pela exposição bíblica, testemunho, entrevista,
dramatização, painel, palestra e comentário. [...] Além dos redatores e
produtores da própria RTM-B, contamos na produção dos programas
com a colaboração voluntária de pastores e obreiros de diversas
denominações evangélicas e de um grupo de jovens e crianças. [...]
Deus nos deu o privilégio de lançar a boa semente pelos ares deste
imenso Brasil e maravilhados assistimos como o Seu Espírito opera
uma colheita realmente abundante (SPIEKER, 1982, p. 48).
Existem quatro blocos padrão, apresentados por locutores diferentes cuja
programação está descrita abaixo:
1º. Bom Dia RTM – de 2ª a Sábado das 08h00 às 12h00.
Programa diversificado de entretenimento, estudo bíblico, musical, jornalismo e
edificação espiritual.
2º. Espaço Trans Mundial – de 2ª a 6ª das 14h00 às 18h00.
Programa diversificado de entretenimento, estudo bíblico, musical, jornalismo e
edificação espiritual.
3º. Um Amigo na Madrugada – de Domingo a Domingo das 00h00 às 04h00.
Oferece companhia para o ouvinte da madrugada, edificação espiritual, música e
informação.
4º. RTM em Bonaire – De Domingo a Domingo das 04h00 às 06h00 e das
20h00 às 21h00.
A programação se alicerça em: Bom Dia RTM, Espaço Trans
Mundial, Noite RTM e Amigos da Madrugada. No meio de tudo isso
91
estão os programas, como Rota 66, Mulheres de Esperança, Sons do
Coração, Através da Bíblia, entre outros.
Certamente este não é um trabalho fácil. Muito amor e dedicação são
transmitidos diariamente pelas ondas do rádio (Informativo da Rádio
Trans Mundial, 1º Trimestre, 2009, pp. 18,19).
Os demais programas estão inseridos dentro destes quatro blocos padrão. São
programas variados, abordando os mais diferentes temas da vida cristã.
INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Amigos do Rádio. Informações técnicas para radiofusores, amadores e dexistas,
apresentado cinco vezes por dia.
ESTUDO BÍBLICO:
Através da Bíblia. Estudo sistemático de toda a Bíblia como comentários
capítulo por capítulo. (cinco vezes por dia)
Conversando com Luiz Sayão. Programa de perguntas e respostas sobre
questões cristãs em geral feitas pelos ouvintes através de emails ou cartas. (quatro vezes
por dia)
Didática. Programa que responde a questões doutrinárias básicas. (diário,
inserido em vários horários)
Rota 66. Estudo expositivo pelos 66 livros da Bíblia, culminando com lições
cristãs práticas com produção e apresentação do Pr. Luis Sayão. (quatro vezes por dia)
EDIFICAÇÃO:
Boletim de Oração do Projeto Ana. Programa diário com leitura do pedido de
oração do dia que consta no boletim de oração do Projeto Ana com acréscimo de dados
sobre o projeto.
Mensagem para Hoje. Programa da Umbet – União Missionária Brasileira que
oferece oportunidade de ouvir a palavra de Deus sob aspectos práticos. Programa diário
apresentado em horários variados.
Palavra Viva. Passagens bíblicas lidas nas várias edições da Bíblia e para
situações específicas: tristeza, medo, ansiedade, gratidão, etc. Diário.
Pão Diário. Leitura do Devocional Pão Diário do ano corrente, apresentado
diariamente e em diversos horários.
92
Ponto de Partida. Programa diário onde são apresentas pequenas mensagens
interpretando os fatos da vida.
EVANGELIZAÇÃO
Boas Novas.
Meditações sobre os Evangelhos, produzidos pela HCJB,
apresentados duas vezes por semana e aos domingos.
Dia a Dia. Mensagens pregadas pelo Pr. Paschoal Piragine Jr., da Primeira
Igreja Batista de Curitiba – PR, apresentados de 2ª a 6ª às 13h00.
A fé vem pelo ouvir. Gravação dramatizada do Novo Testamento produzida
pela Sociedade Bíblica do Brasil e reproduzida diariamente em diversos horários da
programação da emissora.
Hora da Irmandade. Programa produzido pelo Pr. Mário Hort da Igreja de
Deus. São mensagens bíblicas que sempre estão relacionadas a algum acontecimento do
momento. Aos domingos.
Louvor e Salvação. Programas de mensagens, músicas instrumentais e
evangelização, produzidos e apresentados pelo Exército da Salvação aos sábados e
domingos.
Meditações. Programa produzido pela HCJB com mensagens para a vida cristã
e para o fortalecimento espiritual, apresentado aos sábados.
Palavra do Pastor. Mensagens de cunho evangelístico apresentadas por
pastores de diferentes denominações que são convidados para trazer uma mensagem
para os ouvintes. Programa diário com quatro exibições.
Paz e Segurança. O púlpito no rádio. Exposição da Palavra de forma direta ao
ouvinte. Exortação, evangelização, edificação. Programa gravado ao vivo na Igreja
Batista de Vila Mariana, São Paulo, e apresentado em dois horários aos domingos.
Um Tempo com Deus. Meditações e orações de No Cenáculo, da Igreja
Metodista. Produção e apresentação: Bispo Nelson Luiz Campos Leite. Apresentado as
quartas e sábados.
ENTRETENIMENTO – Segmento infantil, jovens e mulheres.
Atletas no Ar. Programa levando a Palavra de Deus no mundo do esporte
amador e profissional. Voltado para quem gosta de esportes com dicas para a boa forma,
93
notícias do mundo esportivo em geral, eventos, entrevistas. Apresentado sexta e
reapresentado aos sábados e domingo.
Clubinho do Pijama. Programa infantil com música, entretenimento, conteúdo
pedagógico-teológico e histórias bíblicas interpretativas. Apresentação aos domingos e
durante a semana.
Entre Amigas. Programa dedicado à mulher preocupada com sua vida familiar,
seus afazeres e seu relacionamento com Deus. Apresentado às segundas-feiras com
repetição durante a semana.
Entrevista. Entrevistas diversas feitas pelos produtores sobre temas relevantes
do cotidiano cristão e com personalidades conhecidas. “Entrevistas sempre são bem
recebidas pelo público. [...] Uma entrevista bem-feita valoriza a emissora, engrandece
seu horário e o mais importante, entretém o ouvinte” (CYRO, 2002, p.100).
Apresentado e reapresentado ao longo da semana.
Hora do Pijama. Histórias bíblicas infantis interpretativas para serem escutadas
antes de dormir, apresentado de segunda à sexta.
Na Contramão. Programa dedicado à juventude com músicas, entrevistas,
temas relacionados ao universo dos jovens e com possibilidade de participação dos
ouvintes. Quartas feiras com repetição em outros dias da semana.
Vida em Família. Parceria entre a RTM e o Ministério Oikos, ministério cristão
de apoio à família, apresentado quatro vezes por semana.
BIOGRÁFICOS
Perfil. Programa biográfico de cantores cristãos. Uma viagem musical às
canções que marcaram uma geração. Apresentado aos finais de semana e repetidos em
outros dias e horários.
Biografia. A vida e a história daquelas pessoas da Bíblia que ousaram confiar e
andar com Deus. Programa diário, apresentado em diferentes horários.
Arquivo RTM. Um programa que mostra um pouco do arquivo histórico da
RTM com os programas que foram ao ar ao longo dos 40 anos de existência da rádio.
Disponível em gravação anexa.
Relatos de fé. Testemunhos de transformações espirituais apresentados aos
domingos com repetições na semana.
94
MUSICAIS
Diário de Viagem. Relatos das viagens realizadas por Wesley e Marlene,
divulgadores do trabalho da RTM no Brasil, com testemunhos e inserções musicais.
Programa apresentado eventualmente.
Musical RTM. Programa com uma seleção das melhores músicas cristãs,
apresentadas sem intervalos e em horários alternados ao longo da semana.
Hinos que tocam. Um momento especial com hinos clássicos que falam ao
coração. Em diversos horários durante a semana.
Sons do coração. Reflexões e meditações sobre adoração além de entrevistas
com músicos e compositores cristãos. Programa produzido e apresentado por Nelson
Bomilcar, músico conhecido no campo evangélico brasileiro.
JORNALÍSTICO e INFORMATIVO
Atualidades RTM. Programa semanal que mostra os bastidores da RTM e de
quem trabalha na rádio, apresentada às sextas-feiras com repetições na semana.
Boletim Rural. Programa diário de notícias voltado para o público das áreas
rurais.
Entenda o que acontece. As notícias são explicadas de maneira didática para
que o ouvinte compreenda o que acontece ao seu redor.
Falando sério. Utilidade pública com dicas práticas para o bem-estar social e
conclusão bíblica reflexiva.
Fé e Sociedade. Pequena análise de assuntos e acontecimentos atuais da política,
economia e cultura sob o prisma cristão. Apresentação e produção do Pastor Luiz
Sayão.
Giro Missionário. Traz notícias do campo missionário e reflexão sobre o
chamado para a responsabilidade de levar o evangelho a outros povos.
Magazine. Os destaques das principais revistas semanais brasileiras e das
revistas cristãs.
Missão Notícia. Programa que atualiza diariamente os acontecimentos
missionários no Brasil e no mundo.
Nota do Minuto. Pequenas notícias atemporais sobre missões, saúde,
comportamento e curiosidades em geral.
95
Notícias da hora. A informação resumida dos principais fatos da última hora.
São flashes informativos dos acontecimentos, atualizados de hora em hora, presentes em
todos os programas.
Pensamento Verde. A ecologia e o meio ambiente descrita de maneira séria
através das últimas notícias.
Radiografia. Esclarecimentos médicos a respeito de assuntos ligados á saúde e
bem estar.
Resumo das notícias do dia. Resumo das principais notícias da manhã e do dia
através de uma visão sensata á luz da Palavra de Deus.
Revista RTM. Resumo das principais notícias da semana.
Mulheres de Esperança. Programa semanal que aborda temas ligados à mulher,
com entrevistas, músicas, testemunhos, com aplicação dos princípios bíblicos para a
vida diária.
Seguindo as tendências das rádios modernas, inseriram em sua grade de
programação as notícias seculares, as notícias esportivas, prestação de serviços,
destaques das principais manchetes de jornais e revistas de expressão nacional, além das
músicas cristãs contemporâneas, a matéria–prima principal tanto das emissoras
seculares como cristãs.
A RTM-B conta com profissionais capacitados na produção e na técnica, além
de três equipes de locução que se comunica com os ouvintes no mesmo estilo das rádios
seculares. Mesmo não possuindo natureza comercial, procura acompanhar de perto as
tendências das emissoras comerciais, buscando estabelecer uma identificação com o
cotidiano dos ouvintes, procurando cativá-los.
Grande parcela da massa de ouvintes do rádio é formada por pessoas
simples, de população de baixa renda, que ligam muitas vezes o rádio
em busca de lazer, divertimento e identificação com um amigo. É este
público que consagra e mistifica seus comunicadores gerando-lhes
audiência certa todos os dias. Já uma outra parcela do público também
busca no rádio a informação, a notícia, a utilidade pública e a
prestação de serviço. Como é um veículo instantâneo e de grande
mobilidade na forma de trazer a notícia, possui grande credibilidade
por parte do público (CYRO, 2002, p. 92).
Alexandre Brasil Fonseca (2003, pp. 276, 277), escrevendo sobre o impacto da
mídia – rádio e televisão – na conversão das pessoas entende que seu impacto é mais
96
confirmatório do que decisório, ou seja, reforça as convicções ou influencia àqueles que
já estão inseridos no contexto religioso específico. “Há consenso na literatura de que a
audiência dos programas religiosos é composta na sua grande maioria por fieis das
religiões que os produzem.”
Embora reconheça, em certa medida, que a adesão de novos fiéis seja mediada
pelo contato pessoal, mais que pelo rádio ou televisão, também constatou em suas
pesquisas de campo que 31% dos evangélicos entrevistados, atribuem à mídia,
especialmente ao rádio, uma influência em sua conversão.
“A influência do rádio e da televisão na conversão por denominação
encontrada foi: Rádio: Renovada (43.2%); Pentecostal (36.6%);
Universal (32.0%); Assembléia de Deus (21.2%); Batista (219.9%) e
Tradicional (14.6%) (FONSECA, 2003, p. 278).
97
CAPÍTULO 3 - ONDAS AO CÉU E PRODUTO NA TERRA: A RTM E A
PRODUÇÃO DE BENS SIMBÓLICOS.
A RTM do Brasil nasceu com propósito exclusivamente missionário, não
mercadológico. Seguia os mesmos princípios da RTM internacional, isto é, ser uma
missão de fé, dependente apenas de Deus, não diretamente ligada a uma denominação
específica, mas procurando servir a todas elas. Ruth A. Tucker diz que, desde o início,
as missões de fé se associaram “aos evangélicos conservadores e a maioria dos recrutas
não tinha curso superior ou era formada por institutos bíblicos ou faculdades cristãs, tais
como Nyack, Moody e Wheaton” (1986, p. 309). Paul Freed, fundador da RTM,
estudou em Wheaton e Nyack, instituições que exerceram forte influência neste modelo
de sustento financeiro adotado pela Trans Mundial. Tucker também ressalta a
importância das missões de fé no contexto missiológico do século XX.
O termo missões de “fé” é geralmente associado às missões cujas
normas financeiras não garantem uma renda fixa para seus
missionários [...] professando, assim, confiar inteiramente em Deus
para as suas exigências financeiras. [...] Os missionários da “fé” eram
motivados pelo quadro mental vívido do inferno. Para eles, o
propósito das missões era salvar as almas perdidas do tormento eterno
do fogo e enxofre.
“A maioria das inovações nas missões do século XX foram
introduzidas pelas missões de fé”, segundo Kane, “incluindo o rádio,
aviação, cursos bíblicos por correspondência, discos evangélicos, fitas
cassetes, evangelização por saturação e educação teológica por
extensão”. [...] O evangelho era claramente apresentado e os
convertidos entregues aos cuidados de sociedades missionárias locais
e igrejas. [...] As missões de fé evangelísticas independentes,
combinadas, se tornaram a força missionária mais poderosa que o
mundo já conheceu (TUCKER, 1986, pp. 309, 310, grifo do autor).
Tanto o princípio do sustento, a motivação ideológica, como as estratégias
adotas pela RTM internacional, ajustavam-se com o ideário das missões de fé das
primeiras décadas do século XX, especialmente após a II Guerra Mundial. A
preocupação era a de anunciar o evangelho ao maior número de pessoas possível –
evangelização por saturação -, utilizando de todos os recursos disponíveis e entregar os
convertidos aos cuidados das igrejas.
98
Fiel a esses princípios, a Rádio Trans Mundial internacional e no Brasil nasceu
com o objetivo de não expor suas necessidades financeiras aos ouvintes e nem estimulálos a contribuírem por meio de sua programação. Seu sustento dependeria de cristãos e
igrejas comprometidas com a sua visão e que se associassem financeiramente a ela, o
que aconteceu no contexto histórico internacional e nacional.
Edmund Spieker, em sua primeira visita a ERF (Rádio Trans Mundial na
Alemanha), diante dos custos com sua estrutura e do sustento de quase cinqüenta
funcionários perguntava para si mesmo:
Mas de onde vem os recursos para sustentar um trabalho destes? Esta
perguntava me acompanhava todos aqueles primeiros dias. Eu
entendia que um orçamento para uma obra de tamanhas proporções
deveria ser algo fantástico. E de fato, no ano de 1969 foram doados
apenas ao trabalho da ERF na Alemanha, uma soma em torno de US$
1 milhão de dólares. E o que dizer da RTM como um todo? Quando
conheci melhor os homens que fundaram e lideravam esta missão de
rádio, entendi que estava diante de um milagre de Deus em nossos
dias. Naqueles corações ardia a verdadeira paixão pelas almas
perdidas (SPIEKER, 1982, p. 9).
No Brasil, a RTM se estruturou em torno de sócios mantenedores, ligados as
denominações evangélicas de imigrantes alemães, os primeiros a se comprometerem
com o sustento, infra-estrutura, administração e divulgação da rádio. Ligada em sua
origem aos alemães do chamado “protestantismo de imigração”, o objetivo era levar
prioritariamente aos brasileiros a mensagem do evangelho.
A manutenção da estrutura da RTM-B, dos custos gerados para a produção dos
programas, lembra os primeiros anos de existência do rádio no Brasil no final da década
de 1920 e início da década de 1930, anterior ao surgimento da rádio comercial, que
dependia de associados para sobreviver, conforme observou Lia Calabre,
A fórmula utilizada, então, para a criação de uma nova emissora era a
da formação de uma rádio-sociedade, que previa em seus estatutos a
existência de associados com obrigação de colaborar com uma
determinada quantia mensal. A verba arrecadada dessa forma era a
principal, senão a única, fonte de renda das emissoras. Muitas pessoas
se associavam, mas poucas se mantinham pagando regularmente as
99
mensalidades. Eram tempos difíceis para as rádio-sociedades
(CALABRE, 2002, p. 12).
É bom ressaltar que essa fórmula adotada no Brasil de uma “radio-sociedade”
estava alinhada com uma ideologia que via o rádio como promotor da educação e da
cultura. A sua utilização comercial poderia submetê-lo a outros interesses e interferir na
qualidade de sua programação.
Edgard Roquette Pinto (1884 – 1954), também
chamado de “o pai do rádio” do país (CYRO, 2009, p. 46), estava tão convicto da
função cultural do rádio que, percebendo que não seria possível manter a rádio fundada
por ele, com objetivos estritamente educativos e culturais, diante das mudanças que o
mercado impunha, preferiu ceder os direitos da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro para
o governo do que para a iniciativa privada, a fim de seu objetivo cultural fosse
preservado. Foi fiel a seus princípios.
Esta fase do amadorismo do rádio brasileiro, anterior a fase de seu uso
comercial, levou as primeiras emissoras a enfrentarem inúmeras dificuldades
econômicas, refletidas no constante surgimento e desaparecimento de muitas delas.
A crise só foi superada com as regulamentações feitas a partir de 1932, que
liberou a transmissão de propaganda comercial e também deu início ao processo de
popularização do rádio, doravante mais adaptado aos gostos populares. Cesar Cyro
destaca a popularização do rádio a partir da década de 1930.
A partir da década de 30, o rádio começa a se popularizar voltando-se
para o lazer e o entretenimento. No lugar dos concertos e palestras,
passou a executar músicas populares, reservando horários para
humorísticos e para os famosos programas de auditório.
Nessa época, os empresários notaram que o rádio era um veiculo
eficaz para veicular seus produtos, principalmente pelo grande número
de analfabetos no país. A elevação da quantidade de anúncios pagos
criou a possibilidade de o rádio crescer (CYRO, 1990, p. 40).
Gisela Swetlana Ortriwano afirma que a inserção da propaganda comercial no
rádio alterou, conforme já era esperado, o próprio conteúdo de sua mensagem, que
perdeu o viés “educativo” e transformou-se no veículo mais eficaz de comunicação
popular.
100
A introdução de mensagens comerciais transfigura imediatamente o
rádio: o que era “erudito”, “educativo”, “cultural” passa a transformarse em “popular”, voltado ao lazer e à diversão. [...] Com o advento da
publicidade, as emissoras trataram de se organizar como empresas
para disputar o mercado. [...] A preocupação “educativa” foi sendo
deixada de lado e, em seu lugar, começaram a se impor os interesses
mercantis (ORTRIWANO, 1985, p. 15).
Tais observações históricas são importantes para destacar que a Rádio Trans
Mundial, desde sua origem, caminhou na contramão das rádios comerciais, se
assemelhando as primeiras rádios-sociedades que dependiam do sustento daqueles que
simpatizassem com seus objetivos.
No Estatuto da Rádio Trans Mundial, Artigo 6º, lemos que “A RTM é composta
por um número ilimitado de associados, pessoas físicas, que compartilham seus
objetivos, suas finalidades e as bases de suas atividades” (Estatuto da RTM, 10 de Abril
de 2010). Embora aberta para um número ilimitado de associados, na prática, o que se
observa é que esse número é bem restrito, de acordo com informação verbal do atual
Diretor Executivo, José Carlos dos Santos, são “vinte e um associados, pessoa física,
que dão seu nome, tempo e 65% do sustento que a rádio necessita, sendo os maiores
contribuintes os descendentes de alemães.”21
No Relatório da Diretoria da RTM-B, referente ao exercício de 2009, permanece
ainda o mesmo entendimento. Agradecem os “apoiadores da rádio”, entenda-se
principalmente os parceiros financeiros. “Os apoiadores são aqueles que oram, aqueles
que sustentam financeiramente, aqueles que divulgam e os que fazem parcerias” (Rádio
Trans Mundial, Assembléia SP/2009, p. 4).
Destaca-se também que os ideais culturais que a elite brasileira, ligada ao
surgimento do rádio, tinha na década de 1930, eram semelhantes aos ideais de Paul
Freed na década de 1960 – o rádio deveria difundir exclusivamente a “cultura”
evangélica, sem qualquer envolvimento comercial, princípio incorporado pela Trans
Mundial brasileira.
21
Notícia fornecida por José Carlos dos Santos, Diretor Executivo da RTM-B, em São Paulo, em outubro
de 2010.
101
No Estatuto da RTM-B esse propósito cultural e não comercial também é
evidente.
A RTM tem por fim propagar o Evangelho de Jesus Cristo na sua
pureza e integridade, bem como promover a vida cultural e
educacional através do rádio, da televisão, e também pela adição,
produção e distribuição de literatura e de outros meios de
comunicação, tendo em vista a formação do caráter cristão que
expresse a responsabilidade perante Deus e a Pátria (Capítulo I, Artigo
3º).
Até este momento, a ação do marketing22, que transforma tudo, até mesmo a
religião em mercadoria, não fizera sentir sua força. Edmund Spieker em 1982, diante da
capacidade de transmissão da Rádio Trans Mundial, destacava que todo o sustento da
rádio provinha de ofertas.
De monte Carlo, Bonaire (Antilhas Holandesas, Suazilândia (África),
Guam (Pacífico) Sri-Lanka (Índia) e Chipre no Mediterrâneo, o
Evangelho é proclamado num total de 72 idiomas e com 6.000.000 de
Watts (6.000 Kw) de potência. 80 % da população mundial está ao
alcance das irradiações . Deus tem mobilizado o seu povo ao redor do
mundo para sustentar esta missão de tão gigantescas proporções, com
suas orações e ofertas. Toda a obra é sustentada por ofertas
(SPIEKER, 1982, p. 53, grifo nosso).
Ao que parece do histórico da Rádio Trans Mundial, sempre houve uma
preocupação quanto à associação entre religião e dinheiro. Mesmo com a implantação
da Editora RTM em 1977, a visão estava centrada mais na missão e menos no mercado.
Campos, escrevendo sobre religião e marketing em 1997, destaca esta preocupação,
afirmando que nos meios religiosos brasileiros “a simples menção de “religião” e
“marketing” provoca em muitas pessoas estranheza e restrições, por julgarem estar
havendo uma mistura indevida” (1997, p. 211, grifo do autor).
Da busca de aproximação com os ouvintes surgiram os primeiros produtos da
RTM-B, enviados gratuitamente aos ouvintes: os estudos bíblicos e boletins
22
Marketing é a atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através do
processo de troca. Philip Kotler (in CAMPOS, 1997, p. 207).
102
informativos. Os primeiros, visando fornecer informações mais precisas sobre a fé
cristã, os últimos, visando informar as atividades mais recentes da rádio, bem como,
sensibilizar a comunidade evangélica brasileira sobre a necessidade de investir
financeiramente em sua manutenção.
Assim a RTM-B procedeu até o início da década de 1990, período em que os
evangélicos no Brasil já despontavam como mercado de consumo promissor e ainda
pouco explorado.
Bellotti situa historicamente o início da associação entre mídia (impressa ou
eletrônica) e o comércio religioso.
Um importante aliado dessa comunicação é o comércio de bens
evangélicos, em desenvolvimento nos Estados Unidos desde os anos
1950, e no Brasil desde os anos 1980 [...] Por isso, a mídia e o
mercado têm se tornado indissociáveis desde então, e precisam ser
analisados em conjunto (BELLOTTI, 2009, p. 271).
Os dados estatísticos do crescimento evangélico da década de 1990,
principalmente das denominações neopentecostais, confirmam esse cenário favorável
para o mercado, o que resultou numa “progressiva acomodação desses religiosos e suas
denominações à sociedade e à cultura de consumo” (BITUN, 2007, p. 9). Embora a
observação acima seja mais específica do segmento neopentecostal, esse mesmo
fenômeno se verificou entre os evangélicos de tradição histórica, considerados mais
conservadores.
Os dados do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2000, comparados com os
dados de 1991, revelam as alterações ocorridas no campo religioso
brasileiro, conforme vejamos a seguir: Em 1991, os católicos
representavam 83,3% da população; em 2000, esse número caiu para
73,8%, representando um decréscimo de 11,9%. Os evangélicos, que,
em 1991, eram 9,0%, chegam, em 2000, com uma porcentagem de
15,4%, ou seja, 70,7% de crescimento. No campo religioso
protestante, os pentecostais são os que mais se destacaram no último
Censo Demográfico. Os pentecostais cresceram 115%, enquanto as
igrejas tradicionais apenas 58% (BITUN, 2007, pp. 10,11).
103
Paralelamente a estas transformações no mercado consumidor evangélico, o
Brasil da década de 1990 passava por um desenvolvimento sem precedentes na
tecnologia da comunicação. O imenso território brasileiro estava sendo interligado viasatélite, tecnologia que na virada do século XX para o século XXI começava a chegar
ao cidadão comum nas áreas mais distantes ou isoladas do país, proporcionando acesso
a outras mídias, principalmente a televisão, limitando significativamente a audiência do
rádio em OC (Ondas Curtas).
A TWR em Bonaire, no início dos anos 1990, visando à redução de
seus custos, encerrou as transmissões em OC (Ondas Curtas) para a
América Latina, transmitindo apenas em AM (Amplitude Modulada) e
com a da potência reduzida de 500 KW para 100 KW. A evolução dos
meios de transmissão abriu novas perspectivas. A capacidade de ouvir
rádio pela Internet é ilimitada (Informação Verbal).23
Na prática, isso significou uma expressiva redução do alcance da rádio no
território brasileiro a partir de Bonaire, limitado a algumas partes do norte e nordeste do
país. As demais regiões do Brasil seriam supridas a partir do parque de transmissões da
RTM-B, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, transmitindo em três freqüências de ondas
curtas, 25m, 31m e 49m.
O fenômeno da diminuição da audiência em OC (Ondas Curtas) de rádio
verificou-se no mundo todo, de acordo com Maurício Beraldo.
Alcançamos o pico de audiência das rádios de ondas curtas no ano de
1989 quando aconteceu o fim da guerra fria, disse Larry Magme. A
partir deste ano as audiências nas freqüências de onda curta
diminuíram bastante.
As transmissões em onda curta e nas faixas de onda longa são muito
caras para mantê-las e desde que a guerra fria terminou alguns
governos do ocidente chegaram à conclusão que não seria necessário
um gasto enorme de dinheiro com transmissões, produções e na
manutenção de equipamentos. Em consequência disso várias estações
encerraram seus trabalhos em onda curta. Outras emissoras destinaram
23
Notícia fornecida por José Carlos dos Santos, Diretor Executivo da RTM-B, em São Paulo, em outubro
de 2010.
104
seus sinais para as páginas da internet ou via satélite diminuindo os
gastos. (Maurício Beraldo, ISS FANCLUBE BRASIL, O que está
acontecendo com as rádios de Onda Curta? Disponível em
<HTTP://rodadadossemassunto.blogspot.com/2020_07_01archive.htm
>).
Transformações nos hábitos culturais, voltados para o consumo, forçaram muitas
instituições evangélicas a redefinirem sua visão e estratégias relativas ao mercado
consumidor cristão emergente e a RTM-B não ficou imune a esses questionamentos. O
modelo de sustento adotado pela RTM-B – o de uma rádio-sociedade, ainda que
importante na sua estrutura começava a dar sinais de esgotamento.
Somado a isto, transformações sem precedentes na tecnologia da comunicação, e
o aumento de inúmeras rádios evangélicas no campo midiático brasileiro a partir de
meados da década de 1980, desafiaram a RTM-B nos fins da década de 1990 a atuar em
três frentes:
1º. Buscar parcerias com emissoras AM e FM nas diversas regiões do Brasil.
2º. Investir no mercado editorial.
3º. Desenvolver projetos sociais e paraeclesiásicos24 em apoio às igrejas
evangélicas brasileiras.
Pelos dados do orçamento da RTM-B publicados e apresentados na Assembléia
de 200925, constata-se tanto a importância dos associados, como o da linha editorial para
a manutenção da rádio.
24
ORÇAMENTO
4.180.398,34
CONTIBUIÇÃO DOS ASSOCIADOS
1.716.030,55
LINHA EDITORIAL
2.087.247,53
CONTRIBUIÇÕES DIVERSAS
85.143,08
Paraeclesiástica: São um meio pelo qual os cristãos evangélicos trabalham colaborativamente com a
missão de alcançar o mundo pelo evangelismo e pela ação social. As organizações paraeclesiásticas
realizam
a
função
de
fazer
de
ponte
entre
a
igreja
e
a
cultura.
<http://pt.wikilingue.com/es/Iglesias_evang%C3%A9licas > Acesso 06 de dezembro de 2010
25
Anexo 07, Orçamento de 2009. Assembléia da Rádio Trans Mundial. Relatório da Diretoria referente
ao exercício de 2009.
105
Não é necessária uma análise minuciosa para compreender a razão de sua
investida no mercado dos bens simbólicos religiosos. Fazer isso foi à forma encontrada
para sobreviver como instituição e como missão.
Luís Mauro Sá Martino, escrevendo sobre a mídia religiosa e sobre os bens
simbólicos oferecidos por ela, afirma que “Os bens em jogo são de duas espécies: os
simbólicos, referentes à satisfação mental-espiritual, e os bens materiais, dos quais
depende o faturamento da instituição religiosa” (2003, p. 12). Nesta nova fase, a RTMB continuaria a oferecer os bens simbólicos voltados para o bem estar espiritual dos
ouvintes, bem como seus bens materiais, voltados para a sua sobrevivência financeira.
O mesmo autor, com propriedade, também diferencia a mídia especializada da
mídia institucional com relação aos seus objetivos.
Na grande imprensa e mesmo na mídia especializada, o produto final,
objeto último da divisão social do trabalho jornalístico, é a
informação. Isso não acontece com a mídia institucional. A
informação, veiculada em algum produto informativo – boletim, jornal
semanal, programação de rádio ou TV, etc. -, é apenas suporte para a
produção, reprodução e divulgação de bens de outra natureza. Assim,
enquanto na mídia generalista a informação é produto fim, na mídia
institucional a informação é produto meio (MARTINO, 2003, p. 19).
Com estas iniciativas, a RTM-B tornou-se auto-sustentável; um feito inédito
segundo os próprios funcionários da emissora, se comparada a outras RTMs espalhadas
pelo mundo. “A RTM-B tornou-se referência para as demais rádios Trans Mundial
espalhadas pelo mundo.”26 Nos intervalos das programações, ouve-se com freqüência:
“Rádio Trans Mundial, uma missão com sustento 100% brasileiro.” A ênfase dessa
mensagem tem dois objetivos: desfazer a ideia de que a rádio é uma missão sustentada
por capital estrangeiro e sensibilizar o ouvinte para ser um parceiro financeiro da
emissora.
Colocadas estas afirmações, examinaremos mais detidamente as três frentes de
atuação da RTM-B na sua busca por visibilidade, mercado e relevância institucional.
26
Notícia fornecida por Cláudio Ronque, Locutor e apresentador do programa “Um Amigo Na
Madrugada”, em São Paulo, em novembro de 2010.
106
3.1 Conectando a nação religiosa: Emissoras afiliadas da RTM-B
Uma das estratégias da RTM-B para buscar visibilidade no competitivo mercado
da transmissão radiofônica evangélica e editorial, foi estabelecer parcerias com
emissoras de rádio em diversas regiões do Brasil.
Nas décadas de 1970 e 1980, já colocava suas gravações a disposição de pessoas
ou igrejas que pudessem financiar o tempo de irradiação em qualquer emissora do país.
No final da década de 1980 e na década de 1990, ocorre uma investida
pentecostal nas rádios brasileiras, quer favorecidas pelo momento político, como na
época do Presidente José Sarney que usou concessões de rádios “como moeda de troca”
(BAPTISTA, 2009, p. 174) por apoio de parlamentares da bancada evangélica, quer
pelo próprio ímpeto característico desses movimentos que souberam adquirir e explorar
melhor do que as igrejas tradicionais históricas, a cultural oral do país.
Isael Araújo (2007, p. 729), pesquisador do pentecostalismo brasileiro, destaca e
expressiva presença pentecostal no rádio brasileiro afirmando que no ano de 1997,
“20% das três mil emissoras de rádio no Brasil estavam nas mãos de evangélicos.”
Encontrar emissoras parceiras, num campo monopolizado pela mídia pentecostal
e neopentecostal, com uma programação voltada para a promoção e legitimação social
de suas próprias bandeiras denominacionais, não foi e nem continua sendo uma tarefa
fácil para a RTM-B, emissora que se autodenomina “sem cor denominacional”, mas
com discurso alinhado ao protestantismo conservador e fundamentalista.
A natureza de sua programação que privilegia mais o discurso religioso lógico,
racional e menos a emotividade, o sincretismo e o sensacionalismo, torna seu público
mais restrito dentro de uma sociedade brasileira massificada pela mídia pentecostal.
Leonildo Campos questiona se essa característica não dificultou a inserção do
protestantismo histórico no novo contexto midiático brasileiro:
A crise contemporânea da pregação protestante, vista como parte
essencial da comunicação religiosa, traz no seu bojo os deslocamentos
provocados pelas transformações culturais sofridas pelos grupos e
instituições tradicionais [...] O cenário da comunicação protestante no
Brasil, marcado desde o início pelo binômio literalidade x oralidade,
foi alterado com a chegada do Pentecostalismo à América Latina,
principalmente por causa do alto índice de analfabetos e de pessoas
ainda dotadas de uma cultura oral-auditiva. A oralidade e as emoções
107
se tornariam o centro do culto pentecostal (CAMPOS, 2008, pp. 8, 10,
grifo do autor).
Polêmicas a parte, o propósito da RTM-B na busca de emissoras parceiras ou
“afiliadas” foi o de uma aproximação com ouvintes de rádio nas sintonias AM e FM,
comuns nos lares brasileiros, nos mais variados ambientes, de fácil recepção e de
audiência comprovada. Esses ouvintes, sem qualquer familiaridade com as transmissões
de rádio em OC (ondas curtas), poderiam ter acesso à programação da Trans Mundial
com maior facilidade.
3.1.1. Parceria com a Rádio Nova Difusora de Osasco
Alcançar a cidade de São Paulo, sede da RTM-B, sempre foi um dos objetivos
da Trans Mundial. A cidade de São Paulo, somadas às cidades vizinhas que constituem
a grande São Paulo, destaca-se como a maior contingente populacional urbano do país.
Presença maciça de evangélicos, de rádios evangélicas, de denominações evangélicas e,
principalmente, do maior mercado consumidor evangélico do país.
Em São Paulo, a RTM-B buscou dar visibilidade midiática a sua programação
por meio da Rádio Nova Difusora, em Osasco. Por se tratar de uma rádio comercial e
demandar custos elevados para a compra de um horário de transmissão, a presença da
Trans Mundial nesta emissora sempre foi intermitente e descontinuada. Em 1990,
ocupava duas horas na programação semanal da emissora. Em 2005, um novo acordo
possibilitou a utilização do horário da madrugada, da 01h00 – 06h00, na época, com
transmissão via satélite dos estúdios da RTM-B.
Francisco Rossi de Almeida, político evangélico, ex-prefeito de Osasco, diretor e
proprietário da emissora afirmou na ocasião que a parceria da Trans Mundial e da Nova
Difusora era uma “uma oferta para o Reino de Deus, onde vidas serão alcançadas com
uma programação de altíssimo nível como a da Trans Mundial. Estamos felizes nessa
parceria e enquanto Deus permitir estaremos nela (Informativo Ministerial da Rádio
Trans Mundial, No.2, Novembro de 2005).
108
Em 2007 a RTM-B passou a transmitir ao vivo o programa Espaço Trans
Mundial, de segunda à sexta-feira das 14h00 às 17h00 e, recentemente, em abril de
2010 um novo espaço foi conseguido na emissora. Cada novo acordo gera um novo
artigo nas publicações da RTM-B que são enviadas para todo o Brasil. Deste último
acordo foi escrito:
A transmissão para a grande São Paulo sempre foi um sonho e meta a
ser alcançada. Com aproximadamente 20 milhões de habitantes, São
Paulo é a sexta maior cidade do planeta e a maior concentração de
habitantes do Brasil. Tendo em vista um campo missionário tão
grande, no dia 19 de Abril de 2010, assumimos as transmissões pela
Rádio Nova Difusora AM 1540 kHz, na cidade de Osasco, vizinha de
São Paulo, durante todo o dia, das 6.30 às 17.30 horas, com intervalo
das onze ao meio dia. [...]
A Nova Difusora opera em AM ou OM (Ondas Médias), na
freqüência de 1540 kHz e tem cobertura em toda a Grande São Paulo
e cidades adjacentes a Osasco (Radio Trans Mundial, Informativo 5,
2010, p. 13).
Pela primeira vez em 40 anos de história, a RTM-B ocupou o horário nobre de
uma emissora comercial de rádio, apresentando, pela manhã, o programa “Bom Dia
RTM”, e a tarde, o programa “Espaço Trans Mundial” – com músicas, jornalismo
atualizado de hora em hora, estudos bíblicos como “Rota 66” e “Através da Bíblia”,
dentre outros programas voltados para as necessidades espirituais dos ouvintes. A
apresentação dos programas é “ao vivo” e conta com a direção e locução de dois
profissionais experientes, Ricardo Santos e Vitor Augusto, que conseguem imprimir
uma dinâmica na programação muito semelhante às rádios seculares.
O Gráfico abaixo mostra a qualidade da recepção nas diversas regiões da grande
São Paulo.
109
3.1.2. Emissoras Afiliadas em Rede27 com a RTM-B.
Radio Paz 89,5 FM. Esta emissora é de propriedade da Igreja Assembléia de
Deus em Campo de Campinas, Goiânia, GO, desde 1996. Voltada para o seu público
denominacional e para o potencial mercadológico que ele representa, estimado em 50
mil membros, reserva para a RTM-B o horário da madrugada, entre 00h00 e 5h00,
transmitindo simultaneamente com São Paulo o programa “Um Amigo na Madrugada”.
No site da Rádio Paz FM, na grade de sua programação diária, consta a presença
da Trans Mundial com estas palavras: “A Trans Mundial está no ar durante todas as
madrugadas fazendo companhia ao ouvinte até as 5 horas da manhã com estudo bíblico,
entretenimento, música, informação, prestação de serviço e edificação espiritual”
(http://www.pazfm.com.br/programacao, acesso dia 01 de Novembro de 2010).
Rádio Esperança FM, em São Luiz, MA, é outra emissora em rede com a Trans
Mundial no horário da madrugada, das 00.00 – 6.00 horas. Esta rádio, pertencente à
Fundação Cultural Pastor José Romão de Souza, se define como emissora comercial, de
grande audiência entre evangélicos e ouvintes de outros credos religiosos, “fazendo
assim
grande
diferença
no
consumo
de
produtos
e
serviços
diversos”
(http://www.fmesperanca.com.br, acesso dia 01 de Novembro de 2010). Também
reserva meia hora na grade diária de sua programação, das 14h30 às 15h00 para
apresentação do programa do Prof. Luis Sayão, “Rota 66”.
Rádio Clube AM, Nepomuceno, MG. Diferente das anteriores, esta rádio não
esta vinculada a uma igreja evangélica. A presença da programação da Trans Mundial
nesta rádio é mais intensa, embora seu alcance esteja limitado a 26 pequenos municípios
daquela região mineira. De Segunda à Sexta, das 20h00 às 06h00, aos Sábados, das
12h00 às 06h00 e Domingo das 12h30 às 06h00.
No Estado do Ceará, duas emissoras transmitem a programação da RTM-B a
partir das 19h00 e durante o horário da madrugada, das 00h00 – 06h00. Rádio Difusora
Ceará e Rádio FM Educativa, na cidade cearense de Novas Russas.
27
Rede. Termo usado para identificar uma transmissão conjunta e simultânea de uma mesma
programação feita por duas ou mais emissoras (CHANTLER, 1998, p.192).
110
Completando estas emissoras, a RTM-B também entra em rede com a TWR em
Bonaire, nas Antilhas Holandesas a partir das 00h00 até as 06h00 e, durante todo o dia,
através de seu parque de transmissões em Santa Maria, RS.
EMISSORAS
HORÁRIOS DE TRANSMISSÃO
Rádio Paz FM – Goiânia, GO
00h00 – 06h00
-
Em Rede
Rádio Esperança FM, São Luiz, MA
00h00 – 06h00
-
Em Rede
Rádio Clube AM, Nepomuceno, MG
20h00 – 06h00
-
Em Rede
Rádio Difusora Ceará – Novas Russas, CE 19h00- 06h00
-
Em Rede
Rádio FM Educativa – Novas Russas, CE
19h00- 06h00
-
Em Rede
TWR em Bonaire – Antilhas Holandesas
00h00 – 06h00
-
Em Rede
RTM – 25 m - Santa Maria, RS
07h00 – 17h00
-
Em Rede
RTM – 31 m - Santa Maria, RS
07h00 – 19h00
-
Em Rede
RTM – 49 m - Santa Maria, RS
00h00 – 07h00
-
Em Rede
O horário noturno e, principalmente, o horário da madrugada, nas rádios em
geral, é considerado um “horário morto”, ou seja, sem demanda comercial.
Economicamente foi a opção viável encontrada pela RTM para marcar sua presença em
alguns estados brasileiros. Tornou-se também uma boa opção para estas emissoras
comerciais que se beneficiam com a qualidade dos programas produzidos pela RTM-B.
A madrugada é um horário em que pessoas insones, trabalhadores em turnos
noturnos, pessoas solitárias, podem encontrar no rádio, na voz do locutor, uma
companhia na madrugada, conforme já sugere o nome do programa veiculado em Rede
pela RTM para todo o Brasil – “Um Amigo na Madrugada”. Os principais programas do
dia são reprisados sob o comando de um locutor “ao vivo”28. O depoimento dos
ouvintes abaixo estimulam a RTM-B a investir no horário da madrugada.
Graças a Deus, no ano passado, em decorrência de uma insônia, fui
direcionada a ouvir a rádio Trans Mundial, e até hoje o rádio
28
Ao vivo. Transmissão feita no momento exato do acontecimento (CHANTLER, 1998, p.186).
111
permanece ligado na RTM a noite. Há muito necessitava aprender o
conteúdo bíblico e através de vocês tenho aprendido muito sobre a
Palavra de Deus. O trabalho de vocês, com certeza, é direcionado por
Deus. Que Deus abençoe e fortaleça a todos da equipe (Carta de MCS,
São Luis, MA, 2005, p.85. Assembléia SP/2009).
Sou guarda noturno e ouvinte do Através da Bíblia. De madrugada
ligo meu rádio para ouvir estas mensagens que trazem muito conforto
espiritual e nos edifica a alma. Rogo ao Senhor que este programa
continue no ar por muitos anos, levando alimento espiritual a todos os
ouvintes. Carta de EGF, Itupuranga, PA, 2006, p.107. Assembléia
SP/2009).
O gráfico abaixo mostra o alcance “potencial” da Trans Mundial no território
nacional quando transmite em rede na madrugada.
MAPA DE COBERTURA DA RÁDIO TRANS MUNDIAL
As demais afiliadas que constam nos boletins informativos da RTM-B, quase
todas ligadas a grupos ou denominações evangélicas, transmitem um ou outro programa
da Trans Mundial, como “Rota 66” e “Através da Bíblia”. Embora denominadas de
“afiliadas”, a presença da RTM-B nessas emissoras é mais inexpressiva do que o termo
“afiliada” possa sugerir aos leitores e ouvintes menos avisados.
112
Pelos dados estatísticos apresentados oficialmente pela RTM-B referentes a
2009, a rádio possuía programas em 40 emissoras afiliadas espalhadas pelo país,
conforme o quadro abaixo.
Estas 40 emissoras estão distribuídas da seguinte maneira:
ESTADO
AFILIADAS
AMAZONAS
3
RORAIMA
1
MATO GROSSO
1
MARANHÃO
2
CEARÁ
3
PARAÍBA
1
TOCANTINS
1
BAHIA
2
GOIÁS
3
MINAS GERAIS
3
SÃO PAULO
6
RIO DE JANEIRO
2
PARANÁ
3
SANTA CATARINA
3
RIO GRANDE DO SUL
5
Embora a aparente amplitude da RTM-B, observa-se facilmente que sua
presença no território nacional ainda é bem tímida. Nas emissoras que operam em rede,
em espaço comprado, o programa é levado ao ar durante a madrugada, que
comercialmente é o horário menos disputado nas emissoras de rádio.
Pela internet, tecnologia mais recente a disposição dos ouvintes, a RTM-B pode
ser sintonizada 24 horas de qualquer lugar do Brasil e do mundo, com excelente
qualidade de transmissão.
113
3.1.3 Entrevista com José Carlos dos Santos – Atual secretário executivo da
RTM-B.
A função de secretário executivo sempre foi a mais influente dentro da estrutura
administrativa da RTM-B desde a época de Edmund Spieker. Compete a ele tomar as
iniciativas que influenciarão os destinos da emissora.
Da entrevista com José Carlos dos Santos ficou evidente a preocupação com a
necessidade de uma racionalização de estruturas e procedimentos administrativos da
RTM-B como meio para sobreviver enquanto instituição missionária num contexto de
rápidas mudanças tecnológicas, sobretudo na área da comunicação. Como ajustar a
emissora aos novos tempos, com novas demandas, com ampla oferta de novos
programas evangélicos nas rádios e com o alto custo financeiro que uma transmissão
mais competitiva requer e, ao mesmo tempo, ser fiel ao ideal de uma rádio
exclusivamente missionária, comprometida com a fidelidade aos princípios espirituais e
éticos do Cristianismo?
Também ficou evidente a necessidade de repensar a rádio não simplesmente
como agência missionária, destinada a viver apenas pela fé, mas como uma empresa,
inserida num mercado competitivo e que precisava lançar mão das estratégias de
marketing para atingir seus objetivos, dentre esses, visibilidade, sobrevivência
econômica e relevância missionária.
Questionado sobre a venda de espaço para propagandas comerciais e sobre a
política de não pedir contribuição aos ouvintes “no ar”, reconheceu que “esse
114
entendimento é antiquado e que a RTM-B sofre por causa disso.” Entendo a resposta
como consequência imediata de uma autocrítica administrativa imposta pelo mercado.
Questionado sobre o formato e conteúdo da programação, reconheceu que a
programação da Trans Mundial está mais alinhada com as igrejas históricas. “Com as
igrejas não históricas, a afinidade é menor.”
Inquirido sobre a linha de produtos RTM: livros, CDs, DVDs, e, especialmente
O Pão Diário, reconheceu a dependência desses produtos para a manutenção da
emissora, confirmando a adoção de meios empresariais na administração da rádio.
Dentro desta mesma linha mercadológica, questionei sobre a relação da RTM-B com
personalidades conhecidas no meio evangélico brasileiro, como o músico Nelson
Bomilcar e o Prof. Luis Sayão. A resposta dada foi que eles foram contratados pela
Trans Mundial para produzirem seus programas pelo reconhecimento e credibilidade
que possuem junto ao público evangélico. Convém ressaltar que os DVDs com
gravações do programa “Rota 66”, dirigido por Luiz Sayão ocupam o 2º. Lugar em
vendas, atrás do devocional “Pão Diário”.
Sobre os acordos da RTM com as suas afiliadas, explicou, sem especificar, que
várias afiliadas são pagas pela RTM-B. Na Rádio Esperança, em São Luís, ajudam com
os custos da transmissão. Na Rádio Paz de Goiânia, o horário é cedido “em condições
especiais” de pagamento.
Quanto a sua motivação pessoal no trabalho com a RTM-B, afirmou que seu
envolvimento com a emissora já se estende por vinte e dois anos. Oito anos como
voluntário, oito anos como gerente administrativo e há cinco anos na diretoria
executiva. Sua grande motivação é a “pregação da Palavra e o de trabalhar com um
grupo de irmãos sérios”, referência aos membros da diretoria da RTM-B.
Questionado sobre as atividades paraeclesiásticas – os projetos desenvolvidos
pela rádio em parceria com igrejas ao redor do país -, respondeu que três projetos estão
mais em foco: Capelânia Escolar, Ministério com os índios Ticunas e o ministério de
ensino, com a gravação dos DVDs “Rota 66”.
Questionado sobre o paradeiro de Edmund Spieker, informou que ao sair da
RTM-B, foi para os EUA com sua família, a serviço da sede da Trans World Radio em
Cary, Carolina do Norte, onde ainda trabalha parcialmente. Quanto a Marly Spieker, sua
ligação é total com a TWR, coordenando o projeto iniciado por ela no Brasil – “Projeto
Ana”, que se tornou um projeto mundial da RTM.
115
Finalmente, questionado sobre os desafios para o futuro da RTM-B, respondeu:
Conseguir “concessões de emissoras pelo Brasil”, o que depende da vontade do
Governo Federal, e “tornar cada vez mais sustentável o ministério da rádio.”
3.2 Andando com os próprios pés: Linha editorial e outros produtos.
A preocupação da RTM-B é ser uma empresa auto-sustentável. Entende que o
modelo adotado, de uma rádio-sociedade, dependente da fidelidade de sócios
contribuintes e de ofertas voluntárias “imprevisíveis”, é insuficiente para suprir as
constantes necessidades de investimento em marketing e tecnologia. Era necessário uma
base econômica mais sólida e previsível, ou seja, ajustar a rádio aos novos tempos da
economia de mercado.
Em visitas a RTM-B, conversando com locutores, produtores e com o próprio
secretário executivo, transpareceu a preocupação com a continuidade da colaboração
espontânea dos sócios contribuintes, na sua maioria pertencente à colônia alemã e
ligados à RTM desde seu início no Brasil. A questão levantada por todos é se os
descendentes dessa primeira geração de sócios colaborados continuarão contribuindo
com a Trans Mundial.
Preocupações como essa, além dos ajustes históricos, levaram a RTM-B a adotar
uma filosofia empresarial e mercadológica, presente desde o final da década de 1980
nas demais emissoras de rádios evangélicas espalhadas pelo Brasil.
Fortalecer sua linha editorial com produtos de boa aceitação no mercado
evangélico brasileiro foi à solução encontrada pela Trans Mundial para buscar sua
autonomia financeira.
Qual produto poderia fazer diferença dentro de um mercado editorial já bastante
competitivo? Uma literatura devocional, sem cores denominacionais, capaz de atingir
todos os públicos, de fácil leitura e com uma palavra positiva para cada dia, foi “nicho”
encontrado pela Trans Mundial para uma inserção significativa neste mercado.
Assim surgiu o “Pão Diário”, o principal produto de sua linha editorial e com
significativa aceitação no mercado evangélico brasileiro.
116
3.2.1 O Pão Diário
O primeiro Pão Diário foi colocado a disposição do público evangélico
brasileiro em 1998. Coincide com o período em que se verificou um aumento na
procura por livros relacionados com a vida cristã entre os evangélicos, de acordo com as
pesquisas feitas por Alexandre Brasil Fonseca em 1998, citado por Karina Bellotti
“Alexandre Brasil demonstrou que houve um aumento na procura por livros relativos à
vida cristã entre os evangélicos.” (2003, p.206). A mesma pesquisadora acrescenta:
Não se pode ignorar que muitos evangélicos (protestantes,
pentecostais e neopentecostais) são recém convertidos, à procura de
uma renovação constante de suas vidas diárias – o que explica o
consumo de livros sobre a vida cristã – não só como fonte de
informação mas também como forma de renovar os próprios hábitos
de leitura (BELLOTTI, 2003, p. 208).
O objetivo do Pão Diário foi trazer edificação para o cristão e reforçar a sua fé
por meio da instrução bíblica. Não se trata, porém de uma novidade no mercado
editorial evangélico brasileiro. Karina Bellotti cita a publicação do livreto devocional da
Igreja Presbiteriana do Brasil, que também originou do programa de rádio desta
denominação e teve pronta aceitação pelos ouvintes.
Cada Dia, publicado ininterruptamente desde 1981. Sua origem
veio do rádio – após quatro anos divulgando mensagens de
otimismo e reflexão bíblica nos programas de rádio da Luz Para
o Caminho. [...] Não foi o primeiro devocional a ser lançado no
Brasil – o mais famoso devocional evangélico, o metodista No
Cenáculo, é publicado desde 1908 nos Estados Unidos, vindo
para o Brasil alguns anos depois (BELLOTTI, 2003, p. 211,
grifo do autor).
As primeiras edições do devocional Pão Diário foram traduzidas do inglês, de
uma publicação similar nos Estados Unidos. A partir da quinta edição, ele passou a ser
117
produzido integralmente no Brasil, adaptado a realidade cultural evangélica brasileira.
No mercado brasileiro já pode ser encontrada a 14ª edição do Pão Diário.
A princípio, eram fascículos trimestrais traduzidos do inglês. Já na 5ª
edição, a Trans Mundial ganhou autonomia e montou uma equipe de
autores brasileiros para a produção dos exemplares. [...] O devocional
recusa mensagens de teor teológico polêmico, com tendências
denominacionais, teor político ou textos com dados de credibilidade
duvidosa. [...] Evita mensagens de cunho teológico teórico, já que seu
propósito é essencialmente prático. As mensagens são, por princípio,
avulsas e não se criam séries de mensagens (Rádio Trans Mundial,
Informativo 4, p. 6, 2010).
O nome escolhido é muito sugestivo dentro do imaginário evangélico, pois
recorda dois acontecimentos especiais: O milagroso sustento que Deus trouxe ao “povo
escolhido” – Israel, em sua peregrinação de quarenta anos pelo deserto até chegar à terra
prometida. Por analogia bíblica e teológica, os fiéis também recebem hoje o seu “pão
diário”. A oração que Jesus ensinou aos seus discípulos, conhecida como a oração do
“Pai Nosso”, onde afirma: “Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia” Mateus 6.11. (Bíblia
Sagrada, Nova Versão Internacional, 2001, Sociedade Bíblica Internacional, São Paulo).
Disse, porém, o Senhor a Moisés: Eu lhes farei chover pão do céu. O
povo sairá e recolherá diariamente a porção necessária para aquele dia.
O povo de Israel chamou maná àquele pão. Era branco como semente
de coentro e tinha gosto de bolo de mel.
Os israelitas comeram maná durante quarenta anos, até chegarem a
uma terra habitável; comeram maná até chegarem às fronteiras de
Canaã.
Assim, ele os humilhou e os deixou passar fome. Mas depois os
sustentou com o maná, que nem vocês nem os seus antepassados
conheciam, para mostrar-lhes que nem só de pão viverá o homem,
mas de toda palavra que procede da boca do Senhor. Êxodo 16. 4, 31,
35; Deuteronômio 8.3 (Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional,
2001, Sociedade Bíblica Internacional, São Paulo).
O mérito do Pão Diário, razão de sua grande aceitação no mercado editorial
cristão, é o de não estar diretamente ligado a nenhuma denominação específica, mas a
uma instituição sem fins lucrativos e com uma imagem positiva no cenário evangélico
118
nacional. Sem as cores denominacionais, ele pode ser utilizado por cristãos dos mais
diversos segmentos, mesmo fora do protestantismo.
O responsável pela seleção dos textos e coordenação da impressão é Roland
Körber, membro da Igreja Batista Alemã de São Paulo.
A autoria dos textos devocionais é múltipla, ou seja, diversos colaboradores do
Pão Diário espalhados pelo Brasil e exterior enviam seus textos, que uma vez
selecionados, são impressos, resultando numa publicação muito próxima dos problemas
do cotidiano dos mais variados grupos de leitores.
No material publicitário da RTM-B, o sucesso editorial do “Pão Diário” é
constantemente ressaltado.
É o exemplar com maior saída desde seu nascimento há 12 anos,
ultrapassando um milhão de cópias além de ser o mais lido na
categoria de devocionais. Este é o Pão Diário. Ele auxilia na leitura da
Bíblia, sempre apresenta uma mensagem direcionada e pertinente à
realidade do leitor. Traz mensagem de consolo, ânimo e amor. Pelo
fato de pregar Jesus Cristo, tem conquistado leitores de diversas
confissões. Cada vez mais, o Pão Diário está ultrapassando barreiras e
chegando até mesmo a livrarias seculares (Informativo da Rádio Trans
Mundial, 1º Trimestre, 2009, p. 17).
O prefácio da 14ª edição do Pão Diário foi escrito por Davi Nunes, pastor
presbiteriano, atualmente jubilado, que trabalhou e atuou no departamento de língua
portuguesa em Bonaire e na RTM-B por diversos anos. A ênfase dada por ele no
prefácio do devocional é sobre o cuidado que os pais devem ter com a formação dos
valores espirituais e morais dos filhos, a partir do próprio lar, investindo na sua
educação religiosa.
O lar é o lugar onde preparamos os filhos para Deus, para a Igreja e
para a Pátria. Aos pais foi dada por Deus esta incumbência. A igreja e
a escola são importantes, mas nada substitui a família na formação
moral e espiritual dos filhos. [...] Todo cristão deve estar
comprometido com a obra missionária. Mas, e aqueles que Deus nos
deu como herança do Senhor? Vamos deixá-los para um segundo
plano na evangelização? (Pão Diário, nº 14, Prefácio, 2011 s/n).
119
Há uma leitura específica para cada dia do ano, constando a data, o título da
meditação, uma referência bíblica, a transcrição de um versículo bíblico, a meditação do
dia e uma síntese da mensagem em negrito.
Os temas são construídos a partir dos problemas do cotidiano humano, propondo
sempre respostas alinhadas à cosmovisão cristã da existência, o que pressupõe que seus
leitores já sejam adeptos de alguma igreja ou que possuam alguma familiaridade com a
cultura e com o discurso religioso cristão.
Temas como: Perdoe as ofensas, Moda, Alicerces, Nada de orgulho, Tenha bom
ânimo, Amigo, O próximo, Olhar de fé, Tempo de Deus, Nada de ansiedade, Lamento,
Vitoriosos, Persevere, Levante-se, Oposição, Refúgio seguro, Mentira, Nova chance,
Fui demitido, Santidade, Cobiça, Crise, Esperança, Família, Fazer o bem, Procurando
Deus, Dúvidas, Permanecer em Cristo, Adultério, Passo a passo, De joelhos, Choro
que faz feliz, Perdas e ganhos, Descanse em Deus, Esqueça, Fama, servem de estímulo
diário, de reforço das convicções religiosas já possuídas, mais do que para o
proselitismo propriamente dito.
O Pão Diário, pela sua aceitação no mercado religioso, dentro e fora do meio
evangélico, se tornou o principal produto de venda da RTM-B e fundamental para a sua
manutenção. Através da mídia eletrônica, escrita e institucional ele é insistentemente
anunciado como a literatura ideal para a devocional da família brasileira. Martino
afirma que o produto simbólico das instituições religiosas precisa “aparecer para ser
conhecido. Mais do que isso, precisa provar que é melhor. O único caminho para isso
no mundo atual é a mídia” (2003, p. 105). Insistentemente o “Pão Diário” é anunciado
em toda programação da Trans Mundial.
Os outros produtos da Editora RTM possuem um mercado consumidor mais
restrito aos ouvintes da rádio. O gráfico abaixo29 mostra os produtos da linha editorial
da RTM, tiragens e expectativas de venda para o ano 2011, destacando-se a quantidade
de volumes do Pão Diário. Tirando os custos de produção, o lucro líquido estimado
passa dos R$ 2.000.000,00.
29
Anexo04, Orçamento de 2009. Assembléia da Rádio Trans Mundial. Relatório da Diretoria referente ao
exercício de 2009
120
Pão Diário 14
500.000
2.200.000,00
Pão Diário Personalizado
200.000
784.000,00
Pão diário Infantil
50.000
375.000,00
Pão Diário 14 – Espiral
20.000
154.000,00
Rota 66
6.000
450.000,00
Salmos Rota 66
3.000
48.000,00
Atos – Rota 66 DVD
200
10.000,00
CDs Músicas
10.000
90.000,00
Através da Bíblia
1.000
18.000,00
Através da Bíblia – João
500
7.500,00
Carta da Alegria
300
5.400,00
Carta da Liberdade
500
9.000,00
Total de Vendas
4.150.900,00
A expansão do mercado e do consumo de literatura evangélica, dentre outros
produtos específicos para este público, é descrito por Leonildo Silveira Campos como
parte de um novo “clima cultural” que:
Trouxe consigo uma forte demanda por mensagens de auto
ajuda,otimismo e esperança, as quais produziram esforços dos clérigos
e leigos no atendimento dos desejos e necessidades temporais dos
fiéis. Daí a psicologização da religião e a transformação dos produtos
religiosos em produtos e mercadorias oferecidos em série e
padronizados (CAMPOS, 2008, p. 5).
3.3 Atuações e desdobramentos da RTM-B
A RTM-B se define como uma missão brasileira dirigida por brasileiros e
voltada para as necessidades do povo brasileiro. Sem qualquer vinculação
denominacional específica, deixa claro, no entanto, sua identificação apenas com
aqueles que professam fidelidade à Bíblia Sagrada.
121
No início de suas transmissões no Brasil, todo esforço estava concentrado na
produção de programas específicos para o público brasileiro, na aproximação da rádio
com os ouvintes por meio da troca de correspondências e cursos bíblicos e na
divulgação de sua atividade missionária junto às igrejas brasileiras.
A produção dos programas refletia claramente a vertente conversionista,
“teologia predominante na Era Missionária norte-americana” (MENDONÇA, 2002, p.
32), voltada para a conversão dos indivíduos e para a conseqüente transformação da
sociedade.
Ainda que os historiadores do protestantismo constatem que denominações
históricas acreditavam no potencial da educação para preparar a sociedade para o
evangelho, ou que envolvidas na educação não cresceram tanto pela falta de
“agressividade” evangelista, também é verdade que todas elas estavam empenhadas na
conversão das pessoas, acreditavam que somente pela conversão a sociedade sofreria as
mudanças.
Talvez outros fatores históricos e culturais tenham contribuído para o
crescimento mais acentuado de algumas denominações, principalmente as pentecostais,
que conseguiram se alinhar melhor com as classes sociais mais pobres, predominantes
na sociedade brasileira e na membresia destas igrejas.
Atuações mais específicas, ou para grupos mais específicos, sempre foi uma
preocupação da RTM-B. Em 1981, Marly Spieker começou um programa direcionado
para a mulher – “De mulher para Mulher”, bem antes da popularização dos programas
voltados especificamente para o público feminino.
Com o passar do tempo, na medida em que se observa o fenômeno da
popularização das rádios evangélicas no Brasil, bem como da oferta abundante de
outros meios de comunicação, como a televisão, por exemplo, a RTM-B começou a
assumir contornos mais “paraeclesiásticos”, e passou a definir como parte de sua missão
desenvolver projetos voltados para auxiliar a igreja evangélica brasileira na
evangelização do país. No website da emissora há um link afirmando:
Nosso objetivo é ser um braço de ajuda à igreja evangélica brasileira,
na pregação do evangelho, implantação e colaboração no trabalho
evangelístico no Brasil. Buscamos levar a Palavra de Deus aos
homens de nossa terra, para que tenham contato com o poder
122
transformador
do
Evangelho
(Site
da
RTM.
<http://www.transmundial.com.br/institucional.php3>, acesso, 5 de
outubro de 2010).
Antônio Gouvêa de Mendonça (2002, pp. 55,56), coloca as organizações
paraeclesiásticas dentro do contexto do enfraquecimento missionário das igrejas
oriundas do protestantismo de missão, debilitadas pela teologia liberal e pela
revitalização das nações não–cristãs, que prescindiram do cristianismo para alcançar
altos
índices
de
desenvolvimento tecnológico e humano. As
organizações
paraeclesiásticas, dentro desta visão, recuperam a teologia conversionista, presente na
tradição missionária, e surgem em fins da década de 1950 como a nova força
missionária mundial.
Paraeclesiástica são organizações missionárias diferentes das
tradicionais. Elas não se ligam às juntas ou comitês das grande Igrejas
norte-americanas, mas se organizam independentemente delas com
contribuições em dinheiro de membros de diversas Igrejas que
assumem compromissos individuais de sustentação de missões ou
missionários. [...] Não estão ligadas às grandes estruturas eclesiásticas,
mas a compromissos individuais teoricamente precários, são
chamadas “missões de fé”. As paraeclesiásticas agem em três
diferentes níveis: evangelização de massa, acampamentos para
juventude e literatura (MENDONÇA, 2002, pp. 56, 57).
Neste sentido, a RTM-B, em si mesma, independentemente dos projetos atuais
de apoio à igreja brasileira, pode ser vista como uma organização paraeclesiástica.
Apesar da visão negativa de Antônio Gouvêa de Mendonça sobre as Igrejas
tradicionais, por não conseguirem se inserir na sociedade brasileira, e das
paraeclesiásticas, como instituições que apenas acentuaram esse distanciamento dos
membros dessas igrejas em relação ao mundo, pensamento alinhado com o de outros
historiadores do protestantismo brasileiro, é inegável, pelo histórico de transformação
pessoal de muitas vidas, que houve também contribuições positivas dessas organizações
na sociedade e cultura brasileira.
123
Pelo olhar daqueles que viveram pelo lado de dentro da Trans Mundial, desde
Monte Carlo, posteriormente Bonaire e finalmente no Brasil, “a Rádio Trans Mundial é
o maior fenômeno das missões mundiais modernas no século XX30”.
Outro pesquisador do protestantismo brasileiro que menciona o surgimento das
organizações
paraeclesiáticas
“desvinculadas
institucionalmente”
das
igrejas
organizadas é Leonildo Campos.
Nas grandes cidades começaram a surgir, a partir dos anos 50,
ministérios “paraeclesiáticos”, isto é, agências e distribuidores de bens
religiosos,
desvinculadas
institucionalmente
das
Igrejas,
especializados na prestação de serviços a segmentos da população,
que por causa da adoção de novos modos de vida urbano-industriais,
estavam se desinteressando das atividades propostas pelas igrejas,
seitas e denominações (CAMPOS, 1997, p. 226).
3.3.1 Línguas Indígenas – Projeto Ticuna
O projeto Ticuna é desenvolvido na Aldeia Filadélfia, próximo a cidade de
Benjam Constant, na região da Amazônia. A RTM-B, em parceria com instituições
missionárias que atuam na aldeia, participou da construção dos estúdios da Rádio
Ticuna, voltado para a produção e gravação de programas na língua indígena, além de
fornecer o suporte técnico necessário para a transmissão destes programas para as
demais tribos ticunas da região.
A Aldeia Filadélfia é composta por 300 famílias, aproximadamente 1.200 índios,
de um total de 45 mil ticunas, distribuídos em mais de 120 aldeias, espalhados por uma
extensa área na região Amazônica, envolvendo três países: Brasil, Colômbia e Peru.
Desse total, 60% moram em território brasileiro.
Os ticunas são a maior nação indígena do país, com aproximadamente 45 mil
índios distribuídos em mais de 120 aldeias. Ocupam uma extensa área na região
Amazônica envolvendo três países: Brasil, Colômbia e Peru, sendo que mais de 60%
dos índios ticunas moram em território brasileiro. A evangelização dos ticunas começou
30
Davi Nunes, informação verbal, outubro de 2010.
124
na década de 50, hoje já estima um total de 7 mil índios em 30 aldeias convertidos ao
Evangelho.
Num cenário de miséria, pobreza e violência, se encontram diversas
tribos indígenas, como os Macuxis e Baniua. Em ambas existe um
trabalho evangelístico, as tribos recebem a Palavra de Deus, através
das ondas de rádio que saem de Bonaire – ilha localizada no Caribe,
ou pelas rádios afiliadas (Informativo da RTM, 2009, p.14).
3.3.2 Capelania Escolar
É uma iniciativa recente da RTM-B visando desafiar as igrejas a um
envolvimento com as escolas públicas e particulares do país.
O projeto piloto de capelania escolar teve início em uma instituição particular de
ensino, o Instituto Batista de Educação de Vitória, com excelentes resultados. Com os
dados desta experiência, foi realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Capelania
Escolar, em Campinas, no ano de 2008, com a presença de 120 participantes de 15
estados brasileiros. Nos anos seguintes, 2009 e 2010, mais dois congressos foram
realizados com o mesmo objetivo.
Com o intuito de oferecer capacitação e ferramentas necessárias para
enfrentar problemas comportamentais que atingem a juventude
contemporânea, como dependência química, sexualidade, entre outros,
o pastor Marcio Alexandre e a equipe da RTM, ministram cursos de
Capelania Escolar (Informativo da RTM, 2009, p. 10).
A primeira proposta da RTM-B é disponibilizar aos alunos exemplares dos
devocionais “Pão Diário” e “Surpresas para Hoje”, sua versão infantil.
Como as escolas brasileiras, com exceção das confessionais, são leigas, a
inserção do projeto de capelania nem sempre é tarefa fácil. A credibilidade da igreja na
comunidade onde está à escola pode facilitar eventuais aberturas para esta proposta.
Alguns Estados Brasileiros, como o Estado de São Paulo, inseriram o ensino
religioso na grade curricular do Ensino Fundamental, onde o tema é abordado não pelo
125
viés confessional, mas pelo ecumênico, com aulas atribuídas aleatoriamente a
professores de história, independentemente de qualquer vinculação religiosa específica.
Apesar da iniciativa louvável, constitucionalmente a escola é considerada um
espaço laico e legalmente não pode abrigar uma capelania no seu interior nos moldes
das instituições confessionais de ensino.
3.3.3 Projeto Ana
Projeto de âmbito mundial que nasceu da preocupação com o sofrimento das
mulheres ao redor do mundo. É definido como um ministério de compaixão e
encorajamento às mulheres oprimidas e possui três vertentes principais: oração,
conscientização e programação de rádio.
A fundadora deste projeto, e que ainda continua na sua direção mundial, é Marly
Spieker, esposa de Edmund Spieker, primeiro secretário executiva da RTM-B.
Edita um boletim mensal de oração que é traduzido em mais de 20 idiomas e
distribuído para mulheres cristãs em mais de 85 países, incluindo o Brasil.
Através do programa Mulheres de Esperança, a RTM internacional e nacional,
uma palavra específica é dirigida para as mulheres, contendo entrevistas, músicas,
conselhos práticos e espirituais. O programa é levado ao ar em mais de 300 estações ao
redor do mundo e pode ser ouvido em 31 línguas, estando presente em 90 países.
Como se trata de uma ajuda subjetiva e espiritual, este projeto visa trazer uma
mensagem de consolo, solidariedade e esperança para as mulheres em diversas partes do
Brasil e do mundo. Atualmente o projeto é coordenado por Celina Rempel
3.3.4 Projeto Antenas e Projeto Ceifa Sul - Plantação de Igrejas
O objetivo do Projeto Antenas é levar a programação da RTM-B ao maior
número de emissoras, seja em FM,OM,OC ou pela internet. Ele foi criado com o
objetivo de sensibilizar a comunidade evangélica brasileira a contribuir com recursos
para a ampliação das emissoras afiliadas da RTM.
126
O Projeto Ceifa Sul, projeto de longo prazo, tem como objetivo estabelecer
parcerias com igrejas e com agencias missionárias, visando a implantação de igrejas na
região sul do país, região onde é apresentado o menor índice de crescimento anual de
evangélicos.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do Renascimento Cultural e da invenção da imprensa de Gutenberg,
invento decisivo para a descentralização do conhecimento e do acesso à informação, a
presente dissertação abordou o desenvolvimento dos meios de comunicação até a
invenção do rádio e sua possibilidade de transmitir a informação em tempo real para
distâncias limitadas apenas pela potência do transmissor de ondas sonoras.
Em pouco tempo ocorreu o processo de popularização do rádio como meio de
comunicação de massa. Ao transmitir a informação, ao comunicar significados, o rádio
não apenas acrescentou novos ingredientes culturais na sociedade moderna, como
também participou do processo sócio-cultural de desenvolvimento de grande parcela
população mundial. Não demorou para que o rádio fosse utilizado como meio de
divulgação do discurso religioso
Das primeiras transmissões experimentais em ondas curtas de rádio e sua
peculiaridade de alcançar simultaneamente distâncias nunca antes imaginadas, sem
quaisquer restrições de natureza política ou ideológica, vimos o surgimento das
primeiras rádios internacionais seculares e, mais especificamente, das primeiras rádios
missionárias, empenhadas na utilização deste moderno recurso tecnológico, associando
definitivamente mídia e religião.
A Rádio Trans Mundial surgiu em meio a esse contexto histórico e cultural, pós
Segunda Guerra Mundial, quando os EUA experimentavam um reacender do zelo
missionário. Entusiasmados com as potencialidades desta nova tecnologia de
comunicação para longas distâncias – o rádio -, muitos missionários julgavam ser
possível alcançar o mundo todo como a transmissão da mensagem cristã ainda em sua
geração.
Seu fundador, Paul Ernest Freed, deu início a uma emissora de rádio
internacional, de natureza missionária, exclusivamente destinada à propagação religiosa
e sem fins lucrativos. Dessas iniciativas, concluímos que Freed se propunha a fazer da
Trans World Rádio (Rádio Trans Mundial) uma missão de fé, sustentada apenas por
ofertas voluntárias, preservando a autonomia sob o conteúdo total da programação a ser
transmitida. As cartas recebidas serviram tanto de estímulo para que a rádio ampliasse
sua capacidade de transmissão, alcançando lugares até mesmo inacessíveis para
qualquer missionário, como também para sensibilizar igrejas e cristãos na Europa e nos
128
EUA a financiar a emissora. Sua estratégia de aproximar a rádio da cultura dos países
alcançados por suas transmissões favoreceu o diálogo com as mais variadas
denominações e lideranças religiosas locais, contribuindo para o perfil “trans
denominacional” que marcaria a RTM. A transmissão da mensagem dentro do contexto
cultural e religioso de cada nação alcançada, resultou no surgimento de outras Trans
Mundiais ao redor do mundo, num momento histórico e cultural bastante favorável para
influenciar as representações do sagrado construídas pelos ouvintes, quer pela expansão
dos aparelhos receptores de rádio ao redor do mundo, quer pela tecnologia de
transmissão em ondas curtas com sua capacidade de atingir longas distâncias, como
pelo interesse que esse novo meio de comunicação despertava em pessoas ávidas de
informações ao redor do mundo.
No contexto brasileiro, a investida protestante na mídia foi bem tímida e
inexpressiva até a primeira metade do século XX. Neste período histórico, o rádio se
espalhou como veículo de comunicação popular, passando a fazer parte do cotidiano
familiar dos brasileiros nas mais variadas regiões do país.
Sintonizar emissoras
internacionais, que transmitiam em diversos idiomas através das ondas curtas de rádio,
tornou-se comum neste período.
É dentro deste contexto histórico que a Rádio Trans Mundial iniciou suas
transmissões para o Brasil em 1965, como uma rádio internacional, inter
denominacional, missionária, alcançando quase a totalidade do território brasileiro, com
transmissões em português e também em alemão, voltada para a grande comunidade de
imigrantes alemães.
Dentro de um protestantismo brasileiro bastante influenciado e dependente da
cultura americana, foi interessante perceber que a Rádio Trans Mundial foi organizada
no Brasil, em 1970, por iniciativa dos imigrantes evangélicos de origem alemã e com
investimentos iniciais feitas pela Trans Mundial da Alemanha. Mais do que isto, o
suporte administrativo e financeiro ainda hoje, 40 anos depois, depende destes mesmos
imigrantes.
No Brasil, coube a Edmund Spieker, alemão de nascimento, a responsabilidade
pela implantação da RTM-B. Exercendo a função de Secretário Executivo, acompanhou
a primeira década de existência da emissora e foi personagem decisivo para a
consolidação da RTM-B. Produzindo a programação a partir do contexto brasileiro,
utilizando personalidades destacadas no cenário evangélico nacional, valendo-se de uma
programação diversificada e dirigida a diferentes faixas etárias, num momento histórico
129
muito favorável para o rádio, a RTM-B exerceu forte influência espiritual e cultural
sobre gerações de famílias brasileiras, conforme depoimentos de milhares de cartas
recebidas pela emissora. Em muitos lugares do Brasil, a RTM-B era a única emissora
com potência de transmissão suficiente para atingir comunidades isoladas no imenso
território nacional, levando tanto informações seculares como religiosas, que foram
determinantes na mudança dos paradigmas culturais e espirituais de muitos ouvintes.
Dá análise das correspondências enviadas para a emissora nos últimos dez anos,
concluí que a influência mais determinante da RTM-B aconteceu entre as décadas de
1960 e 1980, coincidindo com o período de grande popularidade do rádio como meio
mais acessível e popular de comunicação.
Na década de 1990, o cenário tanto na tecnologia da comunicação, como no
campo religioso brasileiro, passou por mudanças significativas e substanciais. Houve
crescente acessibilidade a outras mídias, além do rádio, como a televisão e a internet.
Houve, também, um grande crescimento na população evangélica brasileira,
principalmente nas denominações pentecostais e neopentecostais, bem como um
aumento na oferta de programas de rádio nas frequências mais usuais, como AMs e
FMs. As transmissões em OC (ondas curtas), frequência de transmissão utilizada pela
RTM-B, competia com inúmeras mídias de melhor acessibilidade e qualidade de
recepção. A conclusão a que cheguei, com base nesses dados históricos, é que as rápidas
mudanças de ordem tecnológica, econômica, histórica e cultural, contribuíram para uma
racionalização administrativa da emissora, que se viu forçada a adotar as estratégias do
marketing, voltada para o crescente mercado consumidor evangélico brasileiro,
passando a priorizar a produção de bens simbólicos religiosos. Em outras palavras, na
opinião de alguns teóricos, precisou dessacralizar a religião, passando a vê-la como um
meio de obtenção de sustento e consequente sobrevivência institucional.
Outra iniciativa adotada foi à busca de parcerias com outras emissoras regionais,
nas frequências mais utilizadas pelos ouvintes, a fim de resgatar sua visibilidade perdida
num campo midiático com forte concorrência de outras emissoras evangélicas.
Isto não deve ser visto de forma negativa, mas como adequação da rádio aos
novos tempos e como estratégia de sobrevivência enquanto instituição missionária, visto
que o modelo administrativo adotado pela RTM-B, de uma rádio sustentada por sócios
mantenedores, começava a dar sinais evidentes de esgotamento, colocando em risco a
sobrevivência da emissora e de seu projeto missionário.
130
Não tendo natureza comercial e, provavelmente, sem atrativos comerciais para o
mercado de anunciantes, por não dispor de uma pesquisa de audiência fundamentada em
critérios científicos, precisou valer-se da qualidade de sua programação, do prestígio de
alguns programas produzidos por personalidades reconhecidas no campo evangélico
brasileiro, e da inserção no mercado de bens simbólicos religiosos como forma de
buscar visibilidade, sustentabilidade e relevância institucional.
Das visitas a RTM-B também concluí que, apesar de todas as transformações
impostas pelos novos tempos, permanecem os ideais missionários dos primeiros
tempos. Há intensa troca de comunicação com ouvintes, elevado número de ouvintes
inscritos nos cursos bíblicos por correspondência, investimento em projetos
evangelísticos e sociais, além de um amplo ministério de divulgação da RTM-B feito
por correspondências, boletins informativos impressos e digitais ou pessoalmente, por
meio de missionários a serviço da divulgação da rádio pelo Brasil. Das
correspondências ou emails mais recentes, a conclusão a que cheguei não foi diferente
da expressa por outros pesquisadores recentes da mídia evangélica, que o impacto da
RTM-B é, na atualidade, mais confirmatório do que decisório. A rádio, nos últimos
anos, procurou imprimir um dinamismo na programação, com transmissões ao vivo nas
horas consideradas de maior audiência, com boletins informativos dos principais
acontecimentos do Brasil e do mundo, com resumo das principais manchetes de jornais
e revistas, além das músicas e programações estritamente evangélicas. Não deixou
transparecer uma competição com outras emissoras evangélicas, mas apenas uma
adequação aos novos tempos e as novas tendências também evidenciadas na
comunicação através do rádio.
A conclusão, a meu ver, mais preocupante, foi sobre a dependência econômica
da RTM-B de um único produto em sua linha editorial – Pão Diário. Os estudos do
marketing aplicado a religião, apresenta um difícil desafio a RTM-B – o desafio de
levar em consideração por quanto tempo durará a “demanda” e o “ciclo de vida” deste
sucesso editorial. Essa preocupação é suficiente para explicar o constante lançamento de
novos produtos pela Editora RTM, que tem buscado, embora sem sucesso imediato, um
produto com aceitação semelhante ao Pão Diário.
Certamente, uma emissora como a Rádio Trans Mundial, propõe questões que
não foram contempladas nesta dissertação, cujo registro ficou limitado ao conteúdo
historiográfico e cultural. Termino, expressando o meu desejo de que as considerações
apresentadas contribuam para novas pesquisas da mídia evangélica brasileira.
131
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ANEXOS
1. CD contendo gravações históricas, vinhetas, entrevistas e vídeos históricos da Rádio
Trans Mundial.
2. Fotos do fundador da Trans World Radio, Dr. Paul Freed e do fundador da RTM-B,
Pr. Edmund Spieker e esposa, Marly Spieker
Edmund Spieker e Marli Spieker
Dr. Paul E. Freed
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