Objeto: A presente pesquisa tem o intuito de colaborar com a discussão sobre as dificuldades vivenciadas pelas pessoas trans* para se inserirem no mercado de trabalho. Metodologia: - Realização de entrevistas individuais com mulheres trans* de Campinas e São Paulo. A entrevista foi desenvolvida através dos relatos das histórias de vidas dessas pessoas. - Pesquisa dos relatos compartilhados pelas mídias sociais - blogs, facebook, sites - bem como de artigos produzidos por pesquisadoras(es) transexuais e travestis. Resultados: Confirmamos até agora a nossa primeira hipótese: as dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans* ao ingressarem no mercado de trabalho advém do preconceito e estigmas decorrentes do fato dessas pessoas estarem fora das normas socialmente construídas e impostas pelo sistema “heteronormativo”. A primeira fronteira que as pessoas trans* enfrentam é com o ambiente escolar. As pessoas que muito cedo já começam a sua adequação de gênero são expulsas da escola. Através da participação nos eventos e em um projeto voltado para a vulnerabilidade trans*, percebemos que são poucas pessoas que conseguem chegar ao ensino médio devido à evasão escolar no ensino fundamental. As consequências aparecem claramente na procura de emprego, pois a concorrência e as exigências do mercado de trabalho, quanto à escolaridade (geralmente 2º grau) são grandes empecilhos. Percebemos através do campo que a continuidade nos espaços escolares tem influência na idade do início da adequação de gênero e a classe social das pessoas. Não pretendemos fazer disso uma “regra”, pois a vivência trans* é bastante heterogênea, diversificada e múltipla, e essas características dependem dos contextos sociais que essas pessoas vivenciam. Porém, dos casos analisados, as pessoas que conseguiram chegar ao ensino superior, são pessoas que pertencem à classe média e tem, portanto uma condição social e econômica que facilita e incentiva a entrada na Universidade. A segunda fronteira verificada na pesquisa para a inserção no mundo do trabalho são os documentos de registro civil. No Brasil não há uma Lei de Identidade de Gênero que garanta a legalidade dessas alterações. Isso ocorre por diversos motivos, primeiro deles é devido à patologização das identidades trans* que atribui característica de pessoas doentes que precisam de tratamento. O Ministério da Saúde garante uma portaria denominada de “Processo Transexualizador”. Esse processo constitui a possibilidade de fazer a cirurgia e conta com as seguintes etapas: terapia psicológica – que dura em torno de 2 anos; terapia hormonal; teste de vida real ; teste de personalidade; exames médicos rotineiros. Todas essas etapas compõem o laudo médico que atestam se a pessoa é “verdadeiramente transexual”. Além do discurso médico utilizado para diagnosticar suas identidades, elas ainda encontram dificuldade em se inserir no mercado de trabalho devido aos aspectos jurídico-legais. Um reflexo disso é a questão da retificação do nome em conformidade com o gênero construído. Como o gênero nas práticas heteronormativas é determinado no nascimento, em relação direta com o sexo (às pessoas com genitais femininos são pressupostas identidades de gênero femininas, assim como nos casos masculinos), o nome de qualquer indivíduo se dá em conformidade com o sexo biológico. Assim, as pessoas trans* possuem o conflito dos seus documentos não estarem em conformidade com a sua identidade de gênero atual. A relação dos documentos tem influência direta na inserção do mercado de trabalho, pois, no momento da entrevista, o empregador, analisa seus documentos e verifica se estes estão de acordo com sua performance de gênero. Objetivos: - Investigar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres trans* para se inserirem no mercado de trabalho. -Identificar como essas pessoas procuram trabalho: em que locais, redes, agências e etc; - Conhecer o perfil das mulheres trans* (grau de escolaridade, raça, idade, estado civil etc) que conseguiram se inserir no mercado de trabalho e desenvolveram uma carreira bem sucedida; -Conhecer as percepções das mulheres trans* sobre sua situação laboral, sua experiência de trabalho (ou de procura de trabalho) suas dificuldades, expectativas e demandas. As pessoas trans* geralmente vivenciam, nesse momento, uma experiência violenta, pois não só os documentos não condizem com sua identidade e o constrangimento ocorre pela falta de entendimento das pessoas do que é a experiência transexual. Nesse momento, não há garantias de que a pessoa consiga vaga de emprego, mesmo que tenha qualificação para o cargo. A patologização das identidades trans* proporciona essas circunstâncias que geram status de estigma. Essa posição estigmatizada gera a falta da inserção no mercado de trabalho, levando algumas das pessoas trans* ocuparem trabalhos precários e/ ou no mercado do sexo. No caso das(os) entrevistas analisadas, as pessoas que tiveram algum emprego não tiveram problemas na entrevista, não pelo ambiente ser isento de preconceito, mas pelo tipo de vaga que estavam concorrendo, a área de telemarketing. O telemarketing é o setor espaço social de trabalho que tem mais empregado pessoas trans* devido à necessidade constante de mão de obra. Como as entrevistadas explicaram, é um trabalho que exige pouca experiência laboral e nível de escolaridade média. Dessa forma, acabam contratando as pessoas por essa necessidade, mas também porque os clientes não tem acesso às pessoas, mas somente às suas vozes. Há casos de informalidade como a situação laboral atual de uma das entrevistadas que preferiu seguir a carreira autônoma por não ter mais condições de saúde para ser empregada em postos de trabalho que não conseguem fornecer condições adequadas de trabalho. Outras pessoas, são empurradas para a prostituição. Em artigos e pesquisas de algumas Ong’s é constatado que a prostituição hoje, é a profissão que congrega o maior contingente de pessoas trans* atuando nessa situação laboral. Nessa pesquisa, tomamos a decisão de analisar a prostituição enquanto um espaço social de trabalho porque as próprias profissionais de sexo reconhecem essa atividade como uma profissão, e também porque ao participar dos encontros e nos diálogos com as militantes, percebemos que as travestis se manifestam claramente pela regulamentação da profissão. Além disso, percebemos que a atividade envolve trocas entre a pessoa que quer o serviço e a pessoa que o fornece. Essa relação não exclui as características que envolvem essa profissão como a precariedade, vulnerabilidade, violência e a morte. Essas demarcações são os motivos por que hoje, os movimentos organizados daws Prostitutas quererem discutir a regulamentação da atividade, para que possam ter acesso aos direitos de cidadania e trabalhistas, que envolvem o INSS, fundo de garantia, eliminar a ilegalidade da atividade e garantir ações que impeçam mais mortes às travestis e transexuais que estão no trabalho. Não conseguimos ainda constatar como a divisão sexual do trabalho opera nas vivências trans*, parte dessa ausência advém do pouco espaço que essas pessoas ocupam nos postos de trabalho devido às suas condições estigmatizantes e pela vulnerabilidade dessa população. O que podemos concluir até agora sobre esse quesito é que grande parte dessas pessoas, conseguem trabalho no mercado informal, em serviços terceirizados e/ou como ‘freelancers', dentre outras formas "atípicas" de trabalho, marcadas essencialmente pela precariedade. Referências Bibliográficas: BENTO, Berenice. O que é transexualidade? Editora: Brasiliense Ano: 2008. Coleção Primeiros Passos. BUTLER. Judith. Desdiagnosticando o gênero. Physis Revista de saúde Coletiva, Riode Janeiro, 19(1), 95-126, 2009. _____________. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Civilização Brasileira. 2010. _______________.Bodies that Matter: on the discursive limits of sex. New York:Routledge, 2004 CARNEIRO ARAÚJO, Ângela Maria. Gênero nos studos do trabalho. em Maria Lygia Quartim de Moraes org. Gênero na fronteira do Sul. 1ª Ed., Campinas, Brasil. Pagu/Unicamp, 2005 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. São Paulo:Graal, 2005. GOFFMAN, Erving. 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