A REDUÇÃO DO PREÇO DA ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL Gilmar Mendes Lourenço No dia 11 de setembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff surpreendeu os meios políticos e econômicos ao anunciar um elenco de providências a ser implantado visando à conquista da diminuição de 16,2% e 28,0% das tarifas de energia elétrica cobradas de consumidores residenciais e empresas industriais, respectivamente, a partir de 05 de fevereiro de 2013. De fato, o pacote de medidas carrega as intenções de corrigir distorções antigas do sistema elétrico nacional e moldar um novo quadro de expansão do setor para as próximas três décadas, além de ampliar a competitividade do aparelho produtivo brasileiro e os níveis de bem estar da população e favorecer o controle permanente da inflação. Porém, sem maiores conversações ou negociações prévias com as concessionárias, ou mesmo a designação dos critérios empregados nas contas efetuadas, o governo estabeleceu que cerca de 70,0% dos cortes estipulados deverão ser extraídos do preço final e 30,0% dos encargos embutidos nas faturas de luz – conta de consumo de combustíveis (CCC), reserva geral de reversão (RGR) e conta de desenvolvimento energético (CDE) –, deixando de fora a esperada extinção do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que constituem os fardos tributários mais expressivos na formação tarifária. Mais que isso, diante dos flagrantes óbices de caráter financeiro exibidos pelos governos estaduais para a feitura de reduções do peso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que responde por praticamente 2/5 do valor das contas de energia elétrica, a União decidiu, com a medida provisória (MP) nº 579/2012, impor algumas regras, atreladas, para a prorrogação ou reversão das concessões de geração, distribuição e transmissão e a fixação das cifras referentes às indenizações dos investimentos a serem amortizados ou depreciados pelas empresas. Tratou-se de uma ação, rotulada pelo jornal britânico Financial Times, de “rasgar e reescrever contratos” sintetizada na extensão, por 30 anos, das concessões que vencerão entre 2015 e 2017, alcançando 123 contratos de geração, cujas companhias correspondem a 20,0% da capacidade instalada; 44 de distribuição, com unidades responsáveis por 35,0% do mercado; e 9 de transmissão, abrangendo empresas que operam quase 70,0% do sistema interligado nacional, encarregadas de 85 mil km de linhas. A condição essencial consiste na manifestação, pelos atuais detentores das operações dos serviços (até o dia 15 de outubro, sendo que 04 de dezembro seria o prazo para a assinatura do aditivo do contrato), da vontade de prosseguir as atividades e da aceitação da retração tarifária e dos cálculos, feitos pela União, correspondentes aos reembolsos das indenizações que, por sinal, deverão ser aplicados, pelas organizações, em novos projetos setoriais. Curiosamente, tais procedimentos vinham sendo debatidos entre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e as entidades envolvidas, há pelo menos três anos. Em caso de recusa, haverá a devolução da atividade ao poder concedente. Conforme as avaliações oficiais, o propósito é chegar a uma diminuição da tarifa média de gera ção dos R$ 90,0 a R$ 100,0 por megawatt/hora atuais para a faixa entre R$ 30,0 e R$ 40,0, tida como adequada para a cobertura das despesas operacionais das companhias, que já teriam amortizado seus investimentos em decênios de concessão. Não pode ser descartada a hipótese disto vir a produzir resultados deficitários para algumas delas e comprometer, irremediavelmente, as respectivas programações de investimentos em geração e transmissão. A alegada superação dessa restrição, por meio do pagamento dos valores das indenizações dos ativos restantes, parece pouco provável. Isso porque é perceptível uma acentuada discrepância entre os montantes estimados preliminarmente pelo governo federal e os requerimentos financeiros levantados pelas empresas para a liquidação das pendências com as amortizações. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 5, n. 9, novembro 2012 |1 Enquanto a União defende que os haveres de R$ 21,0 bilhões, aportados no fundo para RGR, suportariam as necessidades de ressarcimento, inferências de consultorias financeiras apontam demanda de recursos da ordem de R$ 47,0 bilhões, para um conjunto de 16 distribuidoras e 9 companhias de geração e transmissão, sendo R$ 27,0 bilhões apenas para as usinas da Eletrobras. Apesar de os números definitivos dependerem de criteriosas simulações da Aneel e de previsíveis diálogos e acertos com as companhias, os embaraços criados antecipadamente com divulgação das regras gerais foram suficientes para provocar declínio das cotações das ações das empresas do setor na Bovespa, implicando prejuízo de R$ 21,0 bilhões em dois dias, superando os números negativos amargados durante o apagão de 2001. Existem também restrições de natureza legal na conduta do governo federal, amparadas no artigo 246 da Constituição de 1988, que exigiriam a aprovação de uma emenda constitucional para a renovação de contratos de concessão, o que derrubaria a validade de determinação da edição de MPs para tal propósito. Frise-se que a possibilidade de execução da tarefa de discussão exaustiva e imposição de relevantes emendas à MP, no curto intervalo de tempo previsto, foi, na prática, prejudicada, em face do recesso branco que prevaleceu no Congresso Nacional, fruto do ciclo eleitoral. Sem contar o risco regulatório implícito no encaminhamento pouco transparente, de um assunto de enorme complexidade, justamente em um momento de descompressão dos processos de privatização na área de transportes. No fundo, ao escolher o caminho de desonerações de impostos pontuais ou efeitos de pressões de segmentos econômicos com apreciável poder de mercado e abrir mão da execução de uma abrangente reforma da peça tributária – montada em tempos de economia fechada, sustentada no modelo de industrialização por substituição de importações –, o governo tende a intensificar a fragilização das finanças federativas, cuja participação no total das receitas do País encolheu de cerca de 30,0% em 1988 para menos de 25,0% nos dias de hoje. Adicione-se a multiplicação da subordinação desses entes ao fundo de participação (FPE), ancorado no imposto sobre produtos industrializados (IPI) e no Imposto de Renda (IR), que experimentaram queda de peso no montante de arrecadação da nação de 78,0% para 48,0%, em igual intervalo, em favor do avanço da presença das contribuições não compartilhadas pela União com as instâncias subnacionais. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 5, n. 9, novembro 2012 |2