DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL
Regente: Professora Doutora Maria Helena Brito
CONVENÇÃO DE VIENA DE 1980 SOBRE
CONTRATOS DE COMPRA E VENDA
INTERNACIONAL DE MERCADORIAS:
DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO ESPACIAL E
MATERIAL DE APLICAÇÃO
Laura Andrade Nº 1246
1. Antecedentes da Convenção de Viena
1.1. UNIDROIT
Unificação legislativa do direito da venda internacional, em 1929, com uma
proposta de lei uniforme sobre a venda de mercadorias.
Realização de uma conferência internacional em Haia, em 1964.
1.2. CONVENÇÕES DE HAIA DE 1964
Aprovação de duas leis: Lei Uniforme sobre a Venda Internacional de
Mercadorias e a Lei Uniforme sobre a Formação dos Contratos de Venda
Internacional de Mercadorias.
1.3. CNUDCI
Em 1966 foi criada a CNUDCI (Comissão das Nações Unidas sobre Direito de
Comércio Internacional) com o propósito de promover uma ampla adesão às
convenções de Haia.
Planeou-se uma nova convenção que iria regular tanto a formação do
contrato internacional de venda como as suas normas substantivas.
Em 1978 realizou-se um projecto de convenção sobre os contratos de compra
e venda internacional de mercadorias.
Esta convenção foi adoptada, em 1980, numa conferência internacional em
Viena.
2. Características e objectivos da Convenção de Viena
Os objectivos gerais da convenção de Viena vão ao encontro da ideia de que é
necessário instaurar uma nova ordem económica internacional.
Ao se adoptarem regras uniformes aplicáveis aos contratos de compra e
venda internacional de mercadorias, compatíveis com os diferentes sistemas
sociais, económicos e jurídicos, contribui-se para a eliminação dos obstáculos
jurídicos às trocas internacionais.
A Convenção de Viena só contém o regime específico da formação do
contrato de compra e venda de mercadorias e dos direitos e obrigações por
ele gerados.
Art.1º:
1.
A presente Convenção aplica-se aos contratos de compra e venda de
mercadorias celebrados entre partes que tenham o seu estabelecimento
em Estados diferentes:
a) Quando estes Estados sejam Estados contratantes; ou
b) Quando as regras de direito internacional privado conduzam à aplicação
da lei de um Estado contratante.
2. Não é tomado em conta o facto das partes terem o seu estabelecimento
em Estados diferentes quando este facto não ressalte nem do contrato nem
de transacções anteriores entre as partes, nem das informações dadas por
elas em qualquer momento anterior à conclusão do contrato ou na altura da
conclusão deste.
3. Não são tomadas em consideração para a aplicação da presente Convenção
nem a nacionalidade das partes nem o carácter civil ou comercial das partes
ou do contrato.
3. Delimitação do âmbito espacial de aplicação da Convenção
3.1.1. Requisitos de aplicação espacial:
• Carácter internacional dos contratos de compra e venda
Art.1º/1:
“A presente Convenção aplica-se aos contratos de compra e venda de
mercadorias celebrados entre partes que tenham o seu estabelecimento em
Estados diferentes”
A Convenção estabelece um único critério básico de internacionalidade: as
partes têm de ter o seu estabelecimento em Estados diferentes.
A Convenção aplica-se, desde que:
• Os Estados sejam subscritores da Convenção
Art.1º/1 a):
“ Quando estes Estados sejam Estados contratantes”
Tem de haver uma conexão com um Estado contratante.
O objectivo da Convenção era reduzir a incerteza legal que se verificava nas
transacções entre diferentes sistemas jurídicos.
Esta incerteza é substituída pela aplicação de uma única lei uniforme a que
ambos os países se vincularam.
• Regras de Direito Internacional Privado levem à aplicação da
lei de um Estado contratante
Art.1º/1 b):
“Quando as regras de direito internacional privado conduzam à aplicação da
lei de um Estado contratante.”
O elemento de conexão com o Estado contratante resulta de o direito
internacional privado do Estado do foro remeter para a ordem jurídica de um
Estado contratante.
Esta alínea vale para os casos em que pelo menos uma das partes não tem
estabelecimento num Estado contratante.
O art.1º/1 b) provocou contestações com fundamento no facto de que basear
a aplicabilidade da convenção em regras de direito internacional privado iria
frustrar o principal objectivo da convenção: certeza legal (jurídica).
Art.95º
“ Qualquer Estado pode declarar, no momento do depósito do seu
instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão, que não
ficará vinculado pela alínea b) do parágrafo 1 do artigo 1.º da presente
Convenção”.
Efeitos da escolha de se fazer, ou não, a reserva do art.95º
Hipótese:
O vendedor tem o seu estabelecimento no Estado A, um Estado contratante
que fez a reserva do art.95º. O comprador tem o seu estabelecimento no
Estado B, um Estado não contratante. O Estado do foro é o A. As regras de
conflito do Estado A apontam para o Estado C, um Estado contratante que
subscreveu a alínea b).
Deve o Estado A aplicar a Convenção a esta transacção?
Se as regras de conflito de o Estado A apontassem para o Estado B, o Estado A
aplicaria a lei interna do Estado B.
Este princípio também se aplica se a resposta às regras de conflitos apontem
para um Estado contratante, como o C.
O Estado A deve aplicar a Convenção em vez da lei interna do Estado A.
Se, perante o direito internacional privado de o Estado contratante do foro,
que subscreveu a reserva do art.95º, for competente a lei do foro, a
Convenção não se aplica.
A mesma solução se impõe quando tanto o Estado contratante do foro, como
o Estado contratante cuja lei é designada pelo direito internacional privado do
foro fizeram a reserva.
No caso de o Estado do foro fazer a reserva, mas o seu direito internacional
privado remeter para a ordem jurídica de um Estado contratante que não a
fez:
• Num Estado que faça essa reserva a Convenção só é aplicável caso as
partes tenham estabelecimento em Estados contratantes (alínea a). Se
pelo menos uma das partes não tiver estabelecimento em Estado
contratante, a competência da lei de um Estado contratante não conduz à
aplicação da Convenção, porque não se verifica o seu pressuposto espacial
de aplicação.
• A reserva só exclui a aplicação da Convenção quando tanto o Estado do
foro como o Estado cuja lei é competente fizeram a reserva.
Não se infere dos trabalhos preparatórios uma intenção clara de excluir a
aplicação do regime convencional quando o direito internacional do
Estado do foro remeter para a ordem jurídica de um Estado que não fez a
reserva;
Entendimento diferente levaria o Estado do foro a aplicar a lei interna da
ordem jurídica competente quando, nesta ordem jurídica, é aplicável o
regime convencional, o que fomentaria a desarmonia internacional das
soluções.
Caso de Portugal:
A Convenção só se pode aplicar no quadro da ordem jurídica competente
segundo as regras de conflitos do direito português. É necessário que este
aponte para uma ordem jurídica em que vigora a Convenção e que, na
perspectiva dessa ordem, se verifiquem os pressupostos de aplicação espacial
da convenção.
Exemplo:
É celebrado um contrato de venda de mercadorias entre uma sociedade
estabelecida em França e uma sociedade estabelecida em Portugal. As partes
designam o direito francês para reger o contrato. A sociedade francesa tem
uma pretensão de indemnização por incumprimento do contrato por parte da
sociedade portuguesa, junto de um tribunal português. Perante o direito de
conflitos português, é competente o direito francês. Na ordem jurídica
francesa vigora a Convenção e, embora uma das partes tenha
estabelecimento num Estado não contratante, o direito internacional privado
francês remete para a lei francesa. Por conseguinte, a Convenção de Viena é
aplicável por força do art.1º/1 b). O tribunal português deve aplicar as regras
da Convenção enquanto regras aplicáveis ao caso na ordem jurídica francesa.
• A não aplicação da Convenção quando as partes têm
estabelecimentos em Estados diferentes, sendo que tal facto
não ressalta do contrato, das transacções ou das informações
trocadas entre as partes (art.1º/2)
Premissa de que o facto que envolve a Convenção ressalte do contrato, das
transacções feitas previamente entre as partes ou da informação trocada
entre elas.
Art.10º a): a escolha entre múltiplos estabelecimentos deve-se basear nas
circunstâncias conhecidas pelas partes.
• Irrelevância da nacionalidade das partes e da natureza civil ou
comercial das partes ou do contrato para efeitos de
determinação do âmbito espacial (art.1º/3)
Objectivo:
A tradicional classificação, presente em alguns sistemas jurídicos, de separar
partes e transacções “civis” e “comerciais” é irrelevante para determinar a
aplicabilidade da Convenção.
3.1.2. Requisitos de aplicação material
• Não aplicação da Convenção a certos tipos de contratos
Art.2º:
“ A presente Convenção não regula as vendas:
a) De mercadorias compradas para uso pessoal, familiar ou doméstico, a
menos que o vendedor, em qualquer momento anterior à conclusão do
contrato ou na altura da conclusão deste, não soubesse nem devesse saber
que as mercadorias eram compradas para tal uso;
b) Em leilão;
c) Em processo executivo;
d) De valores mobiliários, títulos de crédito e moeda;
e) De navios, barcos, hovercraft e aeronaves;
f) De electricidade.”
A Convenção não regula todos os contratos de venda de mercadorias.
Art.2º a) – Exclusão de contratos de compra e venda para consumo:
A Convenção não interfere com os regimes nacionais de protecção do
consumidor.
A frase “mercadorias compradas para uso pessoal, familiar ou doméstico” diz
respeito ao objectivo do comprador no momento da compra.
Exemplo:
Um vendedor, que vende equipamento fotográfico no Estado A, aceita uma
encomenda do comprador, residente do Estado B, de equipamento fotográfico
complexo do tipo que é normalmente usado por profissionais. Numa
controvérsia por causa da venda, quando o vendedor invoca a Convenção, o
comprador evidencia que comprou o equipamento para uso pessoal, visto ser
ele um amador.
O comprador tem o ónus de provar que comprou mercadorias para uso
pessoal, familiar; e o vendedor tem o ónus de provar que não sabia, nem
podia saber, o objectivo do comprador.
Art.2º b) – Exclusão de vendas em leilão:
Apresenta problemas específicos que dizem respeito à formação do contrato.
Vários Estados aplicam regulamentos especiais a este tipo de vendas.
Art.2º c) – Exclusão de vendas em processo executivo:
Impossibilidade de as partes negociarem os termos do contrato.
São objecto de regulações especiais.
Art.2º d) - Exclusão vendas de valores mobiliários, títulos de crédito e moeda:
“Venda de mercadorias” (art.1º/1) refere-se a coisas corpóreas e móveis.
Art.2º e) – Exclusão de vendas de navios, barcos, hovercraft e aeronaves:
Esta alínea deve ser lida sem fazer qualificações. Embarcações de recreio,
como barcos à vela e barcos de remo, caem fora do âmbito da Convenção.
Art.2º f) – Exclusão de vendas de electricidade
• Contratos mistos
Art.3º:
“ São considerados de compra e venda os contratos de fornecimento de
mercadorias a fabricar ou a produzir, a menos que o contraente que as
encomende tenha de fornecer uma parte essencial dos elementos materiais
necessários para o fabrico ou produção.
2. A presente Convenção não se aplica aos contratos nos quais a parte
preponderante da obrigação do contraente que fornece as mercadorias
consiste num fornecimento de mão-de-obra ou de outros serviços.”
Excluem-se os contratos de fornecimento de mercadorias que se aproximam
de uma prestação de serviços ou de um contrato de trabalho (art.3º).
Exemplo da exclusão do nº2:
Um contrato para a reparação de uma máquina, em que o custo das peças de
substituição é inferior ao da mão-de-obra.
O regime convencional só se aplica se o fornecimento das peças for o
elemento preponderante.
Questões de grau:
Um comprador fez um contrato com um fabricante para o fornecimento de
aço inoxidável no qual acordou fornecer crómio, um ingrediente necessário. O
valor do crómio fornecido pelo comprador corresponde a 15% do valor total
dos materiais usados no fabrico do aço inoxidável.
O facto de o crómio ser necessário para a produção do bem não leva, por si
só, à exclusão desta venda.
O art.3º/2 aplica-se apenas quando as partes lidam com as mercadorias e os
serviços num único contrato.
O art.3º pode ser aplicado analogicamente a outros contratos mistos ou sui
generis.
• Restrição da regulação da Convenção a questões de formação
do contrato e direitos e obrigações das partes
Art.4º:
“ A presente Convenção regula exclusivamente a formação do contrato de
compra e venda e os direitos e obrigações que esse contrato faz nascer entre
o vendedor e o comprador. Salvo disposição expressa em contrário da
presente Convenção, esta não diz respeito, em particular:
a) À validade do contrato ou de qualquer das suas cláusulas, bem como à
validade dos usos;
b) Aos efeitos que o contrato pode ter sobre a propriedade das mercadorias
vendidas.”
Matérias excluídas da Convenção:
1.
A Convenção não interfere com direitos e soluções especiais que leis
estaduais dão a pessoas que foram induzidas a entrar num contrato por
fraude.
2.
A Convenção não substitui leis estaduais nos efeitos da menoridade,
anomalia ou outro motivo de incapacidade de uma parte para celebrar o
contrato.
3.
A Convenção não interfere com os efeitos que o contrato tem sobre a
propriedade das mercadorias vendidas. Esta alínea reforça a ideia de que
a Convenção se ocupa apenas dos direitos e obrigações do comprador e
do vendedor que derivam do contrato.
• Sobressai deste artigo a ideia presente na Convenção de Haia de 1964, um
dos antecedentes da Convenção de Viena: a separação entre duas
matérias. Por um lado, a venda de mercadorias, propriamente dita; por
outro, a formação do contrato de venda de mercadorias.
• O artigo 4º, ao delimitar o âmbito material da Convenção, vai ao encontro
do disposto no artigo 101º da Convenção:
“Qualquer Estado contratante poderá denunciar a presente Convenção ou a
segunda ou terceira partes de Convenção, mediante uma notificação formal
dirigida por escrito ao depositário”.
• Tal significa que os Estado podem optar por não ficarem vinculados às
regras convencionais relativas à formação do contrato (parte II) ou às
obrigações das partes (parte III).
• Exclusão da responsabilidade do vendedor pela morte ou
lesões corporais causadas pelas mercadorias (art.5º)
Art.5º:
“ A presente Convenção não se aplica à responsabilidade do vendedor pela
morte ou lesões corporais causadas pelas mercadorias a quem quer que
seja”
O objectivo que subjaz ao art.5º é semelhante ao do art.2ºa).
A exclusão feita pelo art.5º é significativa em duas situações:
1. Segundo o art.2ºa), apesar de as mercadorias serem compradas para uso
familiar, a Convenção pode-se aplicar quando o vendedor não sabia nem
podia saber que os bens eram comprados para tal uso. Nestes casos
específicos, o art.5º determina que a pretensão do comprador, ou de um
terceiro, com base na morte ou lesões corporais cai fora do âmbito da
Convenção e, portanto, será regulada pela lei estadual aplicável.
2. Mercadorias não compradas para uso familiar podem dar origem a
pretensões por morte ou lesões corporais. Exemplo: uma máquina industrial
lesiona um trabalhador do comprador. A pretensão de o comprador para
reparar os danos causados pela venda de o vendedor não é regulada pela
Convenção.
Oportunidade de processar o produtor com quem o queixoso não teve
uma relação contratual directa. O art.4º da Convenção determina que esta
regula apenas os direitos e obrigações de o comprador e vendedor que
resultam do contrato. Assim a Convenção não regula pretensões do
comprador contra outras pessoas que não o vendedor e, consequentemente,
não interfere com as regras estaduais.
• Possibilidade de as partes excluírem, derrogarem ou
modificarem as disposições da Convenção (art.6º).
Art.6º:
“As partes podem excluir a aplicação da presente Convenção ou, sem prejuízo
do disposto no artigo 12º, derrogar qualquer das suas disposições ou
modificar-lhe os efeitos.”
Este artigo aplica-se para a Parte II (Formação do contrato) e completa o
principio básico de que o oferente controla a oferta e o visado controla a
aceitação.
A gama de provisões da Convenção sobre as obrigações do vendedor e do
comprador e as soluções para a sua quebra (Parte III) podem ser alteradas
pelo acordo.
As regras da Convenção têm um carácter supletivo, com excepção do art.12º.
Se as partes somente acordam que a Convenção não será aplicável, as regras
de direito internacional privado determinam qual a lei aplicável.
Pode haver exclusões ou modificações implícitas. Tal não tem de ser expresso.
Exemplo:
Os lugares de estabelecimento do vendedor e do comprador são nos Estados A
e B, ambos Estados contratantes. Um contrato de venda foi feito entre os dois
pelos seus representantes no Estado C, um Estado não contratante. O contrato
determinava que o vendedor entregaria os bens ao comprador no Estado C. O
contrato não designava qual a lei aplicável. Que lei se deve aplicar a este
contrato?
Visto que os lugares de estabelecimento de ambas as partes são em Estados
contratantes, o art.1º/1 a) determina que a Convenção se aplica a não ser que
as partes tenham acordado excluir a sua aplicação (art.6º).
A única base para excluir a aplicação da Convenção, no exemplo, é o acordo
feito pelas partes segundo o art.6º. Apesar de o acordo que exclui a
Convenção não tenha de ser expresso, tal acordo só pode ser implícito dos
factos que apontam para um real consentimento das partes.
Contratos ambíguos:
Num contrato determina-se que este será regulado pela lei do Estado X. Se o
Estado X aderiu à Convenção surge a questão de saber se as partes, com esta
afirmação, pretendiam invocar a Convenção ou a lei interna do Estado X.
Não há nenhuma disposição que se refira à questão de saber se as partes
podem fazer com que a Convenção se aplique a contratos que caem fora do
âmbito dos artigos 1º a 5º.
1.
O contrato diz respeito a uma transacção excluída pelos artigos 2º, 3º ou
5º:
A Convenção não regula os efeitos dos contratos que saem do seu âmbito de
aplicação. Assim, a aplicação da Convenção depende inteiramente do
contrato.
2. O local de estabelecimento das partes não é em diferentes Estados, como é
requerido pelo art.1º:
Exemplo
Um contrato entre um comprador e um vendedor cujos estabelecimentos se
localizam no mesmo Estado, pode requerer que o vendedor obtenha os bens
através de uma transacção internacional ou o comprador pode revender os
bens numa transacção internacional.
3. A transacção não comporta uma relação com um Estado contratante, como
é requerido pelo art.1º/1 a) e b):
Num contrato de venda entre o vendedor, do Estado A, e o comprador, do
Estado B, determina-se que a Convenção aplica-se à transacção. Nenhum dos
Estados é um Estado contratante.
Não há razões justificativas para frustrar o desejo das partes de que o
contrato seja regulado por uma lei uniforme para vendas internacionais
aprovada e implementada por uma série de países.
O encargo sobre o tribunal que resultaria da aplicação da Convenção seria
muito menor do que aquele que resultaria de o direito internacional privado
chamar a aplicação duma lei estadual estrangeira.
Disposições gerais (Capítulo II)
1. Interpretação e integração de lacunas (art.7º)
Art.7º:
“ 1. Na interpretação da presente Convenção ter-se-á em conta o seu carácter
internacional bem como a necessidade de promover a uniformidade da sua
aplicação e de assegurar o respeito da boa fé no comércio internacional.
2. As questões respeitantes às matérias reguladas pela presente Convenção e
que não são expressamente resolvidas por ela serão decididas segundo os
princípios gerais que a inspiram ou, na falta destes princípios, de acordo com
a lei aplicável em virtude das regras de direito internacional privado.”
“Carácter internacional e uniformidade”:
Ao interpretar a Convenção deve-se ter em conta dois princípios: o carácter
internacional da Convenção e a necessidade de promover a uniformidade da
sua aplicação.
As palavras da Convenção projectam-se num pano de fundo internacional.
O contexto em que a linguagem é usada é um aspecto essencial do seu
significado.
O requerimento da Convenção em promover a uniformidade da sua aplicação
exige que os tribunais considerem as interpretações da Convenção feitas
pelos outros países.
Interpretação da Convenção para promover a boa fé no comércio
internacional:
Esta disposição foi adoptada com vista ao compromisso entre dois pontos de
vista divergentes:
1.Uns defendiam a regra geral de que, pelo menos na formação dos
contratos, as partes devem agir de boa fé;
2.Outros resistiram a esta ideia invocando que a boa fé não tinha um só
significado e iria gerar incerteza.
Foi decidido que a disposição sobre a boa fé não devia ser confinada à
formação do contrato e não devia ser imposta em termos gerais, mas sim
devia ser restrita a um princípio para interpretar a Convenção.
Preenchimento de lacunas: princípios gerais versus lei estadual (art.7º/2):
Um assunto que é regulado pela Convenção apresenta uma questão que
não é expressamente resolvida por esta. Como é que esta questão deve ser
resolvida?
O art.7º/2 representa um compromisso entre dois pontos de vista. Em
resposta àqueles que receavam que os tribunais pudessem recorrer
demasiado rapidamente a leis estaduais, a primeira parte do art.7º/2
estipulou que as questões serão resolvidas pelos princípios gerais que
inspiraram a Convenção; em resposta àqueles que duvidavam que os
princípios gerais da Convenção podiam ser sempre encontrados, a segunda
parte do art.7º/2 determinou que, na ausência dos princípios, a questão seria
resolvida de acordo com a lei aplicável em virtude das regras de direito
internacional privado.
O art.7º/2 determina que se recorre aos princípios gerais para resolver
questões respeitantes às matérias reguladas pela Convenção. O art.4º
determina quais as matérias que não estão abrangidas pela Convenção. Estas
caem fora do âmbito do art.7º/2.
2. Interpretação dos comportamentos das partes (art.8º)
Art.8º:
“1. Para os fins da presente Convenção, as declarações e os outros
comportamentos de uma parte devem ser interpretados segundo a intenção
desta quando a outra parte conhecia ou não podia ignorar tal intenção.
2. Se o parágrafo anterior não for aplicável, as declarações e outros
comportamentos de uma parte devem ser interpretados segundo o sentido
que lhes teria dado uma pessoa razoável, com qualificação idêntica à da
contraparte e colocada na mesma situação.
3. Para determinar a intenção de uma parte ou aquilo que teria
compreendido uma pessoa razoável, devem ter-se em conta todas as
circunstâncias pertinentes, nomeadamente as negociações que possa ter
havido entre as partes, as práticas que se tenham estabelecido entre elas, os
usos e todo e qualquer comportamento ulterior das partes.”
O nº 1 é construído sob a abordagem subjectiva: os comportamentos de uma
parte devem ser interpretados segundo a intenção desta, mas só quando a
outra parte conhecia ou não podia ignorar tal intenção.
Mas a maior parte dos problemas de interpretação serão regulados pelo nº2,
que segue uma abordagem objectiva: os comportamentos de uma parte
devem ser interpretados segundo o sentido que lhes teria dado uma pessoa
razoável, colocada na mesma situação.
O art.8º/2 encarrega aquele que prepara o projecto contratual de fazer uma
comunicação clara que uma pessoa razoável colocada na mesma situação
compreenderia.
O art.8º/2 não dá efeito vinculativo àquilo que o proponente ou a outra parte
entenderam pessoalmente, mas sim ao sentido que uma pessoa razoável
teria dado naquela situação.
Interpretação à luz de circunstâncias circundantes:
O nº3 estabelece regras de interpretação que se aplicam a declarações
enquadradas num acordo formulado por ambas as partes.
As negociações, as práticas e os usos estabelecidos entre as partes são
relevantes para determinar a intenção das partes e deve ser-lhes dada a
devida consideração.
O art.8º/3 autoriza que seja dada a devida consideração a qualquer
comportamento ulterior das partes, visto que tais comportamentos podem
esclarecer as intenções e expectativas das partes.
3. Relevância dos usos e práticas das partes (art.9º)
Art.9º:
“ 1. As partes estão vinculadas pelos usos em que consentiram e pelas
práticas que entre elas se estabeleceram.
2. Salvo convenção em contrário das partes, entende-se que estas
consideram tacitamente aplicáveis ao contrato, ou à sua formação, todo e
qualquer uso de que tinham ou devessem ter conhecimento e que, no
comércio internacional, seja largamente conhecido e regularmente observado
pelas partes nos contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.”
Práticas estabelecidas entre as partes:
Expectativas que têm a força de um contrato podem ser estabelecidas por
padrões de conduta estabelecidos pelo comprador e vendedor.
Segundo o art.9º/1 o comportamento de uma parte (A) em transacções
passadas pode criar a expectativa na contraparte (B) de que A vai-se vincular
a um futuro contrato. A não ficará vinculado se notificar B de que houve
alterações antes de B entrar num novo contrato.
Aceitação tácita dos usos:
O art.9º/2 determina que os usos vinculam apenas aqueles que “tinham ou
devessem ter conhecimento”. Ainda impõe que o uso seja “largamente
conhecido e regularmente observado pelas partes nos contratos do mesmo
tipo”.
Usos presentes no comércio internacional podem vincular as partes mesmo
que não tenham sido incorporados no acordo a que se refere o art.9º/1, mas
apenas quando a sua regularidade vai ao encontro do art.9º/2.
A Convenção dá efeito aos usos somente se, numa base objectiva, constituir
uma parte das expectativas contratuais das partes.
O uso tem de ser internacional?
Segundo o art.9º/2 o uso deve ser largamente conhecido no
comércio internacional. Um uso que tem uma origem local pode ser aplicável
se for “largamente conhecido e regularmente observado pelas partes nos
contratos do mesmo tipo”.
As práticas e usos estabelecidos entre as parte tornam-se numa parte
importante das expectativas das mesmas.
Mas as partes, por contrato, podem negar estas expectativas (art.6º).
Art.8º/3: ao interpretar as declarações das partes deve ser dada a devida
consideração a todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente
negociações, práticas, usos ou comportamentos ulteriores.
Exemplo: um uso determina uma altura ou um local para a entrega ou uma
altura para a transferência do risco que difere das regras dos arts.31º,33º, 67º
da convenção.
Qual deles é aplicável?
Segundo o art.6º as partes podem derrogar qualquer das disposições da
Convenção ou modificar-lhe os efeitos.
Segundo o art.9º/1 as práticas estabelecidas pelas partes tornam-se parte do
contrato e, segundo o art.9º/2, salvo convenção em contrário das partes,
entende-se que estas consideram tacitamente aplicáveis ao contrato, ou à sua
formação, os usos.
Limite: uma prática ou um uso é inválido se um termo contratual com o
mesmo efeito seria tido por inválido segundo a lei aplicável.
4. Pluralidade e ausência de estabelecimento (art.10º)
Art.10º:
“ Para os fins da presente Convenção:
a) Se uma parte tiver mais de um estabelecimento, o estabelecimento a
tomar em consideração é aquele que tiver a relação mais estreita com o
contrato e respectiva execução, tendo em vista as circunstâncias
conhecidas das partes ou por elas consideradas em qualquer momento
anterior à conclusão do contrato ou na altura da conclusão deste;
b) Se uma parte não tiver estabelecimento, revela para este efeito a sua
residência habitual.”
Exemplo: um vendedor tem um estabelecimento tanto no Estado A como no
Estado B. O comprador tem um estabelecimento no Estado B.
O art.10º assenta na ideia de que uma das partes (como uma sociedade)
tenha múltiplos estabelecimentos localizados em vários Estados e que a
selecção do respectivo estabelecimento se baseia na relação com um
contrato individual de compra e venda.
O art.10º deve ser aplicado com base no especial papel que desempenha em
determinar a aplicabilidade da Convenção.
O conceito “local de estabelecimento” pode ser estendido de modo a
abranger quartos de hotel ou outros locais temporários onde um agente pode
levar a cabo negociações?
Vários artigos da Convenção (24º, 31º, 42º, 69º) mostram que este termo
refere-se a um local de contínua condução de negócios.
5. Forma do contrato (artigos 11º, 12º e 13º)
Art.11º:
“O contrato de compra e venda não tem de ser concluído por escrito nem de
constar de documento escrito e não está sujeito a nenhum outro requisito de
forma. O contrato pode ser provado por qualquer meio, incluindo a prova
testemunhal.”
A forma escrita do contrato não é obrigatória.
O art.11º remove qualquer impedimento à execução do contrato entre as
partes baseado numa exigência nacional quanto à forma.
Mas não impede as partes de imporem exigências formais.
Art.12º:
“ Qualquer disposição dos artigos 11º e 29º ou da segunda parte da presente
Convenção que permita uma forma diversa da forma escrita, para a
conclusão, modificação ou extinção por acordo de um contrato de compra e
venda, ou para qualquer proposta contratual, aceitação ou outra
manifestação de intenção, não se aplica desde que uma das partes tenha o
seu estabelecimento num Estado contratante que tenha feito uma declaração
nos termos do artigo 96º da presente Convenção. As partes não podem
derrogar o presente artigo nem modificar-lhe os efeitos.”
O art.96º representa a possibilidade de um Estado contratante fazer uma
declaração de modo a preservar a exigência da sua lei quanto à forma do
contrato.
Art.96º:
“ Qualquer Estado contratante cuja legislação exija que os contratos de
compra e venda sejam concluídos por escrito ou constem de documentos
escritos, pode declarar em qualquer momento, de acordo com o artigo 12º,
que qualquer disposição dos artigos 11º e 29º, ou da segunda parte da
presente Convenção, que permita uma forma diversa da forma escrita para a
conclusão, modificação ou extinção por acordo dum contrato de compra e
venda, ou para qualquer proposta contratual, aceitação ou outra
manifestação de intenção, se não aplica desde que uma das partes tenha o
seu estabelecimento nesse Estado.”
Exemplo:
O vendedor, do Estado S, afirma que ele e o comprador, do Estado B,
acordaram na venda de um tractor. Este acordo não revestiu forma escrita. O
Estado B requer a forma escrita e fez uma declaração ao abrigo do art.12º e
96º, rejeitando o art.11º. O Estado S não requer a forma escrita nem
nenhuma outra formalidade.
O vendedor enviou o tractor ao comprador, cujo estabelecimento se localiza
no Estado B, que fez a reserva de o acordo ter a forma escrita. O comprador
recusou receber o tractor e pagar com base no facto de o alegado acordo não
ter a forma escrita. O vendedor processou o comprador no Estado B. Na
ausência de outros factos parece que o tribunal, no Estado B, recusa a
pretensão do vendedor.
Este é o caso típico previsto pelos art.12º e 96º.
Os art.12º e 96º referem apenas a forma escrita do acordo. Não abrangem
formalidades adicionais.
Art.13º:
“ Para os fins da presente Convenção, o termo “escrito” abrange as
comunicações enviadas por telegrama ou por telex.”
A Convenção não impõe nenhuma exigência no que respeita aos pedidos ou
declarações a que se refere.
As poucas referências da Convenção à forma escrita não exigem uma
assinatura ou outra validação de marca ou símbolo.
Não existem problemas quando as assinaturas surgem em conexão com
comunicações feitas por telegrama ou telex.
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DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL Regente: Professora