Jefferson Ricardo Ferreira Chaves – 13/0116033 Laura Sillos Pelicano – 11/0127145 Paulo Ieiri Morishigue – 13/0129143 COMENTÁRIOS AO ACÓRDÃO Nº 8 (STJ – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA) Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de graduação Teoria Geral do Processo 2. Professor: Dr. Vallisney de Souza Oliveira Brasília/DF 2015 Teoria Geral do Processo 2 Comentários ao Acórdão nº 8 Introdução O presente trabalho pretende fazer um exame crítico de Acórdão e Voto decorrentes do Recurso Especial nº 647.493 – SC (2004/0032785-4), com apreciação da controvérsia, explicação dos conceitos e termos utilizados. Ademais, mesclar-se-á doutrina e trechos da deliberação em epígrafe, de maneira a possibilitar um posicionamento final discordando ou concordando com a decisão comentada. O Acórdão citado apresenta a seguinte ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DO ESTADO POR RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1º, 2º e 3º da Carta Magna. 3. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se fora autoindenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da equidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambiental – por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral – a toda a sociedade beneficia. 4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942 do Código Civil. De outro lado, se diversos forem os causadores da degradação ocorrida em diferentes locais, ainda que contíguos, não há como atribuir-se a responsabilidade solidária adotando-se apenas o critério geográfico, por falta de nexo causal entre o dano ocorrido em um determinado lugar por atividade poluidora realizada em outro local. 5. A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral para chamar à responsabilidade seus Página 1 sócios ou administradores, quando utilizam-na com objetivos fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída. Portanto, (i) na falta do elemento "abuso de direito"; (ii) não se constituindo a personalização social obstáculo ao cumprimento da obrigação de reparação ambiental; e (iii) nem comprovando-se que os sócios ou administradores têm maior poder de solvência que as sociedades, a aplicação da disregard doctrine não tem lugar e pode constituir, na última hipótese, obstáculo ao cumprimento da obrigação. 6. Segundo o que dispõe o art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, os sócios/administradores respondem pelo cumprimento da obrigação de reparação ambiental na qualidade de responsáveis em nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na modalidade subsidiária. 7. A ação de reparação/recuperação ambiental é imprescritível. 8. Recursos de Companhia Siderúrgica Nacional, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera Palermo Ltda., Ibramil - Ibracoque Mineração Ltda. não-conhecidos. Recurso da União provido em parte. Recursos de Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira Carbonífera de Ararangua (massa falida), Companhia Carbonífera Catarinense, Companhia Carbonífera Urussanga providos em parte. Recurso do Ministério Público provido em parte. Breve relatório do caso Trata-se de Recurso Especial julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decorrente de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região contra a União, a Nova Próspera Mineração e as outras mineradoras listadas nos autos. A Companhia Siderúrgica Nacional e o Estado de Santa Catarina passaram a compor o polo passivo da lide após iniciados os trâmites processuais. O Parquet, ao propor a inicial, pretendia a recuperação ambiental da Região Sul do Estado de Santa Catarina, a qual sofreu significativo dano ambiental decorrente da atividade de exploração mineral. Nesse sentido, o MPF requereu na ação que as empresas elaborassem cronograma de recuperação ambiental no período de 1996 a 2000 e, para tanto, solicitou a garantia de montante pecuniário suficiente para a efetivação do cronograma, bem como indenização à população dos municípios afetados e demais cominações financeiras. O TRF referido julgou a ação parcialmente procedente ao passo que os réus foram condenados a implementar em seis meses a recuperação da Região citada. Também foi concedida antecipação de tutela nos termos de processo apartado. O Acórdão em análise versa sobre os recursos especiais impetrados pela União Federal, Companhia Siderúrgica Nacional, diversas mineradoras e o Ministério Público Federal. O Relator do Processo no STJ foi o Ministro João Otávio de Noronha. Teoria Geral do Processo 2 Comentários ao Acórdão nº 8 Haja vista o propósito deste trabalho, consoante a exposição inicial, deter-se-á a presente análise à argumentação proferida pelo eminente Relator em resposta ao recurso impetrado pelo Parquet. O MPF, com fulcro nos artigos 3º e 4º da Lei nº 9.605, de 1998, requereu a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica com relação as diversas mineradoras do polo passivo processual para permitir que os seus sócios administradores respondam pela reparação ambiental em solidariedade com as empresas administradas. Vejamos os dispositivos legais mencionados: Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. O TRF, acatando as apelações interpostas pelos réus, não deu provimento ao requerido pelo Parquet, ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica das mineradoras, sob a justificativa de que de 1972 a 1989 (período em que ocorreu a degradação ambiental) não havia previsão de desconsideração da personalidade jurídica. O Relator pondera que a teoria de desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity) nasceu do Direito Anglo-Saxão e possui o condão de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral sempre que ela venha a ser utilizada para fins fraudulentos ou diversos daqueles para a qual foi constituída. O legislador ambiental, na concepção da Lei nº 9.605, de 1998, ao expressar de modo inequívoco a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, objetivou dar aparo ampliado ao inquestionável direito indisponível de equilíbrio de proteção ao meio ambiente. O Ministro João Otávio de Noronha argumenta no Acórdão que a teoria do Disregard of legal entity "nasceu e ainda vige com o intuito de afastar as limitações que a personalidade jurídica impõe quanto ao alcance dos bens dos sócios e/ou administradores que utilizam-na em desconformidade com o ordenamento jurídico e mediante fraude, vindo a enriquecerem em detrimento da sociedade". Pondera o Relator que a teoria da despersonalização não deveria ser aplicada no caso porque não se caracterizou abuso da personalização societária, inclusive as empresas não alegaram a indisponibilidade patrimonial para o cumprimento da recuperação ambiental. O que houve foi "um grande descaso com o patrimônio público". Desse modo o Relator afastou, no caso, a teoria da despersonalização da personalidade jurídica requerida pelo Ministério Público Federal, ao passo que provê parcialmente o recurso do Parquet à medida que afirma que os sócios administradores são chamados a responder com os entes administrados na modalidade subsidiária. Página 3 Análise sob enfoque processual A primeira consideração processual a ser feita é em relação às partes, baseada nos Princípios de Economia Processual e Segurança Jurídica. O acórdão em questão trata-se de um litisconsórcio simples devido à pluralidade de litigantes e análise do objeto litigioso do procedimento. Nas palavras de Fredie Didier Jr. (2015, p. 451): O litisconsórcio simples (ou comum) é aquele em que a decisão judicial sobre o mérito pode ser diferente para os litisconsorcios. A mera possibilidade de a decisão ser diferente já torna simples o litisconsórcio. Ele ocorre quando os litigantes discutem uma pluralidade de relações jurídicas ou quando discutem uma relação jurídica cindível (como normalmente ocorre nos casos de solidariedade). E de fato, há a discussão sobre responsabilidade civil do Estado e responsabilidades solidária e subsidiária das demais partes. O ministério público federal, guardião do interesse público e dos interesses sociais, "ajuizou ação pública contra a união, Próspera Mineração S.A. E outras companhias de extração de carvão, bem como seus sócios" (Excerto do Acórdão Analisado, página 3). Agindo, assim, corretamente como fiscal da lei devido à existência de interesse público e social em relação à degradação do meio ambiente provocada pela atividade mineradora. Foi também correta a interposição, das partes, de recurso especial para o STJ visto se tratar de recurso de decisão proferida por um TRF, já que segundo o artigo 105 inciso III da Constituição Federal de 1988, compete ao Superior Tribunal de Justiça "julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios". É relevante ressaltar, no âmbito processual, a questão discutida sobre a Desconsideração da Pessoa Jurídica. O pedido veio por parte do Ministério Público, o que condiz com o Art. 50 do Código Civil CC, art. 50: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Caso a desconsideração fosse provida, o que não ocorreu, "A alienação ou oneração de bens seria ineficaz em relação ao requerente" (Art. 137 do NCPC). Teoria Geral do Processo 2 Comentários ao Acórdão nº 8 Por fim, todos os recursos apresentado pelas partes, conhecidos ou não, foram interpostos de maneira correta, justificados com base nas competências de cada órgão segundo a Constituição Federal. Análise sob enfoque material O primeiro ponto digno de nota diz respeito à alegação da União de que, no caso em tela, não possui responsabilidade solidária com as empresas mineradoras à cominação imposta de recuperação de meio ambiente e indenizações consequentes. Aduz, como fundamento principal, a tese de que a responsabilidade só deve ser aplicada aos entes poluidores, por força do princípio do “poluidor-pagador”. O art. 43 do Código Civil prescreve que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Tal hipótese, no entanto, não se aplica aos casos de responsabilidade civil da União por omissão, visto que em tal situação a existência do elemento subjetivo, qual seja a culpa, é essencial. Nesse sentido, bem observa Bandeira de Mello (2007, p. 979) que: em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre arguir que o ‘serviço não funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo de água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública. Assim, a União só seria responsável solidária caso ficasse comprovado que poderia ter evitado os danos ambientais. É justamente o que se conclui da leitura dos autos, onde se comprova que o citado ente, dada sua obrigação legal à conservação ambiental, foi omisso no dever de fiscalização, de forma a permitir as mineradoras o exercício de suas atividades sem um controle ambiental efetivo. Assim, correta a posição do relator em manter a obrigação de Página 5 indenizar, visto que “se a lei impõe ao Poder Público o controle e fiscalização da atividade mineradora, possibilitando a aplicação de penalidades, não lhe compete optar por não fazê-lo, porquanto inexiste discricionariedade, mas obrigatoriedade de cumprimento de conduta impositiva”. Outro ponto de relevo diz respeito ao recurso do Ministério Público Federal para que os sócios-administradores das companhias mineradoras respondam, com a aplicação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, pela reparação ambiental em regime de solidariedade. A respeito da desconsideração da personalidade jurídica, Braga Netto (2015, p. 275) observa que, no Brasil, a prática jurisprudencial criou duas teorias diferenciadas: a teoria maior e a teoria menor. A teoria maior, adotada como regra geral no ordenamento brasileiro, exige como pressuposto da desconsideração da personalidade jurídica a existência de fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Trata-se da regra insculpida no art. 50 do Código Civil: CC, Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Já a teoria menor não exige a prova de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial. Conforme a jurisprudência do STJ, a teoria menor da desconsideração, acolhida excepcionalmente no ordenamento pátrio no Direito do Consumidor e Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações (STJ, REsp 279.273, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 29.3.2014). É o que prescreve os arts. 28, §5º, da Lei nº 8.078, de 1990, e 4º da Lei nº 9.605, de 1998: Lei nº 8.078/1990, art. 28, § 5°: Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Lei nº 9.605/1998, art. 4º: Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. (grifos nossos) Em vista do exposto, fica claro que a desconsideração só deve ser aplicada quando houver obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos ambientais causados. Ao se tratar, portanto, de um evento de índole subsidiária, acertado foi o posicionamento do relator do Acórdão em comento, que não viu a necessidade de chamar os sócios para responderem em detrimento da sociedade. No caso, além de não ser aventada a hipótese da existência de obstáculos à reparação Teoria Geral do Processo 2 Comentários ao Acórdão nº 8 buscada, as informações trazidas pelas mineradoras dão conta de que os trabalhos de recuperação já foram iniciados. Considerações Finais Em face do exposto, os membros deste grupo concordam com a decisão tomada pelo STJ. Tanto a analise processual do caso, quanto a material, mostram que o Tribunal agiu conforme o ordenamento e a melhor doutrina. Referências bibliográficas BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores. 2007. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual do direito do consumidor. Salvador: Juspodivm, 2015. DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Vol. I. 56ª ed. São Paulo: Forense, 2015. Página 7