Universidade de Brasília Direito Teoria Geral do Processo 2 Professor: Vallisney Oliveira Turno: diurno Integrantes: Antônio Rafael – 140016635, Gustavo Pincerato - 140021736, Rodrigo Faria - 140065644 Desconsideração da Personalidade Jurídica Acórdão nº. 8 Brasília, 07 de novembro de 2015 Parte I RECURSO ESPECIAL 647.493 - SC (2004/0032785-4) RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA RECORRENTE : UNIÃO RECORRENTE : COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL - CSN ADVOGADO : PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES E OUTRO(S) RECORRENTE : COMPANHIA CARBONÍFERA URUSSANGA E OUTROS ADVOGADO : PAULO RICARDO DA ROSA E OUTRO(S) RECORRENTE : CARBONÍFERA METROPOLITANA S/A ADVOGADO : FÁBIO AUGUSTO RONCHI E OUTRO(S) RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO : OS MESMOS RECORRIDO : AUGUSTO BAPTISTA PEREIRA - ESPÓLIO REPR. POR : HELENA BAPTISTA PEREIRA ESTRÁZULAS - INVENTARIANTE ADVOGADO : PAULO HEERDT E OUTRO(S) RECORRIDO : NOVA PRÓSPERA MINERAÇÃO S/A ADVOGADO : FÁBIO AUGUSTO RONCHI RECORRIDO : JOÃO ZANETTE E OUTROS ADVOGADO : PAULO RICARDO DA ROSA E OUTRO RECORRIDO : ESTADO DE SANTA CATARINA PROCURADOR : ANA CLÁUDIA ALETT AGUIAR E OUTRO(S) RECORRIDO : SEBASTIÃO NETTO CAMPOS E OUTROS ADVOGADO : ANDRÉA CORRÊA GOES E OUTRO EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1º, 2º e 3º da Carta Magna. 3. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se fora auto-indenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da eqüidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambiental – por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral – a toda a sociedade beneficia. 4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942 do Código Civil. De outro lado, se diversos forem os causadores da degradação ocorrida em diferentes locais, ainda que contíguos, não há como atribuir-se a responsabilidade solidária adotando-se apenas o critério geográfico, por falta de nexo causal entre o dano ocorrido em um determinado lugar por atividade poluidora realizada em outro local. 5. A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral para chamar à responsabilidade seus sócios ou administradores, quando utilizam-na com objetivos fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída. Portanto, (i) na falta do elemento "abuso de direito"; (ii) não se constituindo a personalização social obstáculo ao cumprimento da obrigação de reparação ambiental; e (iii) nem comprovando-se que os sócios ou administradores têm maior poder de solvência que as sociedades, a aplicação da disregard doctrine não tem lugar e pode constituir, na última hipótese, obstáculo ao cumprimento da obrigação. 6. Segundo o que dispõe o art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, os sócios/administradores respondem pelo cumprimento da obrigação de reparação ambiental na qualidade de responsáveis em nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na modalidade subsidiária. 7. A ação de reparação/recuperação ambiental é imprescritível. 8. Recursos de Companhia Siderúrgica Nacional, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera Palermo Ltda., Ibramil - Ibracoque Mineração Ltda. não-conhecidos. Recurso da União provido em parte. Recursos de Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira Carbonífera de Ararangua (massa falida), Companhia Carbonífera Catarinense, Companhia Carbonífera Urussanga providos em parte. Recurso do Ministério Público provido em parte. ACÓRDÃO Retificando a proclamação do resultado do julgamento proferido na sessão do dia 15/5/2007, os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, dar parcial provimento aos recursos da União, do Ministério Público e das empresas Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira Carbonífera de Ararangua (Massa Falida), Companhia Carbonífera Catarinense, e Companhia Carbonífera Urussanga, e não conhecer dos recursos da Companhia Siderúrgica Nacional e das empresas Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera Palermo Ltda., e Ibramil - Ibracoque Mineração Ltda. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 22 de maio de 2007 (data do julgamento). MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Relator Parte II O acórdão em voga repercute a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra entidades que direta ou indiretamente vincularam-se ao impacto ambiental decorrente da extração de carvão mineral em diversos municípios de Santa Catarina. Inicialmente, a ação remetia ao polo passivo da relação processual a União e as empresas extratoras de carvão mineral e seus sócios. Contudo, durante o tramite processual, a Companhia Siderúrgica Nacional (CNS) e o estado de Santa Catarina ingressaram como réus, isto é, litisconsórcio ulterior passivo. Tal fenômeno é um evento processual com pluralidade das partes na lide, consistindo, no caso, na multiplicidade de réus, sendo posterior, ou seja, surgindo no decorrer do processo. O pedido interposto pelo Ministério Público Federal, titular da ação e, consequentemente, legitimado como parte, compreendia a reparação da região sul do estado de Santa Catarina, comprometida pela atividade de extração do carvão mineral, por meio de um cronograma de recuperação ambiental. Ademais, requisitou um montante em pecúnia para que se efetivasse tal projeto e indenizasse as vítimas, os seja, materialização da possibilidade jurídica do pedido acrescida da necessidade da via judicial para viabilizar a consecução do reparo ao meio ambiente, conceituada como interesse de pedir. A averiguação das condições da ação incumbiu no reconhecimento de sua improcedência em relação ao estado Santa Catarina, devido a competência sobre os recursos minerais à época das atividades danosas ao meio ambiente serem privativas da União. A União veiculou como polo passivo decorrente da sua prerrogativa de poder de polícia. Sendo esse um atributo destinado a garantir o bem estar geral. No contexto, relaciona-se com a natureza. Desse modo, procura assegurar a manutenção da vida. Ainda, incube autorizar, fiscalizar e aplicar penalidades ao exercício de atividades que possam comprometer o meio ambiente. Na situação fática, o Ministério Público Federal arguiu a necessidade de a União arcar solidariamente com as empresas pelas agressões ambientais, devido à omissão de um dever-poder expresso em lei. A União, portanto, vincula-se a responsabilidade civil subjetiva, que implica na obrigatoriedade imposta pelo ordenamento de agir, sendo a inércia considerada uma ilegalidade. Ademais, diante do princípio do duplo grau de jurisdição, pelo qual há a possibilidade de recorrer da decisão judicial para um órgão competente de hierarquia superior, a União postulou um recurso direcionado ao Superior Tribunal de Justiça. Esta postulação, designada como recurso especial, enfatizou que a possibilidade de a União arcar com as penalidades solidariamente provoca a responsabilização indireta da sociedade acerca dos prejuízos decorrentes das ações de particulares danosas ao ambiente. No recurso especial, observa-se a manutenção da autoridade e unidade da lei federal, tendo em vista que é por meio desse recurso que se procura sanar uma questão federal controvertida. Tal conjuntura salientando a chance de a União ser responsável solidária pelas penalidades explicita o princípio do chamado “poluidor-pagador”, definido pela incumbência de o promotor da atividade prestar os devidos ressarcimentos. Conquanto, tal conceito também impõe ao utilizador do recurso que também suporte os custos da preservação ambiental. Dessarte, o encargo da administração de responder solidariamente corrobora pela efetiva manutenção do seu dever-poder, a fim de previnir condutas lesivas. Todavia, o eventual pagamento proveniente da responsabilidade solidária deve ser fundamento de ação regressiva contra os concretos poluidores. Ademais, o acordão aponta para a inexistência de prescrição. Esse termo é conceituado como a perda da pretensão do titular referente a um direito que, dentro de certo intervalo de temo, não foi exercido e consolidado. O relator corrobora tal entendimento destacando uma posição consolidada da própria corte em que considera o dano ambiental algo imprescritível, ou seja, que não está sujeito aos elementos prescricionais, em situações onde a lesão presenciada possui caráter contínuo e sucessivo. Já com relação ao recurso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), observa-se a questão da licença ambiental, que se compõe como um importante instrumento de gestão da Administração Pública, auxiliando no balanço entre utilização dos recursos ambientais e o progresso econômico, almejando um desenvolvimento sustentável para a sociedade. Em seu discurso, a CSN afirma que os prazos estipulados podem não ser suficientes, tendo em vista que o projeto de recuperação do local depende de autorização dos órgãos administrativos. Apesar disso, entendeu-se que tal preocupação é de caráter meramente teórico, não passando de uma suposição, sem qualquer tratamento efetivo e material. Ainda, é comentada certa desavença jurisdicional entre o STJ e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), citando uma peça de apelação. Esse tipo de recurso se interpõe das sentenças dos juízes provenientes do primeiro grau de jurisdição para conduzir a causa ao reexame dos tribunais do segundo grau, almejando uma reforma total ou parcial da decisão impugnada, visando, inclusive, a sua invalidação. A apelação possui, no geral, dois efeitos, o devolutivo e o suspensivo. No primeiro, procura-se uma nova manifestação sobre a causa. Ambas as questões de fato e de direito discutidas na lide do processo voltam a ser conhecidas e discutidas pelo tribunal. Com relação ao efeito suspensivo, a peça de apelação veda os efeitos da sentença. Com relação às mineradoras, foi determinado que cada uma fosse responsável por reparar o dano na proporção de terras em que poluíram, substistindo responsabilidade solidária entre as que poluiram uma mesma. Essas medidas devem ser realizadas na fase de liquidação de sentença, etapa essa do processo que tem por objetivo averiguar os elementos, como por exemplo, o valor, da condenação. Tal ato pode ser efetuado por meio de cálculo aritmético, arbitrariamento ou por intermédio de um perito especialista no assunto. Dentre os recursos interpostos está o do MPF que visa responsabilizar os sócios das mineradoras juntamente com a sociedade. O que tem por objetivo o Ministério público não é a desconsideração da personalidade jurídica, mas sim a aplicação de uma responsabilidade solidária ou subsidiária entre sócio e sociedade, permanecendo a pessoa jurídica, e portanto, considerando-a. O que pretende o MP é considerar a empresa, porém, somente pode haver a responsabilização do sócio da empresa mediante a existência de fraude caracterizada pelo abuso de direito, desvio de finalidade e confusão patrimonial. Não ocorrendo nenhum desses três elementos, não há motivo para se desconsiderar a personalidade jurídica. Existe uma teoria, denominada “teoria menor”, que considera a simples inexistência de recursos patrimoniais motivo suficiente para a desconsideração. Ideia está que não encontra espaço no direito brasileiro. Não havendo má-fé por parte do sócio, mantem-se a personalidade jurídica. No que tange ao direito ambiental, a desconsideração pode ocorrer, segundo o art. 4º da Lei n. 9.605/98, quando a empresa consistir em um obstáculo para a reparação do dano gerado. Em regra, a empresa não pode ser utilizada para eximir o devedor de uma obrigação de cumpri-la, mas o simples fato de ser incapaz não implica a responsabilização do sócio. No caso em discussão houve, inclusive, ação por parte da empresa para cumprir a ordem judicial de reparação do patrimônio. A desconsideração não deve constituir a regra, mas sim a exceção. Deve ocorrer somente quando houver risco à prestação devida e mediante fraude. No caso em discussão, o principal ponto é a restauração do patrimônio público lesado, como há empresa não se colocou em oposição a essa restauração, deve permanecer no polo passivo sem a necessidade de inclusão dos sócios. Por outro lado, dentro da perspectiva dos crimes ambientais, a responsabilização do sócio ou do membro da empresa pode acontece, principalmente quando a ação se dá com excesso de poder por parte de quem cometeu o ato. Quando há a participação de muitas pessoas no ato, dificultando-se a identificação do verdadeiro responsável pelo dano ambiental gerado, aplica-se uma solidariedade passiva. Todavia, deve-se aplicar a solidariedade de forma subsidiaria, priorizando a cobrança sobre a empresa em detrimento da pessoa física. Esse entendimento de que devesse responsabilizar o sócio/administrador pelos danos produzidos é decorrente do art. 3º da lei 9.605/98 que prevê que “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato” Portanto, apesar da participação do sócio/administrador ser indireta, cabe a ele responsabilidade sobre o ato praticado, gozando, porém, do benefício da subsidiariedade. Por fim, entendemos que o resultado do julgamento foi preciso e coerente. A decisão foi definitivamente bem orquestrada, com sustentação teórica e doutrinária bastante elaborada. Referências Bibliográficas THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. v.1.