A economia portuguesa na I República Álvaro Ferreira da Silva* Luciano Amaral* A economia portuguesa desenvolveu-se durante o período da I República com base nas transformações institucionais e estruturais trazidas pela instauração do liberalismo no século XIX. Mas foi também marcada por conjunturas internacionais muito fortes, que acabaram por ter repercussões internas cruciais, nomeadamente a I Guerra Mundial e as dificuldades da reconstrução ao longo dos anos 20. Deste conjunto de circunstâncias resultou tanto uma estagnação comparativa em termos de convergência com as economias mais desenvolvidas como a adopção de políticas orçamentais e monetárias com um pesado impacto conjuntural. A situação orçamental e monetária resultante da guerra acabou por ser o problema económico mais intratável com que o regime se teve de confrontar, acabando por contribuir de forma decisiva para a sua substituição por um regime autoritário. A segunda metade do século XIX e os princípios do século XX foram um período de transformações fundamentais para a economia portuguesa, sobretudo devido à longa transição do “Antigo Regime” para o “liberalismo”. Foi através desse processo que a coroa, a aristocracia e a Igreja se viram expropriadas de grande parte dos seus patrimónios, dando origem à propriedade privada moderna. É o período em que as relações económicas de mercado se vão sobrepondo aos tipos de relação económica tradicionais. Estas alterações institucionais foram sendo acompanhadas por transformações produtivas e estruturais não menos importantes, com a plena exploração agrícola do território (a verdadeira “revolução agrícola portuguesa”, como lhe chamou Albert Silbert) e o aparecimento dos modernos sectores industriais e de serviços (como a banca, por exemplo). No fundo, na segunda metade do século XIX e nos princípios do século XX, a economia portuguesa alcançou um conjunto de características institucionais e um grau de crescimento económico que a colocavam, embora de forma incipiente, num * Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa caminho idêntico ao das economias mais desenvolvidas do mundo. A República, no essencial, representou uma continuação do mesmo processo, com a acentuação do peso dos sectores modernos na economia. O impacto da guerra em termos financeiros e monetários sobre estas estruturas económicas foi extremamente importante. O primeiro efeito da guerra foi a enorme expansão da despesa pública e o aparecimento de elevados défices orçamentais. Ambos viriam a ser financiados por empréstimos em parte contraídos junto do Banco de Inglaterra e noutra parte junto do próprio Banco de Portugal, o que acabou por resultar numa forte expansão da circulação monetária. As consequências inflacionárias fizeram-se imediatamente sentir. Com o fim do conflito, embora as despesas militares recuassem, continuou a fazer-se sentir a necessidade de subsidiar certos bens essenciais, como o pão ou os transportes, bem como as transferências sociais para soldados inválidos ou para as famílias de homens mortos em combate. No entanto, a razão fundamental para o desequilíbrio das contas públicas continuar a ser financiado através de empréstimos junto do banco central resultou do agravamento da crise fiscal, que se vinha sentindo desde 1915, devido ao impacto da desvalorização monetária na erosão do nível das receitas. Esta brutal crise fiscal, com o inevitável aumento do défice público, explica o continuado acréscimo do endividamento junto do Banco de Portugal e o mais intenso surto inflacionista da história económica portuguesa, com o país à beira da hiperinflação. Este problema acabou por se enfrentado pelas reformas orçamental, monetária e cambial dos governos de António Maria da Silva e Álvaro de Castro, entre 1922 e 1924. Estas reformas foram muito bem sucedidas na resolução dos problemas monetários e cambiais, mas deixaram o problema orçamental ainda em parte por resolver. Apesar deste êxito parcial, elas viriam contudo a determinar um significativo abrandamento conjuntural da actividade económica. A conjugação deste choque negativo com um défice orçamental ainda por reduzir de forma sustentada acabou por dar margem ao aparecimento do messianismo financeiro de Salazar. A crise económica e orçamental resultante da I Guerra Mundial ajuda, assim, a explicar o desaparecimento do regime da I República. A responsabilidade residiu sobretudo na decisão de participar na guerra como beligerante. A Espanha, que se manteve neutral, conheceu então um dos seus maiores impulsos económicos.