UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
DIREITO
OS DESAFIOS DO ACORDO TRIPS SOBRE
ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL RELACIONADOS AO COMÉRCIO
Autor (a): Elaine Cristina Mesquita
Orientador: Dr. Roberto de Araújo Chacon de Albuquerque
BRASÍLIA
2008
OS DESAFIOS DO ACORDO TRIPS SOBRE ASPECTOS
DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
RELACIONADOS AO COMÉRCIO
Trabalho apresentado ao Curso de
Graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Dr. Roberto de Araújo Chacon
de Albuquerque.
Brasília
2008
Mesquita, Elaine Cristina.
Os desafios do Acordo TRIPs sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio/ Elaine
Mesquita. Brasília, 2008.
84 p.
Monografia.Universidade Católica de Brasília, 2008.
Orientação: Dr.Roberto de Araújo Chacon de Albuquerque.
1.Direito do Comércio Internacional. 2.Direito Civil.
3. Propriedade Intelectual.
CDU- XXX.XX
TERMO DE APROVAÇÃO
Trabalho de conclusão de curso de autoria de Elaine Cristina Mesquita, intitulado
Os desafios do Acordo TRIPs sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, apresentado como requisito para
obtenção a do título de Bacharel em Direito, defendida e aprovada em
______/_____/_____, pela Banca Examinadora constituída por:
____________________________________________
Orientador
______________________________________________
______________________________________________
Brasília
2008
Dedico o presente trabalho aos meus pais:
Francisco e Isabel; ao meu querido irmão,
Gledson Regis, e aos meus amados
amigos, Alcionir e Mônica.
Agradeço a Deus, pelo dom da vida.
“A proteção da propriedade privada, incluída a
intelectual, é um valor importante que devemos
respeitar. Contudo, existe uma hipoteca social sobre
toda a propriedade, inclusive a intelectual. O impulso
criativo e inovativo oferecido pelo sistema dos direitos
de propriedade intelectual, sobretudo no campo da
saúde, tem como finalidade principal servir o bem
comum de toda a comunidade humana”.
Carta do Observador da Santa Sé
RESUMO
MESQUITA, Elaine Cristina. Os desafios do Acordo TRIPs sobre Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio. 2008. 84 p.
Trabalho de conclusão de curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade
Católica de Brasília, Taguatinga, 2008.
O Acordo TRIPs consiste em um acordo multilateral de Comércio firmado na OMC
com o objetivo de oferecer padrões mínimos, em nível internacional, de proteção à
propriedade intelectual. Este acordo depende da adequação legislativa de cada
país-membro para sua aplicabilidade no ordenamento jurídico interno. Esta
monografia objetiva demonstrar que o Acordo TRIPs tem como desafios não
apenas a efetiva proteção da propriedade intelectual, mas também possibilitar aos
países em desenvolvimento o acesso a patentes de medicamentos essenciais à
saúde de suas populações bem como a proteção de patentes biotecnológicas.
Palavras-chave: Direito do Comércio Internacional. Direito Civil. Propriedade
Intelectual. Acordo TRIPs.
ABSTRACT
MESQUITA,Elaine Cristina. Challenges to the TRIPs Agreement on Trade –
Related to Intellectual Property Rights. 2008. 84 p. Monograph (graduation) – Law
School, Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2008.
The TRIPs Agreement consists of a multilateral WTO agreement aimed at offering
minimal international levels of on intellectual property protection. This agreement
depends on each Member’s legislative adequacy to be enforced by its own inner
legal system. This monograph aims at demonstrating that the TRIPs Agreement’s
challenges are not just to provide an effective protection to Intellectual Property, but
to allow developing countries having access to essential medication patents to their
populations, and as well as the protection of biotechnological patents.
Key words: International Trade Law. Civil Law. Intellectual Property. TRIPs
Agreement.
LISTA DE ABREVIATURAS
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.
OEA – Organização dos Estados Americanos.
OIC – Organização Internacional do Comércio.
OMC – Organização Mundial do Comércio.
OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
ONU – Organização das Nações Unidas.
TRIPS – Trade Related Intellectual Property Rights.
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS............................................................. 17
1.1. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial .......................... 17
1.2. Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas .............. 20
1.3. Lei de Comércio Americana (Trade Act), Seção 301.............................................. 22
1.4. Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt) ..................... 25
1.5. Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (Gatt) de 1994 ........................................ 27
1.6. Acordo TRIPs sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
relacionados ao Comércio................................................................................................... 29
1.7. Organização Mundial do Comércio (OMC)............................................................... 35
CAPÍTULO 2. ACORDO TRIPS E DIREITO BRASILEIRO.......................................... 39
2.1. Aprovação do Acordo TRIPs ....................................................................................... 39
2.2. Aprovação da Lei de Direitos Autorais e da Lei de Patentes................................. 40
CAPÍTULO 3. ÂMBITO DE PROTEÇÃO JURÍDICA DO ACORDO TRIPS .............. 46
3.1. Direitos autorais............................................................................................................. 46
3.1.1. Programas de computador ................................................................................... 46
3.1.2. Duração da proteção .............................................................................................. 47
3.1.3. Limitação e exceções ............................................................................................. 47
3.2. Marcas ............................................................................................................................ 47
3.3. Indicações geográficas................................................................................................. 49
3.4. Desenhos industriais .................................................................................................... 50
3.5. Patentes .......................................................................................................................... 51
3.5.1. Matéria patenteável ................................................................................................. 52
3.5.2. Licença compulsória e exploração local de patente...................................... 53
3.5.3. Direitos conferidos.................................................................................................. 54
3.5.4. Exceções aos direitos conferidos....................................................................... 55
3.5.5. Outro uso sem autorização do Titular ............................................................... 55
3.6. Topografias de circuitos integrados ........................................................................... 56
3.7. Proteção de informação confidencial......................................................................... 57
3.8. Controle da concorrência desleal ............................................................................... 58
CAPÍTULO 4. CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO ACORDO TRIPS....................... 59
4.1. Acesso a remédios essenciais.................................................................................... 59
4.2. Programas de computador .......................................................................................... 67
CAPÍTULO 5. ACORDO TRIPS E EXPERIÊNCIA BRASILEIRA............................... 69
5.1. Patentes farmacêuticas................................................................................................ 69
5.2. Patentes biotecnológicas ............................................................................................. 73
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 79
ANEXO 1 ................................................................................................................................ 83
13
INTRODUÇÃO
A crise do feudalismo, ocorrida nos séculos XIV e XV, foi responsável pela
transição para um novo modo de produção, o modo capitalista. Embora o sistema
feudal tenha tido como principal característica a atividade agrícola, isto não
significou naquele período a extinção da atividade comercial. O comércio local de
matérias-primas e produtos artesanais era bastante significativo. Por outro lado, o
comércio de produtos oriundos do Oriente através de mercadores árabes e sérvios
era constante na Europa. Não houve uma interrupção comercial do Ocidente com o
Oriente. As práticas de comércio internacional intensificaram-se cada vez mais.
O expansionismo marítimo comercial Europeu a partir dos séculos XV e XVI
foi marcado pela necessidade da internacionalização comercial por escassez de
metais preciosos e de terras para cultivo, incentivando práticas comerciais com
projeção internacional. A expansão comercial ocorrida neste período produziu
significativas transformações no comércio europeu, o que constituiu uma verdadeira
“Revolução Comercial” para o comércio internacional, com, por exemplo, o
deslocamento do eixo econômico do Mediterrâneo para o Atlântico, como uma
grande via para as práticas de comércio, e a incorporação do continente americano
e do litoral africano às rotas já tradicionais de comércio Europa-Ásia.
Diante destes acontecimentos históricos que acompanharam o fim do
feudalismo, ascendeu o capitalismo neste contexto de Revolução Comercial. O
Estado terminaria por recorrer a uma rigorosa intervenção no plano econômico,
através de um conjunto de medidas econômicas conhecidas por mercantilismo. O
mercantilismo é o precursor das questões jurídicas posteriormente tratadas pelo
Direito do Comércio Internacional. Uma das principais características dos princípios
mercantilistas foi a teoria da balança de comércio, ressaltando a importância da
formação de um comércio em escala mundial.
Diante da evolução das práticas comerciais entre os Estados, surge
efetivamente o mercantilismo, com um enorme valor para o Direito do Comércio
14
Internacional.
Segundo
Reinaldo
Gonçalves 1,
os
temas
introduzidos
pelo
mercantilismo, com sua teoria do comércio internacional do mercantilismo, leva-nos
ao seguinte debate : “o comércio exterior deve ser livre, como o comércio doméstico,
ou este deve ser administrado, em benefício dos interesses nacionais?; qual a
relação entre comércio internacional e desenvolvimento econômico?”.
Dois importantes teóricos merecem destaque para a evolução do comércio
internacional – Adam Smith, criador da teoria das vantagens absolutas, e David
Ricardo, criador da teoria das vantagens comparativas. Para Adam Smith 2, quando
determinado produto do ramo industrial excede a demanda interna, este deve ser
exportado e trocado por algum bem de que se tenha necessidade no comércio
interno. Ele afirma: “sem tal exportação, uma parte do trabalho produtivo de um país
deve cessar, e o valor de sua produção anual, diminuir”. Já para David Ricardo 3, “o
comércio bilateral é sempre mais vantajoso que a autarquia para duas economias
cujas estruturas de produção não sejam similares”. Assim, cada país deve se
especializar naquilo em que ele tem em maior quantidade e menor preço com a
finalidade de comercializar com países que não têm capacidade produtiva para
determinado produto.
Com o crescente avanço das práticas comerciais inspiradas pela Revolução
Industrial, questões como a da propriedade intelectual começaram a surgir no
âmbito jurisdicional. O desenvolvimento econômico levou ao surgimento de novas
descobertas no setor industrial. Assim, já no século XIX, surgem os primeiros
debates jurídicos sobre a proteção da propriedade intelectual.
Anterior à definição de propriedade intelectual estabelecida pela Organização
Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI4, o termo “propriedade intelectual”
1
GONÇALVES, Reinaldo et alii. A nova economia internacional: uma perspectiva brasileira. 3. ed. Rio
de Janeiro: Campus, 1998, p.10.
2
SMITH 1776 apud GONÇALVES, 1998, p. 11.
3
GONÇALVES, op. cit., p. 11.
15
aplicava-se, exclusivamente, aos direitos autorais. Atualmente, este termo abrange
tanto o direito autoral como a propriedade industrial.
Com o desenvolvimento da economia a partir da Revolução Industrial, surgiu
a necessidade da criação de uma nova categoria de direito da propriedade. A
reprodução em série de produtos a serem comercializados com o emprego da
tecnologia industrial tornou-se uma realidade. Neste período, a economia passou a
reconhecer não apenas a propriedade sobre o produto, mas também sobre a
ideação criativa que permite a reprodução de um produto. A propriedade intelectual
protege o inventor contra a reprodução ou emprego não autorizados deste produto.
O primeiro reconhecimento do direito de propriedade intelectual ocorreu em
Veneza no ano de 1469. Veneza concedia em seu território o direito de exploração
de uma indústria de impressão por um período de cinco anos. 5 Com o avanço das
transformações econômicas e sociais ocorridas no século XVIII, a Inglaterra, em
1623, foi outro país a adotar a proteção à propriedade intelectual, mais
especificamente o direito à patente , o que ocorreu por meio de monopólios com a
finalidade de garantir privilégios para a indústria. Seguiram-na, no mesmo diapasão,
Estados Unidos, França e Holanda, dentre outros.
O presente estudo monográfico tem por objetivo analisar os desafios do
Acordo TRIPs ( Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
) no âmbito das relações comerciais internacionais. Acordos de proteção à
propriedade intelectual, a normatização destes direitos, bem como a abrangência da
proteção dos direitos de propriedade intelectual são temas abordados neste estudo.
Os direitos de propriedade intelectual aqui tratados estão ligados diretamente às
4
A OMPI define como propriedade intelectual a soma dos direitos relativos às obras literárias,
artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas
executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da
atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas
industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à
proteção contra a concorrência desleal e todos os direitos inerentes à atividade intelectual nos
domínios
industrial,
científico,
literário
e
artístico.
(Disponível
em:
<
http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_da_Propriedade_Intelectual>. Acesso em: 29 mar. 2008.)
5
DI BLASI, G.; GARCIA, M.S; e MENDES, P.P.M. A propriedade industrial: os sistemas de marcas e
patentes e desenhos industriais analisados a partir da lei n.9.279 de maio de 1996. Rio de Janeiro:
Forense, 1998, p. 4.
16
relações comerciais. Ademais, uma abordagem do posicionamento brasileiro em
relação ao Acordo TRIPs também é objeto deste trabalho.
Em um primeiro momento, efetuamos uma contextualização histórica do
surgimento da propriedade intelectual, prosseguindo para as diversas iniciativas de
criação de legislações que protegem o comércio entre diferentes nações no respeito
à propriedade intelectual. A Convenção de Berna foi uma das precursoras do debate
sobre a necessidade de haver legislação sobre propriedade intelectual no âmbito
internacional. Outras convenções foram adotadas para que se culminasse no Acordo
TRIPs.
Estudar os desafios do Acordo TRIPs e sua abrangência envolve não apenas
fazer um estudo descritivo do tema, mas uma análise crítica de seu principal
fundamento e de sua repercussão no comércio internacional. As principais
controvérsias em torno do Acordo, bem como, mais especificamente, a postura
brasileira no que diz respeito às patentes farmacêuticas e as biotecnológicas, não
podem deixar de ser objeto de análise.
17
CAPÍTULO 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
1.1. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial
Dentre as fontes do Direito Internacional, estão os tratados celebrados por
Estados soberanos. O sistema internacional de propriedade intelectual utiliza-se dos
tratados. Trata-se, portanto, de uma complexa estrutura de tratados e práticas
internacionais.
O primeiro tratado sobre propriedade intelectual, especificamente sobre a
propriedade industrial, foi a Convenção de Paris, celebrada em 1883.
A Convenção de Paris surgiu, primeiramente, como uma legislação modelo
originária de uma Conferência Diplomática de 1880 em Viena. Em 1883, em nova
Conferência, foi aprovado o texto definitivo da Convenção de Paris, e esta, após o
depósito de ratificação dos respectivos países-membros, entrou em vigor em julho
de 1883. Ressalte-se, contudo, que os Estados Unidos não aderiram à participação
nas conferências, alegando que países europeus participantes da Convenção de
Paris não respeitavam patentes americanas. Segundo alegações dos Estados
Unidos, países europeus permitiam a reprodução de produtos americanos,
desrespeitando, assim, suas patentes.
Um dos objetivos da Convenção de Paris, no âmbito da proteção da
propriedade industrial, foi o de dar maior liberdade legislativa aos países signatários.
Assim, destacam Tatyana Friedrich e Karla Fonseca 6:
A Convenção não tenta uniformizar as leis nacionais, nem condiciona o
tratamento nacional à reciprocidade. Ao contrário, prevê ampla liberdade
legislativa a cada país, exigindo apenas paridade: o tratamento dado ao
nacional beneficiará também o estrangeiro.
6
FRIEDRICH, Tatyana Scheila e FONSECA, Karla Closs. Regulamentação da propriedade
intelectual: uma análise crítica. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Org.). Propriedade intelectual:
Estudos em homenagem à professora Maristela Basso. Curitiba: Editora Juruá, 2005. p. 62.
18
A Convenção de Paris está fundamentada em três princípios básicos: o
princípio do tratamento nacional, o princípio da prioridade e o princípio de
independência das patentes. Vamos agora analisá-los brevemente:
a) Tratamento nacional7
Pelo princípio do tratamento nacional, “cada Estado-Parte deve conceder aos
nacionais de outros Países-Membros um tratamento não menos favorável que
aquele concedido aos seus próprios nacionais, salvo nos casos expressamente
previstos”.8 Denis Borges Barbosa9 ressalta ainda que quando a Convenção conferir
mais direitos aos estrangeiros do que os derivados da lei nacional, prevalece a
Convenção.
Esta hipótese não seria aplicada no Brasil, à luz do Código de Propriedade
Industrial. Para Schimidt10, “todos os direitos que os atos internacionais concederem
aos estrangeiros, podem ser solicitados pelos nacionais”. Em países em que não
houver o respeito do princípio do tratamento nacional, a Convenção de Paris pode
ainda prevalecer em relação à lei interna. Pode ocorrer de um estrangeiro ter então
mais vantagens no que tange à propriedade industrial do que um nacional.
b) Prioridade
O princípio da prioridade está ligado ao direito de patentes. Entende-se que,
uma vez que haja o pedido de depósito de uma invenção de patente em um
determinado país e, logo após, em outro país um inventor crie a mesma invenção, o
primeiro, ainda que esteja em país diferente, tem prioridade no registro de patente
7
Convenção de Paris, art. 2º: “Cidadãos de cada um dos países contratantes gozarão em todos os
demais países da União, no que concerne à Propriedade Industrial, das vantagens que as respectivas
Leis concedem atualmente ou vierem posteriormente a conceder aos nacionais”.
8
DOMINGUES, Renato Valladares. Patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos no sistema da
OMC: A aplicação do Acordo TRIPs. São Paulo: Lex Editora: Aduaneiras, 2005, p. 51
9
BARBOSA, Denis Borges. Propriedade intelectual: a aplicação do Acordo TRIPs. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2003, p. 40.
10
SMITH,1997, apud BARBOSA, op. cit., p.186.
19
em relação ao segundo. Denis Borges Barbosa 11 destaca o princípio da prioridade
em relação aos países desenvolvidos:
Isso evidentemente leva a alguns efeitos contrários aos interesses dos
países em desenvolvimento. Um deles, o mais apontado, é que todo
estrangeiro vem a ter mais um ano de prazo de proteção, comparando-se
com o nacional. Mas, como é claramente depreendido, a prioridade é
essencial para a criação do Sistema Internacional de Patentes.
b) Independência das Patentes 12
Com relação ao princípio de independência das patentes, compreende-se que
cada patente é independente das outras patentes de outros países. Assim, cada
patente é um título nacional.
Fato é que este princípio deve ser analisado de modo mais abrangente. Os
pedidos de patentes são independentes não apenas em relação à nulidade, mas
também em virtude da caducidade da duração normal de uma patente. Denis Borges
Barbosa13 destaca o caso de anulação de uma patente americana por decisão
judicial. Neste caso, a patente brasileira não sofre qualquer prejuízo.
Um quarto princípio que o autor acima destaca é o da repressão do abuso ao
direito de patente. Este princípio é de salutar relevância no âmbito da criação
tecnológica. O art. 5 o da Convenção de Paris dispõe:
1) A introdução, pelo titular da patente, no país em que esta foi concedida, de
objetos fabricados em qualquer dos países da União não constitui
fundamento de caducidade.
11
BARBOSA, 2003a, p. 41
O art. 4º bis da Convenção de Paris estabelece: “As patentes requeridas nos diversos países da
União pelos respectivos cidadãos, serão independentes das patentes obtidas para a mesma invenção
nos outros países, quer tenham ou não aderido à União”.
13
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumes Júris,
2003, p. 187.
12
20
No século passado, alguns países europeus, incluindo a França, entendiam
que se um país importasse um produto patenteado, a patente seria objeto de
caducidade. A Convenção proíbe tal prática. A imposição da caducidade em função
da importação é proibida pela Convenção. A importação não gera caducidade. Denis
Borges Barbosa14 afirma que “o instrumento de caducidade é extremamente
importante para um país em desenvolvimento. A patente deve servir para trazer
tecnologia para o país e não assegurar a margem de lucro dos produtos feitos com a
tecnologia e importados para o país.”
A Convenção de Paris sofreu alterações em seu texto original a fim de
aperfeiçoar sua aplicabilidade. Sete revisões foram efetuadas no texto original. A
primeira, em Roma, não teve um resultado favorável, visto que nenhum país ratificou
as alterações. A segunda revisão foi a de Bruxelas em 1900, seguidas
posteriormente, pelas seguintes revisões, Washington em 1911, Haia em 1925,
Londres em 1934, Lisboa em 1958 e Estocolmo em 1967, além do início de um novo
processo revisional iniciado em Genebra em 1980.
1.2. Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas
O segundo grande tratado realizado no âmbito da proteção da propriedade
intelectual foi a Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e
Artísticas. Ela foi celebrada em 1886 e, desde sua ratificação, sofreu diversas
revisões. Dentre as diversas alterações sofridas em seu texto original, destacam-se
as realizadas em Paris em 1896, Berlim em 1908, Berna em 1914, Roma em 1928,
Bruxelas em 1948, Estocolmo em 1967, Paris em 1971 e a emenda de 28 de
setembro de 1979 em Paris.
É importante ressaltar que tanto a Convenção de Paris como a Convenção de
Berna são tratados que não funcionam estritamente como norma de Direito
Internacional Privado ou Lei de Tratados. Assim, estas convenções têm como
objetivo a harmonização das normas internas de cada país com as normas previstas
14
BARBOSA, 2003a, p.43.
21
nas respectivas Convenções. Ademais, ambas as Convenções são administradas
pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) .
A Convenção de Berna tem por objetivo a proteção de obras literárias e
artísticas, incluindo as obras de caráter científico. Sua proteção abrange não apenas
as obras originárias, mas também as derivadas, como, por exemplo, as traduções. A
Convenção de Berna abrange a proteção aos direitos patrimoniais e morais15. Entre
os direitos patrimoniais, ela protege a tradução16, a reprodução 17 e a adaptação18.
Esta proteção deve ser delimitada pela lei nacional. Quanto à lei nacional, Denis
Borges Barbosa19 ressalta que:
A Convenção de Berna se volta à proteção da forma, não das idéias; para
recair no seu âmbito, é preciso que as idéias estejam revestidas de
palavras, notas musicais, ou desenhos. E são tais palavras, notas e
desenhos que constituem o objeto do Direito, não as idéias nelas contidas.
A Convenção de Berna também está fundamentada no princípio do
tratamento nacional. A aplicação deste princípio não ocorre no país do autor, mas
nos demais países o nde haja proteção autoral à luz desta Convenção.
15
O art. 6º da Convenção de Berna dispõe: “1. Independentemente dos direitos patrimoniais do autor,
e mesmo após a cessão desses direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da
obra e de se opor a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação dessa obra ou a qualquer
atentado à mesma obra, que possam prejudicar a sua honra ou a sua reputação. 2. Os direitos
reconhecidos ao autor em virtude da alínea 1) supara são, depois da sua morte, mantidos pelo menos
até à extinção dos direitos patrimoniais e exercidos pelas pessoas ou instituições às quais a
legislação nacional do país onde a proteção é reclamada atribui qualidade para tal. Todavia, os
países cuja legislação em vigor no momento da ratificação do presente Ato ou de adesão a este, não
contenham disposições que assegurem a proteção, depois da morte do autor, de todos os direitos
reconhecidos em virtude da alínea 1) supra, têm a faculdade de prescrever que alguns destes direitos
não serão mantidos depois da morte do autor.” 3. Os meios de recurso para salvaguardar os direitos
reconhecidos no presente artigo são regulados pela legislação do país onde a proteção é reclamada.
16
O art. 8º da Convenção de Berna estabelece: “Os autores de obras literárias e artísticas protegidas
pela presente Convenção gozam, durante toda a duração dos seus direitos sobre a obra original, do
direito exclusivo de fazer ou autorizar a tradução das suas obras.”
17
O art. 9º, § 1º, da Convenção de Berna prevê: “Os autores de obras literárias e artísticas protegidas
pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução das suas obras, de
qualquer maneira e por qualquer forma. ”
18
O art. 12 da Convenção de Berna prevê: “Os autores de obras literárias ou artísticas gozam do
direito exclusivo de autorizar as adaptações, arranjos e outras transformações das suas obras.”
19
BARBOSA, 2003b, p. 191.
22
As Convenções de Paris e de Berna são administradas pela OMPI,
responsável pela negociação e administração dos principais tratados de propriedade
intelectual.
Segundo Carlos Fernando M. de Souza,20a OMPI é um dos quinze
organismos especializados da Organização das Nações Unidas – ONU. Algumas de
suas cláusulas administrativas passaram a vigorar a partir de 1970. O mesmo autor
afirma que as origens da OMPI remontam às Convenções de Paris e de Berna, vez
que ambas as convenções estabeleciam uma secretaria (Escritório Internacional).
Estas duas secretarias foram reunidas em 1893, formando os Escritórios
Internacionais Reunidos para a Proteção da Propriedade Intelectual (BIRPI). O
BIRPI ainda subsiste para os Estados que não fazem parte da OMPI.
Dentre os objetivos fundamentais da OMPI, destacam-se: o fomento à
proteção da propriedade intelectual em todo o mundo com o auxílio de outras
organizações internacionais e a cooperação entre os Estados; a administração das
Convenções de Paris e de Berna; e a promoção da cooperação administrativa entre
as Uniões de propriedade intelectual juntamente com a Organização Internacional
do Comércio (OIC) e a UNESCO.21.
1.3. Lei de Comércio Americana (Trade Act), Seção 301
Convém ressaltar que, mesmo com o esforço de inúmeros países signatários
das Convenções de Paris e de Berna para a proteção de propriedade intelectual,
países como a Alemanha, hoje um país desenvolvido, vendiam produtos de outros
países, especialmente da Inglaterra, como sendo produtos de sua própria
fabricação.22
20
SOUSA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislação básica. Brasília: Brasília Jurídica,
1998, p. 96.
21
Convenção de Roma de 26.10.1961: convenção internacional para a proteção aos artistas
intérpretes ou executantes, aos produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão.
22
REGO, Elba Cristina Lima. Acordo sobre propriedade intelectual na OMC. Disponível em:
<http://www.bndes.gov.br/conhecimento/revista/rev1602.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2008.
23
As convenções mencionadas nos itens 1.1 e 1.2 estipulam ampla autonomia
para que os países-membros definam e regulamentem suas próprias legislações de
proteção à propriedade intelectual. Assim, em 1974, os Estados Unidos começaram
a adotar meios mais agressivos de proteção à propriedade intelectual. Pressionados
pelas indústrias farmacêutica, química, eletrônica e de tecnologia da informação de
seu país, os Estados Unidos começaram a pressionar os países desenvolvidos e em
desenvolvimento nos fóruns internacionais com o intuito de garantir uma efetiva
proteção aos direitos de propriedade intelectual, sobretudo a propriedade industrial.
Renato Valladares Domingues 23, citando Maria Helena Tachinardi:
A Seção 301 do Trade Act de 1974 autoriza o presidente dos EUA a adotar
medida apropriada, incluindo a retaliação, para obter a remoção de
qualquer ato, política ou prática de um governo estrangeiro que viole um
acordo internacional de comércio ou que seja injustificada, não razoável
(unreasonable) ou
discriminatória,
que
restrinja
o
comércio
norte-
americano.
A aprovação da Seção 301 levou à apresentação de inúmeras petições de
empresas privadas, que se queixavam de prejuízos comerciais devidos a
práticas injustas. A Seção 301, contudo, não atuava efetivamente sobre as
práticas governamentais e os investimentos norte-americanos. Por essa
razão, o Congresso dos EUA, que tem a responsabilidade precípua de
“regular o comércio com nações estrangeiras”, respondeu às deficiências
do estatuto de 1974 emendando a Seção 301 no capítulo 3 do Trade and
Tariff Act de 1984
A nova legislação avançou e ampliou os objetivos da 301 definindo vários
termos, entre os quais unjustifiable, unreasonable e discriminatory. Desta
forma, o Congresso tornou o estatuto da 301, um instrumento mais efetivo
para responder às práticas injustas de parceiros comerciais dos EUA.
Sem alcançar êxito em seus debates com países estrangeiros, o governo
americano iniciou uma política de constante ameaça de sanções comerciais e,
conseqüentemente, o Congresso americano foi pressionado a adotar, na Seção 301,
uma redação que atendia ainda mais aos interesses das indústrias americanas.
23
TACHINARDI, 1993, apud DOMINGUES, Renato Valladares. Patentes farmacêuticas e acesso a
medicamentos no sistema da organização mundial: a aplicação do Acordo TRIPs. São Paulo: Lex
Editora: Aduaneiras, 2005, p. 28.
24
A Seção 301 da Lei de Comércio americana de 1974 consagrou um
mecanismo para pressionar os governos estrangeiros a aderir à legislação
americana de direitos autorais e patentes, criando uma lista que classificava os
países por seu nível de violação à propriedade intelectual.24
A partir de informações oriundas do setor privado americano, com base na
Seção 301 do Trade Act, periodicamente, o Representante de Comércio dos
Estados Unidos publica três listas contendo os países que não estão oferecendo
efetiva proteção à propriedade intelectual. As listas são: lista de países estrangeiros
prioritários (“priority foreign countries”); lista de países em observação prioritária
(“priority watch list” ); e lista de países em observação ( “watch list”).
Vale ressaltar que o Brasil tem sido acusado duramente nos últimos anos de
violar direitos de propriedade intelectual quando não adota medidas eficientes de
combate à pirataria. Haddil da Rocha Vianna 25, em seu discurso no Seminário sobre
Pirataria de Direitos Autorais e Delitos contra a Propriedade Intelectual, no âmbito do
Mercosul, destacou que, em 28 de abril de 2006, o governo americano decidiu
manter o Brasil na “lista de observação prioritária” ( priority watch list”) da Seção
“Special 301”, como tem feito desde 2002. Segundo o governo brasileiro,
descontente com esta resolução americana, “apesar dos evidentes desafios que
ainda persistem no tocante à repressão da pirataria e dos crimes correlatos em
território nacional, tal resolução não reflete a realidade da proteção da propriedade
intelectual no País, assim como não leva em consideração os evidentes esforços de
combate à pirataria, empreendidos pelo País nos últimos anos” 26.
24
SCHWEIDLER, Christine e CHOCK, Sasha Costanza. Pirataria. Disponível em:
<http://www.vecam.org/article696.html>. Acesso em: 30 jan. 2008.
25
VIANNA, Hadil da Rocha. Observância dos direitos de propriedade intelectual - multilateralismo/
unilateralismo/ regionalismo. In: Seminário sobre Pirataria de Direitos Autorais e Delitos contra a
Propriedade Intelectual, Brasília, 2006. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dipi/2006-08HADIL.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2008.
26
Ibidem.
25
1.4. Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt)
Antes de adentrar no tema da Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio, convém fazer um breve histórico da constituição do Gatt, bem como do
funcionamento do Sistema Multilateral do Comércio (SMC).
O Gatt está inserido como parte de um sistema conhecido como o sistema
Bretton Woods. Originou-se em decorrência do fracasso da política econômica
instaurada após a Primeira Guerra Mundial. O período entre a Primeira e a Segunda
Guerras Mundiais ficou conhecido pela “crise do capitalismo”27. Com a quebra da
Bolsa de Valores de Wall Street em 1929, ocorreu uma forte queda no volume do
comércio internacional. Assim, ascendeu uma forte tendência ao nacionalismo
econômico com o intuito de proteger a indústria nacional em detrimento das
exportações de terceiros países. Os Estados Unidos, em 1930, ratificaram uma lei
alfandegária – Smooth Hawley com o objetivo de restringir as importações, aumentar
as tarifas alfandegárias e adotar o dumping 28, fortalecendo ainda mais sua política
protecionista. Diante deste contexto, em represália, no final de 1931, 36 países
haviam restringido as importações, aumentando suas tarifas alfandegárias e
realizando o controle cambial. Assim, os países passaram a formar blocos
econômicos para proteger suas indústrias nacionais, o que contribuiu para o
surgimento da Segunda Guerra Mundial.
Era consenso entre os países aliados vencedores da Segunda Guerra
Mundial, liderados pelos Estados Unidos, a necessidade da criação de um sistema
econômico que visasse à paz mundial. Assim, em julho de 1944, no vilarejo de
Bretton Woods, 44 países liderados pelos Estados Unidos e o Reino Unido
aprovaram a criação do FMI (Fundo Monetário Internacional) com o objetivo de
assegurar a estabilidade no mercado cambial e a liberdade nas transações
27
NAKADA, Minoru. A OMC e o regionalismo: análise do art.XXIV e dispositivos afins do acordo de
Marraqueche. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 19.
28
Definição de dumping adotada pelo art. VI do Gatt 1994: “Para as finalidades do presente acordo,
considera-se haver prática de dumping, isto, é, oferta de um produto no comércio de outro país a
preço inferior ao seu valor normal, no caso de o preço de exportação do produto ser inferior àquele
praticado, no curso normal das atividades comerciais, para o mesmo produto quando destinado ao
consumo do país exportador”.
26
cambiais, bem como manter o ajuste e a estabilidade no balanço de pagamentos
dos países-membros de forma multilateral, através deste organismo internacional; e
o BIRD (Banco Mundial para Reconstrução e Desenvolvimento), que teve
originariamente por finalidade financiar a reconstrução da economia européia
destruída após a guerra e conceder empréstimos para projetos nos países em vias
de desenvolvimento.29
Um ano após a Conferência de Bretton Woods, os Estados Unidos e o Reino
Unido firmaram um acordo bilateral para a criação da Organização Internacional do
Comércio, a OIC. A OIC seria um órgão subordinado às Nações Unidas e tinha
como objetivo a diminuição de barreiras alfandegárias, eliminação de todo tipo de
discriminação no comércio internacional e, ainda, a ampliação da oferta de emprego
e consumo. Tratava -se de um acordo rígido pelo qual se constituía um maior
controle do comércio internacional. Instituiu-se um comitê preparatório junto ao
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas para dar prosseguimento à
proposta de criação da OIC. Na Assembléia Geral de Havana, Cuba, foi apresentada
a Carta de Havana/OIC com 106 artigos e cinqüenta e dois países signatários.
Contudo, os Estados Unidos, principal potência econômica da época, não
aprovaram a constituição da OIC, alegando para tanto que o governo americano
havia recebido do Congresso poder para negociar sob a Legislação de Acordo
Comercial Recíproco, mas não para a criação de uma organização internacional. O
Congresso americano não ratificou a Carta de Havana por desconfianças internas
em relação à ONU. Ademais, durante as negociações, houve muitas divergências
entre os países signatários, o que levou a Carta de Havana a ser chamada “uma
carta cheia de buracos” 30.
O Gatt surgiu paralelamente à redação da Carta da OIC. Em verdade, ele
surgiu na segunda sessão de criação da OIC em Genebra. Assim, o Gatt não era
uma organização internacional, mas um acordo multilateral entre Estados-membros.
Acordo este formado por 34 artigos que deveriam ser absorvidos pela Carta da OIC
com o propósito de reduzir tarifas alfandegárias e formar um acordo multilateral que
29
30
NAKADA, 2002, p. 22.
Ibidem. p.26.
27
implementasse a concessão tarifária mútua, igualitária e indiscriminada. 23 países
assinaram as regras do Gatt, o que resultou no fracasso da OIC.
O Gatt passou por várias reformas em reuniões chamadas “rodadas”. Ao
longo dos 48 anos de história do Gatt, foram realizadas sete rodadas de
negociações. As cinco primeiras disseram respeito praticamente a reduções
tarifárias31. Aos poucos, foram abordados temas a respeito de barreiras não
alfandegárias. A Rodada de Tóquio especificamente tratou de barreiras nãotarifárias. Contudo, a que merece destaque para o tema deste estudo monográfico é
a oitava rodada – a Rodada Uruguai.
A Rodada Uruguai é considerada a mais ambiciosa rodada de negociações
no âmbito do Gatt. Ela teve início em 1986 e terminou em 1994. Diante dos
constantes conflitos comerciais existentes entre os países-membros, houve a
necessidade de se adotar um sistema comercial que solucionasse esses problemas
com maior eficácia.
1.5. Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (Gatt) de 1994
Primeiramente, convém fazer uma breve distinção entre o Gatt de 1947
tratado no tópico anterior e o Gatt de 1994.
O Gatt de 1947, como já vimos, apenas vinculava as partes contratantes em
acordos multilaterais. O Gatt 1947 foi encerrado em 1996, momento em que todos
os seus dispositivos legais foram integrados ao Gatt 1994. Assim, o que significa o
Acordo Geral sobre tarifas e comércio (Gatt) de 1994?
O Gatt 1994 é um acordo da OMC que trata especificamente do comércio de
bens. Isto não significa que o Gatt 1947 não tratava do comércio de bens, mas, no
contexto do Gatt 1994, o conceito de comércio de bens foi ampliado aos direitos de
propriedade intelectual com o Acordo TRIPs, como veremos adiante . Todos os
31
VALLS, Lia. Histórico da Rodada Uruguai do Gatt. Disponível em: < http:www.ie.ufrj.br/
ecex/pdfs/histórico_da_rodada_uruguai_do_gatt.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2008.
28
acordos existentes no Anexo 1 do Acordo de Marraqueche 32 estão relacionados ao
comércio de bens. Vale lembrar que o Gatt 1994 é um tratado internacional que
vincula todos os membros da Organização Mundial do Comércio – OMC e tem como
propósito a liberalização do comércio de bens por intermédio da redução de tarifas e
outras barreiras ao comércio 33.
Em relação à estrutura do Gatt 1994, ele é fundamentalmente integrado por
dispositivos do Gatt 1947, por entendimentos celebrados durante a Rodada Uruguai
sobre a interpretação de dispositivos do GATT 1947 e pelo Protocolo de
Marraqueche sobre Concessões Tarifárias 34.
No documento da Conferencia da OMC 35 para o comércio e desenvolvimento,
pode-se verificar o seguinte:
Os dispositivos do GATT 1947, agora dispositivos do GATT 1994,
consistem de 30 artigos – numerados em algarismos romanos – divididos
em quatro “partes”.
Parte I – A parte I do GATT 1994 contém o Artigo I, que estipula a
obrigação de tratamento da nação mais favorecida, e o Artigo II, que
estabelece as obrigações aplicáveis às Listas de Concessões de cada
Membro da OMC.
Parte II – A parte II inclui os Artigos III a XXIII. O Artigo III estabelece a
obrigação de tratamento nacional. Os Artigos IV a XIX cobrem
principalmente medidas não tarifárias, tais como práticas de comércio
desleais (dumping e subsídios à exportação), restrições quantitativas,
restrições por razões de balanço de pagamentos, empresas comerciais
estatais, assistência governamental ao desenvolvimento econômico e
medidas de salvaguarda emergenciais. Adicionalmente, esta parte também
lida com várias questões técnicas relacionadas à aplicação de medidas de
fronteira. Os artigos XX e XXI lidam com possíveis exceções ao GATT
1994, mais especificamente exceções gerais e aquelas por motivos de
segurança. Os Artigos XXII e XXIII tratam de procedimentos para solução
de controvérsias, os quais estão mais detalhados no Entendimento sobre
os Princípios que Governam a Solução de Controvérsias (doravante
“DSU”).
Parte III – A parte III do GATT 1994 consiste dos Artigos XXIV a XXXV. O
Artigo XXIV relaciona-se principalmente a uniões alfandegárias e áreas de
livre comércio, bem como à responsabilidade dos Membros pelos atos dos
32
O acordo de Marraqueche estabeleceu a Organização Mundial do Comércio (Acordo da OMC).
CONFERÊ NCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Solução
de
controvérsia.
Nova
Iorque
e
Genebra,
2003.
Disponível
em:
<
htpp:www.unctad.org/pt/docs/edmmisc232add33 _pr.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2008.
34
Idem.
35
Idem.
33
29
governos regionais e locais existentes dentro do seu território. Os Artigos
XXVIII e XXVIII (bis) tratam da negociação e renegociação de concessões
tarifárias.
Parte IV – Por fim, a Parte IV do GATT 1994 é intitulada “Comércio e
Desenvolvimento” e objetiva aumentar as oportunidades comerciais para
os países -membros em desenvolvimento, de diversas formas.
Outros Dispositivos – Os dispositivos que tratam da entrada em vigor,
acessão, alterações, retiradas, não-aplicação e ação conjunta não estão
mais em vigor porque foram derrogados pelos dispositivos relevantes
similares do Acordo da OMC.
1.6. Acordo TRIPs sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
relacionados ao Comércio
O processo de globalização da economia e os avanços tecnológicos ocorridos
nas últimas décadas do século XX acarretaram a preocupação dos países
desenvolvidos acerca da proteção da propriedade intelectual. Neste sentido,
destacam Friedrich e Fonseca 36:
A produção industrial foi se modificando para setores vinculados à
pesquisa e criatividade, tornando-se uma filosofia empresarial e um fator
determinante de êxito na competição mundial. Como conseqüência, a
circulação de mercadoria propiciou a pirataria, aumentando as tensões
entre os países industrializados e os emergentes, onde o sistema de
propriedade intelectual era menos desenvolvido ou mesmo inexistente,
posto que os direitos
de propriedade intelectual eram um elemento de
competitividade. Revelou-se a íntima relação entre o comércio internacional
e os direitos de propriedade intelectual. Era necessária uma adequada e
eficaz proteção jurídica, o que fez surgir o Acordo sobre Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS).
Percy F. Macombe 37, ao fazer referencia à Carlos M. Correa, entende que o
Acordo TRIPs não é meramente um instrumento para combater contrafações
(couterfeiting) e a pirataria:
36
FRIEDRICH, 2005, p.64
MACOMBE, Percy F. Are we embarking on disastrous TRIPs? A case of TRIPs review. Disponível
em: < http://www.seatini.org/bulletins/5.11.php>. Acesso em: 20 mar. 2008.
37
30
The TRIPS Agreement was not merely conceived as an instrument to
combat couterfeiting and piracy, an objective that most developing countries
would have shared. The Agreement was also regarded as a component of a
policy
of
“techonological
protectionism”
aimed
at
consolidating
an
international division of labour whereunder Northern countries generate
innovations and Southern countries constitute the market for the resulting
products and services. It was also an expression of an aggressive action by
the US industries to establish international rules that counter their declining
38
competitive position in the world market .
A Rodada Uruguai para a criação da OMC foi uma das mais significativas
negociações no âmbito do comércio internacional. Foi à luz destas negociações que
surgiu a necessidade da criação de um acordo que vinculasse todos os países
signatários da OMC a fim de garantir uma eficaz proteção à propriedade intelectual.
O
Acordo
sobre
Aspectos
dos
Direitos
de
Propriedade
Intelectual
relacionados ao Comércio (TRIPS) encontra-se no Anexo I C do Acordo de
Marraqueche de 15 de abril de 1994. Ele é parte integrante do Acordo Constitutivo
da OMC, com caráter cogente a todos os paises-membros.
Denis Borges Barbosa39 afirma que o TRIPS constitui-se de parâmetros
mínimos de proteção, alé m de herdar os princípios de tratamento nacional e de
nação mais favorecida do antigo GATT 1947. Vejamos os princípios gerais do
Acrodo TRIPS:
a) Princípio da relação do Acordo com as leis internas
O Acordo TRIPs não tem aplicabilidade imediata; suas normas são um
patamar mínimo de direitos. Sua aplicabilidade deverá ocorrer em conformidade com
38
Tradução livre da autora: “O Acordo TRIPs não foi meramente concebido como um instrumento
para o combate à contrafação e pirataria, um objetivo do qual os países em desenvolvimento teriam
compartilhado. O Acordo também foi encarado como um componente de uma política de
‘protecionismo tecnológico’ objetivado consolidar uma divisão internacional do trabalho na qual os
países do Norte geram inovações e os países do Sul constituem o mercado para os produtos e
serviços. Ele também foi uma expressão de uma agressiva ação das indústrias dos Estados Unidos
para estabelecer regras internacionais que combatessem sua posição de competitividade declinante
no mercado mundial.
39
BARBOSA, 2003b, p.196
31
os sistemas constitucionais de cada país-membro. Vejamos o artigo 1o do Acordo
TRIPs:
Artigo 1. Natureza e abrangência das Obrigações
1- Os Membros colocarão em vigor o disposto neste Acordo. Os Membros
poderão, mas não estarão obrigados a prover, em sua legislação, proteção
mais ampla que a exigida neste Acordo, desde que tal proteção não
contrarie as disposições deste Acordo. Os Membros determinarão
livremente a forma apropriada de implementar as disposições deste Acordo
no âmbito de seus respectivos sistema e prática jurídicos .
Ainda neste sentido, Friedl Weiss40 destaca que o Acordo TRIPs está
condicionado a outros tratados com respeito a todos os seus principais
componentes, no que diz respeito aos princípios básicos, normas substantivas,
normas de solução de controvérsias e, inclusive, acordos institucionais, como o
GATT 1994.
b) Princípio do tratamento nacional
Nos artigos 2 e 3 do Acordo TRIPs, verifica-se a adoção do princípio do
tratamento nacional, conforme as regras das Convenções de Paris e Berna.
ARTIGO 2. Convenções sobre Propriedade intelectual
1 - Com relação às Partes II, III e IV deste Acordo, os Membros cumprirão
o disposto nos Artigos 1 a 12 e 19 da Convenção de Paris (1967). 2 - Nada
nas Partes I a IV deste Acordo derrogará as obrigações existentes que os
Membros possam ter entre si, em virtude da Convenção de Paris, da
Convenção de Berna, da Convenção de Roma e do Tratado sobre a
Propriedade Intelectual em Matéria de Circuitos Integrados.
ARTIGO 3. Tratamento Nacional
1 - Cada Membro concederá aos nacionais dos demais Membros
tratamento não menos favorável que o outorgado a seus próprios nacionais
40
WEISS, Friedl. Aspectos de direito internacional público do TRIPS. In: CASELLA, Paulo Borba e
MERCADANTE, Araminta de Azevedo (Coords.). Guerra comercial ou integração mundial pelo
Comércio?: a OMC e o Brasil. São Paulo: LTr, 1998, pp. 586 et seq.
32
com relação à proteção da propriedade intelectual, salvo as exceções já
previstas, respectivamente, na Convenção de Paris (1967), na Convenção
de Berna (1971), na Convenção de Roma e no Tratado sobre a
Propriedade Intelectual em Matéria de Circuitos Integrados. No que
concerne a artistas-intérpretes, produtores de fonogramas e organizações
de radiodifusão, essa obrigação se aplica apenas aos direitos previstos
neste Acordo. Todo Membro que faça uso das possibilidades previstas no
art. 6 da Convenção de Berna e no parágrafo l.b do art. 16 da Convenção
de Roma fará uma notificação, de acordo com aquelas disposições, ao
Conselho para TRIPs.
c) Princípio da nação mais favorecida
O princípio da nação mais favorecida está previsto no art. 4º do Acordo
TRIPs, que estabelece que toda vantagem, favorecimento, privilégio ou imunidade
que um país-membro conceder ao nacional de qualquer outro país, estes
benefícios deverão ser estendidos imediata e incondicionalmente aos nacionais de
todos os demais países contratantes. O principal objetivo deste princípio é o de
evitar desigualdades entre os nacionais de diferentes países. Renato Valladares
Domingues 41 exemplifica o princípio da nação mais favorecida com o caso que
ocorreu na Coréia do Sul no fim da década passada “quando se reconheceram
retroativamente patentes farmacêuticas somente de empresas estadunidenses (o
que motivou uma explicável reação da Comunidade Européia)”.
Renato Valladares Domingues 42 considera a aplicação do princípio da
nação mais favorecida bastante amplo, pois a concessão de favorecimentos,
privilégios
e
imunidades
aos
nacionais
de
outro
país-membro
é
feita
automaticamente e incondicionalmente. Neste mesmo sentido, Eugênio da Costa e
Silva adverte que “a dificuldade maior que se pode constatar nesta situação é que
não há exemplos de instrumentos outros de regulamentação de direitos sobre a
41
DOMINGUES, Renato Valladares. Patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos no sistema da
organização mundial: a aplicação do Acordo TRIPs. São Paulo: Lex Editora: Aduaneiras, 2005, p. 53.
42
Ibidem, p. 52.
33
propriedade intelectual que facilitem a aplicação deste princípio no contexto da
operacionalização do Acordo TRIPs”. 43
Em conformidade com o princípio da nação mais favorecida, convém
lembrar que o art. 4º do TRIPS estabelece algumas exceções quanto à aplicação
dos dispositivos das Convenções de Paris e Berna. Vejamos:
Está isenta desta obrigação toda vantagem, favorecimento, privilégio ou
imunidade concedida por um Membro que:
a) resulte de acordos internacionais sobre assistência judicial ou sobre
aplicação em geral da lei e não limitados em particular à proteção da
propriedade intelectual;
b) tenha sido outorgada em conformidade com as disposições da
Convenção de Berna (1971) ou da Convenção de Roma que autorizam a
concessão em função do tratamento concedido em outro país e não do
tratamento nacional;
c) seja relativa aos direitos de artistas-intérpretes, produtores de
fonogramas e organizações de radiodifusão não previstos neste Acordo;
d) resultem de acordos internacionais relativos à proteção da propriedade
intelectual que tenham entrado em vigor antes da entrada em vigor do
Acordo Constitutivo da OMC, desde que esses acordos sejam notificados
ao Conselho para TRIPS e não constituam discriminação arbitrária ou
injustificável contra os nacionais dos demais Membros.
Ainda em relação aos princípios gerais do TRIPS, o Acordo estabelece a
proteção à saúde e nutrição públicas com o intuito de promover o interesse público
quanto ao desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico de seu país 44. Dois
outros pontos merecem alusão em relação ao Acordo. São eles os objetivos do
TRIPS e a questão da exaustão.
Os objetivos do Acordo TRIPS consistem em fazer com que “a proteção e a
aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade contribuam para a
promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia,
em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de
43
COSTA E SILVA, Eugênio da. A propriedade intelectual e a liberalização do comércio internacional.
In: CASELLA, Paulo Borba e MERCADANTE, Araminta de Azevedo (Coord.). Guerra comercial ou
integração mundial pelo Comércio?: a OMC e o Brasil. São Paulo: LTr, 1998. p.705.
44
Art. 8º, I do TRIPs: “Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem adotar
medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público
em setores de importância vital para seu desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, desde que
estas medidas sejam compatíveis com o disposto neste Acordo”.
34
uma forma conducente ao bem estar social e econômico e a um equilíbrio entre
direitos e obrigações” (art. 7 º ).
O art. 6º do TRIPS veda a utilização do acordo para solucionar controvérsias
relacionadas à exaustão 45. Denis Borges Barbosa 46 bem define exaustão:
Como se sabe, exaustão é a doutrina segundo a qual uma vez que o titular
tenha auferido o benefício econômico da exclusividade (“posto no
comércio”), através, por exemplo, da venda do produto patenteado, cessam
os direitos do titular da patente sobre ele. Resta-lhe, apenas, a
exclusividade de reprodução.
A essência do Acordo TRIPs compreende três conjuntos de normas que
abrangem os principais tipos de proteção à propriedade intelectual. O primeiro
conjunto de normas do Acordo TRIPs compreende os padrões mínimos de proteção
relativos à viabilidade, alcance e utilização dos direitos de propriedade intelectual.
Neste conjunto, verifica-se o objeto protegido pelo Acordo, os direitos conferidos,
restrições pertinentes e o mínimo de proteção para cada objeto.
A Parte III do Acordo corresponde ao conjunto de normas não abrangidas
pelas convenções internacionais. Normas estas que exigem que cada país-membro
disponha em sua lei nacional de procedimentos para a aplicação de mecanismos de
proteção, de forma a permitir uma ação eficaz contra qualquer infração dos direitos
de propriedade intelectual previstos no Acordo.47
O terceiro conjunto de normas que forma a Parte IV do Acordo TRIPs trata da
prevenção e do sistema de solução de controvérsias. 48 Friedl Weiss49 destaca que
esta parte constitui o componente principal de direito público do Acordo TRIPs, bem
como sua característica mais preciosa e inovadora.
45
Art. 6º do TRIPs: “Para os propósitos de solução de controvérsias no marco deste Acordo, e sem
prejuízo do disposto nos Artigos 3 e 4, nada neste Acordo será utilizado para tratar da questão da
exaustão dos direitos de propriedade intelectual.”
46
BARBOSA, 2003b. p. 201.
47
Art. 41 do Acordo TRIPS.
48
Arts.63-64 do Acordo TRIPS.
49
WEISS, 1998, p. 585.
35
1.7. Organização Mundial do Comércio (OMC)
A liberalização do comércio analisada no subitem 1.5 sofreu significativas
alterações desde a implementação do Gatt. Minoru Nakada 50 ressalta que, no início
da década de 50, as partes contratantes acordaram em reformar o GATT de 1947.
acordo geral. Em conferência realizada entre 1954 a 1955, foi elaborado um
protocolo com inúmeras reformas do Gatt. Ademais, com o objetivo de conferir um
caráter organizacional ao Gatt, foi elaborado um esboço de uma mi nicarta com a
finalidade de instituir a Organização para a Cooperação Comercial (OCC), que não
se concretizou em decorrência da renovada resistência americana. Assim, foram os
artigos desta minicarta que influenciariam a instituição dos acordos da Organização
Mundial do Comércio (OMC).
O Acordo da OMC, adotado na Rodada, Uruguai foi assinado em 15 de abril
de 1994 em Marraqueche, Morrocos, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995.
Tem sede em Genebra, Suíça. Ressalte-se que o Acordo da OMC não reformou o
Gatt. Trata-se do estabelecimento de uma nova organização, com cláusulas do Gatt
e os acordos afins como anexo, como, por exemplo, o Acordo TRIPs. Os paísesmembros do Gatt, para ingressar nesta nova organização, tiveram que aceitar o
acordo na modalidade do sistema de compromisso único, single undertaking, ou
seja, a aceitação do acordo de uma só vez em sua totalidade. Assim, o Acordo da
OMC é um acordo multilateral, que deve ser aceito integralmente por todos os
países-membros.
Minoru Nakada 51 destaca que o Gatt 1947 continuaria em vigor durante um
ano em conjunto com o Acordo da OMC, e que, atualmente, já perdeu sua eficácia.
Ademais, as obrigações do Gatt, bem como as do Gatt 1994, foram sucedidas pelo
Acordo da OMC em seu anexo I.
O Anexo I compreende três partes: bens (Acordo Gatt 1994), serviços (Gats e
seus anexos) e propriedade intelectual. O Anexo II do Acordo da OMC diz respeito
50
51
NAKADA, 2002, pp. 28 et seq.
Ibidem, 2002, p. 32.
36
às regras e procedimentos relacionados à solução de controvérsias. O Anexo III
estabelece o sistema de revisão de política comercial.
Merece destaque o Anexo IV, que é o único que exclui o sistema de
compromisso único, single undertaking. Diferentemente dos Anexos I, II e III que
formam um conjunto de “Acordos Multilaterais de Comércio”, os Acordos do Anexo
IV são acordos denominados “Acordos Plurilaterais”. Assim, a adesão de cada país
é de livre escolha, facultativa. Como exemplo, temos o Brasil, que ratificou o acordo
relativo à carne bovina.
As funções da OMC estão estabelecidas no artigo III de seu acordo
constitutivo. Elba Cristina Lema Rêgo 52 bem destaca os objetivos das normas da
OMC:
Os objetivos mais amplos das novas normas, além da maior previsibilidade
das condições em que opera o comércio internacional, são a garantia de
acesso aos mercados e a competição justa. Por trás destes dois objetivos
estão dois princípios básicos: a não-discriminação e a reciprocidade, que
muitas vezes parecem entrar em contradição.
A OMC é constituída pelos seguintes órgãos:
a)
Conferência
Ministerial:
órgão
supremo,
composta
de
representantes de todos os países-membros e que se reúne a cada dois
anos;
b)
Conselho Geral: composto dos representantes de todos os
países-membros, reúne -se quando necessário, mantendo suas atividades no
período em que a Conferência Ministerial não estiver reunida;
c)
três Conselhos, um Conselho de Comércio de Bens, um de
Comércio de Serviços (Gats) e um Conselho sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio. Estes conselhos são
responsáveis pelos acordos dentro de sua área de competê ncia. Funcionam
por meio da representação dos países-membros e têm a composição e regras
de funcionamento aprovadas por eles próprios. Estas regras submetem-se à
aprovação do Conselho Geral;
52
REGO, Elba Cristina Lima. Do Gatt à OMC: O que mudou, como funciona e para onde caminha o
o
sistema multilateral de comércio. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n 6, dez.2001, p. 11. Disponível
em:< htpp://www.bnds.gov.br/conhecimento/revista/gatt.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2008
37
d)
três Comitês estabelecidos pela Conferência Ministerial voltados
às questões relativas ao Comércio e Desenvolvimento, sobre Restrições
relativas ao Balanço de Pagamentos e sobre Orçamento, Finanças e
Administração, assim como o Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente;
e)
um Secretariado eleito pela Conferência Ministerial e presidido
pelo Diretor-Geral.
O processo decisório dos órgãos da OMC é determinado pelo consenso. Em
caso de impossibilidade de adotar-se uma decisão por consenso, passa-se ao
processo de votação. Cada membro tem igual poder de voto 53.
A OMC é dotada da seguinte estrutura normativa:
ANEXO I
ANEXO IA
1. Acordo Geral sobre Tarifas e Comécio 1994 ( Gatt);
Entendimento sobre a Interpretação do Artigo II.1.b do Gatt 1994;
Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XVII do Gatt 1994
Entendimento sobre Disposições relativas a Balanço de Pagamentos do Gatt
1994;
Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XXIV do Gatt 1994;
Entendimento sobre Derrogações ( waivers) de Obrigações sob o Gatt 1994;
Protocolo de Marraqueche ao Gatt 1994;
2. Acordo sobre Agricultura;
3. Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias;
4. Acordo sobre Têxteis e Vestuário;
5. Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio;
53
Art. IX do Acordo Constitutivo da OMC: “A OMC manterá a prática da tomada de decisões por
consenso seguida por força do Gatt de 1947. Salvo disposição em contrário, nos casos em que não
for possível chegar a uma decisão por consenso, a questão em causa será decidida por votação. Nas
reuniões da Conferência Ministerial e do Conselho Geral, cada Membro da OMC disporá de um voto”.
38
6. Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio;
7. Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Gatt 1994;
8. Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Gatt 1994;
9. Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque;
10. Acordo sobre Regras de Origem;
11. Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações;
12. Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias;
13. Acordo sobre Salvaguardas;
ANEXO IB
Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (Gats).
ANEXO IC
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados
ao Comércio (TRIPS).
ANEXO II
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de
Controvérsias.
ANEXO III
Mecanismos de Revisão de Políticas Comerciais.
ANEXO IV
Acordos Plurilaterais de Comércio.
1. Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis;
2. Acordo sobre Compras Governamentais;
3. Acordo Internacional sobre Produtos Lácteos;
4. Acordo Internacional sobre Carne Bovina.
39
CAPÍTULO 2. ACORDO TRIPS E DIREITO BRASILEIRO
2.1. Aprovação do Acordo TRIPs
Primeiramente, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre a
aplicabilidade do Acordo TRIPs. Adverte Denis Borges Barbosa54 que o Acordo
TRIPS é um acordo de “direitos mínimos”, um piso mínimo para as legislações
nacionais. Desta forma, entende-se, portanto, que o TRIPs não é uma lei interna,
pois não tem aplicabilidade imediata nos países-membros, mas exige uma lei interna
de cada país para sua aplicabilidade. Neste sentido, Friedrich e Fonseca
55
afirmam
que o Acordo TRIPs está imbuído de uma denominada “flexibilidade”, visto que,
embora o Acordo harmonize parte das normas relativas ao direitos de propriedade
intelectual relacionadas ao comércio, deixa ampla liberdade aos Estados para
legislarem sobre o tema.
Ainda neste sentido, Denis Borges Barbosa escreve:
(...) cabe à legislação nacional dar corpo às normas prefiguradas no texto
internacional. Não se têm, no caso, normas uniformes, mas padrões
mínimos a serem seguidos pelas leis nacionais, sob pena de violação do
Acordo (...) Assim, o Acordo TRIPs determina que os Estados Membros
legislem livremente, respeitados certos padrões mínimos.
56
O Brasil é um dos países que melhor se teria adaptado às regras
internacionais quando o assunto é propriedade intelectual. Dentre os instrumentos
jurídicos de Direito Internacional relativos à propriedade intelectual, já incorporados à
legislação nacional, destacam-se:
•
A Convenção de Paris para Propriedade Industrial (Decreto n.
75.572, de 1975; Decreto n. 635, de 1992; Decreto n. 1264, de 1994);
54
55
56
BARBOSA, 2003b, p. 216.
FRIEDRICH, 2005, p. 66.
BARBOSA, op. cit., p. 216.
40
•
A Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e
Artísticas (Decreto n. 75.699, de 1975);
•
Acordo sobre a Classificação Internacional de Patentes (Decreto
n. 76472, de 1975);
•
Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (Decreto n.
81.742, de 1978);
•
Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções
Vegetais. (Decreto n. 3.109, de 1999);
•
Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual relacionados ao Comércio (Decreto n. 1.355, de 1994).
O Brasil obrigou-se ao Acordo TRIPs a partir de 1º de janeiro de 2000. Isto
ocorreu em virtude de o Brasil ser um país em desenvolvimento e, assim, embora
tenha ratificado o Acordo em 1994, gozou de um benefício conferido aos países em
desenvolvimento para a aplicação do disposto no Acordo TRIPs 57.
2.2. Aprovação da Lei de Direitos Autorais e da Lei de Patentes
Em se tratando de propriedade intelectual, deve -se compreender que esta
abrange basicamente tanto o Direito Autoral quanto o Direito Industrial, com a Lei de
Patentes. O ordenamento jurídico brasileiro contempla estes dois institutos em duas
leis: a Lei n. 9610/98 que alterou as Leis n. 5.998/73 e n. 4.944/66 sobre direitos
autorais, e a Lei n. 9279/96, que regulamenta a propriedade industrial no Brasil.
Antes de tratar das legislações sobre Direitos Autorais e Direito de Patentes,
cabe uma breve consideração sobre o termo “propriedade”. De acordo com a
57
Art. 65 do Acordo TRIPs: “1 - Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º, 3º e 4º, nenhum Membro
estará obrigado a aplicar as disposições do presente Acordo antes de transcorrido um prazo geral de um
ano após a data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC. 2 - Um país em desenvolvimento
Membro tem direito a postergar a data de aplicação das disposições do presente Acordo, estabelecida
no parágrafo 1º, por um prazo de quatro anos, com exceção dos Artigos 3, 4 e 5”.
41
tradição romana, o termo “propriedade” está relacionado a bens corpóreos e
consiste no somatório de todos os direitos relacionados à “res”. É a “plena in re
potestas”.
Atualmente, esta definição não contempla de forma eficaz as diversas formas
de entender o significado da propriedade, visto que, no âmbito do Direito Autoral, há
os bens incopóreos, bens intangíveis. Neste sentido, Denis Borges Barbosa, em
alusão à Blackstore 58 define bens corpóreos da seguinte maneira:
59
As affects the senses, such as can be seen and handed by the body .
Bens incorpóreos seriam:
60
Creatures of the mind and exist only in contemplation .
Denis Borges Barbosa61 explica que, em sentido genérico, o conceito de
propriedade pode ser entendido como “o controle jurídico sobre bens econômicos”.
O autor lembra que, tradicionalmente, o termo “propriedade” é compreendido como
controle sobre coisas ou bens tangíveis. Contudo, em uma visão moderna, pode-se
estender o termo propriedade à propriedade intelectual, propriedade industrial,
propriedade para descrever direitos exercidos em relação a bens intangíveis.
O controle jurídico tratado por Denis Borges Barbosa é um “poder”. Este
poder é dado a uma pessoa (direito subjetivo) pelo ordenamento jurídico. Desta
forma, quando se fala em propriedade sobre bens incorpóreos, isto só é possível em
virtude da existência de uma ordem jurídica que consagra este poder. E quando se
fala em direito subjetivo absoluto sobre o invento ou obra literária, por exemplo, este
direito só se transforma em propriedade por meio de uma restrição legal de direitos e
liberdades. Ainda o mesmo autor ressalta que, em alguns casos, os bens corpóreos
e os incorpóreos se apresentam em um único corpo e exemplifica esta situação com
58
BLACKSTORE, apud BARBOSA, 2003b, p. 28.
Tradução livre da autora: “Quando afeta os sentidos, de forma que pode ser visto e tocado pelo
corpo”.
60
Tradução livre da autora: “Criaturas da mente e existentes apenas na contemplação”.
61
BARBOSA, 2003b, p. 19.
59
42
uma obra de arte que se corporifica em um suporte físico – à tela de um quadro. A
pintura, o trabalho artístico, está sobre uma tela que é parte da matéria-prima.
Para uma melhor compreensão do exemplo formulado por Denis Barbosa, o
amparo legal está previsto nos artigos 1.269 e 1.270 do Código Civil:
Art. 1269 – Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia,
obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à
forma anterior.
Art. 1270 – Se toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir à forma
precedente, será do especificador de boa-fé a espécie nova.
Além do Código Civil, vale lembrar que todas as Constituições do Brasil, com
exceção da de 1937, trazem proteção ao direito autoral. Na atual norma
constitucional, esta proteção encontra-se no art. 5º, inciso XXVII:
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação
ou reprodução de suas obras, transmissível aos seus herdeiros pelo tempo
que a lei fixar.
Vale lembrar que não apenas os direitos subjetivos ou individuais, mas
também os direitos coletivos são protegidos pela Constituição brasileira:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.
Art. 116. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
43
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Um outro direito contemplado pela Constituição brasileira e amparado pela
Lei n. 9610/98 diz respeito ao direito moral do autor. Neste sentido, Denis Borges
Barbosa define direito moral:
a co-essência moral do direito autoral tem abrigo nos dispositivos gerais
da tutela da expressão ( direito de fazer pública a obra) e de resguardo da
entretela moral da vida humana.
Segundo o mesmo autor, o precursor dos direitos morais é o direito de
divulgação que está expresso no art. 5º, IX 62, da Constituição Federal. O inciso X 63,
do mesmo diploma legal, embora se refira ao dano moral, termina por adotar os
direitos morais acessórios à liberdade de expressão que tem o autor da obra.
Ainda neste contexto, a Lei n. 9610/98 trata do mesmo tema no Capítulo II,
intitulado “os Direitos Morais do Autor”. Dentre estes direitos, destacam-se o direito
de reivindicação, a qualquer tempo, da autoria da obra, o direito de ter seu nome,
pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo do próprio
autor, quando utilizado em sua obra, dentre outros. 64
62
O art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal dispõe: “É livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
63
O art 5º, inciso X ,da Constituição Federal dispõe: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrentes de sua violação”.
64
Art. 24 da Lei 9610/98. “São direitos morais do autor: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a
autoria da obra; II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado,
como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de
assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de
qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V - o de
modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender
qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua
reputação e imagem; VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre
legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado,
ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu
detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado. §
1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
44
A Lei de Propriedade Industrial, (Lei n. 9279/96), também conhecida como Lei
de Patentes, foi uma adequação do Acordo TRIPs à legislação interna brasileira. A
lei foi foco de amplo debate doutrinário e de muitas críticas. Para Tatyana Friedrich e
Karla Fonseca65, a lei de propriedade industrial “reflete os inúmeros lobbies e
pressões sofridos pelo governo e parlamentares brasileiros durante sua tramitação”.
Denis Borges Barbosa66 trata da incorporação do Acordo TRIPs no
ordenamento jurídico brasileiro como uma insensatez:
Curiosamente, ou talvez sem surpresas, o reflexo do TRIPs no Brasil,
especialmente em sua incorporação real ou fictícia ao direito interno, reflete
não o equilíbrio, mas a prevalência irrefreada da tese do predomínio dos
interesses dos proprietários, mesmo a despeito do mercado e do comércio.
Há alguns pontos que a doutrina destaca ao comparar as disposições do
Acordo TRIPs e a Lei n. 9279/96. Bautista Vidal67 é um dos doutrinadores que teve
posicionamento contrário à Lei 9279/96. Esta lei seria lesiva aos interesses
nacionais pelo fato de os dispositivos beneficiarem os detentores de privilégios, além
de extinguir a figura original de inventor ou pesquisador-empregado. Assim, a lei deu
maior privilégio aos inventos patenteados e, por sua vez, às empresas
empregadoras. Além disso, o autor ressalta a generalização do monopólio de
patentes, a diminuição dos instrumentos de proteção da sociedade e das empresas
não beneficiadas pelo monopólio e a concessão de privilégios a estrangeiros com
efeitos legais retroativos, “pipelines” 68.
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público. § 3º
Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem”.
Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual.
Art. 26. O autor poderá repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento
durante a execução ou após a conclusão da construção. Parágrafo único. O proprietário da
construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo
daquele a autoria do projeto repudiado. Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e
irrenunciáveis”.
65
FRIEDRICH, 2005, p. 71.
66
BARBOSA, Denis Barbosa.TRIPs e a experiência brasileira. In: VARELLA, Marcelo Dias (Org.e co-autor). Propriedade intelectual e Desenvolvimento. São Paulo: Lex Editora, 2005, pp.148-149.
67
VIDAL, J. W. Bautista, 1994 apud FRIEDRICH, 2005, p.71.
68
“Pipeline” poderia ser compreendido como uma exceção que permite a inclusão, no rol dos objetos
patenteáveis, de inventos que já se tornaram públicos por qualquer meio, teoricamente, para algum,
sem a necessidade do atendimento ao requisito da novidade.
45
Denis Borges Barbosa69 corrobora o posicionamento de Bautista Vidal ao
afirmar que:
Outros exemplos de desequilíbrio insensato – e por isso mesmo, contrário
à Constituição – incluem o dito pipeline, que revigora a proteção de
tecnologias já integrantes do domínio público, o que o TRIPs não impusera;
a declaração judicial de prorrogação de patentes além do prazo
constitucionalmente limitado, a pretexto da aplicação interna do TRIPs,
rejeitada pelo texto, pela doutrina e pela jurisprudência da OMC e dos
tribunais internacionais e estrangeiros; o abandono das lesões aceita e a lei
brasileira não;
e a escola de um sistema de exaustão de direitos que
ofende o livre comércio e o próprio Gatt.
Desta forma, verifica-se que ambos os autores concordam que a Lei n.
9279/98, teria concedido uma abertura de interpretação maior do que a conferida
pelo Acordo TRIPs.
69
BARBOSA, Denis Barbosa. TRIPs e a experiência brasileira. In: VARELA, 2005, p. 152.
46
CAPÍTULO 3. ÂMBITO DE PROTEÇÃO JURÍDICA DO ACORDO TRIPS
3.1. Direitos autorais.
Os direitos do autor devem ser compreendidos como a proteção não das
idéias, ou procedimentos, mas da expressão criativa 70. A seguir, será analisada a
esfera de proteção do Acordo TRIPs que está disposta na Parte II do Acordo,
disciplinando padrões relativos à existência, abrangência e exercício de direitos de
propriedade intelectual. É importante salientar que os dispositivos do Acordo TRIPs
não revogaram os dispositivos da Convenção de Berna, tampouco, os da
Convenção de Paris. Pelo contrário, os artigos do Acordo fazem referência às
normas das referidas convenções.
Roberto Chacon de Albuquerque 71 ressalta que seria perigoso permitir a um
indivíduo tornar-se proprietário de idéias. Desta forma, o direito autoral protege a
expressão concreta de uma criação do espírito, assentada por escrito ou sob
qualquer outra forma material. O mesmo autor ainda afirma que toda criação do
espírito pode ser objeto de proteção do direito autoral, desde que seja original.
3.1.1. Programas de computador
Os programas de computador estão inseridos no âmbito de proteção jurídica
do Acordo TRIPs. Segundo Roberto Chacon de Albuquerque 72, a inserção de
programas de computador na categoria das obras intelectuais é compatível com os
70
Acordo TRIPs, art 9º, §2º: “A proteção do direito do autor abrangerá expressões e não idéias,
procedimentos, métodos de operação ou conceitos matemáticos como tais.”
71
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. A propriedade informática. 1ª ed. Campinas: Russel
Editores, 2006. pp. 78-79.
72
Idem, p. 81
47
princípios da Convenção de Berna em decorrência do artigo 5º , §1 73, que trata do
princípio do tratamento nacional. Assim, uma vez que o programa de computador foi
inserido na categoria das obras literárias protegidas pela Convenção de Berna, a
proteção jurídica internacional do programa de computador foi assegurada.
Denis Borges Barbosa74 destaca que o Acordo TRIPs obriga os países (com
certas exceções) a garantir ao titular, o direito de autorizar ou proibir o aluguel
público comercial dos programas de computador originais ou das cópias protegidas
pelo direito autoral.
3.1.2. Duração da proteção
A duração da proteção de um programa de computador está contida no artigo
12 do Acordo TRIPs e será no mínimo de 50 (cinqüenta) anos. A proteção começa a
ser contada a partir do fim do ano civil da publicação autorizada da obra ou, na
ausência dessa publicação autorizada, nos 50 (cinqüenta) anos subseqüentes à
realização da obra, contados a partir do fim do ano civil de sua realização.75
3.1.3. Limitação e exceções
Vale lembrar que o Acordo TRIPs, no artigo 13, autoriza os países a
estabelecerem limitações ou exceções aos direitos exclusivos, desde que eles não
conflitem com a exploração normal da obra e não prejudiquem injustificavelmente os
interesses legítimos do titular do direito.
3.2. Marcas
73
Art.5º, §1º, da Convenção de Berna: “Os autores gozam, pelo que respeita às obras para as quais
são protegidos em virtude da presente Convenção, nos países da União que não sejam os países de
origem da obra, dos direitos que as leis respectivas concedem actualmente ou venham a conceder
posteriormente aos nacionais, bem como dos direitos especialmente concedidos pela presente
Convenção”.
74
BARBOSA, 2003b, p. 202.
75
Art. 12 do Acordo TRIPS.
48
A proteção das marcas no Acordo TRIPs está fundamenta na proteção dada
pela Convenção de Paris e, diferentemente dos direitos autorais, para que haja
proteção de uma marca, esta deve ser devidamente registrada.
O conceito de Marcas para o Acordo TRIPs está disposto no artigo 15, que a
define como sendo todos os signos visualmente perceptíveis e distintivos. O
principal objetivo da proteção da marca é o de impedir que terceiros usem sinais
idênticos ou similares em suas relações comerciais, daqueles que têm sua marca
registrada.
As chamadas “marcas fracas”, também são objeto de proteção. As marcas
tidas como fracas recebem esta denominação devido à sua vulgarização pelo
emprego contínuo e enfático por um certo produtor ou prestador de serviço. Por
outro lado, há marcas chamadas notórias e, neste sentido, o Acordo TRIPs
determina sua aplicação a serviços e a signos que indiquem conexão com o titular
dos signos protegidos76.
Qual o entendimento doutrinário para conceituar uma marca como notória?
Segundo Denis Borges Barbosa77, a definição do Acordo TRIPS acolhe que a noção
de notoriedade deve ser apurada junto ao público, e não junto a empresários. O
público não pode ser o público em geral. O mesmo autor adverte que, uma vez
adotada a norma de caráter internacional como é o Acordo TRIPs, o caráter
subjetivo de notoriedade deve ser auferido junto à parcela geográfica e
setorialmente pertinente.
76
O art. 16 do Acordo TRIPs determina: “1- O titular de marca registrada gozará de direito exclusivo
de impedir que terceiros, sem seu consentimento, utilizem em operações comerciais sinais idênticos
ou similares para bens ou serviços que sejam idênticos ou similares àqueles para os quais a marca
está registrada, quando esse uso possa resultar em confusão. No caso de utilização de um sinal
idêntico para bens e serviços idênticos, presumir-se-á uma possibilidade de confusão. Os direitos
descritos acima não prejudicarão quaisquer direitos prévios existentes, nem afetarão a possibilidade
dos Membros reconhecerem direitos baseados no uso. 2 - O disposto no art. 6 "bis" da Convenção de
Paris (1967) aplicar-se-á, "mutatis mutandis", a serviços. Ao determinar se uma marca é notoriamente
conhecida, os Membros levarão em consideração o conhecimento da marca no setor pertinente do
público, inclusive o conhecimento que tenha sido obtido naquele Membro, como resultado de
promoção da marca”.
77
BARBOSA, 2003b, p. 202.
49
Quanto ao registro de uma marca e sua renovação de registro, não pode ter
prazo inferior a sete anos de proteção, podendo ser renovada quantas vezes forem
necessárias. Ademais, a lei interna pode estipular exceções a este prazo de
proteção, desde que se levem em conta os legítimos interesses do titular da marca e
de terceiros.
No artigo 62.3 do Acordo TRIPs, aplica-se a regra de prioridade, “mutatis
mutandi”, aos direitos de marca. No que diz respeito à caducidade das marcas,
sempre nos termos do Acordo TRIPs, elas só poderão ser canceladas se o titular
não as utilizar por três anos ininterruptos.
3.3. Indicações geográficas
O Acordo TRIPs estipula regras de proteção a produtos originários de um
determinado território. Esta proteção visa a impedir a constituição de uma marca
conflitante, além de vedar o uso destas marcas. Um dos casos mais relevantes em
relação às indicações geográficas é a dos produtos vinícolas. Neste sentido, o
Acrodo TRIPs determina regras específicas para a proteção destes produtos. Estas
regras estão dispostas no artigo 23 do Acordo TRIPs:
ART.23 - 1 - Cada Membro proverá os meios legais para que as partes
interessadas possam evitar a utilização de uma indicação geográfica que
identifique vinhos em vinhos não originários do lugar indicado pela
indicação geográfica em questão, ou que identifique destilados como
destilados não originários do lugar indicado pela indicação geográfica em
questão, mesmo quando a verdadeira origem dos bens esteja indicada ou
a indicação geográfica utilizada em tradução ou acompanhada por
expressões como "espécie", "tipo", "estilo", "imitação" ou outras similares.
2 - O registro de uma marca para vinhos que contenha ou consista em uma
indicação geográfica que identifique vinhos, ou para destilados que
contenha ou consista em uma indicação geográfica que identifique
destilados, será recusado ou invalidado, "ex officio", se a legislação de um
Membro assim o permitir, ou a pedido de uma parte interessada, para os
vinhos ou destilados que não tenham essa origem.
3 - No caso de indicações geográficas homônimas para vinhos, a proteção
será concedida para cada indicação, sem prejuízo das disposições do
parágrafo 4 do artigo 22. Cada Membro determinará as condições práticas
pelas quais serão diferenciadas entre si as indicações geográficas
homônimas em questão, levando em consideração a necessidade de
assegurar tratamento eqüitativo aos produtores interessados e de não
induzir a erro os consumidores.
4 - Para facilitar a proteção das indicações geográficas para vinhos,
realizar-se-ão, no Conselho para TRIPS, negociações relativas ao
estabelecimento de um sistema multilateral de notificação e registro de
50
indicações geográficas para vinhos passíveis de proteção nos Membros
participantes desse sistema.
Neste contexto, a doutrina exemplifica alguns casos relevantes como o do
“Champagne” que é utilizado para indicar que um tipo especial de vinho espumante
é proveniente da região de Champagne, na França. Ressalte-se que a indicação
geográfica é mais utilizada para a proteção de bebidas e vinhos, contudo pode-se
verificar que as indicações geográficas também são utilizadas para outros produtos,
como, por exemplo, o tabaco de Cuba, os queijos Roquefort. Ainda há o caso da
Cachaça. Neste sentido, Denis Borges Barbosa78 destaca que o Decreto n.
4.062/2001 define as expressões "cachaça", "Brasil" e "cachaça do Brasil" como
indicações geográficas e dá outras providências. O nome geográfico "Brasil"
constitui indicação geográfica para cachaça (sem prejuízo de usá-lo em conexão
com outros produtos ou serviços), para os efeitos da Lei de Patentes e do Acordo
TRIPs.
Outro ponto a ser esclarecido quanto às indicações geográficas, está
relacionado em distinguir dois termos, “indicações geográficas” e “origem.” Para
diferenciar estes dois termos, vale o mesmo exemplo acima mencionado, o da
cachaça. Quando se lê: “Fabricado no Brasil”, o consumidor logo identifica a
procedência do produto. No caso da origem, esta é mais específica, pois envolve
fatores naturais (produção de cana de açúcar). A idéia central no caso da origem diz
respeito às qualidades e características próprias daquela região. Assim, todas as
denominações de origem são indicações geográficas, contudo nem todas as
denominações geográficas são de origem79.
3.4. Desenhos industriais
O Acordo TRIPs confere proteção aos desenhos industriais. Verifica-se,
portanto, que esta proteção está estritamente relacionada à utilização de desenhos
78
BARBOSA,
Denis
Borges.
Indicações
geográficas.
Disponível
em:
<http://denisbarbosa.addr.com/98.doc>. Acesso em: 13 mar. 2008.
79
CURSO GERAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
MINISTRADO PELA WIPO. Disponível em: <http//www.direitocultural.com.br/arquivos/module5.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2008.
51
industriais com fins comerciais. Ademais, esta proteção tem por finalidade impedir
terceiros, sem autorização, de produzir, vender ou importar artigos que ostentem ou
incorporem um desenho que constitua uma cópia, ou seja, substancialmente uma
cópia do desenho protegido. A proteção será, no mínimo, de 10 anos, conforme
disposto no art. 26 80 do Acordo TRIPs.
O artigo 25 do Acordo TRIPs determina alguns requisitos para a proteção de
desenhos industriais, nos quais estão incluídos o requisito da novidade e
originalidade, bem como a necessidade de que não se dificulte, injustificavelmente , a
possibilidade de buscar e de obter essa proteção.
3.5. Patentes
Primeiramente, convém compreender o significado do termo patente. Uma
patente, na sua formulação clássica, é uma concessão, conferida pelo Estado, que
garante ao seu titular a propriedade de explorar comercialmente a sua criação
industrial. Em contrapartida, é disponibilizado acesso ao público sobre o
conhecimento dos pontos essenciais do invento dotado de novidade. Conforme
Denis Borges Barbosa81, uma patente confere, ao titular, o direito único de evitar que
terceiros sem seu consentimento produzam, usem, coloquem à venda, vendam ou
importem, com esses propósitos, o produto obtido diretamente por aquele processo
industrial objeto de proteção. Mônica Steffen Guise82 destaca que o Acordo TRIPs:
80
O art. 26 do Acordo TRIPs dispõe: “1 - O titular de um desenho industrial protegido terá o direito de
impedir terceiros, sem sua autorização, de fazer, vender ou importar artigos que ostentem ou
incorporem um desenho que constitua uma cópia, ou seja, substancialmente uma cópia, do desenho
protegido, quando esses atos sejam realizados com fins comerciais. 2 - Os Membros poderão
estabelecer algumas exceções à proteção de desenhos industriais, desde que tais exceções não
conflitem injustificavelmente com a exploração normal de desenhos industriais protegidos, nem
prejudiquem injustificavelmente o legítimo interesse do titular do desenho protegido, levando em
conta o legítimo interesse de terceiros. 3 - A duração da proteção outorgada será de, pelo menos, dez
anos.
81
BARBOSA, 2003b, p. 206.
82
GUISE, Mônica Steffen. O requisito de exploração local do objeto da patente: uma análise da
legislação no contexto internacional. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Org.). Propriedade
intelectual: Estudos em homenagem à professora Maristela Basso. Curitiba: Editora Juruá, 2005, p.
156.
52
(...) ao estabelecer níveis mínimos de proteção dos direitos de propriedade
intelectual, cria um novo marco para as patentes de invenção: sua
finalidade parece afastar-se do incentivo tecnológico à indústria nacional e
aproximar-se cada vez mais da participação ativa do Estado no comércio
internacional sem receber inovações para os agentes econômicos locais.
Diante desta definição, cabe verificar quais tipos de inventos são passíveis
de proteção do TRIPs .
3.5.1. Matéria patenteável
O artigo 27 do artigo TRIPs dispõe que não apenas os produtos, mas os
serviços também são objeto de proteção do Acordo. Ademais, esta proteção
estende-se a todos os setores tecnológicos. Para que haja a efetiva proteção às
patentes, alguns requisitos são necessários, dentre os quais destacam-se: a
novidade da invenção, que a invenção envolva um passo inventivo e ela seja
passível de aplicação industrial. A patente concedida a determinado país-membro
deverá ser utilizada sem qualquer discriminação quanto ao local da invenção, ao
setor tecnológico ou ainda em relação à importação ou produção local. Neste
contexto, cabe lembrar o artigo 27, § 1º, 83 do Acordo TRIPs no que se refere à
proteção conferida aos inventos. Não obstante, este dispositivo deve ser analisado
em observância aos artigos 65, §4º84, 70, § 8º85 e 27, § 3º86 do Acordo TRIPs. Por
83
A primeira parte do art. 27, §1º, dispõe sobre os requisitos de proteção às invenções: “1 - Sem
prejuízo do disposto nos parágrafos 2º e 3º abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo,
em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo
inventivo e seja passível de aplicação industrial”.
84
Art. 65 do Acordo TRIPs: “4 - Na medida em que um país em desenvolvimento Membro esteja
obrigado pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos a setores tecnológicos que
não protegia em seu território na data geral de aplicação do presente Acordo, conforme estabelecido
no parágrafo 2º, ele poderá adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos da Seção 5
da Parte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional de cinco anos”.
85
Art. 70 do Acordo TRIPs: “8 - Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo
Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem aos produtos
químicos para a agricultura em conformidade com as obrigações previstas no art.27, esse Membro: a)
não obstante as disposições da Parte VI, estabelecerá, a partir da data de entrada em vigor do
Acordo Constitutivo da OMC, um meio pelo qual os pedidos de patente para essas invenções possam
ser depositados; b) aplicará a essas solicitações, a partir da data de aplicação deste Acordo, os
critérios de patentabilidade estabelecidos neste instrumento como se tais critérios estivessem sendo
aplicados nesse Membro na data do depósito dos pedidos, quando uma prioridade possa ser obtida e
seja reivindicada, na data de prioridade do pedido; e c) estabelecerá proteção patentária, em
53
outro lado, o Acordo TRIPs veda exclusões legais em função da área tecnológica
objeto de proteção. Denis Borges Barbosa 87, com base no artigo 27, destaca quatro
exceções a estas regras, pelas quais os países-membros podem excluir patentes
quando estas forem contrárias à ordem pública ou à moralidade, inclusive para
proteger a vida e saúde humana, animal ou vegetal, ou para evitar sério prejuízo ao
meio ambiente; métodos de diagnóstico, de tratamento e de cirurgia, animal ou
humana; animais que não sejam microorganismos; plantas que não sejam
microorganismos. Quanto às variedades de plantas, deve haver um sistema de
proteção específica.
3.5.2. Licença compulsória e exploração local de patente
Ao regulamentar as licenças compulsórias na lei interna, vários países
trazem, como fundamento de uma patente, a exploração local da mesma. Em
relação à análise das licenças compulsórias por falta de exploração local no âmbito
do Acordo TRIPs, há duas correntes doutrinárias divergentes quanto à cláusula não
discriminatória.
Em conformidade com o ensinamento de Carlos Correa 88, a licença
compulsória é uma “autorização outorgada por autoridade nacional competente, sem
conformidade com este Acordo, a partir da concessão da patente e durante o resto da duração da
mesma, a contar da data de apresentação da solicitação em conformidade com o art. 33 deste
Acordo, para as solicitações que cumpram os critérios de proteção referidos na alínea "b" acima. 9 Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com o
parágrafo 8.a, serão concedidos direitos exclusivos de comercialização, não obstante as disposições
da Parte VI acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação de
comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto nesse
Membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do
Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e uma patente
concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha obtido à aprovação de comercialização
naquele outro Membro”.
86
Art. 27 do Acordo TRIPs: “3 - Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: a)
métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais;
b) plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para a
produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não
obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja
por meio de um sistema "sui generis" eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste
subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC”.
87
BARBOSA, 2003b, p. 205.
88
CORREA, Carlos M., apud, GUISE, 2005, p. 157.
54
ou contra o consentimento do detentor do título, para exploração de um objeto
protegido por uma patente ou outro direito de propriedade intelectual”.
A primeira corrente doutrinária faz uma interpretação literal de forma que não
há qualquer obrigatoriedade de exploração local de uma patente nas legislações
nacionais. Logo, a licença compulsória não poderia ser baseada no fato de não
haver a exploração local de um produto patenteado. Segundo Mônica Steffen
Guise 89, para esta corrente doutrinária, a cláusula de não-discriminação do Acordo
TRIPs assegura que o titular da patente desfrute de seus direitos de exclusividade
independentemente do local de exploração da invenção.
Por outro lado, Carlos Correa 90 afirma que a previsão de licenças por falta de
exploração se encontra fundamentada no papel tradicional das patentes como
mecanismo para favorecer a industrialização e a transferência de tecno logia. Desta
forma,
para
que
se
garanta
o
desenvolvimento
tecnológico,
haveria
a
obrigatoriedade da exploração local de uma patente. No entendimento de Mônica
Guise 91, temos:
(...) o art. 27.1 refere-se a produtos importados ou produzidos localmente
por terceiros, mas não contempla os produtos do titular da patente. Em
outras palavras, o art.27.1 somente impede a discriminação dos direitos do
titular no que tange a bens importados ou produzidos localmente por
terceiros não autorizados, o que não exclui a concessão de licenças
compulsórias por falta ou insuficiência de exploração do objeto da patente
pelo titular.
3.5.3. Direitos conferidos
Os direitos conferidos estão dispostos no artigo 28 do Acordo TRIPs e devem
ser compreendidos como o direito outorgado, exclusivamente, ao titular de uma
invenção. Os direitos são exclusivos e protegidos pelo Acordo:
89
90
91
GUISE, 2005, p. 163.
CORREA, 1999 apud GUISE, 2005, p.164
GUISE, 2005, op.cit., pp. 164 et seq.
55
a) quando o objeto da patente for um produto, a fim de evitar que terceiros
sem seu consentimento produzam, usem, coloquem à venda, vendam, ou
importem com esses propósitos aqueles bens;
b) quando o objeto da patente for um processo, a fim de evitar que
terceiros sem seu consentimento usem o processo e usem, coloquem à
venda, vendam, ou importem com esses propósitos pelo menos o produto
obtido diretamente por aquele processo.
Além disso, os titulares de patente têm também o direito de cedê-la ou
transferi-la por sucessão e de celebrar contratos de licença.
3.5.4. Exceções aos direitos conferidos
O artigo 30 do Acordo TRIPs determina que os países-membros poderão
conceder exceções limitadas aos direitos exclusivos conferidos pela patente, desde
que elas não conflitem de forma não razoável com sua exploração normal e não
prejudiquem de forma não razoável os interesses legítimos de seu titular, levando
em consideração os interesses legítimos de terceiros.
3.5.5. Outro uso sem autorização do Titular
O uso de patentes sem autorização do titular está diretamente ligado às
licenças compulsórias. O tema sobre licenças compulsórias será aprofundado nos
Capítulos 4 e 5 desta monografia. Contudo, é importante destacar algumas
exigências que o art. 38 do Acordo TRIPs estipula para a concessão de licenças
compulsórias. Denis Borges Barbosa92 destaca:
•
o pedido de licença deve ser considerado individualmente;
•
a licença deverá ser outorgada se se tiver previamente buscado obter
autorização do titular, em termos comerciais razoáveis, quando esses
esforços não tenham logrado êxito num prazo razoável;
•
o alcance da duração da licença será restrito ao objetivo para o qual
foi autorizado e, em se tratando de tecnologia de semicondutores, será
92
BARBOSA, 2003b, p. 206.
56
apenas para uso público não comercial ou para remediar um determinado
procedimento como sendo anticompetitivo ou desleal, após processo
administrativo ou judicial;
•
a licença não será exclusiva;
•
a licença não será transferível, exceto conjuntamente com a empresa
ou parte da empresa que a detém;
•
a licença será autorizada predominantemente para suprir o mercado
interno do Membro que o autorizou;
•
sem prejuízo da proteção adequada dos legítimos interesses dos
licenciados, a licença poderá ser extinta se e quando as circunstâncias que
a propiciaram deixaram de existir e se for improvável que venham a existir
novamente. A autoridade competente terá o poder de rever, mediante
pedido fundamentado, se essas circunstâncias persistem;
•
o titular será adequadamente remunerado nas circunstâncias de cada
licença, levando-se em consideração o valor econômico da autorização;
•
a validade jurídica de qualquer decisão relativa à licença ou à
respectiva remuneração estará sujeita a recurso judicial ou a recurso
administrativo.
O mesmo autor 93 ainda destaca que as exigências acima mencionadas não
são todas aplicáveis para a concessão de licenças compulsórias de interesse
público, para repressão de abusos de patente ou de poder econômico.
3.6. Topografias de circuitos integrados
Os circuitos integrados, “microchips” 94, também são objeto de proteção do
Acordo TRIPs, sob a denominação de topografias. A proteção aos circuitos
integrados foi discutida pela OMPI, por meio de um relatório em que se demonstrava
a impossibilidade de os institutos de proteção já existentes conferirem efetiva
proteção aos circuitos integrados.
93
Denis Borges Barbosa ressalta que: “no caso de licença por interesse público, o requisito de prévia
solicitação de uma licença não é exigido, ainda que a notificação imediata o seja. No caso de licença
para reprimir abuso de poder econômico, deixa de ser aplicável não só essa prévia solicitação,
quanto o requisito de exploração voltada ao mercado doméstico, a proporcionalidade da remuneração
ao valor econômico da licença, e o requisito da limitação temporal – desde que a cessação da licença
pudesse levar à volta do abuso. Por último, é admitida a licença de dependência, para permitir a
exploração de uma patente (segunda patente) que não pode ser explorada sem violar outra patente
(primeira patente)”.
94
“Microchips ” são pequenos aparatos com um circuito eletrônico completo. Funcionam com muitos
transistores e componentes interligados, capazes de realizar diversas funções.
57
Em virtude da necessidade de proteção aos direitos oriundos da criação de
um circuito integrado, em maio de 1989, foi aprovado o Tratado de Washington.
Segundo Denis Borges Barbosa95, “a participação de um pequeno número de
signatários dará eficácia prática ao Tratado”. O que se destaca neste tratado é o
princípio do tratamento nacional da Convenção de Paris.
O Acordo TRIPs incorporou o conteúdo do Tratado de Washington. Ao
circuito integrado, o Acordo TRIPs utiliza aproximadamente o mesmo parâmetro de
licença compulsória aplicado às patentes.
O artigo 37 do Acordo TRIPs dispõe sobre a ilicitude de atos praticados sem
autorização do titular de um circuito integrado que importar, vender ou distribuir por
outro modo uma topografia protegida. O Acordo TRIPs não exigiu o registro da
topografia para fins de proteção, mas se um país -membro decidir exigir o registro de
uma topografia, o prazo de proteção não será inferior a 10 anos a contar do pedido
de registro ou da primeira exploração comercial, onde quer que ocorra. Por outro
lado, se o país -membro decidir por não realizar o registro, as topografias serão
protegidas por um prazo não inferior a dez anos da data da primeira exploração
comercial, onde quer que ocorra.
3.7. Proteção de informação confidencial
Considera-se, como informação confidencial, toda a informação técnica,
comercial e financeira que gera vantagens competitivas para uma organização.
Inclui-se, neste rol, toda informação relacionada com investigação, desenvolvimento,
inovação e propriedade intelectual96.
Quanto à proteção da informação confidencial, para efeitos do Acordo TRIPs,
os membros também deverão proteger informações confidenciais e informações
submetidas a governos ou a agências governamentais. O principal objetivo da
proteção de informações confidenciais é o de evitar que informações que estejam
95
BARBOSA, 2003b, p. 772.
OUTIOR
CONSULTING.
(Disponível
em:
consulting.com/index.php?option=com_content&view=article&id=58:informacaoconfidencial&catid=46:contra-inteligencia&Itemid=83>. Acesso em: 25 mar.2008).
96
<http://outior-
58
legalmente sob o controle de pessoas físicas ou jurídicas sejam divulgadas,
adquiridas ou usadas de maneira contrária a práticas comerciais honestas 97 por
terceiros, sem seu consentimento. A proteção conferida pelo Acordo TRIPs em
relação às informações confidenciais exige que a informação seja secreta (não pode
ser conhecida ou facilmente acessível a pessoas que lidam com o tipo de
informação). E que, por tratar-se de uma informação secreta, tenha valor comercial.
A pessoa responsável pelo segredo da informação deve adotar todas as precauções
para manter a informação confidencial.
3.8. Controle da concorrência desleal
Denis Borges Barbosa, em referência ao artigo 40 do Acordo TRIPs:
O dispositivo declara que há consenso entre os países-membros de que
algumas práticas ou condições de licenciamento relativas a direitos de
propriedade intelectual – quando vierem a restringir a concorrência –
podem afetar adversamente o comércio, trazendo assim à pauta os
acordos da OMC.
Para o Acordo TRIPs, as práticas de concorrência desleal impedem a
transferência e a disseminação de tecnologia. Não obstante, convém lembrar que o
artigo 40 autoriza a lei nacional de um país -membro, sem ofensa ao Acordo TRIPs,
proibir qualquer tipo de disposição inserida em contratos de licença ou similar que
preveja condições ou práticas de licenciamento que possam vir a constituir um
abuso dos direitos de propriedade intelectual.
Testes envolvendo a comercialização de produtos farmacêuticos ou produtos
agrícolas que utilizem novos compostos químicos também são protegidos pelo
Acordo TRIPs. 98
97
O art. 39 do Acordo TRIPs estipula como conduta contrária à prática comercial honesta: “Para os
fins da presente disposição, a expressão ‘de maneira contrária a práticas comerciais honestas’
significará pelo menos práticas como violação ao contrato, abuso de confiança, indução à infração, e
inclui a obtenção de informação confidencial por terceiros que tinham conhecimento, ou
desconheciam por grave negligência, que a obtenção dessa informação envolvia tais práticas.”
98
O art.39, § 3º, do Acordo TRIPs dispõe: “Os Membros que exijam a apresentação de resultados de
testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável, como condição
para aprovar a comercialização de produtos farmacêuticos ou de produtos agrícolas químicos que
59
CAPÍTULO 4. CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO ACORDO TRIPS
4.1. Acesso a remédios essenciais
Um dos principais desafios do Acordo TRIPs no âmbito de proteção à
propriedade intelectual é a necessidade de uma releitura sobre as causas da
dependência tecnológica e de seus efeitos sobre os países pobres. Carol Proner 99
afirma que : “além do subdesenvolvimento, a dependência tecnológica tem gerado
situações extremas de apropriação da vida e da natureza”. No âmbito mundial, o
Acordo TRIPs tem um importante desafio – a saúde pública como direito humano
fundamental. Este tema tem mobilizado Estados, organizações não governamentais
e movimentos sociais em nível internacional a fim de que o tema saúde pública seja
tratado além da ótica, exclusivamente, econômica.
Carol Proner afirma que o termo “medicamento” vincula a parte constitutiva da
saúde humana, pois, em caso de doença grave, o medicamento constitui fator
determinante da existência humana. A autora 100 ainda destaca que:
Ao indivíduo necessitando de medicamento, não lhe cabe escolha senão
buscar formas de aquisição possíveis, seja por ato de aquisição privada
(adquirindo o medicamento) ou por meio da assistência pública, já que ao
Estado cabe o dever de assistência à saúde. Mas não restando
possibilidades por uma dessas duas formas de aquisição, o indivíduo
sofrerá os efeitos da carência de um bem indispensável para sua
integridade enquanto ser humano.
Desde as negociações para a instituição da OMC, os países desenvolvidos
tinham como principal objetivo estender as patentes dos produtos farmacêuticos em
nível mundial, uma vez que, para as indústrias farmacêuticas, as patentes são a
utilizem novas entidades químicas, protegerão esses dados contra seu uso comercial desleal.
Ademais, os Membros adotarão providências para impedir que esses dados sejam divulgados, exceto
quando necessário para proteger o público, ou quando tenham sido adotadas medidas para
assegurar que os dados sejam protegidos contra o uso comercial desleal”.
99
PRONER, Carol. Propriedade intelectual e direitos humanos: sistema internacional de patentes e
direito ao desenvolvimento. Porto Alegre, Sergio Antônio Fabris, 2007, p. 344.
100
Idem, pp. 344, et seq.
60
forma mais importante de propriedade intelectual. Neste contexto, destaca-se a
posição dos Estados Unidos em levar as discussões sobre propriedade intelectual
não à OMPI, mas à OMC. A OMPI não pode obrigar seus países-membros a colocar
em prática os princípios que ela defende, enquanto à luz da OMC, os paísesmembros, ao aderirem a seu Acordo Constitutivo passam a ter que cumprir
obrigações, estando sujeitos ao seu sistema de solução de controvérsias. Neste
sentido, Maristela Basso ressalta que “a intenção não era desconsiderar os
trabalhos da OMPI, mas somar-se a ela na tarefa de melhor proteger os direitos de
propriedade intelectual, elevando o tema a outro foro, o Gatt, isto é, vinculando-o ao
comércio internacional” 101.
O tema sobre acesso a medicamentos entrou pela primeira vez na agenda da
OMC em junho de 2001 com base no artigo. 8º, § 1º, do Acordo TRIPs, que dispõe
sobre a possibilidade de os países-membros adotarem medidas para proteger a
saúde pública.102 O debate sobre o acesso aos remédios essenciais pelos países
em desenvolvimento surgiu, primeiramente, do drama vivido pelo povo africano com
a epidemia da AIDS. Países africanos juntamente com a ação de organismos
internacionais e organizações não governamentais, envolvidos com a defesa do
direito universal à saúde, encaminharam ao Conselho do TRIPs, liderados pelo
Zimbábue , um documento requisitando a criação de uma declaração especial na
qual os interesses dos países-membros da OMC sobre saúde pública deveriam
prevalecer sobre os interesses comerciais. Renato Valladares Domingues103 destaca
que “o documento encaminhado ao Conselho defendia a necessidade de interpretar
o Acordo TRIPs em conformidade com os objetivos e obrigações de produtores e
usuários de conhecimento tecnológico de uma forma conducente ao bem-estar
social e econômico”. Por outro lado, os países desenvolvidos, como os Estados
Unidos, Austrália e Canadá, opuseram-se à adoção desta declaração, defendendo a
propriedade intelectual. Para estes países desenvolvidos, a proteção à propriedade
101
BASSO, 2000, apud, DOMINGUES, 2005, p. 29.
Art. 8º do Acordo TRIPs: “l - Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos,
podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o
interesse público em setores de importância vital para seu desenvolvimento sócio-econômico e
tecnológico, desde que estas medidas sejam compatíveis com o disposto neste Acordo”.
103
DOMINGUES, 2005, p. 106.
102
61
intelectual estimula a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos
fundamentais para combater problemas de saúde pública.
Após três dias de longos debates sobre o tema, em novembro de 2001, foi
aprovada a declaração sobre o Acordo TRIPs e Saúde Pública, conhecida como
“Declaração de Doha”. Vale lembrar que a Declaração de Doha não modifica o
Acordo TRIPs, mas regulamenta seu artigo 8º, § 1º.
Algumas reflexões trazidas por Maristela Basso no Seminário “10 anos do
TRIPs: em busca da democratização do acesso à saúde", realizado pela
organização não governamental Médicos sem Fronteiras em 11 e 12 de março de
2004 em São Paulo, merecem destaque. Para Maristela Basso104, com base na
Resolução n. 33/2001 da ONU:
O acesso aos medicamentos essências constitui-se um direito fundamental
da pessoa humana, e os Estado devem abster-se de tomar quaisquer
medidas que negam ou limitam as condições de acesso a tecnologias biofarmacêuticas
empregadas
na
prevenção,
tratamento
das
doenças
pandêmicas ou das infecções.
Não obstante, a mesma autora destacou, dentre outros dispositivos legais, o
artigo 11 da Declaração Americana dos Direitos do Homem, de 1948, que determina
que: “Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada por medidas
sanitárias e sociais relativas à alimentação, roupas, habitação e cuidados médicos
correspondentes ao nível permitido pelos recursos públicos e os da coletividade”.
Renato Valladares Domingues 105 destaca que a Declaração de Doha foi uma
importante vitória dos países em desenvolvimento, uma vez que permite a
flexibilização da interpretação do Acordo TRIPs, além de abrir espaço para a
promoção e desenvolvimento de políticas públicas.
104
BASSO, Maristela. Sistema de direito internacional contemporâneo – proteção da propriedade
intelectual. Disponível em: < http://www.msf.org.br/noticia/basso.ppt>. Acesso em: 24 mar. 2008
105
DOMINGUES, 2005, p.109.
62
Por outro lado, Carol Proner106 afirma que, após cinco anos da Declaração de
Doha, “as normas de propriedade intelectual seguem obstaculizando os esforços
dos países em desenvolvimento para proteger a saúde pública”. A mesma autora107
ainda ressalta que:
Além de não gerar efeitos práticos, a Declaração, mesmo significando, no
campo normativo, uma vitória de países dependentes de tecnologia no
sentido de legalizarem a quebra de patentes para o tratamento de doenças
graves, também não modifica a aplicação generalizada das regras de
propriedade intelectual sobre a esmagadora maioria dos produtos
farmacêuticos disponíveis no mercado.
Pode-se verificar a estreita relação entre “patentes de medicamentos” e
“direitos humanos”. Contudo, ao se fazer uma análise do artigo. 27, § 1º, do Acordo
TRIPs, verifica-se que este deu ampla proteção em todos os setores tecnológicos:
Art. 27, § 1º - Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º e 3º abaixo,
qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores
tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo
inventivo e seja passível de aplicação industrial
Outro desafio do Acordo TRIPs em relação aos medicamentos está em
garantir aos países em desenvolvimento o efetivo acesso aos medicamentos a partir
previsto no artigo 27, §2º108, do Acordo TRIPs, haja vista que a maioria dos países
em desenvolvimento, mesmo que utilizem o instituto da licença compulsória para
“quebrar” patente, não têm capacidade industrial para fabricar os medicamentos
necessários para suprir suas necessidades. Neste sentido, basta observar o quadro
em anexo para constatar que, mesmo com a flexibilidade conferida pelo Acordo
106
PRONER, 2007, p. 353.
Idem, p. 352.
108
O art. 27, § 2º, do Acordo TRIPs traz a seguinte redação: “Os Membros podem considerar como
não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a
ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal
ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas
porque a exploração é proibida por sua legislação”.
107
63
TRIPs para que os países-membros estabeleçam medidas de proteção à saúde
pública, a grande maioria destes apenas possui capacidade reprodutiva para
produtos acabados de ingredientes importados. Isto corrobora o posicionamento de
Carol Proner, no sentido de que a Declaração de Doha não gera efeitos práticos.
O
grande
problema
no
acesso
a
medicamentos
por
países
em
desenvolvimento deve-se ao fato de que muitos países não possuem recursos para
comprar medicamentos patenteados e, menos ainda, capacidade tecnológica para
fabricá-los. Diante deste fato, os países em desenvolvimento não têm alternativa,
senão a importação de medicamentos genéricos por países também em
desenvolvimento, mas com maior capacidade tecnológica.
Diante deste fato, o
Acordo TRIPs prevê, no artigo 31, “f”, a autorização do uso de patentes para suprir o
mercado interno do Membro. Por outro lado, tem-se o artigo 65, § 4º, do mesmo
Acordo que previa a possibilidade de adiar a aplicação das disposições sobre
patentes por um período de cinco anos.
Levando-se em consideração que o Acordo TRIPs entrou em vigor em 2000,
os países em desenvolvimento teriam até 1º de janeiro de 2005 para produzirem
medicamentos sem a autorização do respectivo titular de direitos. Surge, assim, um
dos maiores problemas debatidos na Declaração de Doha, visto que, após o período
cinco anos, os países em desenvolvimento teriam que adotar o licenciamento
compulsório para as patentes cuja proteção continuasse em vigor.
Verifica-se, pois, que o prazo de transição estipulado pelo Acordo TRIPs
prejudicou os países em desenvolvimento sem capacidade tecnológica para a
produção de medicamentos. Para que um país -membro utilize a
licença
compulsória, ele deve cumprir alguns requisitos previstos no artigo 31 do Acordo
TRIPs. 109
109
O art. 31 do Acordo TRIPs determina: “Quando a legislação de um Membro permite outro uso do
objeto da patente sem autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros
autorizados pelo Governo, as seguintes disposições serão respeitadas: a) a autorização desse uso
será considerada com base no seu mérito individual; b) esse uso só poderá ser permitido se o usuário
proposto tiver previamente buscado obter autorização do titular, em termos e condições comerciais
razoáveis, e que esses esforços não tenham sido bem sucedidos num prazo razoável. Essa condição
pode ser dispensada por um Membro em caso de emergência nacional ou outras circunstâncias de
extrema urgência ou em casos de uso público não comercial”.
64
Não obstante, outras dificuldades de acesso a medicamentos podem ser
analisadas no § 6º da Declaração de Doha, dentre elas a notificação ao Conselho do
TRIPs, especificando o produto, quantidade e prova de insuficiência ou inexistência
de setor produtivo do objeto patenteado. Ainda sobre o mesmo parágrafo da
Declaração de Doha, Carol Proner 110 destaca que a implementação do § 6º quanto à
licença compulsória concedida pelo país -membro deve seguir os seguintes
requisitos:
•
poderá ser produzida apenas a quantidade necessária para suprir a
necessidade do(s) país(es)-membro(s) importador (es) elegível( eis);
•
a totalidade da produção deverá ser exportada mediante prévia
notificação do exportador ao Conselho do TRIPs;
•
os produtos produzidos pela licença compulsória deverão ser
identificados com sinais e marcas específicas;
•
os fornecedores também deverão providenciar a distinção dos
produtos licenciados por meio de embalagens especiais e/ou cores ou
formas distintas e que estas distinções produzam um impacto substancial
no preço;
•
o
licenciador
deverá
disponibilizar,
em
um
sítio
eletrônico,
informações sobre a quantidade de produtos fornecidos a cada destinatário
e características que identificam os produtos.
Percebe-se, portanto, que tais exigências dificultam cada vez mais a
utilização de licenças compulsórias por países em desenvolvimento. Além destas
exigências, os países desenvolvidos vêm exercendo grande pressão internacional
no sentido de se criar uma lista de doenças a fim de restringir a aplicação da licença
compulsória.
Outra questão que merece destaque quanto ao efetivo acesso aos
medicamentos por países em desenvolvimento diz respeito aos inúmeros tratados
de livre comércio bilaterais e regionais realizados entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento a fim de inviabilizar a utilização da flexibilidade adotada pelo
Acordo TRIPs. Neste sentido, Gabriela Costa Chaves 111 destaca:
110
PRONER, 2007, p.362.
65
Esse cenário confirma o que Jorge (2004) chama de estratégia
tridimensional adotada pelos países desenvolvidos para elevar o padrão de
proteção da propriedade intelectual, que foi implantada em 3 estágios: o
primeiro ocorreu no nível global, que constitui em incluir o tema
propriedade intelectual na Rodada Uruguai, a qual culminou com a
assinatura do Acordo TRIPs; o segundo se deu no nível regional e
compreendeu as negociações sub-regionais de acordos de livre comércio,
como NAFTA e CAFTA; enquanto o terceiro está sendo realizado no nível
bilateral, com diversos acordos assinados entre os Estados Unidos e
países como Chile, Jordânia, Cingapura e outros. Tal estratégia tem com
clara finalidade favorecer os interesses das empresas sediadas nos países
desenvolvidos.
Os EUA vêm negociando uma série de acordos comerciais bilaterais ou
regionais para enfraquecer ou, até mesmo, anular os efeitos da Declaração
de Doha sobre TRIPs e saúde pública (...). O exemplo mais severo
encontra-se na Área de Livre Comércio das Américas – ALCA – que, como
proposta, prevê limites circunstanciais sob os quais licenças compulsórias
podem ser emitidas, limites às importações paralelas, direitos exclusivos
sobre testes de produtos farmacêuticos. Além da ALCA, os EUA estão
negociando
atualmente
acordos
com
a
Costa
Rica,
El
Salvador,
Guatemala, Honduras e Nicarágua (na América Central), República
Dominicana, União Aduaneira da África Austral (Botsuana, Lesoto, África
do Sul e Suazilândia), Marrocos, Bahraina e Austrália, e em todos os
países procura acordar um TRIPs-plus, abandondo os compromissos que
assumiram com a Declaração de Doha.
112
Nestes termos, cabe ao Acordo TRIPs possibilitar que os países em
desenvolvimento não sejam alvo de excessiva limitação na utilização da licença
compulsória. Cabe, portanto, aos países em desenvolvimento não permitirem tal
limitação e que, assim, o equilíbrio nas relações comerciais seja mantido atendendo
às necessidades sociais das populações mais carentes.
111
CHAVES, Gabriela e OLIVEIRA, Maria Auxiliadora. Direitos de propriedade intelectual e acesso a
medicamentos. In: REIS, Renata; TERTO JUNIOR, Veriano; PIMENTA, Cristina; e MELLO, Fátima
(Orgs.). Propriedade intelectual: agricultura, software, direito autoral e medicamentos: interfaces e
desafios. Rio de Janeiro: Abia, 2007, p. 47.
112
Idem, p. 348.
66
Diante da incapacidade de vários países em desenvolvimento em produzir
medicamentos genéricos, foi incluída, na Declaração de Doha , a necessidade de o
Conselho do TRIPs encontrar uma solução para que os países possam ter acesso a
remédios genéricos por meio da licença compulsória prevista no Acordo TRIPs. Vale
ressaltar que o país outorgante de licença compulsória para a fabricação de
remédios genéricos deve criar condições de mercado e escala de produção
favorável para os fabricantes interessados, visto que, em alguns casos, mesmo que
o país tenha capacidade tecnológica para a produção de genéricos, pode ser
economicamente inviável. Neste diapasão, Carlos Correa113 observa que a
Declaração de Doha tem como objetivo a promoção do acesso a todos os
medicamentos. Contudo, o mesmo autor destaca:
This objective would not be achieved if low-priced medicines (and other
health-care
products)
could
not
be
produced
because
meaningful
economies of scale were out of reach. A “solution” under paragraph 6 may
be illusory if it does not benefit countries where manufacturing may be
technically feasible but not economically viable
114
.
Não obstante, outras dificuldades de acesso a medicamentos podem ser
enumeradas, dentre elas a notificação ao Conselho do TRIPs, especificando o
produto, quantidade e prova de insuficiência ou inexistência de setor produtivo do
objeto patenteado.
Consoante Renato Vallares Domingues 115, decisões
adotadas
pelo
Conselho do TRIPs representam um retrocesso em relação às conquistas da
Declaração
de Doha para o acesso a medicamentos pelos países em
desenvolvimento, uma vez que impõem inúmeros obstáculos para a exportação de
medicamentos genéricos. É de grande interesse da indústria farmacêutica
113
CORREA, Carlos M. Implications of the Doha Declaration on the TRIPs Agreement and public
health. Disponível em: <http://www.who.int/medicines/areas/policy/WHO_EDM_PAR_2002.3.pdf>.
Acesso em: 17 mar. 2008, p. 35.
114
Tradução livre da autora: “Este objetivo poderia não ser atingido se os medicamentos de baixo
custo (e outros produtos para a saúde) não pudessem ser produzidos por causa das escalas
econômicas inatingíveis. Uma ‘solução’ à luz do parágrafo 6º poderia ser ilusória se não beneficiar
países onde a manufatura possa ser tecnicamente viável, mas não economicamente viável”.
115
DOMINGUES, 2005, p. 121.
67
desestimular o uso do sistema de licenças compulsórias e, conseqüentemente,
restringir a produção de medicamentos genéricos.
4.2. Programas de computador
Para uma melhor compreensão da proteção conferida pelo Acordo TRIPs
para os programas de computador, fazem-se necessárias algumas breves
considerações acerca da importância econômica deste bem imaterial para o
comércio internacional.
O século XXI tem como forte característica o desenvolvimento tecnológico,
principalmente a tecnologia informática. É possível, hoje, o acesso à informática por
pessoas de todas as idades e de diferentes classes sociais. Contudo, um
computador não funciona apenas com sua parte física, conhecida como “hardware”.
É imprescindível um programa de computador para que um computador funcione, o
“software”. A grande discussão sobre o tema “programas de computador” está
fundamentada pelo fato deste ser um produto de fácil acesso, extremamente
vulnerável à pirataria. As indústrias informáticas investem crescentemente no
desenvolvimento de softwares cada vez mais sofisticados.
À medida que os programas de computadores ficam mais sofisticados,
também um mercado paralelo de pirataria desenvolve-se a fim copiar os novos
programas de computador e vendê-los a preços inferiores ao preço de mercado. Isto
se dá pela sua fragilidade e facilidade que se tem em ocultá -los. Roberto Chacon de
Albuquerque 116 exemplifica os programas de computador da Microsoft que, por
terem altos índices de aceitação por povos de todo o mundo, inclusive por pessoas
menos escolarizadas, são alvos prioritários da pirataria devido à sua maior utilização
nas mais variadas sociedades.
Em decorrência da importância dos programas de computador atualmente,
viu-se a urgente necessidade de conferir-lhes uma proteção jurídica. Neste conte xto,
116
ALBUQUERQUE, 2006, p. 57.
68
o debate sobre a proteção dos programas de computador foi uma das pautas
fundamentais da Rodada Uruguai resultando na adoção do Acordo TRIPs,
conjuntamente com outros fatores. Dentro desta conjuntura, um dos desafios do
atual Acordo TRIPs é garantir a proteção a esses bens imateriais, os programas de
computador.
Os programas de computador são objeto de proteção do Acordo TRIPs, pois
este incorpora, em seu texto, os termos da Convenção de Berna para direitos
autorais, classificando os programas de computador, “softwares”, como obra literária.
Neste contexto, Roberto Chacon de Albuquerque 117 afirma que uma vez que o
Acordo TRIPs estabelece a proteção dos programas de computador na categoria
das obras intelectuais, há o favorecimento do fomento da criatividade na indústria
informática. Ademais, a proteção conferida pelo Acordo TRIPs aos programas de
computador permitiu que seu enquadramento jurídico fosse assegurado.
Neste contexto, o artigo 10, § 1º, do Acordo TRIPs determina que “os
programas de computador, em código fonte ou objeto, são protegidos como obras
literárias pela Convenção de Berna (1971)”. Vale relembrar aqui os requisitos para a
proteção de uma obra intelectual, como a originalidade (uma marca individual do
autor), expressa concretamente (materialização) e a criatividade (ampla liberdade de
criação do autor).
117
Idem, p. 81.
69
CAPÍTULO 5. ACORDO TRIPS E EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
5.1. Patentes farmacêuticas
O debate existente sobre patentes farmacêuticas é um assunto intrigante do
ponto de vista da proteção à propriedade industrial e do direito constitucional de
acesso à saúde. Carol Proner 118 afirma que os direitos de propriedade intelectual,
uma vez que são, primeiramente, direitos de propriedade vinculados ao rol dos
direitos fundamentais da Constituição brasileira, sofrem limitações em decorrência
do interesse social e da utilidade pública119.
Atualmente, o Brasil está entre os maiores mercados farmacêuticos do
planeta e é responsável por crescentes vendas de medicamentos. O Brasil é um
país que merece destaque internacionalmente quanto às discussões relacionadas às
patentes farmacêuticas e uso de licenças compulsórias. Em 1995, momento em que
o Brasil ratificou o Acordo TRIPs, o país teve um período de cinco anos para
adequar-se às normas deste Acordo. Contudo, vários doutrinadores, dentre eles
Bruno Falcone 120, destacam a imprudência de o Brasil ter antecipado a adequação
de sua legislação interna conforme os dispositivos do Acordo TRIPs. Preocupado
em adequar sua legislação de propriedade industrial com as normas internacionais,
o Congresso brasileiro, aprovou a Lei n. 9279/96 (Lei de Patentes).
Carol Proner 121 afirma que o processo de mudança na legislação brasileira se
deve, originalmente, em decorrência da pressão americana pela imposição das
sanções unilaterais, por meio da aplicação da Seção 301 do Trade Act, tema
118
PRONER, 2007, p. 139.
Art. 5º, inciso XXIII, da Constituição brasileira: “A propriedade atenderá a sua função social; XIV: A
lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos
nesta Constituição”.
120
FALCONE, BRUNO. Questões controversas sobre patentes farmacêuticas no Brasil.
In:CARVALHO, Patrícia Luciane de (Org.). Propriedade intelectual: Estudos em homenagem à
professora Maristela Basso. Curitiba: Editora Juruá, 2005, pp. 213 et seq.
121
PRONER, 2007, p. 133.
119
70
abordado no Capítulo I desta monografia. Patrícia Aurélia Del Nero 122 também
corrobora o pensamento de Carol Proner ao afirmar que o Projeto de Lei n. 824/91
teria sido encaminhado pelo Congresso Naciona l em regime de urgência devido às
pressões internacionais. Em particular, sanções a serem impostas pelos Estados
Unidos ao Brasil com fulcro na Seção 301 do Trade Act.
Para efetivar o acesso a medicamentos, o uso de licença compulsória é o
mecanismo mais eficaz adotado pelo Brasil na redução dos preços de
medicamentos a fim de viabilizar o acesso da população mais carente a
medicamentos essenciais. Conforme já abordado no Capítulo IV, a licença
compulsória é uma autorização outorgada para uma invenção protegida por
patentes. Neste caso, medicamentos. Sua concessão é feita por autoridade
nacional, com ou sem autorização do detentor do direito à patente.
A licença compulsória, também conhecida como “quebra de patentes”, foi
regulamentada na Rodada Uruguai com a aprovação do Acordo TRIPs, no art. 31. A
Lei n. 9279/96, artigo 68, § 1º, prevê algumas hipóteses de outorga de licença
compulsória. Dentre elas, destacam-se: a não-exploração do objeto da patente em
território brasileiro, falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou a
falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os caso de inviolabilidade
econômica, quando será admitida a importação. Ademais, o artigo 71, caput, da
referida lei possibilita a licença temporária e não exclusiva 123 para a exploração da
patente em casos de emergência.
Verifica-se, diante de todas as exigências que a lei brasileira impõe para a
concessão de licença compulsória, que o grande desafio do Acordo TRIPs é permitir
aos países em desenvolvimento adotar licenças compulsórias a fim de garantir o
acesso a medicamentos essenciais, visto que , além de todas as exigências contidas
122
DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia. 2ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.118.
123
Doutrinadores como, Patrícia Aurélia Del Nero, defende que não há exclusividade para o uso
licença compulsória de patentes. Assim, um país que não tem capacidade produtiva para produzir um
determinado medicamento, ao fazer uso da licença compulsória, nada o impediria de buscar outro
país-membro para produzir o referido medicamento, desde que seja para uso interno do país que fez
uso da licença compulsória.
71
na lei, a cada nova negociação sobre acesso a medicamentos os países
desenvolvidos apresentam novos requisitos para a concessão de tais licenças,
requisitos estes que Carol Proner 124 entende como sendo burocráticos e
protelatórios.
Merece destaque o caso brasileiro do Programa Nacional de Combate a
Doenças Sexualmente Transmissíveis/ AIDS, lançado em 1997. Na ocasião, o país
utilizou-se do previsto no Acordo TRIPs para o uso de licenças compulsórias. Vale
ressaltar que, embora este programa seja considerado como modelo internacional, o
programa brasileiro de combate a DST/AIDS sofreu duras críticas pelo Banco
Mundial e especialistas estrangeiros ao afirmarem que o Brasil não conseguiria
manter o programa por muito tempo, pois tratava-se
economicamente suicida, insustentável.
de
um
programa
125
A base legal do programa de brasileiro de combate à AIDS encontra respaldo,
primeiramente, na própria Constituição Federal de 1988 e foi, em verdade, um
grande clamor social no combate à AIDS. Já no final dos anos 80, momento em que
o anti-retroviral AZT começou a ser utilizado no tratamento de AIDS, o governo
brasileiro respondeu a inúmeras ações judiciais de pacientes reivindicando acesso a
este medicamento, o que estimulou o governo brasileiro a adotar uma decisão sobre
o compromisso constitucional de atendimento à saúde.
organizações não governamentais uniram-se
para
Sociedade civil e
garantir
o
acesso
aos
medicamentos anti-retrovirais.
Ressalte -se que, em decorrência da decisão política do governo brasileiro em
produzir o AZT já a partir de 1993, o Brasil passou a integrar desde o ano de 1991 a
conhecida “prioritary watch list” americana. Em 1999, sem recursos financeiros para
a saúde, e com o crescente número de cidadãos brasileiros enfermos e
necessitados do medicamento contra a AIDS, o país só tinha uma alternativa, o
aumento da produção de medicamentos genéricos. Assim, em 1999, por meio do
Decreto n. 3.201/99, o país anunciou o uso de licenças compulsórias de patentes
124
125
PRONER, 2007, p. 362.
Idem, p. 366.
72
para a produção de medicamentos genéricos, alegando, para tanto, emergência
nacional e interesse público.
Em 2000, os laboratórios brasileiros já fabricavam sete dos doze
medicamentos de combate à AIDS. O exemplo do programa brasileiro ganhou
destaque internacional, principalmente por causa dos inúmeros casos de AIDS na
África.
É de bom alvitre ressaltar que, em 2001, os Estados Unidos interpuseram
uma reclamação no Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC contra o Brasil.
Por esta reclamação, os Estados Unidos alegaram que a Lei de Patentes brasileira,
artigo 68, violava as disposições do Acordo TRIPs, pois impedia o detentor da
patente de desenvolver seus produtos no Brasil. O Brasil comunicou os Estados
Unidos, antes de fazer uso de licença compulsória. Os Estados Unidos, por sua vez,
retiraram a reclamação contra o Brasil.
Merece destaque o posicionamento do governo brasileiro em anunciar, em
2001, a licença compulsória da patente do medicamento Nelfinavir da empresa suíça
Hoffman-La Roche, após seis meses de negociação. A repercussão do anúncio da
“quebra de patante” fez com que a empresa reduzisse significativamente o preço do
medicamento. Fato é que, diante do sucesso do programa brasileiro de combate à
AIDS, bem como da necessidade de os países em desenvolvimento terem acesso a
medicamentos com valores mais baratos, 52 países, excetuando os Estados Unidos
uniram-se na busca de uma solução para a questão do acesso aos medicamentos,
fazendo surgir, assim, a Declaração de Doha, tema já tratado nesta monografia.
Em 2003, foi reeditado o artigo 5º do Decreto n. 3.201/99, passando a vigorar
o Decreto n. 4.830/03, pelo qual ficou estabelecida a possibilidade da
obrigatoriedade de o titular da patente transmitir as informações necessárias e
suficientes à efetiva reprodução da respectiva invenção.
73
O Acordo TRIPs confere liberdade aos países-membros para adaptar suas
legislações conforme suas peculiaridades, tanto que, no caso brasileiro, tem-se a Lei
dos Genéricos. 126
5.2. Patentes biotecnológicas
O homem com sua inteligência é uma fonte inesgotável de criatividade e
inovação. É da capacidade do ser humano de sempre inovar que surge a
biotecnologia como um meio de produção de novos produtos e de novos processos
de produção com valor econômico para a indústria, para a ciência e para a
sociedade. Merece destaque neste setor o Brasil, por ser um dos maiores
possuidores da biodiversidade em todo o mundo. A proteção à biodiversidade
brasileira está expressa no artigo 18 do Projeto de Lei n. 824/91, que dispõe não
serem patenteáveis os seres vivos, excetuando os microorganismos.
Fato é que ao se fazer uma leitura dos dispositivos da legislação brasileira
sobre propriedade industrial, observa-se com freqüência imediatamente a dificuldade
do operador de direito em compreender os termos empregados pelo legislador.
Termos estes próprios da biologia. De qualquer sorte, Patrícia Aurélia del Nero 127
assevera que o legislador pátrio objetivou criar uma regra que impedisse a
concessão de patentes para seres vivos, excetuando a possibilidade de
patenteamento para microorganismos. Esta possibilidade deve ser interpretada à luz
do artigo 10, IX, do Projeto de Lei n. 824/91, que só admite o patenteamento de
microorganismos “engenheirados” (que tenham sofrido a intervenção do homem em
elemento
natural),
ou
transgênicos
(microorganismos
que
tenham
sofrido
modificações genéticas pelo homem).
Neste contexto, fácil é a compreensão do não patenteamento de seres vivos,
pois um dos requisitos da patente é a descoberta e a invenção e, por conseguinte,
os microorganismos naturais não estão incluídos neste rol. Por outro lado, a partir do
126
A Lei n. 9.787/99 regulamenta o programa de medicamentos genéricos no Brasil e tem como
finalidade a implantação de uma política constante de acesso a medicamentos mais baratos para
tratamentos no país. Os registros destes medicamentos possuem critérios técnicos semelhantes aos
adotados pelos Estados Unidos e Canadá.
127
DEL NERO, 2005, p. 145.
74
momento em que os microorganismos sofrem algum processo microbiológico a fim
de ter-se aplicação industrial, estes microorganismos podem ser patenteados por
serem considerados invenções. Contudo, a grande discussão sobre as patentes
biotecnológicas no Brasil está relacionada com os microorganismos “engenheirados”
e os microorganismos ausentes da natureza, ou seja - os geneticamente
modificados. Necessário se faz lembrar que houve uma grande discussão no
Congresso
brasileiro
para
que
se
pudesse
regulamentar
o
que
seria
“microorganismo”, inclusive, com posicionamento da Igreja a respeito.
Se, por um lado, há posicionamentos de pesquisadores como o de Carlos
Rossetto 128, no sentido de que o Brasil jamais deve aceitar patentes de
microorganismos, por afirmar que microorganismo é descoberta e não invenção, é
parte integrante da natureza, e patente é incompatível com a vida. Por outro lado, o
Acordo TRIPs não apresenta qualquer objeção às patentes biotecnológicas, se
atendidos os requisitos do patenteamento.
Entretanto, o Acordo TRIPs deixa evidente, no artigo 27, § 3º, “b”, que se
podem considerar como não patenteáveis as plantas e animais, exceto
microorganismos e processos essencialmente biológicos. É sabido que a Lei de
Patentes teve que ser aprovada para que o país não sofresse pressão internacional,
em especial dos Estados Unidos, além de abrir-se mão das prerrogativas de prazo
estabelecidas pelo Acordo TRIPs, tema já abordado nesta monografia. Assim, o
Brasil não debateu no parlamento o tema sobre patentes biotecnológicas como
deveria. Patrícia Aurélia Del Nero129 chama a “construção desordenada promovida
pelo Estado brasileiro do aparato regulamentador da biotecnologia”. Neste contexto,
a Lei de Patentes prevê a concessão de patentes biotecnológicas nos termos do
artigo 10, inciso IX, combinado com o artigo 18, inciso III:
128
129
DEL NERO, 2004, p.154.
DEL NERO, 2005, p.354.
75
Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
(...)
IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos
encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma
ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos
naturais.
Art. 18 - Não são patenteáveis:
(...)
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos
transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e
que não sejam mera descoberta.
Parágrafo único - Para os fins desta lei, microorganismos transgênicos são
organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que
expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição
genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em
condições naturais.
Convém destacar que, mesmo diante de tantas divergências quanto à
proteção de patentes biotecnológicas na legislação brasileira, o Brasil, juntamente
com Índia, África do Sul, China, Colômbia e outros países em desenvolvimento,
apresentou à OMC proposta de emenda ao Acordo TRIPs, para a inclusão do
chamado certificado de procedência legal. Para este certificado, Fernando
Mathias130 assevera que:
O Brasil defende a existência de um regime internacional de acesso a
recursos genéticos que possibilite o cumprimento da legislação nacional do
país de origem do recurso genético por usuários sediados em outros
países. Isso permitiria o rastreamento da cadeia de acesso e uso dos
recursos genéticos, coibindo assim a biopirataria internacional. O principal
mecanismo de implementação do regime internacional é justamente o
certificado de procedência legal, que serviria como uma espécie de
“passaporte” do recurso genético, atestando que o acesso foi feito de forma
legal no país de origem e que os benefícios foram ou serão repartidos justa
e equitativamente
130
MATHIAS, Fernando. Patentes biotecnológicas agora devem comprovar origem e legalidade do
recurso
genético
ou
conhecimento
tradicional
acessado.
Disponível
em:
<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2007-01-03-155009> Acesso em: 22
abr. 2008.
76
Neste contexto, verifica-se mais um desafio ao Acordo TRIPs relacionado ao
comércio internacional, principalmente
quanto
ao
acesso
dos
países
em
desenvolvimento à biotecnologia, pois as possibilidades da criatividade humana são
inesgotáveis. No entanto, à medida em que são transformadas em bens passíveis
de apropriação, tornam-se mercadorias.
77
CONCLUSÃO
Os acordos resultantes da Rodada Uruguai são, de fato, um avanço no
processo de liberalização do comércio internacional, seja por meio da aprovação de
mecanismos institucionais de fiscalização das políticas comerciais nacionais, como
pela aplicação dos acordos firmados no âmbito do Sistema Multilateral de Comércio.
Vale lembrar, contudo, que, apesar de todos os esforços da OMC os
benefícios do comércio internacional não são distribuídos igualitariamente entre os
participantes do Sistema Multilateral de Comércio. Neste sentido, cabe uma reflexão
sobre até que ponto os interesses dos países em desenvolvimento têm sido
atendidos em face dos inúmeros acordos bilaterais que os países desenvolvidos têm
firmado com estes. Acordos que enfraquecem e mitigam as decisões adotadas pela
OMC. Por outro lado, a participação dos países em desenvolvimento no comércio
internacional, em especial os países da América Latina, encontra-se estagnada, uma
vez que os níveis de exportação são baixos, fator principal de desenvolvimento de
uma nação. Se, de um lado, há cada vez mais participação dos países em
desenvolvimento no comércio internacional, esta participação é pouco alvissareira
em decorrência de seu baixo nível de capacitação tecnológica. O Brasil, embora seja
um país em desenvolvimento, ao tornar-se um membro pleno da OMC, teve que
cumprir normas dirigidas a países desenvolvidos quando o assunto é comércio
internacional.
Neste contexto, o Acordo TRIPs tem, como desafio, possibilitar a efetiva
integração dos países em desenvolvimento no comércio internacional, e não apenas
a integração jurídica.
A Declaração de Doha, a Declaração sobre TRIPs e saúde, é considerada
uma vitória dos países em desenvolvimento para a proteção da saúde pública de
seus povos, embora tenha sofrido objeção dos países desenvolvidos. Não devemos
ter uma visão pessimista do futuro do Acordo TRIPs para a propriedade intelectual.
Mas, levando-se em consideração que os países desenvolvidos estão sempre
buscando alternativas para efetivar cada dia mais a proteção de suas indústrias,
78
principalmente a farmacêutica, por meio de novos acordos bilaterais, teme-se que a
Declaração de Doha se enfraqueça e não alcance seus reais objetivos. Ademais,
outro ponto preocupante é o significativo aumento nos preços de medicamentos em
países em desenvolvimento quando findo o prazo de implantação do Acordo TRIPs.
Uma alternativa para os países em desenvolvimento é conferir real efetividade ao
Acordo TRIPs e procurar colocar em prática os compromissos firmados no âmbito da
OMC. No momento que o Brasil anunciou a “quebra” da patente de um medicamento
suíço, a respectiva empresa tratou de negociar e reduzir seu valor.
Ainda que haja desequilíbrios no comércio internacional, é indispensável a
participação dos países em desenvolvimento de forma ativa, a fim de que as
decisões não sejam adotadas na OMC apenas por países desenvolvidos. Sem a
efetiva participação dos países em desenvolvimento na OMC, suas decisões
poderiam ser ainda mais benéficas aos países desenvolvidos.
Neste sentido, não se pode esperar que os países desenvolvidos adotem
decisões para corrigir suas próprias falhas em relação aos países em
desenvolvimento. Pelo contrário, é com a efetiva participação destes últimos que há
a possibilidade de corrigirem-se os desequilíbrios existentes nos Acordos
Constitutivos. Tanto é verdade que foi a pressão dos países em desenvolvimento
que despertou a discussão sobre o acesso a medicamentos, à luz do Acordo TRIPs.
79
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ANEXO 1
CAPACIDADE DE INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
Indústria
Capacidades
farmacêutica
inovativas
sofisticada e base
Capacidades
Reprodutivas –
Ativo
Ingredientes e
de pesquisa
produtos
acabados
Capacidades
ReprodutivasProdutos
acabados de
Ausência de
Indústria
farmacêutica
ingredients
importados
( somente)
Bélgica
Estados Unidos
França
Alemanha
Itália
Japão
Holanda
Suécia
Suíça
Reino Unido
Argentina
Austrália
Áustria
Canadá
China
Dinamarca
Finlândia
Hungria
Índia
Irlanda
Israel
Mé xico
Portugal
República da Coréia
Barramas
Bolívia
Brasil
Bulgária
Cuba
Checoslováquia
Egito
Indonésia
Macau, China
Noruega
Polândia
Porto Rico
Rom ênia
Turquia
África do Sul
Afeganistão
Albânia
Algéria
Angola
Arábia Saudita
Arábia
Bangladeche
Barbados
Belize
Benin
Brunei
Cambodia
Camarões
Cabo Verde
Chile
Colômbia
Costa Rica
Côte d'Ivoire
Chipre
Dominicana
Equador
El Salvador
Etiópia
Fiji
Filipinas
Gâmbia
Gana
Grécia
Guatemala
Guiana
Guiné
Haiti
Honduras
Hong Kong, China
Ilhas Salomão
Irã (Repúbica
Islâmica)
Iraque
Jamaica
Jordânia
Kenia
Kiribati
Kuaite
Lêmen
Lesoto
Líbano
Libéria
Madagascar
Malaui
Andorra
Antigua e Barduda
Antilhas Holandesas
Aruba
Bahrain
Bermuda
Butão
Botsuana
Burkina Faso
Burundi
Catar
Chade
Comores
Congo
Djibouti
Dominica
Faeroe Islands
Guiana Equatorial
Guiana Francesa
Gabão
Groelândia
Grenada
Guadalupe
Guam
Guiné
Guiné-Bissau
Ilhas Cook
Ilhas Virgens
Americanas
Ilhas Virgens
Britânicas
Islândia
Laos
Libyan Arab Jamah.
Listentaina
Luxemburgo
Maldivas
Martinique
Mauritânia
Maiote
Micronésia
Nauru
Nova Caledônia
Niue
Oman
Polinésia Francesa
República Centro
Africana
Reunião
Ruanda
84
Malásia
Mali
Malta
Maurício
Mongólia
Marrocos
Moçambique
Myanmar
Nam íbia
Nepal
Nova Zelândia
Nicaragua
Níger
Nigéria
Paquistão
Panamá
Papuásia Nova
Paraguai
Peru
República Árabe
República
Democrática
dos
povos da Coreia
República
Seichelles
República Unida da
Tanzânia
Serra Leoa
Singapura
Somália
Sri Lanca
Sudão
Síria
Taipei Chinesa
Tailândia
Tonga
Trinidad e Tobago
Tunísia
Uganda
União dos Emirados
Árabes
Uruguai
Venezuela
Vietnã
Zairo
Zâmbia
Zanzibar
Zimbábue
São Cristóvão e
Névis
Santa Lúcia
São Vicente e
Granadinas
Samoa
San Marino
Sao Tome e Príncipe
Senegal
Suriname
Suazilândia
Togo
Tuvalu
Vanuatu
Samoa Ocidental
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Elaine Cristina Mesquita - Universidade Católica de Brasília