UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
PROEX – PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO
PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTAÕ DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM GÊNERO E
RAÇA
ROBSON LAGE FIGUEIREDO
AÇÕES AFIRMATIVAS:
UMA POLÍTICA DE INCLUSÃO NO ENSINO
SUPERIOR
OURO PRETO
2012
Universidade Federal de Ouro Preto
Universidade Aberta do Brasil
PROEX – Pró-Reitoria de Extensão
Programa Educação para a Diversidade
Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raças
AUTOR IA
ROBSON LAGE FIGUEIREDO
AÇÕES AFIRMATIVAS:
UMA POLÍTICA DE INCLUSÃO NO ENSINO
SUPERIOR
Monografia apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação para a Diversidade da
Universidade Federal de Ouro Preto, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Especialista em Gestão de Políticas Públicas
em Gênero e Raças.
Orientadora:
Daniela Oliveira Ramos dos Passos
OURO PRETO
2012
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus pôr ter me permitido alcançar tão valoroso objetivo
em minha vida.
À minha orientadora, Professora Daniela Oliveira Ramos dos Passos, pela orientação
dedicada e por toda confiança que desde o início depositou em mim e neste trabalho,
concedendo-me plena liberdade no desenvolvimento do tema escolhido.
Em especial agradeço às tutoras, Maria das Graças Madureira Ogando e Sueli do
Carmo de Oliveira, pela orientação e por todas as contribuições que recebi ao longo do curso.
À minha amiga, Gislene Aparecida Teixeira de Oliveira, que me apoiou e me ajudou
no desenvolvimento deste trabalho, como ao longo do curso.
À minha esposa, Luciana e à filha Thaís, pelo constante apoio ao longo da minha
caminhada.
A todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização desse trabalho.
Resumo
A desigualdade socioeconômica e principalmente a discriminação racial no Brasil é um dos
principais fatores de exclusão social. No Brasil, a educação superior sempre privilegiou
apenas um segmento étnico. O acesso do negro ao ensino superior seja por discriminação,
preconceito ou fatores econômicos é restringido, sendo a sua representatividade ínfima em
comparação à sua representação no total da população brasileira. Como forma de corrigir esse
disparate que vem sendo adotado, no Brasil, as políticas de ações afirmativas, que têm por
objetivo corrigir as desigualdades de oportunidades. O presente trabalho de pesquisa tem
como objetivo propor uma breve reflexão sobre a política de inclusão para o acesso ao Ensino
Superior, Ações Afirmativas, evidenciando as cotas raciais, em seguida analisa o processo de
implantação do sistema de cotas na UFOP. Assim, as políticas de ação afirmativa figuram,
como um novo ingrediente na luta pela democratização do ensino superior e o sistema de
cotas é um indicativo para a redução das desigualdades sociais ao permitir o acesso de negros
ao ensino superior.
Palavras-Chave: ações afirmativas; sistema de cotas raciais; chances de ingresso; educação
superior.
Abstract
Socio-economic inequality and especially racial discrimination in Brazil is a major factor in
social exclusion. In Brazil, the higher education has always favored one ethnic segment. The
black access to the higher education either by discrimination, prejudice or economic factors is
restricted, and its representation tiny compared to their representation in the total population.
As a way to correct this nonsense that has been adopted in Brazil, the affirmative action
policies, which aim to redress inequalities of opportunity. The present research aims to
propose a brief reflection on the politics of inclusion for access to Higher Education,
Affirmative Action, highlighting the racial quotas, then analyzes the process of implementing
the quota system in UFOP. Thus, affirmative action policies are, as a new ingredient in the
struggle for the democratization of higher education and the quota system is an indication for
the reduction of social inequalities by providing access to higher education for blacks.
Keywords: affirmative actions, racial quota system, chances of admission; higher education.
Lista de Figuras
Figura 2.1
Distribuição de candidatos inscritos no vestibular no
37
período de 2008 a 2011, conforme adesão, ou não, às
PAA
Figura 2.2
Distribuição
percentual
dos
estudantes
que
se
matricularam na UFOP entre 2008 e 2011 na condição
de participantes da PAA
37
Lista de Abreviações
ADI
Ação Direta de Inconstitucionalidade
CEFET-OP
Centro Tecnológico Federal de Ouro Preto
CEPE
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
CONAE
Conferência Nacional de Educação
Confenem
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
CRFB
Constituição República Federal do Brasil
DEM
Partidos dos Democratas
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
EUA
Estados Unidos das Américas
GeR
Gênero e Raças
FIROP
Fórum da Igualdade Racial
GPP
Gestão de Políticas Públicas
IES
Instituições de Educação Superior
INEP
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
ONU
Organização das Nações Unidas
PAA
Política de Ação Afirmativa
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROGRAD
Pró-Reitoria de Graduação
PROUNI
Programa Universidade Para Todos
REUNI
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
STF
Supremo Tribunal Federal
UEL
Universidade Estadual de Londrina
UENF
Universidade Estadual do Norte Fluminense
UEPG
Universidade Estadual de Ponta Grossa
UERJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF
Universidade Federal Fluminense
UFOP
Universidade Federal de Ouro Preto
UFPR
Universidade Federal do Paraná
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNB
Universidade de Brasília
UNEB
Universidade do Estado da Bahia
UNIFAM
Universidade Federal do Amazonas
Sumário
Resumo .................................................................................................................................................. 1
Abstract................................................................................................................................................. 2
Lista de Figuras .................................................................................................................................. 3
Lista de Abreviações .......................................................................................................................... 4
Sumário ................................................................................................................................................. 6
Capítulo 1 ............................................................................................................................................. 7
Introdução ............................................................................................................................................ 8
1.1. Educação, Desigualdades e Acesso ao Ensino Superior no Brasil ...................................... 10
Capítulo 2 .......................................................................................................................................... 13
Ações Afirmativas............................................................................................................................ 13
2.1. Papel da Política de Ação Afirmativa .......................................................................................... 14
2.2. Debate sobre as Ações Afirmativas no Brasil ........................................................................... 15
2.3. Argumentos Contrários e Favoráveis às Cotas Raciais .......................................................... 17
Capítulo 3 .......................................................................................................................................... 20
Sistema de Cotas Raciais ............................................................................................................... 20
3.1. Origem .................................................................................................................................................. 20
3.2. Cota Racial como Política Afirmativa nos Estados Unidos .................................................. 22
3.3. Cota Racial como Política Afirmativa no Brasil ...................................................................... 23
3.4. Constitucionalidade das Ações Afirmativas .............................................................................. 24
3.5. As Cotas Raciais Frente ao Princípio da Igualdade ................................................................. 27
3.6. A polêmica das Cotas Raciais e o Judiciário ............................................................................. 29
Capítulo 4 .......................................................................................................................................... 33
Política de Ação Afirmativa da UFOP........................................................................................ 33
4.1. O Debate das Ações Afirmativas na UFOP ............................................................................... 33
4.2. As Políticas de Ação Afirmativa da UFOP ................................................................................ 35
4.3. Renovação das Políticas de Ação Afirmativa da UFOP ......................................................... 38
Capítulo 5 .......................................................................................................................................... 40
Considerações Finais ...................................................................................................................... 40
Referências Bibliográficas ............................................................................................................. 41
Anexos ................................................................................................................................................ 45
Capítulo 1
Introdução
Este trabalho analisa a Política de Ação Afirmativa (PAA) como inclusão no ensino
superior. Em especial, busca a partir da caracterização da trajetória do sistema de cotas para
negros no ensino superior. Trata-se, portanto, de um estudo de caso, desenvolvido no âmbito
do Programa de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raças | GPPGeR – Polo Ouro Preto da Universidade Federal de Ouro Preto que analisa essa política como
uma alternativa ao enfrentamento de dificuldades de acesso e inclusão ao ensino superior.
Neste estudo, portanto, as PAA são analisadas com referência a sua aplicação no
sistema educacional brasileiro, em particular no ensino superior. Parte, pois, de uma reflexão
sobre esse nível de ensino, com ênfase no sistema de cota para negros nas universidades
públicas. Analisando a reserva de vagas adotada por algumas universidades brasileiras tem
criado debates em relação às questões sociais e raciais do país.
Porém, antes de adentrar no tema da pesquisa, é fundamental estabelecer uma
distinção terminológica entre racismo, preconceito e discriminação, conceitos normalmente
utilizados como equivalentes, mas que, na realidade, não se confundem entre si. Muito
embora os termos racismo, preconceito e discriminação sejam usualmente utilizados como
sinônimos, o fato é que existem diferenças entre tais conceitos. Senão vejamos.
O termo “racismo” tem por premissa a existência de uma hierarquia entre
determinados grupos humanos. Assim, haveria um grupo superior, dominante, e um grupo
inferior, dominado. Trata-se, portanto, de uma hierarquização na escala humana.
Conforme observou Sidney Madruga (2010), também é necessário distinguir
“racismo”, enquanto comportamento, de “racialismo”, este último fundado nas doutrinas
referentes às raças humanas e de sustentação ideológica baseada no etnocentrismo, cujas
visões teóricas,tendo por fundamento a existência das raças; na continuidade entre o físico e o
moral;
9
na ação do grupo sobre o indivíduo; na hierarquia universal dos valores e na política baseada
no saber.
“Preconceito”, por sua vez, é a formação de um juízo de valor antecedente a respeito
de algo que ainda é desconhecido. É pré-julgar, isto é, avaliar antecipadamente. Trata-se de
qualquer opinião ou sentimento, seja favorável, seja desfavorável, concebido sem exame
crítico.
Em outras palavras: é uma ideia ou sentimento formado a priori, sem maior
conhecimento ou ponderação.
Já o preconceito racial pode ser entendido como um juízo antecipado de índole
negativo destinado a um determinado grupo racial. Assim, o preconceito não está unicamente
ligado o critério racial, mas pode também assumir vertentes religiosas, culturais, políticas,
étnicas, econômicas, sexuais, dentre outros.
Por derradeiro, na discriminação elege-se um determinado grupo, que não se interage
com outro, em função exclusiva de suas características étnicas, culturais ou religiosas.
Em que pese o ato discriminatório esteja normalmente vinculado ao preconceito, é
fundamental destacar que não os conceitos não se confundem, conforme já destacado
anteriormente. Enquanto a discriminação denota um ato segregacionista, um desigualar entre
dois fatores, o preconceito pode ser traduzido numa postura interna preconcebida, de ordem
psicológica, em relação ao próximo.
A discriminação é um ato, ao passo que o preconceito é um pré-juízo, um préjulgamento. A primeira, portanto, envolve uma atitude, ou seja, uma postura ativa, ao passo
que o segundo relaciona-se com uma postura omissiva.
O relatório preparado pelo Comitê Nacional, durante a III Conferência Mundial das
Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância realizada
em Durban, 2001, estabeleceu as seguintes distinções: a) o racismo consiste em um fenômeno
histórico cujo substrato ideológico preconiza a hierarquização dos grupos humanos com base
na etnicidade. Diferenças culturais ou fenotípicas são utilizadas como justificações para
atribuir desníveis intelectuais e morais a grupos humanos específicos; b) o preconceito pode
ser definido como um fenômeno intergrupal, dirigido a pessoas, grupos de pessoas ou
instituições sociais, implicando uma predisposição negativa (...) funcionando como uma
espécie torpe de silogismo, o preconceito tende a desconsiderar a individualidade, atribuindo
10
a priori aos membros de determinado grupo características estigmatizantes com as quais o
grupo, e não o indivíduo é caracterizado1.
O trabalho está organizado em cinco Capítulos, além desta introdução. O primeiro
capítulo, Educação, Desigualdades e Acesso ao Ensino Superior no Brasil apresenta uma
breve retrospectiva histórica do ensino superior brasileiro.
No segundo Capítulo as Políticas de Ação Afirmativa: novo ingrediente nas lutas pela
democratização do acesso ao ensino superior é realizado uma análise das ações afirmativas,
compreendidas como políticas de discriminação positiva que buscam corrigir distorções
históricas, visando à promoção da igualdade. O Capítulo procura conceituar e identificar as
origens das ações afirmativas e sua aplicação no Brasil. Apresento também o debate das
políticas de ações afirmativas e argumentos contrários e favoráveis à Cotas Raciais.
O Capítulo 3, O Sistema de Cotas Raciais, tem como objetivo apresentar ao leitor a
origem da política de cotas raciais e, um breve relato das políticas de cotas para negros no
Estados Unidos e no Brasil procura também analisar as políticas de cotas como acesso ao
Ensino Superior, no amparo jurídico.
O Capítulo quarto, apresento as Políticas de Ação Afirmativa (PAA) adotada pela
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que vêm sendo aplicada desde o segundo
vestibular de 2008. Procura-se apresentar uma reconstituição breve do processo que se iniciou
com a reivindicação da reserva de vagas pelo movimento social
Finalmente, no capítulo 5 são tecidas as Considerações Finais acerca do que o estudo
revela. Elas procuram examinar as PAA, mas especificamente o Sistema de Cotas Raciais,
que se revelam como um mecanismo de democratização do acesso ao Ensino Superior
público, conforme foi proposto no objetivo do trabalho.
1.1. Educação, Desigualdades e Acesso ao Ensino Superior no Brasil
A Organização das Nações Unidas (ONU), em julho de 2010, pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou o Relatório de Desenvolvimento
Humano em sua edição de 20º aniversário intitulado: “A Verdadeira Riqueza das Nações:
Vias para o Desenvolvimento Humano” (PNUD, 2010). Entre outros aspectos, o Relatório
mostra que o Brasil apresenta o terceiro pior índice de desigualdade no mundo “[...] a ONU
1
Relatório do Comitê Nacional na III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância -2001.
11
aponta como principais causas da disparidade social a falta de acesso à educação, a política
fiscal injusta os baixos salários e a dificuldade de dispor de serviçosbásicos, como saúde,
saneamento e transporte” (BETTO, 2010). Segundo Frei Betto (2010), revela-se a contradição
de um país rico, porém injusto, detentor de uma das piores distribuições de renda do planeta.
Ele salienta, no entanto: “nos últimos dez anos o governo investiu na redução da miséria”, o
que permitiu a redução da desigualdade e, em especial, o acesso à educação de qualidade.
Mesmo assim, considera que o grande desafio que se coloca para o futuro do país está no
estancamento da sangria da desescolaridade (BETTO, 2010). Em relação ao Brasil atribui
uma grande responsabilidade à educação com vistas à superação das desigualdades sociais.
Do ponto de vista da história da educação, é elucidativa a análise de Luiz Antônio
Cunha para quem “a educação escolar brasileira é herdeira direta do sistema discriminatório
da sociedade escravagista sob dominação imperial” (CUNHA, 2009, p. 31). De acordo com o
autor, a educação, na sociedade imperial e nas primeiras décadas da República, tinha duas
finalidades e características principais: o ensino superior voltado para a formação das elites e
o ensino profissional oferecidos nas escolas agrícolas e nas escolas de aprendizes-artífices,
destinado à formação da força de trabalho. Naquele contexto “a maior parte da população
permanecia [...] sem acesso a escolas de qualquer tipo (CUNHA, 2009, p. 31)”. É pois, à luz
desta raiz histórica que o sistema educacional brasileiro precisa ser analisado.
Assim, o Documento Básico da Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010
considera que historicamente a educação pública vem sendo construída a partir dos embates
político-sociais marcados pela luta em prol da ampliação, laicidade, gratuidade,
obrigatoriedade, universalização do acesso, gestão democrática, ampliação da jornada escolar,
educação de tempo integral e garantia de padrão de qualidade em todos os níveis.
A despeito dos desafios que ainda devem ser enfrentados, tendo em vista a plena
democratização do acesso, permanência e sucesso, o sistema educacional brasileiro, a partir
dos últimos anos do século XX, passou a experimentar uma ampliação do número de vagas
nos seus diversos níveis. Porém não se verificou ainda, na mesma proporção, a garantia das
condições necessárias para a consequente promoção da aprendizagem de parte significativa
dos alunos que chegam às escolas. Autores, como Werebe (1994, p. 261) e Saviani (2004, p.
51), destacam ter havido significativo avanço das matrículas, a democratização do ponto de
vista quantitativo, que necessita de medidas que venham sanar deficiências dessa expansão,
pois não basta abrir as portas das escolas. É preciso que os que conseguem ingresso possam
12
permanecer até concluir os estudos a que aspiram e para os quais têm capacidade (WEREBE,
1994).
A esse respeito, o Documento Base da CONAE esclarece que:
... a democratização da educação não se limita ao acesso à instituição
educativa. O acesso é, certamente, a porta inicial para a democratização, mas
torna-se necessário, também, garantir que todos/as os/as que ingressam na
escola tenham condições de nela permanecer, com sucesso. Assim, a
democratização da educação faz-se com acesso e permanência de todos/as
no processo educativo, dentro do qual o sucesso escolar é reflexo da
qualidade... (BRASIL, 2010, p. 57).
Atualmente, a reserva de vagas adotada por algumas universidades brasileiras tem
criado debates em relação às questões sociais e raciais do país. A sociedade fica dividida em
relação ao assunto. Por um lado, uma parte dela e alguns estudiosos defendem a opinião de
que as universidades devem adotar essa medida que, na verdade, é emergencial e temporária,
afim de “consertar” os erros do passado. Por outro lado, outra parte discrimina a ideia porque
as cotas raciais estimulam o racismo e que todos os cidadãos devem ter os mesmos direitos.
Isso vem fomentando debates voltados à educação dos jovens no Brasil.
As cotas colocam em xeque e debate as polêmicas sobre o acesso dos estudantes
negros e brancos à universidade, pontuando que o ensino superior não pode ser considerado
privilégio de alguns e colocando em discussão a forma como a justificativa do mérito
acadêmico tem se instaurado na sociedade como argumento para a não implementação das
cotas raciais. De acordo com Gomes (2004, p. 45-79.) a vida acadêmica exige determinadas
competências e saberes, o que é muito diferente do discurso limitado do mérito acadêmico. O
discurso do mérito acadêmico nos distancia do debate sobre o direito à educação para todos os
segmentos sociais e étnicos / raciais.
13
Capítulo 2
Ações Afirmativas
Neste Capítulo, realiza-se uma reflexão acerca das PAA, vistas, neste trabalho, como
um novo ingrediente nas lutas pela democratização do acesso ao Ensino Superior público. O
objetivo é fornecer subsídios para que o leitor tenha compreensão das raízes históricas e
concepções de política de ação afirmativa e conheça como essas medidas vêm sendo
incorporadas ao Ensino Superior.
O termo “ação afirmativa” surgiu nos Estados Unidos na década de 60, a fim de
promover a inclusão dos grupos minoritários – negros, mulheres e minorias étnicas - no
mercado de trabalho e nos diferentes níveis de ensino (REZENDE, 2005). Inicialmente, as
ações afirmativas era uma imposição do Estado para que tanto as escolas como as empresas
fossem representadas por cada grupo da sociedade ou no respectivo mercado de trabalho.
Porém, na década de 70, deu-se início a um processo de mudança conceitual o qual passou a
ser associado à igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas de acesso a
representantes das minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições
educacionais. (SOUZA NETTO, 2003).
As ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas
pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades
historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como
de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos
raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater
os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado (GTI, 1997 apud
SOUZA NETTO, 2003).
Segundo Gomes (2001), as ações afirmativas poderiam garantir a preservação e o
desenvolvimento da diversidade cultural.
Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou
voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem
nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
14
tendo por objetivo a concretização do acesso de bens a bens fundamentais como a educação e
o emprego. (GOMES, 2001 apud SOUZA NETTO, 2003).
Segundo ele, as ações afirmativas têm como objetivo não apenas coibir a
discriminação do presente, mas, sobretudo eliminar os efeitos da discriminação do 6passado.
Portanto, trata-se de políticas de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por
órgãos competentes, voltados para a concretização de um objetivo universal: a igualdade de
oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.
A implementação de políticas de ação afirmativa no campo educacional constitui hoje
um dos temas mais polêmicos da agenda pública no Brasil. É necessário estimular o debate
sobre os impactos, resultados e incidência das políticas de ação afirmativa em prol da
democratização efetiva das oportunidades de acesso e permanência dos jovens mais pobres
nas universidades.
Enfim, as ações afirmativas representam um conjunto de ações públicas que visam o
rompimento de desigualdades históricas ou sociais no acesso ao efetivo exercício de direitos,
bens e serviços considerados essenciais para uma vida digna. Desigualdades essa que não
conseguem ser rompidas com os mecanismos tradicionais de inclusão social, como a
expansão do mercado de trabalho ou o acesso universal à educação.
2.1. Papel da Política de Ação Afirmativa
As políticas de ações afirmativas integram na contemporaneidade as chamadas
políticas de identidade. Nesse sentido, as políticas de ação afirmativa são direcionadas a todo
e qualquer grupo social com histórico de exclusão e qualquer tipo de discriminação diante de
grupos sociais hegemônicos. Populações negras e indígenas, mulheres, homossexuais,
deficientes físicos, idosos, jovens das periferias urbanas, trabalhadores do campo, dentre
outros grupos em situação de vulnerabilidade social, podem ser alvos de tais políticas. A curto
e médio prazos essas políticas visam diminuir as desigualdades sociais entre esses grupos
sociais e os grupos dominantes, em longo prazo o que se pretende é estabelecer uma
substantiva justiça e equidade social, ou seja, a construção de uma sólida democracia.
É, sem dúvida, como referência nesse panorama que devem ser examinadas as PAA de
acesso ao Ensino Superior, que tem sua aplicação mais comum representada pela reserva de
vagas ou cotas, um novo ingrediente na luta pela democratização da educação. Dessa forma,
as discussões estão diretamente associadas ao que já foi apresentado em relação às
15
peculiaridades da problemática da democratização do acesso a esse importante nível de
ensino. Devem ser feitas à luz das características do sistema educacional brasileiro, que, desde
as origens, em todos os níveis, guarda uma tradição marcadamente elitista, em que a
desigualdade de oportunidades é persistente.
O Ensino Superior, no Brasil, desde as origens e ao longo do desenvolvimento, quase
sempre esteve distante da maioria da população brasileira. Ocorre uma seletividade tal que
assegura o acesso a apenas um pequeno grupo da sociedade. Observa-se, no entanto, que,
pontualmente, alguns representantes de estratos sociais menos privilegiados conseguem
romper as barreiras que obstaculizam o seu acesso ao nível mais elevado da educação. Esse
fato não garante, porém, que eles não tenham de enfrentar dificuldades no interior das
instituições. Dessa forma, as PAA têm de se converter em política pública efetiva que venha a
contribuir para a tão almejada democratização do Ensino Superior, em decorrência de
limitações da política universalista de educação levada a cabo pelo Estado brasileiro.
A maioria das universidades públicas no país já adotou o sistema de reserva de vagas
para negros e indígenas. O Programa Universidades para Todos (PROUNI) também assegura
a inclusão de alunos provenientes de escolas públicas em instituições privadas de educação
superior, e entre esses alunos leva em consideração o percentual de negros e indígenas da
população onde se encontra o estabelecimento de ensino.
2.2. Debate sobre as Ações Afirmativas no Brasil
O debate sobre a questão de políticas afirmativas, principalmente no que diz respeito
ao estabelecimento de cotas nas universidades públicas: o primeiro Todos têm direitos iguais
na República Democrática posiciona-se contra e o segundo, Manifesto a favor da Lei de Cotas
e do Estatuto da Igualdade Racial. Tem sido acirrada a discussão principalmente sobre o
sistema de cotas raciais nas universidades publicas.
Discutir cotas raciais na universidade toca em inúmeros pontos nevrálgicos da
sociedade brasileira pondo a nu as contradições sociais mais profundas de nosso país. Esse
debate, bastante complexo, envolve as relações universidade e sociedade, a formação da elite;
a constitucionalidade da implementação de políticas de cotas raciais, o possível alcance das
16
mesmas; as mazelas de nosso passado escravocrata, a ideologia da “democracia racial2”
brasileira, a discriminação contra negros e pardos, ainda presente em nossos dias; a questão da
distribuição de renda, a necessidade do reconhecimento de todos os grupos sociais como um
direito de cidadania e, por último, mas não menos importante, qual o nosso projeto de nação.
Os argumentos ora enfatizam problemas mais internos da universidade e suas implicações
administrativas, ora levantam questões de natureza mais política e filosófica que se referem ao
modelo de sociedade que desejamos.
Aqueles que se posicionam contra baseiam sua argumentação no princípio da
igualdade política e jurídica dos cidadãos, fundamento essencial da República alicerçado na
Constituição brasileira. A lei de Cotas, além de representar uma ameaça a esse princípio,
poderia até aumentar o racismo, dando respaldo legal ao conceito de raça. Os que posicionam
a favor da adoção de ações afirmativas para minorias étnicas e raciais. Dá exemplos de países
multi-étnicos e multi-raciais, semelhantes ao Brasil, onde essas políticas foram adotadas. Cita
universidades e Instituições de Educação Superior brasileiras que já vêm adotando com
sucesso a política de cotas para minorias, sem que se presencie o acirramento das relações
raciais e sem rebaixamento da qualidade acadêmica, pois o rendimento dos estudantes negros,
a nível nacional, assemelha-se ao do rendimento dos estudantes brancos e a necessidade de
reconhecimento de todos os grupos sociais como iguais.
Para Oliveira (2004), o mais importante sobre a introdução de políticas de cotas no
caso brasileiro seria o seu potencial emancipatório e transformador, principalmente no plano
simbólico, em termos de combate ao racismo ao oferecer a oportunidade de um convívio entre
brancos e negros nos cursos de elite: “em vez de acionar as ‘cotas’ como política de inclusão
social direta, dando acesso à renda através da entrada imediata na Universidade, o objetivo
precípuo da medida seria provocar uma mudança nas atitudes dos atores, para que se tornem
mais críticos à discriminação e ao filtro da consideração”. Ele assim se expressa:
a melhor das hipóteses, supondo que ‘cotas’ amplas cumpram seu objetivo
de promover maior equalização racial no plano material, a racialização teria
tudo para provocar tensão no plano da sociabilidade. [...] nada garante que
não serão encontrados mecanismos efetivos para contornar os ‘custos’ e
reduzir as vantagens dos beneficiados por ‘cotas’ percebidas como
excessivas (OLIVEIRA, 2004, p. 81-89).
2
Democracia Racial: é um termo usado para descrever as relações raciais, está relacionado com a concepção de
caracterizar a harmonia racial e a ausência de preconceito e discriminação racial, que levará a um futuro de
relações não racistas entre os diferentes grupos de cor. (HASENBALG, 2006).
17
2.3. Argumentos Contrários e Favoráveis às Cotas Raciais
A partir da Conferência de Durban (2001), em que o Brasil se comprometeu a
implantar ações afirmativas para reverter o quadro de desigualdades raciais entre brancos e
negros e, especialmente, após a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial no governo Lula (2003) e da discussão dos projetos de lei PL/73-99 (que
institui cotas para negros nas universidades federais) e PL 6.264-05 (Estatuto da Igualdade
Racial), o debate sobre a questão racial brasileira ganhou a feição digna de um combate3. Este
subitem analisa comparativamente os argumentos contrários e favoráveis à adoção das cotas
raciais nas universidades.
Os principais argumentos para a posição de contrariedade às cotas raciais mais
acionados eram que o sistema de cotas desrespeita o mérito individual e, portanto, infringe o
princípio constitucional da isonomia. Essa argumentação entende que o mérito é o único
instrumento que garante igualdade entre as pessoas nos processos seletivos, pois trata os
indivíduos sem distinção, avaliando exclusivamente a competência de cada um. Perante isto,
as cotas, na medida em que reivindicam critérios coletivos e não individuais, são
negativamente compreendidas como uma “discriminação às avessas”.
Também destaca o argumento contrário a justificativa que define o sistema de cotas
como uma medida racialista que oficializa o racismo institucional e acirra os conflitos raciais
privados. Esse argumento está fortemente fundamentado na concepção de que no Brasil, as
relações sociais não são racializadas devido ao seu alto nível de miscigenação (MAGNOLI,
2007, p. 136). Portanto, o sistema de cotas é entendido como uma política imperativa que
obriga a classificação racial de uma população que não se define e relaciona racialmente, ou
seja, para tal argumentação as cotas raciais tencionam transformar a nacionalidade brasileira,
compreendida como beneficamente mestiça, em um sistema bipolarizado entre negros e
brancos.
O sistema de cotas expõe como uma medida que racializa a sociedade,
institucionalizando o “racismo brasileiro” (Fry, 2007, p.160), juntamente com o argumento
citado anteriormente que julga as cotas inconstitucionais por desrespeitar o mérito individual.
3
Guimarães observa que em oposição ao empoderamento de ONGs e do movimento negro em Brasília,
"formou-se uma ampla corrente de opinião contrária às cotas raciais nos principais jornais e revistas do país",
por meio inclusive da publicação de manifestos públicos que envolvia "importantes setores da classe média e do
alto estabishment empresarial, político e intelectual do país" (2008, p. 124).
18
Entretanto, é necessário um destaque na temporalidade destes dois argumentos, pois há uma
evidente inversão na frequência e visibilidade deles.
No período de aprovação e implantação dos primeiros sistemas de cotas para negros
no país, o argumento mais acionado é o que aponta uma possível inconstitucionalidade dos
sistemas.
Um argumento mais recorrente e contrário às cotas raciais culpa a falta de qualidade
das escolas públicas como responsável pela baixa aprovação dos negros e pobres nos
vestibulares das universidades. Segundo esse argumento, estudantes de escola pública
competem desigualmente com alunos das escolas privadas e por isso não ingressam na
universidade. Portanto, é necessário melhorar o ensino básico público para que seus alunos
ingressem nas universidades pelo seu próprio mérito, o que preserva a isonomia do indivíduo
e exclui o critério racial do diagnóstico. Para esse argumento, as cotas são vistas como um
subterfúgio político, com baixo custo, para não melhorar o sistema educacional público, este
visto como principal problema a ser sanado para que a população negra e pobre
“naturalmente” adentre no ensino superior.
Quanto à posição favorável, dispõe-se de alguns artigos e livros que procuram
mobilizar argumentos para defender essa política pública4. O argumento favorável ao sistema
de cotas raciais, mais acionados para a defesa do sistema, foi à inclusão da população negra, a
mais economicamente carente, em locais de poder e prestígio social que lhes permitam
ascensão econômica e melhoria da qualidade de vida. Tal ação diminuiria, assim, as injustiças
presentes em nossa sociedade. Os defensores das cotas destacam também que a educação
apresenta-se como uma variável determinante na desigualdade de renda entre negros e
brancos. Carvalho (2006) afirma que em países como o Brasil em que o diploma superior
funciona como critério de exclusão social, não ter acesso às universidades, é estar impedido
de ocupar os postos sociais mais importantes da nação. As cotas, afirma Munanga (2003)
serviriam como um potente acelerador no processo de diminuição das desigualdades
educacionais entre negros e brancos no país; elas abrirão portas aos estudantes negros, tal
como ocorreu com as mulheres recentemente.
Outro argumento favorável mais frequente define o sistema de cotas como uma
política de reparação histórica destinada à população afrodescendente, em razão não só do
passado escravocrata brasileiro, mas também pelas décadas de negligência política no
combate ao racismo e na promoção da inclusão dos negros na sociedade. Segundo Munanga
4
Em especial Inclusão étnica e racial no Brasil (Carvalho, 2006).
19
(2003), que argumenta que as cotas raciais são necessárias na medida em que é preciso
"compensar os cerca de 400 anos de defasagem no processo de desenvolvimento entre
brancos e negros".
Um terceiro enquadramento recorrente na defesa das cotas raciais entende que estas
geram uma polêmica positiva, a qual tem impulsionado debates nacionais que extrapolam a
questão do racismo e suas práticas, abordando, por exemplo, a qualidade do sistema
educacional brasileiro, a condição de trabalho e formação dos professores, a pertinência do
conteúdo ensinado, a eficiência e pertinência do vestibular etc. Portanto, essa capacidade de
mobilizar discussões políticas em torno de questões nacionais também foi usada como
argumento positivo às cotas.
Por fim, um enquadramento argumentativo favorável às cotas raciais pouco
recorrentes, mas não menos importante, refere-se à defesa do reconhecimento e da
valorização da diversidade racial brasileira em contrapartida ao modelo eurocêntrico vigente e
dominante nos locais de poder.
20
Capítulo 3
Sistema de Cotas Raciais
3.1. Origem
A política de cotas raciais é uma política de ação afirmativa implantada originalmente
nos Estados Unidos. No Brasil, em vigor desde 2001, ela visa a garantir espaço para negros e
pardos nas instituições de ensino superior.
As cotas étnico-raciais em universidades públicas constituem uma demanda antiga do
movimento social negro e dos intelectuais afrodescendentes, bem como de vários setores da
comunidade acadêmica das universidades públicas, de autoridades dos sistemas educacionais
federais e estaduais e do público em geral.
O movimento negro sempre atuou propugnando medidas específicas tendentes à
solução de demandas históricas e que se estendem até a atualidade, dentre as quais a política
de cotas se sobressai, como principal exemplo de resultado obtido de suas intensas
mobilizações.
Aduz-se como
importante marco nas
demandas
e lutas
das
populações
afrodescendentes, a Marcha Zumbi dos Palmares pela Vida realizada em 20 de novembro de
1995. O Movimento Negro ainda teve um papel decisivo no tocante a compromissos
assumidos pelo Estado Brasileiro, nos últimos anos, em fóruns internacionais da Organização
das Nações Unidas, com destaque à III Conferência Mundial de Combate ao Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância, ocorrida em Durban, na África do Sul, em
2001, que constituiu um marco na luta antirracista no plano internacional, teve reflexos
internos, dentre os quais, o Programa Nacional de Direitos Humanos II, em 2002, o qual
estabelecia um conjunto de medidas tendentes a promover os direitos da população negra.
A criação do sistema de cotas da UNB foi a primeira entre as instituições federais de
Ensino Superior. A UNB foi responsável por dar início a um processo que vem se expandindo
gradualmente, em todas as regiões do Brasil. Cesar (2004) afirma que o sistema de reserva de
vagas da UNB, o primeiro, no âmbito das universidades federais, à semelhança do que
ocorreu na UNEB, foi gestado a partir de um planejamento interno, tendo em vista a
21
composição de seu corpo discente. O respaldo foi a Lei n.º 9394/96 (LDBEN), que assegura
às instituições de Ensino Superior a autonomia universitária, também prevista na CF 1988.
O pioneirismo da UNB não é casual. Nessa instituição, os debates acerca das questões
raciais são antigos e calorosos, tendo ocorrido um episódio que foi e ainda hoje é amplamente
divulgado, até por quem dele participou ativamente. Trata-se do fato que inspirou o professor
José Jorge de Carvalho e a professora Rita Segato para apresentar, em 1999, uma proposta de
cotas para negros na UNB.
A disseminação de um programa de cotas para admissão de afrodescendentes em todo
o sistema público de educação superior é crescente. As contínuas pressões para sua
implementação vêm sendo empreendidas por diversos movimentos negros brasileiros, pelas
comunidades acadêmicas nas universidades públicas, pelas autoridades federais e estaduais e
pela sociedade em geral.
Assim, com base na análise já feita dos indicadores sociais brasileiros, os negros
aparecem claramente em situações de desvantagem em relação aos brancos na maioria dos
espaços sociais, por conseguinte, o movimento negro vislumbra nas políticas de cotas um
mecanismo de combate às desigualdades raciais existentes no contexto brasileiro.
Mostra-se de essencial valia a adoção de políticas corretivas das desigualdades raciais,
especialmente no âmbito educacional, tendo em vista a opinião corrente sobre o papel que a
educação desempenha no processo de mobilidade social dos afrodescendentes.
As cotas nas universidades públicas, de todas as políticas reivindicadas, é a que mais
suscita polêmica, pois busca desmistificar o mito da “democracia racial”, e o combate a
falácia brasileira, de que somos todos iguais e de que inexiste racismo.
Por fim, conclui-se que cabe à universidade, bem como ao Estado, e à sociedade civil,
representada especialmente pelos movimentos sociais, engendrarem formas e procedimentos
para que o conhecimento produzido pela universidade consiga difundir-se. Nessa perspectiva,
a política de cotas constitui estratégias para o acesso dos afrodescendentes ao ensino superior
público, com vistas a redução do déficit de representação dos afrodescendentes nos bancos
universitários, bem como uma divisão mais equânime dos bens e posições sociais.
As ações afirmativas são políticas públicas e mecanismos de inclusão, concebidas por
entidades públicas ou privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicionais, com vistas
à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva
igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.
22
3.2. Cota Racial como Política Afirmativa nos Estados Unidos
Os Estados Unidos da América foi o pioneiro a adotar a cota racial como política
afirmativa; um exemplo foi à cota racial para a inclusão de pessoas negras nas universidades,
que não recebiam pessoas ditas de cor, fazia certo sentido, pois o sistema educacional ao
contrário do Brasil proibia a coexistência de negros com brancos; Conforme texto de autoria
de José Goldemberg e Eunice R. Durham extraído do livro Divisões Perigosas: Políticas
Raciais no Brasil Contemporâneo (2007, p.171):
A ideia do estabelecimento de um sistema de cotas éticas pra o ingresso nas
universidades, como forma de combater à discriminação se originou nos
Estados Unidos – onde fazia um certo sentido, tratando-se de um país com
longa tradição de universidades brancas que não admitiam negros, e todo
sistema educacional segregado proibia a coexistência de negros e brancos
nas mesmas escolas. Esse não é o caso do Brasil.(....).
O novo sistema não foi pacificamente aceito pela Corte americana, pois o ideal
pretendido com a implantação do sistema de cotas perdeu o cunho igualitário, conforme relata
André Tavares: "Entretanto, mais tarde, as ações afirmativas tornaram-se verdadeiras
concessões de preferências, de benefícios [...].”.
O problema foi analisado na justiça americana, no case Regents of the University of
California x Bakke [marco inicial para decretar-se inconstitucional o sistema de cotas raciais
nos EUA], onde o candidato Allan Bakke não foi admitido na Faculdade de Medicina da
Universidade da Califórnia em razão das políticas de cotas raciais, mesmo alcançando notas
superiores a maioria dos aprovados por meio das cotas.
No final dos anos 1970, a Suprema Corte Americana declarou inconstitucionais as
cotas para negros e outras minorias. O Juiz Anthony Kennedy em seu voto sobre as ações
afirmativas declarou: "Preferências raciais, quando corroboradas pelo Estado, podem ser a
mais segregacionista das políticas, com o potencial de destruir a confiança na constituição e
na ideia de igualdade".
Oferecer proteção jurídica especial às parcelas da sociedade que costumam, ao longo
da história, figurar em situação de desvantagem, a exemplo dos trabalhadores, consumidores,
população de baixa renda, menores e mulheres, dentre outros, não é considerada atentatória a
igualdade, na jurisprudência americana, porém o critério raça é visto de forma cautelosa por
àquela corte.
23
No ano de 2003, a justiça norte americana, julgou duas ações propostas contra a
Universidade de Michigan com relação às políticas afirmativas que usam o critério racial para
ingresso na Universidade e a Corte decidiu: "para cultivar um grupo de líderes com
legitimidade aos olhos da cidadania é necessário que o caminho à liderança seja visivelmente
aberto aos indivíduos talentosos e qualificados, de todas as raças e etnias".
As decisões americanas foram fundamentadas no art. 601 do Civil Rights Act de 1964
que previa:
Nenhuma pessoa nos Estados Unidos deve, em razão da raça, cor ou origem
nacional, ser excluída da participação, os benefícios de ser negado, ou ser
submetido a discriminação sob qualquer programa ou atividade que recebem
assistência financeira federal. (art. 601 do Civil Rights Act)
Pode-se dizer que as políticas de ação afirmativa nas universidades têm muito a ver
com os valores norte-americanos: elementos das minorias, inclusive as mulheres, passam a ter
a sua chance de vencer na vida, de cada grupo são cooptados os melhores para participar nas
esferas econômica, acadêmica, política e, na medida em que eles são bem sucedidos, passam a
servir de exemplo aos demais. Essa política é talhada para reforçar a ideia de tipo ideal
americano como the winner, o vencedor, e não se dirige para a solução dos problemas que
afetam um significativo segmento da população – the losers, os perdedores –, aqueles que são
deixados à margem na reestruturação econômica da sociedade capitalista e que ainda por cima
devem carregar o ônus da responsabilidade de sua precária condição.
É importante, no entanto, salientar que as políticas de ação afirmativa favoreceram a
mobilidade social de certos segmentos da população negra e de outros grupos discriminados.
Abrindo as portas da universidade para minorias até então praticamente excluídas. Mais do
que isso, o debate sobre a Ação Afirmativa traz à discussão a questão da discriminação social,
do ônus que isso representa para determinados grupos e das possíveis orientações políticas,
que possam vir a combater uma situação social inerentemente injusta.
3.3. Cota Racial como Política Afirmativa no Brasil
Na tentativa de superar as desigualdades socioeconômicas e alcançar uma maior
equidade social, o Brasil adotou no ano de 2001, o sistema de cotas nas universidades.
Das primeiras medidas implementadas, podemos citar a Política de Cotas para
estudantes de escolas públicas e para negros na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e Universidade do Norte Fluminense (UENF), a primeira experiência de cotas para
24
negros em universidades públicas no Brasil. Tal política fora adotada pela primeira vez no
Estado do Rio de Janeiro, após a promulgação da Lei nº 3.708, de 9 de novembro de 2001 que
“institui cota de até cinquenta porcento para as populações negra e parda no acesso à
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense”.
O projeto de lei 3.627/2004 contém a proposta para uma eventual lei sobre a política de cotas.
A Universidade de Brasília foi a primeira instituição de ensino superior pública federal
a instituir políticas afirmativas para negros no vestibular, com reserva de 20% das vagas.
O Sistema de Cotas para Negros no vestibular justifica-se diante da constatação de que
a universidade brasileira é um espaço de formação de profissionais de maioria
esmagadoramente branca, valorizando assim apenas um segmento étnico na construção do
pensamento dos problemas nacionais, de maneira tal que limita a oferta de soluções para os
problemas de nosso país.
O estudo da política de cotas para negros nas universidades públicas é, portanto,
questão bastante relevante neste cenário de exclusão racial. Ademais, o questionamento em
torno da constitucionalidade dessa política afirmativa é uma oportunidade para se discutir o
direito como instrumento de transformação social e formas de interpretação do princípio da
igualdade compatíveis com o Estado.
Ademais, a implementação recente de um sistema de cotas para estudantes negros no
ensino superior é um fenômeno que rompe radicalmente com a lógica de funcionamento do
mundo acadêmico brasileiro desde a sua origem no inicio do século passado. A política de
reserva de vagas está provocando um reposicionamento concreto das relações raciais em
nosso meio acadêmico, começando pelo universo discente da graduação.
3.4. Constitucionalidade das Ações Afirmativas
A questão da constitucionalidade das ações afirmativas baseia-se na utilização dos
dois tipos de igualdade, formal e a material. A igualdade formal diz respeito a isonomia
perante a lei, ou seja é dirigida principalmente ao legislador que ao elaborar as leis não deve
criar discriminação entre pessoas, coisas ou fatos, devendo tratá-las com isonomia, como está
elencado no art. 5º caput da CRFB/88;
Trata-se do pilar das sociedades democráticas, pois a sustenta, bem como servi de
direção interpretativa das normas que compõem os sistemas jurídicos democráticos, segundo
Da Silva (2000, p.217), quando cita:
25
Igualdade constitucional é mais que uma expressão de direito; é um modo
justo de se viver em sociedade. Por isso é principio posto como pilar de
sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que
compõem o sistema jurídico fundamental. (Da Silva, 2000, p.217).
Já a igualdade material diz respeito a isonomia real, pois as pessoas são diferentes
entre si, sendo necessário levar em consideração as diferenças entre grupos, como nos ensina,
Da Silva (2000, p.215):
Mas, como já vimos, o principio não pode ser entendido em sentido
individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos. (Da Silva,
2000, p.215)
Para solucionar esta questão é necessário utilizar-se de critérios que se não seguirem
a alguns princípios tornar-se-á discriminação.
Ao utilizar se do princípio da razoabilidade e da natureza da desigualdade na busca
da igualdade de oportunidade está se criando uma diferenciação necessária para a promoção
da inclusão social; porém, quando não se utiliza tal princípio para definir-se critério de
diferenciação na aplicação das ações afirmativas, elas se tornam discriminação, ou seja são
inconstitucionais::
Entretanto se a diferenciação é arbitrária, se ela não se coaduna com a
natureza da desigualdade, não leva ela a igualdade, mas, ao privilégio, a uma
discriminação. É esta, pois, em síntese uma diferenciação desarrazoada ou
arbitrária. (Ferreira Filho, 2000, p.111)
Conforme texto de autoria de Hédio Silva Junior extraído do livro Educação e ações
afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica (2003, p.107 e 108), defensor
das cotas raciais, divide a discriminação em dois aspectos: o aspecto repressivo, citando como
exemplo o art. 3º inc. IV, que proíbe o preconceito e qualquer outra forma de discriminação e,
o aspecto promocional, que será exemplificado com a própria citação do autor, por se tratar de
matéria correlata com a controvérsia das cotas raciais.
Por último, mas não em último lugar, temos as normas que textualmente
prescrevem discriminação, discriminação justa, como forma de compensar
desigualdade de oportunidades, ou, em alguns casos, de fomentar o
desenvolvimento de setores considerados prioritários devendo ser
ressaltadas:
26
Art. 7, XX- proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
especificados, nos termos da lei; (....)
Art. 37, VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos
para as pessoas portadoras de deficiência e definira os critérios de sua
admissão; (....)
Art. 145, § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte; (...)
Art. 170, IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituída sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no
País;(....) (Silva, Hédio Junior, 2003, p.107 e 108 ).
Utilizando o critério de Ferreira Filho (2000, p. 111), a natureza da desigualdade e o
Princípio da razoabilidade, como norteadores para analisar tais artigos, chegar-se-á as
seguintes conclusões:
a) quanto ao art. 7º, a natureza da desigualdade não está em ser mulher ou homem
mas, na criação de um mercado que quase não existia e é razoável que se desenvolva
mediante incentivos a proteção ao mercado de trabalho da mulher;
b) quanto ao art. 37, VIII, a natureza da desigualdade não está na pessoa mas, na
deficiência física que qualquer indivíduo tenha ou venha a adquirir, sendo razoável a criação
de um mercado de trabalho ao grupo que até então tinha que ser mantido ou pela família ou
pelo Estado;
c) quanto ao art. 145, § 1º, a natureza não está no individuo, embora seja de caráter
pessoal é apenas para ficar mais especifico seu aspecto individual, caso a caso, a natureza da
desigualdade está na capacidade econômica do indivíduo, sendo razoável que quem ganhe
mais contribua com mais.
d) quanto ao art. 170, IX, a natureza da desigualdade não está na empresa mas, na
capacidade econômica da empresa e o seu papel na economia nacional, sendo pois razoável
que se dê tratamento favorável pois, representa riqueza interna.
Ou seja, são ações afirmativas que não afligem o princípio da igualdade;
Diferentemente da cota racial universitária que reserva vagas para pardos ou negros, que tem
a natureza da desigualdade na cor da pele, não sendo razoável que em função da pele ou raça
se favoreça um indivíduo ou outro, não se tratando assim de falta de oportunidade, mas de
capacidade ou mérito, que é o critério universal utilizado para se acessar a universidade;
Não é questão de oportunidade ou de inacessibilidade por determinadas “raças” a
dificuldade de acesso às faculdades no Brasil de determinados grupos, pois o Brasil possui
faculdades públicas estaduais e federais, onde podem estudar tanto brancos como negros ou
outras “raças”;
27
A verdadeira natureza da desigualdade é a baixa qualidade do ensino primário e
secundário público no Brasil que é disponibilizado tanto para negros como para brancos; esta
sim é a natureza da desigualdade, ao contrário dos Estados Unidos das Américas (EUA) que
tinham colégios exclusivos para negros e outros só para brancos, onde a natureza da
desigualdade era de fato a cor da pele, sendo então razoável a cota para negros, alcançando
desta forma a inserção das pessoas “negras” na sociedade, até então dividida pela cor da pele.
Há de se observar que este tratamento diferenciado não pode ser de qualquer forma,
pois a própria Constituição Federal em seu art. 3º, inc. IV, ao constituir como objetivo
fundamental da Republica Federativa do Brasil: promover o bem de todos, proíbe a utilização
de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Olhando desta forma, vemos que não há paradoxo entre a igualdade material
(isonomia real) e a formal (isonomia perante a lei), pois ambas se alcançam com a aplicação
do princípio da razoabilidade e a observação da natureza da desigualdade, como é o caso da
licença advinda pelo nascimento de Filho (a) com vida, que para a mulher é de quatro meses e
para o homem de cinco dias, como elencado na constituição federal.
Neste caso a natureza da desigualdade está na necessidade da criança; Como a
capacidade do homem é diferente a da mulher para atender as necessidades do Filho (a), é
razoável que a mulher em função do aleitamento materno tenha prazo maior, não se tratando
de um privilégio da mulher mas, sim, de um dever para com a criança, garantido pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (CRFB/88)
Ou seja, através da igualdade material se alcança a igualdade formal, que é a garantia
de oportunidades iguais para todos, sempre levando em consideração a natureza da
desigualdade e o princípio da razoabilidade.
3.5. As Cotas Raciais Frente ao Princípio da Igualdade
O princípio constitucional da igualdade art. 5º, caput, CF/88, estabelece que todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, este princípio magno da
28
igualdade tanto é para o aplicador quanto para o legislador que deverá editar leis em
conformidade com a isonomia, como nos ensina Bandeira de Mello ( 2012, p.09):
O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma
voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras,
não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição
dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.
Desta forma nossos legisladores devem editar leis que não tragam em seu bojo
privilégios, perseguições ou qualquer forma de discriminação, a própria Constituição federal
em seu artigo 3º inc. IV deixa claro, a obrigatoriedade de não se utilizar tais critérios
discriminatórios quando constitui como objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação;
A preocupação dos Constituintes quanto à observância do princípio da isonomia, fica
ainda mais evidente quando são analisados outros artigos da CFRB/88.
ART. 5º, Inc. I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
nos termos desta Constituição;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social:
Inc. XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e
critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
Inc. XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo
empregatício permanente e o trabalhador avulso.
§ 2º do Art. 12º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros
natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.
(CRFB/88)
Quando os constituintes se utilizaram de alguma distinção “discriminação”, eles
levaram em consideração mérito ou capacidade do público alvo, como é o caso da licença
paternidade que para o homem é de 5 (cinco) dias e a licença maternidade que para a mulher é
de 120 (cento e vinte dias) conforme art. 7º, Inciso Constituição Federal/88.
Há de se observar que a licença está vinculada ao nascimento da criança, pois se a
criança vier a nascer sem vida ou logo em seguida morrer não surgi o direito a licença, a lei
visa proteger os direitos da criança como o aleitamento e o seu desenvolvimento, não
havendo desta forma discriminação entre homem e mulher.
Assim, para que não haja discriminação, mas, distinção, como ensina Ferreira (2000,
p.111), esta deve levar em consideração a natureza da desigualdade e observar o princípio da
29
razoabilidade; ou seja, quando se leva em consideração a natureza da desigualdade e se
observa o princípio da razoabilidade, nasce uma distinção.
A distinção aqui definida seria a discriminação legítima que segundo Marques da
Fonseca (2006, p.163) a doutrina aponta como hipóteses que se justificam jurídica e
pragmaticamente; no exemplo citado pelo autor, a natureza da desigualdade não é ser homem
ou mulher mais a capacidade física para o seu desempenho, sendo, portanto razoável que se
faça distinção.
A doutrina aponta hipóteses de discriminação que se justificam jurídica e
pragmaticamente, pois o tipo de atividade, por exemplo, em um determinado
emprego ou em uma determinada empresa, excluiria a possibilidade do
acesso de grupos específicos, como aquelas atividades em que o
desempenho físico ou os sentidos sejam essenciais. Outro aspecto é a
seleção de gênero, também em razão do tipo de atividade profissional a
ser desempenhada. Tem sido justificativa válida em hipóteses específicas,
como guardam em presídio feminino, atividades que empenham força física
muito intensa(...)(Fonseca Marques, 2006, p.163).
A distinção não leva a um privilégio, mas, propicia a igualdade de oportunidade. Já
as contas raciais ou como alguns preferem definir ações afirmativas se utilizam de
preconceitos (origem, raça ou cor) proibidos pela constituição em seu artigo 3º inc. IV,
infringindo desta forma o princípio da igualdade, ao criar um privilégio que caracteriza uma
discriminação.
É exemplo de cota racial para o acesso a universidades, o 1º vestibular de 2009 da
UNB conforme edital nº 3 de 21 de outubro de 2008, que leva em conta a cor da pele, que não
é a natureza da desigualdade, ou seja, não é por que se tem a pele de cor “x” ou “y” que não
se tem acesso à universidade, mas a falta de qualificação.
Ou seja, verdadeira natureza da desigualdade repousa na qualificação para o acesso
ao nível superior, visto que o processo de acesso, o vestibular, leva em conta o mérito e a
capacidade dos candidatos.
3.6. A polêmica das Cotas Raciais e o Judiciário
No Brasil nos últimos anos vem-se adotando políticas afirmativas tendo como critério
formas de discriminações proibidas pela Constituição Federal, com a justificativa de estar
30
promovendo justiça social depois de quatro séculos de escravidão, ou seja, uma forma de
compensação.
A cota para ingresso universitário pode ser um instrumento de justiça racial e de
dignidade nacional. Depois de quatro séculos de escravidão e um século sem terra para
trabalhar, sem educação para os filhos, os negros brasileiros têm direito a uma política de
discriminação afirmativa que recupere para alguns dos seus os direitos que lhes são negados.
Por outro lado, o Brasil é marcado internacionalmente pelo absurdo de ser um país negro
quase sem negros nas universidades e, consequentemente, nas profissões liberais e nos cargos
de direção. A cota universitária ajudará a melhorar a imagem do Brasil no exterior e poderá
ajudar a diminuir a injustiça racial. São pioneiras neste tipo de ação afirmativa, que leva em
conta a “raça”, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB),a Universidade de Brasília (UNB),
a Universidade Estadual do Rio de janeiro (UERJ) que propuseram reserva de vagas para
negros na aprovação no vestibular.
O partido Democratas que ajuizou Ação de Descumprimentos de Preceito
Fundamental – ADPF, no Supremo Tribunal Federal, em 2004, contra o sistema de cotas
raciais adotado pela Universidade de Brasília (UNB); O DEM pede a análise da
constitucionalidade das cotas raciais. O DEM entrou com ação no Supremo Tribunal Federal
(STF), com pedido de suspensão liminar, contra o sistema de cotas raciais na Universidade de
Brasília (UnB). O partido quer que seja declarada a inconstitucionalidade de atos do poder
público que resultaram na instituição de cotas raciais na universidade. O partido também quer
que sejam suspensos todos os processos na Justiça (federal e estadual) envolvendo o tema.
Estas ações judiciais levaram a sociedade a debater o sistema de cotas raciais,
principalmente sobre sua constitucionalidade, sua eficácia como instrumento de inclusão
social e suas consequências.
O Supremo Tribunal Federal (STF) em 03 de maio de 2012, por sete votos a um,
considerou constitucional o Programa Universidade para Todos (Prouni), ação do governo
federal que concede bolsas de estudos em universidades particulares a estudantes egressos do
ensino público. Entre os itens que também foram confirmados, e eram diretamente
contestados, está a reserva de vagas por critérios sociais e raciais dentro do programa.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi proposta em 2004 pelo partido
DEM e pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem). O
julgamento, no entanto, começou em 2008, com o voto do relator, ministro Carlos Ayres
31
Britto. O presidente, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, do tribunal foi favorável à
manutenção das regras, e contrário à ação proposta.
A ADI questionava desde o fato do programa ter sido criado por medida provisória,
desrespeitando critérios de "urgência e relevância" necessários, até a reserva de vagas por
critérios raciais, que desrespeitaria o princípio da isonomia. Também afirmava que o
programa ofenderia a autonomia universitária e estabelecia isenção fiscal de forma não
autorizada pela lei.
O julgamento acabou interrompido há quatro anos por um pedido de vista do ministro
Joaquim Barbosa, primeiro a votar nesta quarta. Ele defendeu a medida, que considerou uma
forma de combater o que chamou de "ciclo de exclusão" educacional. "Investir pontualmente,
ainda que de forma gradativa, mas sempre com o objetivo de abrir oportunidades
educacionais a segmentos mais amplos, que historicamente não as tiveram, constitui um
objetivo governamental constitucionalmente válido", segundo Nilson Ivan. "O importante é
que o ciclo de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados"5.
Sobre a possibilidade de que as regras desrespeitem o princípio da isonomia, da
igualdade entre os estudantes, o ministro foi taxativo. "A lei atacada não ofende o princípio da
isonomia, ao contrário, busca timidamente efetivá-lo". Para o ministro, a lei também não afeta
a autonomia universitária, já que as instituições de ensino superior não são obrigadas a aderir
ao programa.
O presidente do tribunal, Ayres Britto, relembrou o alcance do programa como uma
vantagem, ao permitir o acesso mais amplo a um direito básico. "Ele tem o mérito de atender
a essa necessidade coletivamente sentida chamada educação, que é o primeiro dos direitos
sociais listados pela Constituição, com absoluta procedência6".
O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a votar de forma contrária ao programa.
Questionando a opção pelo governo de criar o programa com a utilização de uma medida
provisória. "Se a política das bolsas se mostrou sadia já seria sadia anteriormente”.
O ministro também alegou que, por se tratar de questão tributária, o programa deveria
ter sido enviado na forma de um projeto de lei complementar, e não como foi feito. E criticou
o mérito do Prouni, que considerou "cumprimentar com o chapéu alheio" ao utilizar vagas do
5
Nilson Ivan, Supremo Confirma Constitucionalidade do Prouni, maio 2012. Disponível em:
<http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2012/05/supremo-confirma-constitucionalidade-doprouni.html>. Acesso em: 21 Jul. 2012.
6
Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/saber/1082098-stf-decide-por-unanimidade-que-sistema-decotas-e-constitucional.shtml> Acesso em: 20 Jul. 2012.
32
setor privado ao invés de expandir as vagas do setor público. "Se pudesse votar pelo
politicamente correto, eu endossaria o Prouni, mas não posso”.
Já o ministro Gilmar Mendes, que votou de forma favorável ao programa, fez duras
críticas ao sistema educacional brasileiro. Mendes disse que os estudantes cotistas sofrem
preconceito nas universidades, citou dados de baixa participação de jovens de baixa renda no
ensino superior e disse que o problema é de gestão. "Aqui nós estamos em um patamar
vergonhoso na América Latina, a despeito do discurso que se faça. A nossa situação é
constrangedora".
A lei determina que os beneficiários do Prouni devem ter cursado o ensino médio
completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista
integral. Parte dessas bolsas deve ser concedida a negros, indígenas e pessoas portadoras de
necessidades especiais. Além disso, a renda familiar não pode ultrapassar um salário mínimo
e meio para a bolsa integral e três salários para a bolsa parcial.
Em 03 de maio de 2012, o Supremo validou a política de cotas raciais em
universidades públicas. O tribunal decidiu que as políticas de cotas raciais nas universidades
estão de acordo com a Constituição e são necessárias para corrigir o histórico de
discriminação racial no Brasil.
A decisão foi tomada em uma análise da validade da política de cotas raciais adotada
pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004, que reserva por dez anos 20% das vagas do
vestibular exclusivamente para negros e um número anual de vagas para índios
independentemente de vestibular.
O Prouni foi criado pelo governo em 2004 e entrou em vigor em janeiro de 2005.
Desde então, concede bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e
sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior.
Segundo o Ministério da Educação7, o Prouni já atendeu, desde sua criação até o
processo seletivo do segundo semestre de 2012, mais de 1 milhão estudantes, 67% com bolsas
integrais.
7
Ministério da Educação, Programa Universidade para Todos – PROUNI. Disponível em:
http://prouniportal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=124&Itemid=140>.
Acesso
em: 23 Jul. 2012
33
Capítulo 4
Política de Ação Afirmativa da UFOP
Neste Capítulo se discute as Políticas de Ação Afirmativa (PAA) adotada pela
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que vêm sendo aplicada desde o segundo
vestibular de 2008. Procura-se apresentar uma reconstituição do processo que se iniciou com
a reivindicação da reserva de vagas pelo movimento social.
4.1. O Debate das Ações Afirmativas na UFOP
O debate acerca das PAA passou a fazer parte da agenda política do Brasil no limiar
do século XXI, refletindo particularmente a posição assumida pelo país na Conferência de
Durban, que ocorreu em 2001. Foi nesse contexto que o tema ação afirmativa passou a ser
discutido na UFOP. A esse respeito, faz-se necessário lembrar que os ecos de Durban foram
decisivos para a aprovação das PAA no Ensino Superior, repercutindo no Rio de Janeiro,
onde a Assembleia Legislativa aprovou a norma pioneira sobre a matéria, que, segundo
Franco (2006), posteriormente se expandiu pelo Brasil, refletindo até em Ouro Preto.
No caso da UFOP, a primeira vez em que o assunto foi tratado foi no dia 30 de junho
de 2003, quando a PROGRAD realizou o debate Cotas para negros e para escola pública na
universidade (Anexo 1). No evento, a comunidade ufopiana teve a oportunidade de debater
com os professores Valter Roberto Silvério, da Universidade Federal de São Carlos, e Isaac
João de Vasconcellos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, o sociólogo
Valter Silvério discorreu sobre os fundamentos da ação afirmativa para negros e indígenas nas
universidades, enquanto o professor Isaac, subdiretor de graduação da UERJ, apresentou a
Política de Reserva de Vagas da UERJ e os resultados preliminares da sua primeira
aplicação.Na mesma data, foi lançado na UFOP o livro De Preto a Afrodescendente: trajetos
de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relações étnico-raciais no Brasil, cujo autor é o
professor Valter Silvério. Representou uma boa oportunidade para o início de forte
mobilização que os movimentos sociais de Ouro Preto encamparam, a partir de então, em
defesa das cotas.
34
Foi, portanto, no mês de agosto de 2003 que a ação afirmativa foi reivindicada pela
UFOP. A demanda foi apresentada pelo Fórum de Entidades para Consciência Negra, que
congregava diversas entidades do município de Ouro Preto e nasceu da mobilização de
diversas pessoas e entidades que realizaram um seminário no qual, entre outros aspectos, se
discutiu a necessidade de a UFOP implantar, a partir do próximo vestibular, um sistema de
cotas para o acesso de afrodescendentes nos cursos de graduação. Mais tarde o Fórum de
Entidades para a Consciência Negra se transformou em Fórum da Igualdade Racial (FIROP),
que se converteu no principal ator na luta pelas cotas na UFOP. Desde a sua criação até a
efetiva aprovação das PAA pelo CEPE, o FIROP esteve presente em todos os momentos em
que o tema foi tratado. A partir de então, a entidade realizou vários eventos8, locais e
regionais, sobre o tema.
De acordo com o pró-reitor adjunto de graduação, Adilson Pereira Santos, em 2005, a
PROGRAD, através da Coordenadoria de Processos Seletivos (CPS), realizou um seminário
sobre o vestibular, no qual um dos temas abordados foi o da ação afirmativa. Esse evento foi
aberto à comunidade universitária e à externa. Contou com a participação de representantes
das redes oficiais de ensino estadual e municipal, do Centro Tecnológico Federal de Ouro
Preto (CEFET-OP), dos cursinhos pré-vestibulares, de estudantes do Ensino Médio e também
de representante do FIROP. Na dinâmica dos trabalhos do seminário, além das discussões
gerais, ocorreram atividades de grupos de trabalho, em que um dos temas abordados foi o da
reserva de vagas para egressos de escolas públicas, autodeclarados negros e indígenas.
Ainda em 2006, a UFOP, representada pelo reitor, João Luiz Martins, e pelo pró-reitor
adjunto de graduação, Adilson Pereira dos Santos, atendeu a diversas convocações da
comunidade ouro-pretana para debater o assunto. Isso aconteceu em Audiências Públicas
convocadas pela Câmara Municipal, em eventos em escolas públicas de Ensino Médio,
emissoras de rádio, etc. Além disso, o pró-reitor adjunto de graduação publicou artigo de
opinião no Jornal da Universidade “convidando a comunidade a se posicionar sobre o tema”
(SANTOS e QUEIROZ, 2007, p.13).
O debate ocorrido, sobretudo no segundo semestre de 2006, contribuiu para que, em
fevereiro de 2007, a COPEPS aprovasse, “por unanimidade, proposta de criação de política de
reserva de 50% das vagas em todos os cursos de graduação para estudantes que tenham
cursado integralmente o ensino médio em escola pública” (SANTOS; QUEIROZ, 2007, p.
13).
8
Semana da Consciência Negra, pronunciamentos na Câmara Municipal, palestras em escolas públicas de ensino médio.
35
Na imprensa, o tema ganhou as páginas de vários periódicos da região. O Jornal
Liberal publicou, na edição 30 de julho a 5 de agosto, a matéria UFOP discute cotas para
vestibular (Anexo 2). O Diário de Ouro Preto, publicou, em 3 de agosto, como matéria de
capa: UFOP discute cotas para vestibular (Anexo 3). A mesma matéria foi veiculada no Jornal
Tribuna Livre (Anexo 4).
No dia 14 de agosto de 2007, o CEPE se reuniu para tratar do assunto: Política
implantação de cotas na UFOP, mas a decisão do CEPE sobre este assunto se deu em 13 de
fevereiro de 2008, que destacou: a) os projetos de lei nº 73/1999 e nº 3.627/2004; (b) a
maioria dos alunos da UFOP se originam de escolas do ensino médio privada; (c) poucos
candidatos egressos de escolas públicas, assim como não brancos são aprovados nos
vestibulares da IES; (d) há necessidade de a UFOP estabelecer políticas de ações afirmativas;
(e) a matéria já vinha sendo tratada pelo CEPE desde 2007; (f) a PROGRAD coordenou um
amplo ciclo de debates aberto às comunidades interna e externa sobre o tema; (g) a UFOP
precisa contribuir para a democratização do acesso ao ensino superior público, assegurando
particularmente a entrada de egressos de escolas públicas e de setores historicamente
discriminados e (h) Ouro Preto é uma cidade que, segundo o IBGE, tem cerca de 70% de
pessoas que declaram afrodescendentes.
4.2. As Políticas de Ação Afirmativa da UFOP
As PAA da UFOP foram aprovadas, em 13 de fevereiro de 2008, pelo Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), com a Resolução n.o 3.270 (Anexo 5). Essa aprovação
foi precedida de longo período de debates que duraram vários anos, iniciando no ano de 2001,
quando a sociedade civil reivindicou da UFOP a adoção de reserva de vagas para egressos de
escolas públicas e negros. Na mesma época, a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD)
apresentou a primeira proposta ao CEPE.
Duas motivações principais estimularam a adoção das PAA. Uma tem relação com as
pressões sociais pela implantação de cotas nas universidades, principalmente a partir das
recomendações da Conferência de Durban de 2001. Outra representa uma resposta ao
compromisso assumido pelo candidato a reitor, João Luiz Martins, para o quadriênio 20052009, expresso na sua Carta Programa, apresentada à comunidade universitária. Assim, foi
atendida pela agenda da Administração que se instalava a necessidade de debater a adoção de
medidas que contribuíssem para a democratização do acesso aos cursos de graduação da
36
UFOP. Desde 2005, foram realizados diversos debates, o que, após longo período de
discussões, resultou na decisão de adotar ações que pudessem contribuir para alterar o perfil
dos estudantes que ingressavam na instituição, cuja grande maioria era constituída de egressos
de escolas privadas. Nesse contexto, a primeira manifestação pública da UFOP sobre o
assunto se deu no I Seminário de Vestibular, realizado no mês de maio de 2005, no qual um
dos temas abordados foram as PAA. Assim, a UFOP considerou particularmente a
necessidade de contribuir para a democratização do acesso e para a permanência no Ensino
Superior público, assegurando a entrada de alunos oriundos de escolas públicas.
Nos termos da Resolução CEPE aprovada, “das vagas destinadas aos Processos
Seletivos para ingresso nos cursos de graduação da Universidade Federal de Ouro Preto,
ficam assegurados trinta por cento do total de vagas de cada curso para ocupação por
candidatos classificados egressos de Escolas Públicas” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE
OURO PRETO, 2008).
A mesma Resolução estabelece:
são considerados egressos de Escolas Públicas os candidatos que cursaram
integralmente e concluíram todas as séries do Ensino Médio Regular ou
equivalente em Escolas Públicas das esferas federal, estadual ou municipal,
não se aplicando, neste caso, para candidatos aprovados em Exames
Supletivos ou similares. (Resolução CEPE nº 3270, de 13 de fevereiro de
2008).
Mas a norma da UFOP faculta aos candidatos que preenchem os requisitos de
beneficiários das PAA o direito de não querer delas participar, mediante a manifestação
expressa no ato da inscrição. Mesmo assim, normalmente as grandes maiorias dos candidatos
que atendem a esses requisitos se inscrevem como participantes das PAA.
As PAA da UFOP foram aplicadas pela primeira vez no segundo semestre letivo de
2008. A partir de então, já recrutaram mais de 3 mil estudantes de graduação em seis
processos seletivos para os cursos presenciais. A figura 2.1, a seguir, apresenta a distribuição
de candidatos inscritos nesses processos seletivos, nos cursos presenciais oferecidos,
conforme adesão, ou não, às PAA, no período de 2008 a 2011.
Figura 2.1 – Distribuição de ingressantes nos cursos presenciais da UFOP no período
2008- 2011, adeptos, ou não, das PAA e total de matrículas:
37
Figura 2.1: Distribuição de candidatos inscritos no vestibular no período de 2008 a 2011, conforme
adesão, ou não, às PAA.
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico PROGRAD/UFOP
A figura 2.1 mostra que, de 2008 a 2011, a UFOP admitiu 7.441 estudantes, sendo que
42,1% eram participantes das PAA. A taxa de 30% fixada pela norma do CEPE vem se
ampliando semestralmente. Na sua primeira edição, em 2008/2, os participantes das PAA
foram 8,1% acima dessa taxa; em 2009/1, 10,5%; em 2009/2, 11,9%; em 2010/1, 15,2%; em
2010/2, 16,4% e em 2011/1 ocorreu um decréscimo, atingindo patamar próximo ao da
primeira edição.
A Figura 2.2, a seguir apresenta a evolução das matrículas de participantes das PAA
na UFOP.
Figura 2.2: Distribuição percentual dos estudantes que se matricularam na UFOP entre 2008 e 2011 na
condição de participantes da PAA
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico PROGRAD/UFOP
38
Em cumprimento ao que estabeleceram os artigos 4.º e 5.º da Resolução CEPE
n.º3.270, em 22 de outubro de 2010, a PROGRAD apresentou relatório de avaliação das PAA
com dados do Programa de Melhoria das Condições de Entrada e Permanência dos
Ingressantes da UFOP. O relatório subsidiou a decisão do CEPE, que aprovou por
unanimidade a manutenção das PAA, com base na avaliação da PROGRAD: elas
contribuíram para a democratização do acesso de egressos de escolas públicas à UFOP, sem
que prejuízos acadêmicos fossem observados. Essa decisão do CEPE, associada a outras
medidas, soma-se a outras políticas importantes da UFOP nas perspectivas da expansão e da
inclusão. Trata-se da adesão ao REUNI e da ampliação de vagas para a Universidade Aberta
do Brasil.
4.3. Renovação das Políticas de Ação Afirmativa da UFOP
No segundo semestre de 2010, considerando o que determinam os artigos 4.º e 5.º da
Resolução CEPE n.º 3.270, a PROGRAD disponibilizou informações e se reuniu com os
colegiados de curso de graduação, com o objetivo de colher subsídios para que o próprio
CEPE avaliasse a continuidade das PAA. O estudo realizado pela PROGRAD se baseou em
informações relativas à caracterização dos estudantes que ingressaram no ano de 2009.
Identificou que, das 2.423 matriculas realizadas, 41,3% foram de participantes das PAA, que
apenas em quatro cursos a presença desses estudantes se limitou-se aos 30% fixados pela
norma do CEPE e que em alguns cursos a presença de participantes das PAA foi expressiva.
O estudo mostrou ainda que, entre os participantes, 6.7% foram efetivamente beneficiados, ou
seja, não ingressariam nos seus cursos se não fossem as PAA.
Quanto à rejeição, verificou-se que um contingente muito pequeno de pessoas que
atendiam às condições para participação das PAA optou por não participar. Outros aspectos
apresentados pelo estudo foram a natureza jurídica das escolas de origem, renda mensal em
salários mínimos e desempenho acadêmico nos vestibulares e nos respectivos cursos de
graduação. Sobre o desempenho acadêmico, observou-se que, dos 41 cursos oferecidos, em
apenas cinco os participantes das PAA obtiveram médias superiores às dos não participantes.
Em perspectiva oposta, passado um ano do ingresso, os coeficientes de rendimento
acadêmico revelaram que aqueles que tiveram melhor desempenho no 114 vestibular não
mantiveram essa vantagem após o ingresso nos cursos. Os participantes das PAA registraram
desempenho melhor do que o dos não participantes, em 31 dos 41 cursos.
39
As informações prestadas pela PROGRAD serviram de base para a decisão do CEPE
(Anexo 6) de “aprovar a recomendação da manutenção do Programa de Política de Ação
Afirmativa para o acesso de alunos egressos de Escolas Públicas nos cursos de graduação da
Universidade Federal de Ouro Preto” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO,
2010)
O estudo realizado investigou as PAA aprovadas pela UFOP, implantadas a partir do
segundo semestre do ano de 2008. A pesquisa procurou examinar como as PAA contribuíram
para a democratização do Ensino Superior e consequente redução das desigualdades. As PAA,
medidas que vêm sendo adotadas em diversas IES, são ações importantes num contexto em
que determinados segmentos da sociedade, dada sua condição de desvantagem ou
discriminação, se encontram mais expostos à exclusão. Assim, há que se reconhecer a sua
atuação para garantia do acesso ao Ensino Superior público e até mesmo ao privado, com o
PROUNI, o que não seria possível, se fossem mantidas as condições de suposta igualdade de
oportunidades vigentes. A esse respeito, torna-se ilustrativo um dos cinco dilemas e tensões
indicados por Piovesan (2011) “antagonismo políticas universalistas versus políticas
focadas...” (FERREIRA, 2011, p.128). O papel que as PAA vêm cumprir nesta conjuntura é
corrigir uma distorção histórica: incluir, num sistema excludente, os dele mais excluídos.
Porém não são a panaceia, apenas representam para muitos oportunidade ímpar de acesso a
um sistema capaz de promover a mobilidade social. A decisão da UFOP de adotar as PAA foi
acertada, o que não significa que não necessitam de aperfeiçoamentos.
As PAA da UFOP se revelam como um mecanismo de democratização do acesso ao
Ensino Superior público.
40
Capítulo 5
Considerações Finais
A intenção do presente trabalho foi investigar a adoção de políticas de ação afirmativa
no Brasil, como inclusão e incentivo à educação dos menos beneficiados na nossa sociedade,
a fim de eliminar as desigualdades historicamente acumuladas e garantir a igualdade de
oportunidades nas universidades.
Pude concluir, através desse estudo, que a grande polêmica que gira em torno da
educação atual quando se trata de ação afirmativa é a cota racial. Em minha opinião, a cota
racial não é uma forma de racismo conforme identificado em alguns pontos de vista durante a
pesquisa. Pelo contrário, a não aceitação das cotas raciais pela sociedade que é uma forma de
racismo, pois se elas não tivessem sido criadas e adotadas por diversas universidades
brasileiras, até hoje, o negro continuaria excluído da nossa sociedade.
Sou a favor do Sistema de Cotas em todas as universidades, independente dos
critérios que cada uma vem a adotar, mas que pelo menos dêem a oportunidade aos menos
beneficiados de cursarem o ensino superior. Defendo também que a adoção das cotas seja
uma medida temporária até que haja a diversidade nas universidades. Isso dar-se-á daqui a
alguns anos, quando realmente percebermos um número proporcional de alunos brancos,
negros, pobres, ricos e portadores de deficiência nas salas de aula. Sendo assim, a ideia de
racismo e discriminação, principalmente do negro, não fará mais parte dos debates em torno
da educação do nosso país.
Por fim, as cotas possuem fundamentos políticos, sociais e históricos. Elas se
embasam na ideia de solidariedade social, de igualdade ou redução das desigualdades raciais e
de reparação social e histórica. Dessa forma, serve como mecanismos para promover a
ascensão social e racial dos negros e afrodescendentes que por muito tempo não foram
beneficiados por políticas de inclusão. Se os interesses sociais do Estado visam à redução das
desigualdades, a promoção das classes sociais menos favorecidas ou fragilizadas seja pelo
aspecto étnico ou social, as cotas para a raça negra se justificam.
41
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de fevereiro de 2008, Disponível em: <www.soc.ufop.br>. Acesso em: 30 Abr. 2012.
WEREBE, M. J. G. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil. São Paulo: Ática,
1994.
45
Anexos
ANEXO 1 – Convite PROGRAD: Debate Cotas para negros e Escola Pública na
Universidade
Fonte: PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO. Convite PROGRAD Debate. Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),
Ouro Preto/MG, 2003.
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ANEXO 2 – Matéria publicada no Jornal O Liberal – 30 de julho a 5 de agosto de 2007
Fonte: UFOP discute cotas para vestibular. In: Jornal O Liberal. Ouro Preto, 30 jul a 5 ago. 2007.
47
ANEXO 3 – Matéria publicada no Jornal Diário de Ouro Preto – 03 de agosto de 2007
Fonte: Ufop discute cotas para vestibular. In: Jornal Diário de Ouro Preto. Ouro Preto, 3
ago. 2007.
48
ANEXO 4 – Matéria publicada no Jornal Tribuna Livre de Ouro Preto – Agosto 2007
Fonte: Ufop discute cotas para vestibular. In: Jornal Tribuna Livre. Ouro Preto, ago. 2007.
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ANEXO 5 – Resolução CEPE 3.270 que aprovou a Política de Ação Afirmativa da UFOP
RESOLUÇÃO CEPE Nº 3.270
Dispõe sobre a política de ação afirmativa para o acesso
de alunos egressos de Escolas Públicas nos cursos de
graduação da Universidade Federal de Ouro Preto.
O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Ouro Preto, em
reunião extraordinária, realizada em 13 de fevereiro deste ano, no uso de suas atribuições
legais, considerando:
a atual composição do corpo discente da UFOP quanto ao tipo de escola de origem do
Ensino Médio, predominantemente privada;
a necessidade de a UFOP estabelecer políticas de ações afirmativas, especificamente em
relação aos critérios de seleção de seus alunos de graduação;
a proposta apresentada pela Comissão Permanente de Processos Seletivos (COPEPS)
submetida ao CEPE e discutida por este Conselho no dia 27 de fevereiro de 2007;
o amplo ciclo de debates desencadeado na UFOP, envolvendo as comunidades interna e
externa sobre o tema, no período compreendido entre a retirada da proposta da
COPEPS de análise no CEPE, ocorrida no dia 27 de fevereiro de 2007, e a última
reunião extraordinária deste Conselho, realizada em 13 de dezembro de 2007;
o compromisso público assumido pelo CEPE em diversas reuniões que trataram o
assunto, particularmente em 13 de dezembro de 2007, de que a UFOP teria uma
posição sobre a política afirmativa de vagas nos cursos de graduação para o 2º
vestibular de 2008;
a necessidade de contribuir para a democratização do acesso ao ensino superior público,
assegurando particularmente a entrada de egressos de escolas públicas e de setores
historicamente discriminados,
R E S O L V E:
Art. 1º Das vagas destinadas aos Processos Seletivos para ingresso
nos cursos de graduação da Universidade Federal de Ouro Preto, ficam assegurados trinta por
cento do total de vagas de cada curso para ocupação por candidatos classificados egressos de
Escolas Públicas.
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§ 1º - O disposto no caput não se aplica às seguintes formas de
ingresso: reopção de curso, reingresso, transferência e portador de diploma de graduação
(PDG).
§ 2º - Em caso de o número de vagas a que se refere o caput resultar
em um número fracionário, este número será arredondado para o inteiro imediatamente
superior.
§ 3º - São considerados egressos de Escolas Públicas os candidatos
que cursaram integralmente e concluíram todas as séries do Ensino Médio Regular ou
equivalente em Escolas Públicas das esferas federal, estadual ou municipal, não se aplicando,
neste caso, para candidatos aprovados em Exames Supletivos ou similares.
§ 4º - O candidato que atender à condição do parágrafo anterior e que
não queira participar da política de ação afirmativa para acesso de alunos egressos de escola
pública deverá manifestar-se, expressamente, em local apropriado no formulário de inscrição
para o Processo Seletivo.
Art. 2º A comprovação do cumprimento do disposto no § 3º do artigo
1º dessa Resolução dar-se-á mediante apresentação, no ato da matrícula institucional, da
documentação exigida no Edital do respectivo Processo Seletivo.
Parágrafo único. O candidato participante da política de ação
afirmativa que não comprovar, no ato da matrícula institucional, ser egresso de escola pública,
será eliminado do processo, independentemente de outras sanções judiciais aplicáveis.
Art. 3º As normas de cada Processo Seletivo serão estabelecidas em
Edital específico da Comissão Permanente de Processos Seletivos (COPEPS). Art. 4º Caberá
à Pró-Reitoria de Graduação, no âmbito do Programa de Melhoria das Condições de Entrada e
Permanência dos Ingressantes da UFOP, a realização de levantamentos e organização de
dados estatísticos que subsidiem a avaliação desta política de ação afirmativa que assegura
trinta por cento de vagas em cada curso de graduação para egressos de escola pública.
Art. 5º A presente Resolução entra em vigor nesta data e será aplicada
aos processos seletivos dos dois próximos anos, sendo avaliada durante esse período.
Ouro Preto, em 13 de fevereiro de 2008.
Prof. João Luiz Martins
Presidente
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ANEXO 6 – Resolução CEPE 4.182 que aprovou a manutenção da Política de
Ação Afirmativa da UFOP
Fonte: Sistema SOC UFOP In: RESOLUÇÃO CEPE Nº 4.182, out. 2010.
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Ações Afirmativas: uma política de inclusão no ensino superior