POTENCIAL PRODUTIVO DO CAMPO NATIVO NO RIO GRANDE DO SUL1
Paulo César de Faccio Carvalho, Gerzy Ernesto Maraschin, Carlos Nabinger2
1. INTRODUÇÃO
O campo nativo é de vital importância para o segmento pecuária no RS. A dimensão desta
importância pode ser evidenciada pela sua extensão, sendo que aproximadamente 12.000.000 ha
são consideradas como formações campestres. Este campo caracteriza-se por uma esplêndida
diversidade de espécies, cuja fisionomia está ligada aos diversos tipos de solo e condições
climáticas predominantes em cada região fisiográfica do RS.
No entanto, o sistema de produção baseado no campo nativo tem sido sinônimo de
produção extensiva, caracterizado pela baixa produtividade e, consequentemente, baixa
rentabilidade. Se nas décadas passadas esta baixa rentabilidade não atingia de forma importante o
pecuarista, atualmente, nas novas condições de comércio globalizado e moeda estável, o produtor
se viu repentinamente frente ao desafio de produzir com eficiência e com qualidade. A questão
agrária tem sido um outro fator a agitar o meio produtivo, assim como o ITR, e ainda haverão
outros desafios a médio prazo e que já se vislumbram no horizonte, como produzir sem agredir o
meio ambiente. Portanto, as condições para a produção pecuária têm mudado muito
repentinamente e o sistema de produção está sendo pressionado a rápidas mudanças após décadas
de uma certa imobilidade.
Esta crise, que observa-se nos diversos setores produtivos, tem consequência conhecida.
Muitos sucumbirão e outros conseguirão se adaptar às novas condições de produção, com
possíveis ganhos para a economia e a sociedade. Acreditamos que aqueles que pretendam
sobreviver a todo este processo de ajuste de mercado tenham de agregar novas palavras ao seu
dicionário produtivo, tais como otimização de recursos, sustentabilidade, qualidade do produto,
eficiência, ambiente, controle de custos, etc.
Este trabalho se propõe a apresentar o campo nativo sob um novo prisma, compatível com
as novas exigências de mercado. Para isto, é necessário que venhamos a tratar o campo nativo
como um Ecossistema e que tenhamos uma visão macro a respeito das bases biológicas que o
sustentam. Somente a partir deste conhecimento é que se torna possível compreendermos os
limites de aumento de sua eficiência, e que também se torna possível fazermos inferências a
respeito do potencial produtivo do campo nativo.
Entendendo o assunto abordado dentro deste contexto, e dentro da perspectiva de
suplementação que é a tônica deste simpósio, decidiu-se por não discutir outras técnicas que
também podem aumentar a eficiência do sistema, como por exemplo a introdução de espécies em
sobressemeadura. Portanto, o foco estará centralizado na otimização do uso do recurso natural,
mesmo porque não faz sentido pensar em suplementar um recurso que não esteja sendo explorado
em todo o seu potencial.
1
CARVALHO, P.C.F.; MARASCHIN, G.E.; NABINGER, C. Potencial produtivo do campo nativo do Rio Grande
do Sul. In: PATIÑO, H.O. (Ed.). SUPLEMENTAÇÃO DE RUMINANTES EM PASTEJO, 1, Anais, Porto AlegreRS. 1998.
2
Prof. Adjunto, Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia -UFRGS
2
2. O ECOSSISTEMA PASTORIL
É importante esclarecermos, desde o início, que a baixa produtividade em sistemas de
produção baseados no campo nativo é consequência de como o tratamos e não causa do mesmo.
A idéia predominante no sistema de produção de que a baixa produtividade pecuária seria
causada pela exploração em campo nativo minimizou a importância deste recurso natural e
influenciou adoções de práticas de manejo e linhas de pesquisa ao longo das últimas décadas. A
estratégia para se aumentar a produtividade tem sido, invariavelmente, a substituição do campo
nativo por espécies cultivadas “mais produtivas” ou adição das mesmas ao campo em
sobressemeadura. Raramente se observa, mesmo em pesquisa, um investimento direto no campo
nativo. Isto porque o desconhecimento em relação à ecologia, funcionamento e potencial de tal
ecossistema é total. Portanto, para que possamos compreender o potencial do campo nativo, é
importante que venhamos a conhecer os limites de sua produtividade, que são as de quaisquer
ecossistema pastoril.
O fundamento do conceito de Ecossistema é o de que todas as partes do ambiente estão
inter-relacionadas. A estrutura de um ecossistema pastoril é formada por componentes bióticos
(plantas, animais, etc.) e abióticos (solos, radiação, clima, etc.), de cujo equilíbrio depende a
sustentabilidade do ecossistema (NABINGER, 1998). Uma das características mais marcantes
deste ecossistema é o fluxo de energia que ocorre entre os diversos níveis desta cadeia alimentar.
A captura da radiação solar pela vegetação, a eficiência da utilização desta vegetação pelos
herbívoros e a eficiência pela qual a energia ingerida é convertida em crescimento animal
compreende o principal eixo de transferência de energia no ecossistema pastoril (BRISKE &
HEITSCHMIDT, 1991). Este processo de transferência de energia, a exemplo do que apregoam
as leis de termodinâmica, não são eficientes. Aproximadamente 90 % da energia transferida entre
os níveis tróficos é perdida em formas não aproveitáveis pelo componente biótico do sistema. Por
exemplo, somente uma proporção da energia solar é convertida em energia química pela
fotossíntese e agrega crescimento à planta porque uma porção desta energia é utilizada na
respiração. O mesmo acontece com os animais, onde uma parte considerável da energia é
utilizada no metabolismo basal, diminuindo a quantidade de energia disponível para crescimento
e transferência subsequente aos outros níveis da cadeia alimentar (BRISKE & HEITSCHMIDT,
1991).
Podemos, portanto, entender a produtividade de um ecossistema como a quantidade de
energia que é captada e transferida entre os seus diversos níveis tróficos até o produto final (e.g.
terneiro ou carcaça de boi). Isto nos remete a um segundo nível de compreensão do diagnóstico
do nível de produtividade de um ecossistema pastoril, ou seja, o fato de que a quantidade de
energia a ser transferida seja função primária da quantidade de energia disponível no sistema. Isto
significa que, por exemplo, a produtividade primária (biomassa de planta/área/tempo) é função da
quantidade de radiação disponível numa determinada região. Outros fatores abióticos pelos quais
temos pouca ou nenhuma gerência, como a água e a temperatura, associado a fatores
manipuláveis como as propriedades químicas do solo determinarão a quantidade daquilo que é
oferta que o meio disponibiliza para ser capturado (Figura 1).
A energia solar é, portanto, a mola propulsora do sistema e o principal determinante de
sua produtividade primária. Por isto, distintas regiões têm distintos potenciais produtivos. A
variação geográfica da distribuição da energia solar na superfície terrestre é tal que os polos
recebem apenas 20 a 25 % da radiação solar que recebem os trópicos (SINCLAIR & GARDNER,
1998). Segundo estes autores, a maior disponibilidade de radiação solar ocorreria próximo às
3
latitudes dos trópicos de Câncer e de Capricórnio. Isto é freqüentemente esquecido quando
comparamos a produção de espécies tropicais situadas em latitudes inferiores às nossas em
relação ao campo nativo do RS.
Figura 1. Principais componentes do ecossistema pastoril e algumas características abióticas
determinantes da magnitude potencial do fluxo de energia e nutrientes (adaptado de
WILKINSON & LOWREY, 1973)
A produtividade primária é limitada pelo que se conhece como limitações ecológicas. A
primeira diz respeito à quantidade de energia solar disponível. Apenas 45% da energia solar
incidente está no espectro disponível para a fotossíntese. A segunda consiste no fato de que
outros fatores abióticos não estão necessariamente disponíveis ao mesmo tempo que a energia
solar (e.g. limitações hídricas). Isto faz com que apenas um pequeno percentual da energia solar,
frequentemente entre 1 a 3 %, seja absorvido pela vegetação (GARDNER & SINCLAIR, 1998).
A produtividade secundária (produto animal/área/tempo) também tem limitações
ecológicas (BRISKE & HEITSCHMIDT, 1991). Uma vez que a produção primária varia no
tempo e no espaço, torna-se difícil ajustar a densidade de gado à flutuação de forragem. Sendo
assim, os animais ingerem apenas uma parte da biomassa vegetal produzida, mesmo porque boa
parte dela é produzida abaixo do solo e, portanto, está indisponível ao animal. A qualidade desta
biomassa é também variável no espaço e no tempo. Uma porção substancial da energia colhida
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pelo animal é perdida como metano, urina e fezes nos ruminantes, o que reduz a energia
disponível para crescimento, em relação à energia consumida, em aproximadamente 10 %.
Podemos concluir, portanto, que a eficiência do sistema diminui à medida em que a
energia é transferida nos diversos níveis tróficos. Segundo (BRISKE & HEITSCHMIDT, 1991),
a eficiência de conversão da energia solar em produção primária é de 0,5 %. A eficiência de
conversão da parte aérea das plantas em produção secundária seria de 2,0 %, o que daria uma
eficiência global do sistema, considerando a eficiência de conversão da energia solar em produto
animal de apenas 0,002 %. Isto significa que a possibilidade de aumento da produtividade de
qualquer ecossistema pastoril é limitada pela estrutura natural do sistema, ou seja, não se trata de
um sistema eficiente mesmo que venhamos a trabalhar com espécies exóticas (Figura 2).
Humano
Carne
Alfafa
Radiação solar
8,3x103
1,2x106
1,5x107
6,3x1010
Figura 2. Pirâmide do fluxo de energia, em calorias e em escala logarítmica, a partir da energia
solar recebida na superfície terrestre até sua fixação no corpo humano (GARDNER &
SINCLAIR, 1998).
Uma vez que isto seja bem compreendido, e que não venhamos a exigir das pastagens
naturais algo que nem mesmo as cultivadas podem oferecer, o foco deve se centralizar nas ações
sobre os componentes do sistema passíveis de manipulação, guardados os limites ecológicos à
sua ação.
NABINGER (1998) demonstrou, de forma elegante, a otimização da produção que
podemos obter do campo nativo através de técnicas de manejo simples como o ajuste de carga
animal em função da oferta de forragem (Tabela 1). Estes resultados 1 estão baseados num
experimento conduzido na EEA/UFRGS que estudou o efeito de diferentes ofertas de forragem
sobre o desempenho de bovinos e a produção do campo (MARASCHIN et al., 1997). A produção
de matéria seca anual observada foi de 2075, 3488, 3723, 3393 kg de MS/ha, respectivamente
para os tratamentos de 4, 8, 12 e 16 % de oferta. Os respectivos ganhos de peso vivo no período
foram de 78.1, 132.5, 145.3, 116.5 kg/ha. A oferta de 4,0 % corresponde a um campo
excessivamente utilizado, com alta lotação, onde o campo se apresenta com fisionomia do tipo
“rapado”. Nestas condições, a área foliar é reduzida e a captação da radiação também o é,
acarretando numa eficiência de transformação da PAR em produção primária aérea de apenas
0.20. Uma vez que a colheita de forragem num campo rapado é reduzida porque o animal tem o
seu consumo limitado (não consegue “encher a boca”), a eficiência de conversão da radiação em
produto animal também é reduzida (0.009). À medida em que se aumenta a oferta de forragem,
maior a área foliar residual e maior a captação da energia solar e transformação em produção de
forragem. O mesmo é observado em relação à produção animal. Quanto maior a oferta de
forragem, maior a oportunidade de colheita e seleção da forragem pelo animal em pastejo. A
eficiência de conversão da PAR incidente em produção animal pode ser aumentada em quase 100
% quando aumentamos a oferta de forragem de 4,0 para 12,0 %.
5
Tabela 1. Efeito da intensidade do pastejo sobre o fluxo e a eficiência de transformação de
energia numa pastagem natural do Rio Grande do Sul, (NABINGER, 1998).
Intensidade de pastejo
(kg MS/100 kg de peso vivo/dia)
8,0 %
12,0 %
16,0 %
Conteúdo de energia
Componentes do sistema
4,0 %
Energia solar total incidente
(MJ/ha)
Radiação fotossinteticamente
ativa PAR incidente (MJ/ha)
Produção primária aérea (MJ/ha)
Produção secundária (MJ/ha)
48.000.000
40.877
20.600.000
68.714
73.343
66.842
1.835*
3.144
2.738
*
3.415
Eficiência de transformação
*
PAR/Prod. primária aérea
0.20
0.33
0.36
0.32
PAR/ Prod. secundária
Prod. primária/Prod. secundária
0.009
4.48
0.015
4.53
0.017
4.66
0.013
4.10
considerando-se a concentração de energia nos tecidos vegetal e animal de 19,7 e 23,5 MJ/kg, respectivamente.
Concluímos, portanto, que o processo produtivo nos ecossistemas pastoris, apesar de
pouco eficiente em termos globais, permite enormes possibilidades de otimização. O uso
adequado da pastagem nativa, através da adequação da lotação à disponibilidade de forragem,
pode aumentar a produção animal no Rio Grande do Sul em 800.000 t de carne/ano com
tecnologia a custo zero (NABINGER, 1998).
3. PRODUTIVIDADE DO CAMPO NATIVO NO RIO GRANDE DO SUL
O campo nativo do RS é composto predominantemente por espécies de ciclo estival, o
que determina a tão reconhecida estacionalidade da produção de forragem. A consequência deste
fato é a baixa produção de forragem nos meses de inverno, com consequente perda de peso dos
animais neste período. Uma vez que a lotação é uma média de duas situações: abundância na
primavera-verão, restrição no outono-inverno, observa-se um descompasso entre a produção de
forragem e as necessidades dos animais. Propostas para solução desta problemática podem ser
focalizadas, teoricamente, de diversas formas (Figura 3).
A ação de se “moldar” estas curvas de oferta e demanda é o que entendemos por manejo.
A questão básica, como pode-se notar, é o ajuste entre o que o campo produz e as necessidades
dos animais. Isto nos introduz aos conceitos de taxa de acúmulo e produção de matéria seca da
pastagem nativa e sua produtividade medida em termos de produto animal.
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PRODUÇÃO DE FORRAGEM
PRODUÇÃO DE FORRAGEM
(A)
(B)
CARGA ANIMAL
CARGA ANIMAL
PRIM./VERÃO
INVERNO
PRIM./VERÃO
PRODUÇÃO DE FORRAGEM
(C)
SOBRESSEMEADURA
DE SP. DE INVERNO
PRIM./VERÃO
INVERNO
(D)
INVERNO
PRODUÇÃO DE FORRAGEM
SUPLEMENTAÇÃO
CARGA ANIMAL
CARGA ANIMAL
PRIM./VERÃO
INVERNO
Figura 3. Curvas de produção de forragem e ações de manejo potenciais visando o ajuste entre
demanda e oferta de forragem: (A) campo nativo; (B) campo nativo adubado; (C)
sobressemeadura de espécies de inverno; (D) suplementação.
3.1. Taxa de Acúmulo de Matéria Seca da Pastagem Nativa.
A cobertura vegetal e o ambiente físico elaboram diariamente, através da fotossíntese, a
MS que serve de alimento e compõe a dieta que alimenta o animal em pastejo. Este crescimento
diário se denomina taxa de acúmulo de MS da pastagem nativa, expresso em kg de MS por
hectare por dia. Isto representa, efetivamente, o que se dispõe no campo para ser colhido e
consumido pelo animal em pastejo. Trata-se de uma variável fundamental para o manejo do
campo nativo uma vez que determina o potencial de carga do campo. Se uma determinada
pastagem nativa cresce a um ritmo de 10 kg de MS/ha/dia isto significa que podemos alimentar,
por exemplo, uma vaca por ha porque uma vaca consome, aproximadamente, esta quantidade de
alimento por dia. Se com um manejo melhor do campo, seja através do ajuste de carga e/ou
adubação este ritmo de crescimento se elevar (e.g., 15; 25 Kg de MS/ha/dia, ou mais) isto é
forragem a ser capitalizada com uma carga maior.
A estação quente do ano é a grande responsável pela produção de forragem, já que cobre
aproximadamente 2/3 a metade do ano. A Figura 4 mostra a taxa média de acúmulo de
MS/ha/dia, numa pastagem da Depressão Central, influenciada por níveis de oferta de forragem e
com os resíduos correspondentes. As avaliações realizadas mostram estimativas de 16,3 kg de
MS/ha/dia, como a máxima taxa média de acúmulo encontrada em pesquisas envolvendo uma
ampla gama de ofertas de forragem (MOOJEN, 1991; CORRÊA e MARASCHIN, 1994). Esta
taxa de acúmulo ocorre com uma oferta de forragem de 13,5 %
7
Figura
4.
Parâmetros da pastagem
(MARASCHIN,1998).
nativa
em
função
de
ofertas
de
forragem
do peso vivo (PV), e que corresponde a manter uma massa de MS no campo em torno de 1400 1500 kg de MS/ha a qualquer momento.
Na estação fria, que cobre em torno de 1/3 a metade do ano, há menor crescimento devido
às temperaturas, à ocorrência de geadas e à irregularidade das chuvas, mais a rejeição da
forragem a campo. Ampliam-se os erros experimentais associados com as avaliações na
pastagem, daí a inconsistência dos dados (MOOJEN, 1991). No entanto, há informações da
contribuição de espécies nativas de inverno, de até 17 % da produção anual no Uruguai (
BERRETA e BEMHAJA, 1991), e de 18 % no RS (GOMES, 1996). Deve-se salientar que a
faixa de transição climática dominante no sul do Brasil favorece muito mais as espécies de
crescimento estival. Embora a flora também englobe espécies de crescimento de inverno, e seja
beneficiada com o crescimento de espécies “forrageiras não convencionais” anuais, e de
8
crescimento por períodos reduzidos na estação fria, há a necessidade de manejo adequado das
pastagens para se perder menos com os efeitos da transição da estação quente para a estação fria
do ano, e desta para a estação quente. Aí residem boas oportunidades para a suplementação.
3.2. Produção de Matéria Seca por Hectare
A massa de MS vegetal que se acumula ao longo da estação de crescimento se denomina de
produção de MS/ha. Ela depende do tipo de solo e das condições climáticas daquela estação do
ano, pois estas determinam a taxa de crescimento da pastagem, que por sua vez estabelece a taxa
de acúmulo de MS/ha/dia. E esta também não é constante. Este conjunto do ambiente associado
ao substrato herbáceo resulta na curva estacional de produção de forragem (SETELICH, 1994;
CORRÊA e MARASCHIN, 1994). Como os tipos de solo apresentam-se como grandes
determinantes desta produção, é comum encontrarmos citações de 2500; 3200; 4500 e até mais
de 5000 kg de MS/ha em pastagens nativas não adubadas (MOOJEN, 1991; BERRETA e
BEMHAJA, 1991; CORRÊA e MARASCHIN, 1994; MARASCHIN et al. 1997).
Esta produção de forragem é a responsável pelo número de animais que aquela pastagem
nativa pode alimentar naquela estação do ano (Figura 4). A MS produzida e a sua composição
botânica refletem a condição do ecossistema e determinam a sua potencialidade. Toda esta
MS tem sido, tradicionalmente, considerada como disponibilidade de forragem para a
alimentação dos rebanhos. No entanto, a qualidade desta MS não é constante, o perfil da
pastagem evolui e nem toda ela pode ser considerada forragem, pois a diversidade da flora, por si
só, impõe restrições e a dinâmica do perfil da pastagem nativa é que propicia pastejo ou rejeição
de sítios (áreas) na pastagem. E aqui entra o animal com sua capacidade de discriminação,
preferindo o verde ao seco, e do verde, as folhas em relação aos colmos, e das folhas consumindo
não mais do que a metade superior das folhas novas. Portanto, a exemplo do que afirma
MARASCHIN (1998), é necessário que se faça distinção entre o que é biomassa aérea das
plantas, o que é MS, o que é MS disponível, o que é forragem ao alcance do animal em pastejo, o
que é forragem da qual o animal obtém sua dieta, e o que é resíduo após pastejo para manter ao
mesmo tempo uma condição de rebrote permanente na pastagem e uma estrutura tal que não
limite a colheita de forragem pelo animal (CARVALHO, 1997).
Além destas estratificações há o material morto (MM) presente no perfil da pastagem, que
não é forragem, mas está incluído na MS daquela pastagem. É produto do perfil da pastagem e
importante componente para a sustentabilidade dos ecossistemas naturais, já que é fonte de
reciclagem de nutrientes, promotor da retenção de água no solo e da conservação do solo, flora e
fauna. E como tal deverá ser considerado, especialmente em ambientes naturais ecologicamente
manejados. Onde as condições ambientais atingem extremos, um resultado natural aparece, e
este MM é um produto conseqüente e inevitável destas situações ambientais. Na prática, se
determina a participação no MM nas pesquisas em avaliação das pastagens. É um processo
trabalhoso mas necessário para se entender como o animal trata a forragem em relação à
condição do perfil da pastagem. De um modo geral, o MM aumenta com o aumento da oferta
de forragem e, freqüentemente, se situa em valores de 30 – 40 % (MOOJEN, 1991; CORRÊA e
MARASCHIN, 1994), o que é normal no perfil de pastagens nativas.
É importante que se conheçam parâmetros que definem uma condição de pastagem nativa
pastejada. A Tabela 2 dá uma idéia do que é necessário considerar e apreciar para se avaliar a
produção e o rendimento de pastagens. Pode-se observar que o crescimento da pastagem é que
determina o peso vivo (PV) por hectare que aquela pastagem poderá alimentar no momento.
Salientamos que o PV/ha usado é conseqüência e não causa da produção do campo.
9
Tabela 2 . Parâmetros da pastagem nativa em função de níveis de oferta de forragem. Média de
cinco anos. EEA-UFRGS, 1988–1992 ( Maraschin, 1998).
PARÂMETROS
MS OFERECIDA % PV
4,0
8,0
12,0
16,0
11,88
15,52
16,28
15,44
Produção de MS/ha, kg
2075
3488
3723
3393
MS Residual, Kg/ha
568
1006
1444
1882
MS Disponível, kg/ha
933
1448
1895
2343
Animais – dias/ha
572
351
286
276
Peso Vivo, Kg/ha/dia
710
468
381
368
MS/ha/dia, kg
3.3. Produção Animal do Ecossistema Pastagem Nativa
Por um período de tempo muito longo a pastagem nativa do sul do Brasil alimentou um
rebanho na base do conhecimento do vizinho e, esporadicamente, seguindo sugestões não
consistentes de algum especialista que retornara de uma viagem ao exterior. De 1985 para cá,
depois de se passar seis anos angariando recursos para a construção de cercas, iniciou-se uma
pesquisa sobre a pastagem nativa, na Estação Experimental Agronômica - UFRGS, Eldorado do
Sul, RS, para se determinar o nível adequado de uso, e oportunidade de colheita, da produção do
campo nativo. O conhecimento gerado e desenvolvido nesta pesquisa, bem como o entendimento
da transformação e capitalização da MS da forragem em produto animal permitiu resgatar o
patrimônio pastagem nativa, e elevá-lo ao patamar que nunca fôra considerado por falta do
conhecimento embutido dentro da relação solo – planta – animal. A quantificação e a composição
da forragem disponível aos animais é que determina uma produção animal sustentável
(MORAES et al., 1995), a qual depende da oferta de forragem para aquela categoria animal.
Inicialmente torna-se necessário conhecer o quanto se tem de forragem para que se possa bem
alimentar uma carga animal (kg de peso vivo por hectare por dia), mantendo aquele tipo de
animal (categoria animal) desempenhando suas funções biológicas de maneira adequada
(MARASCHIN, 1996). A estacionalidade da produção de forragem determina uma carga animal
diferente para a estação fria e para a estação quente (MOOJEN, 1991). A estação fria cobre 40 –
30 % do ano enquanto a estação quente cobre 60 – 70 % do ano. Quando se mantém no campo
uma MS residual de pelo menos 1400 kg/ha, ao longo da estação quente, resultante de uma oferta
de forragem de pelo menos 11,0 % PV, esta pastagem nativa poderá alimentar no inverno metade
da carga que alimentou no verão. Só que no inverno, estes animais apenas mal poderão
conseguir uma dieta de mantença, pois a composição botânica da pastagem e as temperaturas de
inverno limitam a produção de MS e não mantém a qualidade da forragem. Desta forma, pensar
em manter carga ou lotação fixa, o ano todo, é candidatar-se a perder rendimento animal,
comprometer o ecossistema pastagem nativa, e vulnerabilizar-se.
10
Como a produção verdadeira do campo nativo ocorre na estação quente (60 – 70 % do
ano), é particularmente na primavera que os animais conseguem ganhar mais peso e moldar a
curva de ganho ao longo da estação do ano (CORRÊA e MARASCHIN, 1994), pois a mesma é
dependente da curva de crescimento da pastagem e da oferta de forragem (STELICH, 1994;
MARASCHIN et al., 1997). Isto significa que se o produtor deixar de aproveitar bem o
crescimento da forragem da primavera, capitalizando-a em produto animal, ele não conseguirá
mais recuperá-lo ao longo do verão e, simplesmente, perderá o ganho que poderia obter naquele
ano. E é surpreendente como isto vem sendo mal praticado no sul do Brasil.
Para que se possa obter maior rendimento dos 12 milhões de hectares da pastagem nativa
do RS foram obtidos, experimentalmente, uma gama de informações que permitem aos técnicos e
produtores levarem avante a tarefa de produzir bem e melhor, e a baixo custo. A pesquisa foi
conduzida durante seis anos consecutivos, tendo como variáveis os níveis de oferta de forragem,
partindo de 4,0 kg de MS por 100 kg de PV/dia, indo até 16,0 kg de MS/100 kg PV/dia. Na
linguagem técnica usamos e denominamos estes níveis de oferta de forragem de: 4,0; 8,0; 12,0 e
16,0 % PV. As estimativas de oferta de forragem eram feitas a cada 28 dias, com técnicas
seguras, e ajustes de carga eram feitos sempre que necessário. As respostas da pastagem foram
avaliadas durante a estação quente, ao longo dos seis anos. No inverno, mantinha-se animais nas
pastagens mas não se avaliava a produção de forragem, apenas acompanhava-se a mudança de
peso dos animais. Os novilhos experimentais eram pesados a cada 28 dias, e o número de animais
mantidos em cada potreiro era mantido sob rigoroso controle.
Os níveis de utilização de forragem moldam perfis diferenciados no campo. Com baixa
oferta de forragem ( 4,0 % = a alta pressão de pastejo) o perfil da pastagem é uniforme e a
forragem disponível é nova, com um teor de proteína bruta em torno de 8,0 %, o que não é
suficiente para um bom desempenho animal. Apresenta um aspecto de gramado, com
predominância de espécies prostradas de verão, e com pequena oferta de forragem. Pela ação
das altas pressões de pastejo, há uma eliminação quase total das espécies de inverno e uma
pequena contribuição de leguminosas nativas. Há diminuição do capim caninha (Andropogon
lateralis), da barba-de-bode (Aristida sp.), do gravatá (Eryngium sp), e ocorrência de maior
proporção de solo descoberto. Temos uma pastagem com a impressão de um rebrote ativo e
intenso, mas com baixa capacidade de alimentar os animais que ali pastejam. Os ganhos médios
diários (GMD) menores que 200 g/animal/dia são um reflexo real deste tipo de pastagem. Com a
oferta de forragem de 8,0 % PV, os animais chegam a 350 g/animal/dia, mas a pastagem mostrase muito vulnerável, exigindo muita atenção para execução deste manejo. No entanto, os ganhos
de peso vivo por hectare são muito bons. Há uma grande renovação do perfil da pastagem e é
uma situação que pode receber oportunidades.
Por outro lado, nas pressões de pastejo média e leve (12,0 e 16,0 % PV), com maior oferta
de forragem, o campo apresenta-se mais alto e com presença de touceiras que variam em
diâmetro. Nestas condições são encontradas, com maior freqüência, espécies de inverno de
melhor qualidade como a flexilha (Stipa sp.), o cabelo–de–porco (Piptochaetium montevidense) e
cola-de-lagarto (Coelorhachis selloana), além de leguminosas nativas, com destaque para o pegapega (Desmodium incanum). Com as ofertas de maior quantidade de forragem permite-se ao
animal escolha de forragem para compor sua dieta. E ele realiza efetivamente um pastejo
seletivo, colhendo porções de mais qualidade da MS presente, deixando uma porção maior da
planta sem ser pastejada. Isto certamente contribui para que aquela planta não seja enfraquecida e
reinicie os seus rebrotes com mais vigor sempre que for desfolhada. Com a oportunidade de
algum pastejo seletivo, fruto de um campo mais folgado, este cresce mais, produz mais forragem
e permite que o animal também pasteje à boca cheia, obtendo uma dieta que lhe permita
11
expressar a qualidade da forragem da pastagem nativa, e nos apresenta 500 g/animal/dia como
um GMD referencial para este tipo de pastagem (Figura 5).
710
468
381
Carga Animal - kg PV/ha
368
Figura 5. Relação entre oferta de matéria seca com o ganho por animal e ganho por hectare em
uma pastagem nativa do RS (adaptado de MARASCHIN, 1998).
Aparentemente isto não seria possível em função dos níveis de proteína bruta da
forragem. Mas ao oferecermos mais forragem ao animal, ele nos ajuda selecionando uma dieta
que lhe fornece mais nutrientes daquela pastagem. E se o animal está ganhando mais, é porque
está colhendo melhor.
Ao longo de anos produtivos, mais um grupo de outras pesquisas com o animal em
pastejo desenvolveu o conhecimento de que saindo do pastejo pesado e campo rapado, ganha-se
muito em rendimento por animal. Com o aumento gradual da oferta de forragem, há aumento na
cobertura do campo, uma presença maior de folhas, um maior crescimento da pastagem e maior
oportunidade para a produção por animal. Além disto, quanto à sustentabilidade do sistema, este
manejo com alta oferta de forragem permite a melhoria da estrutura do solo através do aumento
da matéria orgânica (associada ao aumento da cobertura) e da taxa de infiltração da água no solo
(Bertol et al., 1998). O inverso desta condição (alta intensidade de pastejo), acarreta uma
12
diminuição da cobertura do solo e da matéria orgânica que inicia uma deterioração da estrutura
deste solo, diminuindo a sua taxa de infiltração que por sua vez provoca nova diminuição da
cobertura do solo e da matéria orgânica e o sistema entra numa espiral insustentável ao longo do
tempo (Figura 6).
Aumento da cobertura
do solo e da matéria orgânica
Aumento da cobertura
do solo e da matéria orgânica
S
U
S
T
E
N
T
Á
V
E
L
Melhoria da
estrutura
do solo
Aumento da
taxa de infiltração
Aumento na intensidade
de pastejo
EQUILÍBRIO
Diminuição na intensidade
de pastejo
N
Ã
O
S
U
S
T
E
N
T
Á
V
E
L
Diminuição
da taxa de
infiltração
Diminuição da cobertura
do solo e da matéria orgânica
Deterioração
da estrutura
do solo
Diminuição da cobertura
do solo e da matéria orgânica
Figura 6. Sustentabilidade de Ecossistemas Pastoris em função da intensidade
de pastejo (adaptado de THUROW, 1991)
Com as maiores ofertas de forragem (12,0 e 16,0 % PV) explora-se melhor o momento
mais produtivo dos grupos de espécies da pastagem nativa, e permite-se que as espécies de
interesse também produzam sementes, pois encontram proteção dentro da comunidade. Um
aspecto importante que foi observado diz respeito à contribuição de espécies do banhado para a
qualificação da dieta do animal neste tipo de pastagem.
Observando-se a Figura 5, verificamos que temos condições de determinar uma faixa
ótima de oferta de forragem que maximiza o GMD e G/ha na pastagem nativa, promovendo a
produtividade e a sua sustentabilidade. A resposta animal à forragem oferecida é curvilinear (
MARASCHIN et al., 1997), definindo a faixa ótima de utilização da pastagem nativa entre 11,5 e
13,5 % PV, para conciliar ganho por animal e o ganho por hectare. Aí reside uma das maiores
dificuldades quanto à divulgação e aplicação dos resultados de pesquisa a campo (e.g., temática
dos índices de lotação – INCRA). Há uma dificuldade enorme de entendimento, mesmo por parte
de técnicos ditos “qualificados”, da relação entre quantidade de forragem e produtividade animal.
A exemplo do que mostra a Figura 5, existe uma ampla faixa onde a diminuição da carga do
13
campo acarreta um aumento praticamente linear da produtividade tanto por animal quanto por
unidade de área. No caso do exemplo em pauta, a redução da carga animal de 710 kg de PV/ha
para 381 kg PV/ha (ou seja, de 1,57 UA3 para 0,85 UA) determinou que o GMD passasse de
menos de 200g/cab/dia para 500 g /cab/dia. Na prática isto significa terminar um animal em
menos da metade do tempo e, se considerarmos que aquilo se vende são kg/cab e não kg/ha,
torna-se mais do que evidente que é a variável GMD que o produtor deve privilegiar. E isto, não
apenas porque significa giro mais rápido de capital, mas também porque evidencia respeito ao
consumidor que disporá de um produto de melhor qualidade e, ao mesmo tempo, se estará
cumprindo o papel social de preservar o ecossistema. Mas, se ainda assim, se preferir privilegiar
o ganho/ha (que nada mais é do que o produto do GMD pelo número de animais por área e pelo
número de dias considerado), basta verificar que aquela redução de carga para quase a metade
também determina um aumento na produção por área que passa de cerca de 80 kg para mais de
140 kg/ha, pois o efeito sobre o ganho individual mais do que compensa a redução no número de
animais. Fica, portanto, evidente que a diminuição da carga animal que a pesquisa vem
recomendando não é “uma proposta resignada e conformista ... que nega e contraria os avanços
tecnológicos ... e condena nossa produção primária à estagnação e ao marasmo econômico”
conforme publica um pretenso especialista em conhecido veículo de divulgação do sul do país.
Ao contrário, o que estamos propalando é o uso de alta tecnologia, a custo zero, que exige sólido
conhecimento de base e adequada atualização da capacitação técnica mas que permite, com
praticamente metade da carga animal normalmente utilizada em nossos campos (ou seja, menos
da metade do custo de manutenção), mais que dobrar a produção. O conceito de que lotação =
produção faz com que muitos considerem como absurda a possibilidade de se produzir mais
diminuindo-se o número de animais de seus campos. Desconhecendo a base do processo,
explicado no item 2, tornam-se incrédulos e renunciam à evidência científica.
Estes conhecimentos ajudaram a embasar uma proposta conhecida como Índices de
Lotação Pecuária para o Rio Grande do Sul, onde a carga animal a ser utilizada nas diversas
regiões do RS seria função do potencial natural de cada região (aspectos climáticos, relevo,
características do solo), havendo em todas uma faixa ótima de utilização que seria maior ou
menor em virtude deste potencial (Tabela 3), onde os valores mais baixos correspondem às
cargas associadas à estação fria, enquanto os mais altos corresponderiam à estação quente.
Tabela 3. Recomendações de carga animal para as regiões do RS (FARSUL, 1997).
Região Carga animal (kg/ha) Localização
1
180 - 300
Depressão Central
2
180 - 230
Litoral
3
120 – 170
Campos de Cima da Serra
4
60 – 90
Encosta Superior do Sudeste
5
140 – 190
Planalto Médio
6
60 – 90
Encosta Superior do Nordeste
7
50 – 100
Alto Vale do Uruguai
8
140 – 190
Missões
9
150 – 220
Baixo Vale do Uruguai
10
120 – 200
Campanha
11
50 – 100
Serra do Sudeste
12
150 – 270
Grandes Lagoas
3
UA = Unidade animal, considerando-se uma UA o equivalente a 450 kg de peso vivo
14
Como o animal que pasta e colhe a forragem é definido pela imagem da categoria animal
(vaca-terneiro; ovelha-cordeiro; vaquilhona, novilho em terminação; touros, eqüinos, etc.), cada
uma apresenta um peso médio característico e é manejada de acordo com as demandas básicas
daquela categoria animal. Portanto, a carga animal e a capacidade de suporte só poderá ser
definida em função do produto animal envolvido.
Em função da curva resposta da pastagem, mantendo-se o manejo dentro da faixa ótima
de utilização, temos a Tabela 4, que reflete a otimização do uso da pastagem nativa e a carga
animal que ela pode alimentar na sua capacidade de suporte.
Tabela 4. Desempenho da pastagem nativa na faixa ótima de utilização e o rendimento animal.
(Adapt. de MARASCHIN, 1998)
PARÂMETROS
MS / Ha / dia, kg
Animais-dia / Ha
Ganho Médio Diário, kg
Ganho / Hectare, kg
Capacidade de Suporte
Carga Animal, kg/ha
RESPOSTAS
17,00
(avaliada)
282
(contados)
0,517
(avaliado)
146
(calculado)
1,17 nov. 2a .
(calculada)
370
(observada)
Nos mais de 200 dias de pastejo do campo nativo obteve-se um GMD de 0,517 kg/animal,
numa capacidade de suporte de 1,17 novilhos de 2 anos por hectare por dia, produzindo 146 kg
de ganho de peso vivo por hectare, com uma carga animal de 370 kg/ha durante a estação de
crescimento. Estes resultados se encaixam na equação da expressão do rendimento de produto
animal em pastagens da seguinte forma:
RENDIMENTO = QUALIDADE x QUANTIDADE
GANHO / Ha
=
G M D
x Animais-dia/ha
1 4 6 Kg = 0 , 5 1 7 Kg x
282
Salientamos que esta expressão de rendimento não tem nada a ver com a terminação de
animais, ressaltando que um GMD de 0,5 kg por animal por dia não assegura condições de
terminação a um novilho. Mas há oportunidade de boa colheita da MS do campo.
Em função do exposto, e para se obter rendimentos condizentes com a capacidade de
produção das pastagens nativas, assim como as encontramos na natureza, alguns posicionamentos
são necessários:
a) é conveniente a tomada de consciência de que o animal pode render mais com maior
oferta de forragem;
b) animais com baixa oferta de forragem não conseguem um consumo igual ao dos que
recebem maior oferta de forragem, embora tentem compensar com uma longa jornada
de pastejo;
c) para se obter altos rendimentos por animal deve-se manter alta oferta de forragem,
especialmente para os animais novos, ajustando-se a carga animal, pois com altas
cargas e campo baixo só se consegue baixos rendimentos por animal e por hectare;
d) o ganho por hectare deve estar associado ao necessário rendimento e desempenho da
15
categoria animal de interesse, havendo base suficiente para afirmarmos que os altos
ganhos por hectare nas pastagens nativas estão associados a altos ganhos por animal;
e) a lotação ou carga animal é apenas um recurso que se lança mão para efetuarmos
aquela colheita de forragem em nível condizente com o adequado desempenho dos
animais de cria, vaquilhona ou invernada.
3.4. Melhorias da pastagem nativa
As pastagens nativas representam um valioso recurso natural para a sociedade porque é
renovável, e a sua exploração gera rendimentos, estabelecendo um exemplo de sistema de
produção auto-sustentável. Sua onipresença contribui para a manutenção da biodiversidade, com
a predominância de espécies de ciclo estival, que direcionam a produção de forragem para a
estação quente do ano, determinando uma acentuada estacionalidade na produção animal
(MOHRDIECK, 1980).
Uma pesquisa conduzida nos anos 1950-60 pela então Fazenda Experimental de Criação
Cinco Cruzes, Bagé (Ministério da Agricultura), hoje Centro de Pesquisa dos Campos Sul
Brasileiros, EMBRAPA – Ministério da Agricultura, e publicada em 1981, mostra uma acentuada
resposta à adubação fosfatada. Os métodos de pastejo contínuo e rotativo, testados na época,
mostraram uma resposta de 10 % superior para o rotativo. Mas adubação do campo nativo, na
época, era ferir a rica paisagem poética do RS. Anos mais tarde, SCHOLL et al. (1976), na
Estação Experimental Agronômica-UFRGS, Eldorado do Sul, RS, avaliaram o melhoramento do
campo nativo com a introdução de aveia para o inverno, adubada com nitrogênio ou associado à
introdução de trevo vesiculoso. Dos 90 kg/ha de nitrogênio (N) aplicados, metade era para o
inverno, e metade para o verão. Os resultados mostraram que a produção animal por hectare, nas
duas alternativas, foram iguais e superiores à produção oferecida pelo campo nativo. Mas uma
resposta ocorreu para o campo nativo no verão, fruto da aplicação do N. Isto ficou por conta do
interesse de alguns apaixonados pela produção do verão, uma vez que o grande problema era
solucionar a falta de forragem das pastagens, no inverno. Um pouco mais tarde, na EEA-UFRGS,
após avaliação de pastagem cultivada para o verão, com a leguminosa tropical Desmodium
intortum , tivemos o retorno do campo nativo numa condição de solo bem adubado. E era a
primeira parcela de campo adubado que dispúnhamos. Pois bem, ela foi avaliada sob pastejo e
constatou-se que as respostas do campo nativo de baixa qualidade da Depressão Central se
equivaliam aos campos do CPPSUL/EMBRAPA, Bagé, em rendimento por hectare (SOUZA,
1984). A composição botânica era distinta, e algumas espécies respondiam favoravelmente a
métodos de pastejo (ROSITO e MARASCHIN, 1984).
Estas evidências de resposta da pastagem nativa do RS levaram MOOJEN (1991) a
estudar o efeito de duas ferramentas importantes no melhoramento das pastagens: o diferimento e
a adubação. Os diferimentos forneceram informações importantes sobre o ciclo das espécies
principais daquela pastagem, indicando ser a primavera a estação do ano que exige mais atenção
no manejo para se evitar o engrossamento do campo. Os níveis de adubação foram aplicados em
função do conhecimento do Departamento de Solos – UFRGS, tomando por base as
recomendações da rede ROLAS (1989). Foram estudados cinco níveis de adubação, desde o
nível zero, com a aplicação de uma formulação N – P – K em níveis crescentes chegando até a
1700 kg da mistura NPK/ha, aplicado na superfície. Neste nível alto de adubação aplicou-se
também, superficialmente, 2000 kg de calcário por hectare. As melhorias na produção de MS da
pastagem nativa, nos primeiros anos, só foi evidente nos níveis mais altos de adubação ao longo
16
do verão(Tabela 5).
Tabela 5 . Taxas de acúmulo de MS em função de ofertas de forragem e níveis de adubação nos
diferimentos do campo nativo na primavera, verão e outono de 1989/90 e 1992/93.
EEA-UFRGS. Adaptado de GOMES (1996)
.
DIFERIMENTO
89/90
PRIM.
VER.
OUT.
OFERTA DE FORRAGEM
(% P V)
4.0
8.0 12.0 16.0
-------------------------- Kg MS
8,5 10,8 11,6 12,6
17,2 32,0 29,2 32,6
13,4 11,9 9,1
7,9
A0
A1
A2
A3
A4
/ ha / dia --------------------------2,2
6,9
10,0 15,4 19,8
24,0 25,4 26,4 29,6 33,4
5,9
8,8
9,5
12,9 15,8
92/93
PRIM.
VER.
OUT.
14,4
14,0
2,9
21,9
21,1
2,7
22,9
25,3
2,4
28,8
22,2
4,4
34,9
23,4
3,5
ADUBAÇÃO
27,0
19,9
3,4
24,8
19,9
2,6
26,8
19,7
4,8
25,6
25,4
3,0
No entanto, três anos depois das adubações, houve resposta maior para todos os níveis,
inclusive para o não adubado, na primavera e no verão. O não adubado se beneficiou da
transferência de fertilidade ocorrida entre os tratamentos de adubação, já que os mais
prejudicados foram os que receberam maior quantidades de adubos. Vale salientar que as
respostas à adubação ocorrem em seguida, mas só para os níveis altos. Para que se possa avaliar
os efeitos da adubação, deve-se dar tempo ao tempo, devendo-se observar o campo
continuamente para poder sentir o que está ocorrendo no campo adubado. Interessante que
quando se tem fertilidade no solo, a primavera apresenta uma exuberância de crescimento,
auxiliando muitas espécies a se desenvolverem melhor e completarem seu ciclo de vida com mais
contribuição, entrando aqui o aspecto produção de sementes como fundamental
no
repovoamento e aumento da freqüência das espécies desejáveis no campo. Conforme observado
por GOMES (1996), o entouceiramento do campo continua nos níveis baixos de adubação, mas
nos níveis altos há poucas touceiras e uma tendência a uniformizar as parcelas. Um aspecto
contribuinte pode ter sido a preferência dada pelos animais às parcelas adubadas. Sempre que
entravam para o pastejo, as primeiras a serem pastejadas eram as mais adubadas, pastejando-as
com mais intensidade. Somente após isto é que realizavam um pastejo, menos intenso, nas
demais parcelas. Com o aumento da adubação, poucas espécies predominam nas áreas adubadas.
Mas um destaque especial deve ser dado às leguminosas nativas (Tabela 6), que aumentaram sua
presença desde os primeiros anos nos tratamentos mais adubados.
Tabela 6. Frequência de ocorrência de Desmodium incanun numa pastagem nativa com cinco
níveis adubação. EEA-UFRGS. Adaptado de GOMES (1996)
ANOS
1989/90
1993/94
NIVEIS DE
Ao
A1
3,9
5,6
2,5
5,5
ADUBAÇÃO
A2
A3
3,5
6,1
7,0
10,9
A4
8,1
20,9
17
Para o pega-pega já houvera aumento expressivo no primeiro ano após a adubação,
aumentando posteriormente a cada ano, e confirmado pela análise do solo feita dos 2,5 cm
superficiais até os primeiros 10,0 cm de profundidade, e uma amostragem de 10,0 até 20,0 cm de
profundidade. Pois nos primeiros 5,0 – 7,5 cm de profundidade, o pH SMP estava em 6,5 e na
camada de 2,5 cm de profundidade o Al era 0,0. O fósforo aplicado se encontrava alto até a
camada 5,0 – 7,5 cm de profundidade no nível mais alto de adubação. No segundo nível mais alto
de aplicação de fósforo, o nível no solo já era baixo. E este solo não apresenta características de
fixador de fósforo, mas é na realidade, um solo muito pobre em fósforo, e os 1200 kg/ha de
superfosfato triplo aplicados foram suficientes para dar uma alta resposta, mas não para se
atingir o máximo de produção de MS. De qualquer maneira, a resposta que se obteve neste
experimento foi entusiasmadora o suficiente para o nosso conhecimento, e fortalecer uma tomada
de posição a respeito de oportunidade de aumento da produtividade do campo nativo. Os Dias-deCampo promovidos na EEA-UFRGS, oportunizaram a muitos produtores e técnicos assistirem o
que nunca tinham visto em termos de resposta do campo nativo à adubação. A nós e ao nosso
grupo foi muito compensador pela certeza nos resultados, e sentirmos que se estava contribuindo
verdadeiramente para o aumento de produtividade.
Um aspecto muito importante em resposta a adubação foi a participação de grupos de
espécies na produção de MS das parcelas adubadas, avaliada quatro anos depois da aplicação dos
adubos (Tabela 7).
Tabela 7. Porcentagem de solo descoberto e de participação na MS dos principais componentes
de uma pastagem nativa com cinco níveis de adubação. Médias do Diferimento de
Primavera/93 e Verão/94. EEA-UFRGS. Adaptado de GOMES (1996).
COMPONENTES
Gram. Cespitosas
Gram. Prostradas
Leg. Nativas
Inços
Material Morto
Solo Descoberto
Ao
NIVEIS DE ADUBAÇÃO
A1
A2
A3
A4
56,2
27,6
0,4
6,4
9,4
3,4
%
50,4
30,6
3,0
9,0
7,0
2,9
43,1
22,8
24,2
5,6
4,2
0,8
53,2
27,0
2,4
8,6
8,9
3,0
48,6
34,4
7,4
4,0
5,6
2,0
Observa-se uma predominância das gramíneas cespitosas seguidas das gramíneas
prostradas, mas ambos grupos apresentam redução somente para o nível mais alto de adubação.
Até parece que os dois grupos de gramíneas estavam criando espaço para a participação e
contribuição das leguminosas nativas para a MS da pastagem nativa. Aqui é que a freqüência do
D. incanum se materializa, pois está apresentada em porcentagem de contribuição, chegando a
24,2 % do total produzido. E a grande contribuição das leguminosas nativas acontece na
primavera e no verão. O outono contribui com muito pouco. Em muitas pastagens cultivadas,
quando conseguimos 10 – 15 % de participação de leguminosas cultivadas na MS total nos
damos por satisfeitos E o que diremos dos quase 25 % de participação, num total de 7000 kg de
MS/ha na estação quente do ano? Sem dúvidas, é algo para ser pensado, assimilado, e
18
reproduzido em cada propriedade deste sul do Brasil.
Dentre as muitas sugestões observadas na área de pastagens, visando elevar o rendimento
animal, MOTT (1981) apresentou três recomendações que merecem consideração. A primeira
seria regular a oferta de MS de modo a não limitar o consumo por animal, permitindo que a
fração folha seja o maior componente da dieta. A segunda recomendação é de melhoria da
qualidade da forragem consumida, obtida através do manejo do pastejo, tirando vantagem da
idade fisiológica dos rebrotes. E a terceira recomendação é do aumento no consumo de energia
digestivel, obtido com alta produção de matéria seca de folhas e a manutenção da qualidade da
forragem por períodos mais longos, com plasticidade e persistência do estande, aumentando a
densidade de folhas. E nós complementamos com a manutenção da oferta de forragem conforme
a demanda da categoria animal envolvida. Estas práticas de manejo apresentadas, permitiriam
colher o 1,5 milhão de novilhos com 400 kg de PV, que a NATUREZA produz o alimento,
coloca à disposição do RS, e não é colhido, por pura ignorância frente ao processo produtivo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O campo nativo vem sendo mal utilizado pelo total desconhecimento de seu potencial
forrageiro. Trabalhos recentes na EEA-UFRGS, e que ainda estão em fase de análise, nos
vislumbram um horizonte ainda mais espetacular quando adicionamos nitrogênio no sistema.
Taxas de acúmulo da ordem de 100 kg de matéria verde seca/dia e produções de 700 kg de PV/ha
foram observados na estação de crescimento 97/98.
Qualquer ação de suplementação de animais em campo nativo deve ter como base a
exploração do mesmo em seu potencial, para a partir daí complementá-lo visando a obtenção de
índices produtivos que estejam acima do que o ambiente pode nos oferecer. Fora destas
condições a suplementação significará apenas uma complementação, de custo em geral elevado,
daquilo que deixamos de explorar.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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