1 ONGS E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: ENTRE A DEPENDÊNCIA E A BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE 1 AUTORIA: PATRÍCIA MENDONÇA, EDGILSON TAVARES DE ARAÚJO RESUMO Neste texto, mostramos a evolução da “Indústria da Ajuda” e examinamos a contribuição da Teoria da Dependência dos Recursos no sentido de esclarecer as relações das ONGs com o ambiente, principalmente no que se refere à cooperação internacional, descrevendo este cenário como parte da “Indústria da Ajuda”. A aprendizagem organizacional e a capacidade de inovação, aliadas à legitimidade são fatores centrais para as ONGs minimizarem a sua dependência com relação ao ambiente externo. Muitas entidades têm negligenciado a geração de aprendizado e inovação. O aprendizado organizacional tem sido encarado como sinônimo de capacitação e desenvolvimento organizacional, abrindo linhas temáticas e financiamentos exclusivamente para estes fins. Uma das mais visíveis “importações” e capacitações é a idéia do projeticismo, baseada na utilização de metodologias como o Marco Lógico (Logical Frameworks), Método ZOPP (Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos), entre outras. Enfatizam-se essas implicações à luz da experiência vivenciada pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial, que mantém uma relação de dependência com o seu principal financiador, a SENSE Internacional, mostrando as dificuldades enfrentadas pela entidade. Demonstram-se também alternativas para construção da sustentabilidade, através do exemplo do GAPA/BA e suas iniciativas de fortalecimento institucional e mobilização local de recursos. Introdução Os papéis e relacionamentos das ONGs e seus doadores vêm a cada dia se modificando, alternando-se entre processos de colaboração / parceria e cooptação, dependência e busca de sustentabilidade. Tais relações também tem redefinido campos de atuação das ONGs no que diz respeito a formulação e implementação de políticas para a redução da pobreza e promoção do desenvolvimento. Na década de 70, observa-se o aumento dos financiamentos internacionais para as ONGs do Brasil por parte de organizações multinacionais e agências de cooperação internacional, gerando o que Van Rooy (1998) classificou como “Indústria da Ajuda”. Esta trouxe algumas questões que ainda permanecem sem solução para muitas ONGs brasileiras, como a dependência de recursos externos. De modo geral, as organizações de todos os setores estão susceptíveis ao ambiente externo e à dependência de recursos, porém, no caso das ONGs este fato tende a se agravar, tendo em vista as peculiaridades que estas possuem com relação a finalidade não-lucrativa e de promoção do desenvolvimento e cidadania. O fato de que entre as ONGs os recursos (pelo menos os recursos financeiros em sua maioria) não serem providos diretamente por aqueles que utilizam ou se beneficiam de seus serviços, caracteriza-se em mais uma particularidade de seu contexto de dependência de recursos. Logo, o exame mais específico sobre a dependência 1 MENDONÇA, Patrícia M.; ARAÚJO, Edgilson Tavares. ONGs e Cooperação Internacional: entre a Dependência e a Busca pela Sustentabilidade. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 29. 2005, Brasília – DF, Anais... Brasília: ANPAD. (Cd-rom). 2 de recursos nesse conjunto de organizações poderá ser capaz de fornecer explicações capazes de impactar positivamente na sua gestão. A partir da década de 80, sob a influência de idéias neoliberais, reformas na administração pública e programas de ajustes estruturais, emergência de processos de democratização em diversos países e fortalecimento de organizações locais, há uma mudança no fluxo da ajuda internacional. Começa-se a haver um redirecionamento de boa parte dos financiamentos principalmente para países africanos e do Leste Europeu, além daqueles com áreas de conflito. Os financiadores internacionais criaram uma “nova agenda política”, com ênfase na eficiência de alocação de recursos e nas parcerias com a sociedade civil. (LEWIS, 2001, FOWLER, 2000) Neste texto, mostramos a evolução da “Indústria da Ajuda” e examinamos a contribuição da Teoria da Dependência dos Recursos, do campo de estudos organizacionais, no sentido de esclarecer as relações das ONGs com o ambiente, principalmente no que se refere à cooperação internacional. Enfatizam-se quais as implicações da dependência de recursos para a legitimidade e o aprendizado organizacional das ONGs à luz da experiência vivenciada pelo GAPA;BA e suas iniciativas de mobilização local de recursos, e pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial, que mantêm uma relação de dependência com o seu principal financiador, a SENSE Internacional. A evolução da Indústria da Ajuda A solidariedade humana e as ações humanitárias estão presentes em muitos períodos distintivos ao longo da história, em especial durante catástrofes naturais e guerras. No começo do século XX as primeiras formas institucionalizadas de ajuda Norte-Sul começaram a ser organizadas através das ações cívicas de forte valor religioso (FOWLER, 2000). A ajuda sob forma de “auxílio ao desenvolvimento” é uma concepção que vem se fragilizando, trazendo questões que vão desde a desconfiança e ameaças que trazem consigo, a inocência de se crer no “poder de salvação” de quem esta ajudando. As organizações que historicamente fornecem ajuda, sobretudo as instituições assistenciais religiosas e os grupos comunitários, mantiveram “um certo ceticismo crítico” desde o início. Gronemeyer (2000,p.32) salienta que essas organizações “nunca se opuseram à idéia do desenvolvimento propriamente dita, apenas rejeitaram a insinuação de que é possível ser universalmente responsável pelo desenvolvimento ao baixo custo de continuar satisfazendo o auto-interesse nacional dos próprios países doadores”. No período que compõe os anos 50 e 70, pode-se observar um contraste entre as idéias do Norte e do Sul. Os processos de descolonização e os movimentos de democratização e organização popular nos países em desenvolvimento eram inconsistentes com as idéias neoclássicas do residualismo, ou seja, o crescimento econômico era a melhor política social, um produto residual das políticas macro-econômicas. O Quadro 1 ilustra a configuração dos fluxos de financiamentos e idéias na “Indústria da Ajuda”, conforme as explicações de Van Rooy (1998). 3 Movimentos Sociais Globais: Comércio justo, ambientalista, desenvolvimento sustentável, direitos humanos QUADRO 1 - A INDÚSTRIA DA AJUDA Governos Empresas, fundações empresariais Organismos bilaterais/multilaterais (BM, BID, BDA, Sistema ONU, etc) ONG-N (Oxfam, NUFIC, Save the Children, Chistian Aid, Médicos sem Fronteiras, etc Agências de Cooperação e Ajuda Internacional (Comunidade Européia, USAID, DFID, EuropeAid, etc) ONG -S As ONGs dentro desse contexto estão divididas entre ONGs do Norte e do Sul, e são classificadas da seguinte forma: • ONG-N - Geralmente definidas como agentes do terceiro setor, privadas, sem-fins lucrativos, envolvidas em atividades de desenvolvimento internacional, ajuda humanitária, educação, lobby e militância. • ONG-Sul - podem em geral ter as mesmas características das ONG-N, mas com atuação em sociedades em desenvolvimento. Podem englobar ainda organizações comunitárias, locais, de pequena escala, organizações de base, grupos de auto-ajuda e, ainda, organizações nacionais relativamente profissionalizadas. Nossa análise irá centrar-se no aprendizado das ONGs –S, que são as mais afetadas pelo contexto da dependência de recursos e pela imposição de idéias e políticas de financiadores. Além do contexto de dependência de recursos, que gera relações assimétricas de poder entre os participantes da indústria da ajuda, a natureza do trabalho desenvolvido pelas ONGs, que se ligam a uma realidade incerta, contingente, complexa e diversa, onde fatos políticos, econômicos e sociais interligam-se, gerando uma multitude de processos que explicam os problemas e desafios para o desenvolvimento. (EDWARDS, 2002; ROCHE, 1998) Dessa forma, a natureza não-linear do desenvolvimento requer capacidade de aprendizado em circuito duplo, capaz de não apenas acumular informações de experiências passadas, mas também de aprender através de todas as conexões presentes no ambiente. Nesse contexto, diversas ONGs tornaram-se altamente dependentes dos recursos externos. É importante destacar que estamos considerando aqui as agências de cooperação internacional e os governos como os principais financiadores, mas eles não são os únicos na indústria da ajuda, os tipos de financiadores e sua predominância no orçamento das ONGs podem variar enormemente em diversos países. É também o caso de chamarmos atenção de que nem todas as ONGs fazem parte da indústria da ajuda. Muitas optaram por permanecer com estruturas pequenas, utilizando apenas recursos locais, ou ainda não se profissionalizaram. 4 Também é importante destacar que apesar do constante risco de dependência, as ONG- S também podem influenciar as agendas dos doadores. Exemplos desta influência são encontrados na introdução do uso de metodologias participativas, e no aprofundamento de discussões ligadas às questões de gênero e ambientais. Muitos desses pontos, que agora fazem parte da agenda política de doadores tiveram suas raízes dentro de movimentos sociais e ONGs. Neste sentido, ONGs também podem tentar influenciar o seu ambiente, diminuindo a sua dependência e vulnerabilidade. (LEWIS, 2001) A Indústria da Ajuda no Brasil Dentro do chamado Terceiro Setor é possível identificar uma variedade de organizações. A realidade brasileira foi bastante influenciada por organizações religiosas, movimentos sociais e associações profissionais. Cada grupo de organizações ou subsetor possuem sua origem características institucionais, objetivos e papéis sociais. Podemos incluir algumas organizações ou grupos de organizações, que se destacam dentro do contexto da cooperação internacional, que aqui se encontram classificadas de acordo com o Banco Mundial (GARISSON, 2000): • • • • • • Organizações Comunitárias: possuem constituição diversificada e realizam diferentes atividades. Geralmente possuem estrutural frágil, fontes de recursos instáveis e baixos níveis de consolidação institucional. Atuam em nível local e para a obtenção de recursos interagem principalmente com governos municipais, os setores privados (nesse caso, pequenas empresas de atuação local) e com a contribuição de associados e indivíduos. Organizações Filantrópicas: Inclui algumas organizações trazidas de Portugal pelos jesuítas e outras ordens religiosas. São formas diferenciadas das ONGs, porque geralmente não se constituem em associações, embora algumas possuam conselhos voluntários; Organizações Religiosas: Igrejas, especialmente a Católica, pastorais e outras iniciativas de cunho religioso; Associações Profissionais. Incluem organizações como a OAB (ordem dos Advogados do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), e tem considerável interferência em questões políticas no Brasil; Fundações e institutos empresariais: A participação dessas organizações no financiamento e implementação de agendas sociais no Brasil tem crescido nos últimos anos; ONGs: organização que atuam na prestação de serviços e lobby de causas específicas (direitos humanos, saúde pública, educação, crianças e jovens, mulheres, etc). São geralmente mais estruturadas e profissionalizadas (mas ainda com muitas carências no campo da gestão). Muitas evoluíram da militância contra o autoritarismo, nos anos 70 e 80, para organizações representativas com significativa participação no cenário político brasileiro. É principalmente deste tipo de organizações que estaremos nos referindo quando falarmos do contexto da dependência de recursos e da indústria da ajuda. O quadro abaixo demonstra a participação dos recursos financeiros sobre o orçamento total das ONGs, em uma pesquisa realizada com 196 associados da ABONG – Associação Brasileira de ONGs. Quadro 1 – Fonte de Recursos em Relação ao Orçamento Total da ONGS Fonte Participação no Orçamento Total Agências Internacionais de Cooperação 50,61% 5 Governos – em nível federal, estadual e municipal Empresas, fundações e institutos empresariais Comercialização de produtos e serviços Organismos multilaterais/bilaterais Outras fontes Sem especificação 18,46% 4,19% 3,83% 2,4% 3,99% 14,74% Fonte: ABONG – Associação Brasileira de ONGS (2001) Pesquisa Perfil dos Associados. Disponível no site www.abong.org.br Os números da ABONG ilustram a influência da cooperação internacional, (OXFAN, NOVIB, USAID, Agência de Cooperação da Comunidade Européia, entre outras) sobre as ONGs brasileiras, e conseqüentemente sobre uma considerável parte das políticas sociais implementadas no país. Para garantir sua legitimidade e sustentabilidade, estas organizações têm sido demandadas a modificar seu papel, de repassadores de recursos, para facilitadores na construção de estruturas sustentáveis em países em desenvolvimento, adicionando valor às entidades com quem trabalham, mantendo os seus links com organizações de base e o seu engajamento político junto a elas. Além da necessidade de se adequarem a um novo modelo de trabalho, as ONGs brasileiras vem lidando com a diminuição de recursos disponíveis pelas organizações da cooperação internacional, que conforme já citamos, progressivamente vem deixando de aplicar recursos no Brasil, redirecionando-os outros países. Como a Teoria Organizacional pode Explicar a Dependência das ONGs? O termo sustentabilidade, dentro do contexto organizacional, surgiu juntamente com as teorias sistêmicas e contingenciais. Sustentabilidade pode ser compreendida como “a conseqüência de um complexo padrão de organização que apresenta cinco características básicas: interdependência, reciclagem, parceira, flexibilidade e diversidade” (SILVEIRA, 2001). Esta definição refere-se não apenas às relações organizacionais com o meio, mas como uma função bem mais complexa que envolve as cinco variáveis apontadas. Pfeffer e Salancik (1990) desenvolveram um modelo que situa as organizações em uma perspectiva de constante luta por autonomia, confrontando-os com as limitações e controles externos. Uma vez que as organizações têm dificuldades para adquirir e controlar seus recursos, a sua sobrevivência pode ser explicada pela habilidade de lidar com contingências ambientais, com vistas a garantir o suprimento de recursos necessários à sua existência. Na Teoria da Dependência dos Recursos, o ambiente é visto como sendo um sistema de indivíduos e organizações em uma rede conectada com a qual a organização precisa interagir. Nesse sentido, o ambiente aproxima-se de uma representação da percepção das organizações. (HUDOCK, 1995). Esta interpretação do ambiente é crucial para a organização quando ela tenta minimizar ou evitar sua dependência, influenciando as formas de interação que a organização possa desenvolver, que podem por sua vez, serem mais reativas ou propositivas, em termos do tipo de resposta oferecida ao ambiente. 6 O tipo de resposta da organização está fortemente ligada ao papel e ao posicionamento do gestor (ou da liderança), sendo esta uma importante função para o ajuste ou alteração com relação ao contexto social que rodeia a organização, funcionando também como um ponto simbólico de posicionamento para a organização. (HUDOCK, 1995). Para completar, o ambiente no qual as ONGs estão inseridas é caracterizado por alta incerteza e complexidade, sendo influenciado por uma crescente competição por recursos, constante mudanças institucionais e regulatórias e pela necessidade de atender às expectativas de múltiplos stakeholders. Organizações de uma forma geral, e ONGs especialmente existem em um contexto de alta interdependência que produz vulnerabilidade, podendo afetar a sua autonomia. Entende-se por vulnerabilidade a habilidade de um agente de suportar os custos impostos por eventos externos, mesmo depois de terem suas políticas e direcionamentos alterados para adaptarem-se a novas situações. Na perspectiva da dependência, a vulnerabilidade de uma organização às influências externas é em parte impactada pelo grau de dependência da organização a certos tipos de trocas para a sua operação. Uma organização pode ser sensível ou vulnerável à incerteza e à redução de autonomia, dependendo da disponibilidade de recursos relativos á sua demanda por eles, e na extensão em que a interdependência move a organização para um controle externo. Ao se diminuir a incerteza, as organizações podem diminuir a probabilidade ao controle externo. (HUDOCK, 1995) A Dependência de Recursos e a Aprendizagem Organizacional nas ONGs A capacidade de aprendizado é crucial para as organizações reduzirem a incerteza de um ambiente complexo que as influenciam numa relação de dependência. Se as ONGs possuem alguma aspiração com relação a sua sustentabilidade no longo prazo, a capacidade de aprendizado organizacional será indispensável. Em parte porque elas possuem muito em comum com organizações em todos os outros setores, mas também por elas possuírem aspectos singulares, que fazem o seu aprendizado algo único. (TAYLOR, 2002) No contexto da “Indústria da Ajuda” e da dependência de recursos, as ONGs estão sofrendo pela sua inabilidade em gerar aprendizado organizacional. Isto se dá devido a dois motivos: 1) a capacidade de aprendizado das ONGs está ligada a inputs internos e externos; 2) pressionadas por financiadores, as ONGs acabam não percebendo os erros como uma fonte de aprendizado. (HAILEY, 2000) O primeiro ponto nos diz que o aprendizado nas ONGs depende de processos integrados entre mecanismos informais e estruturas formais. Os mecanismos informais estão ligados aos processos participativos e o learning by doing, que muitas ONGs possuem excelente capacidade de realizar. As estruturas formais de aprendizado estão relacionadas com a sistematização de informações para o aprendizado, utilizando-se de mecanismos formais como treinamento, documentação, avaliações, etc. Tais mecanismos são negligenciados por muitas destas organizações, que muitas vezes não possuem capacidade técnica ou recursos para criá-los e implementá-los, ou porque simplesmente não as consideram importantes. É difícil para os ONGs gerarem aprendizado equilibrando as duas formas de inputs formais e informais. Informalidade e formalidade são características marcantes de formas 7 organizacionais associativas e burocráticas, respectivamente. Ao buscar atender às solicitações de financiadores em direção ao treinamento e desenvolvimento organizacional (com demandas por relatórios, criação de sistemas de avaliação e controle, etc), as ONGs tendem a deslocarem-se do espaço associativo para o espaço burocrático. Billis (1993), denominou este processo de problema da ‘ambigüidade’, onde mundo associativo e o mundo burocrático chocam-se com diferenças de valores e características organizacionais, gerando riscos para o aprendizado no longo prazo. Outro grave problema que impacta na questão da aprendizagem organizacional é a tendência a “importar” o que é aprendido por outras organizações, especialmente a transferência de certos modelos e pacotes de atuação e capacitação. Desta maneira, o aprendizado organizacional tem sido encarado como sinônimo de capacitação e desenvolvimento organizacional, abrindo linhas temáticas e financiamentos exclusivamente para estes fins. Uma das mais visíveis “importações” e capacitações é a idéia do projeticismo, baseada na utilização de metodologias como o Marco Lógico (Logical Frameworks), Método ZOPP (Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos), entre outras. O foco no planejamento linear de projetos e nos resultados, e a competição por recursos podem comprometer seriamente o aprendizado organizacional, especialmente aquele que ocorre a partir de inputs informais gerando graves problemas, já que os diferentes contextos de atuação estão cercados de uma série de especificidades que se relacionam para produzir certos processos sociais. Tais problemas mostram que o contexto da dependência de recursos acabou criando um ciclo vicioso e perigoso para o aprendizado organizacional, que atinge em cheio a capacidade das ONGs adaptarem-se ao meio, através da geração de aprendizado e inovação. As ONGs obtém uma série de inputs das bases, o que caracteriza a formação de uma série de processos ‘de baixo para cima’, quase sempre baseadas em modelos ditos participativos, que buscam balancear experiências de campo, retiradas do conhecimento local das comunidades com o aprendizado mais sistemático, enfatizado os modelos de projetos e sistemas de monitoramento e avaliação de doadores. Apesar da necessidade de priorizar certas áreas, as ONGs não podem negligenciar nenhuma dessas formas de aprendizado, sendo um constante desafio o equilíbrio entre elas. Fowler (2002) aponta que sempre existirão tensões entre, por exemplo, o aprendizado participativo e voltado para projetos. Enfim, para as ONGs balancearem as suas formas de aprendizado e cumprirem com a sua missão, elas precisam estar atentas para alguns problemas freqüentes que afetam suas estruturas e sistemas decisórios: • • Conflitos entre diferentes unidades da organização, em especial os colaboradores que estão em campo, trabalhando com beneficiários diretos de projetos, e colaboradores mais técnicos e políticos, que cumprem papéis mais voltados para atividades de controle, eficiência e negociação; Equacionamento de estruturas mais flexíveis e informais com estruturas mais profissionais e formalizadas, sem gerar engessamento organizacional nem preterir formas mais hierárquicas e autoritárias, especialmente quando a organização experimenta expansão e crescimento de suas atividades; 8 • • Existência de diferentes sistemas de tomada de decisão dentro da mesma organização: participativos, autoritários, incrementais, de tentativa e erro; Desafios para as lideranças em equacionar a cultura e missão da organização com a manutenção da sua legitimidade. Dependência e Legitimidade Legitimidade pode ser definida com uma ‘justificação moral para ações políticas e sociais’ (ATAK, 1999), e pode assumir um formato mais funcional-processual, seguindo regras e normas estabelecidas dentro de um sistema legal, ou um formato mais substantivomotivacional, que se preocupa mais com resultados. Partindo do pressuposto de que as organizações existem para atender uma necessidade do ambiente, sua legitimidade será alcançada à medida que realizam essa missão e assim alcançam reconhecimento público (BONFIM, 1999). O contexto da dependência de recursos amplia ainda mais esta necessidade, pois as organizações, na prática, competem por recursos, pelo reconhecimento e atenção do público, dos beneficiários e dos financiadores. A dependência de recursos da cooperação internacional e de governos pode prejudicar principalmente, o trabalho de militância e lobby realizado por ONGs, em última instância, a própria fonte de legitimidade de muitas ONGs. O que seria do Greenpeace sem a sua capacidade de protestos e mobilizações, que muitas vezes atingem em cheio grandes empresas e governos? Este tipo de ação angaria uma série de simpatizantes com sua causa, chama a atenção para as questões que defende e possibilita a captação de recursos da entidade. Apesar de estarem cumprindo um importante papel no atendimento de demandas e na solução de problemas sociais, o trabalho de muitas ONGs, assim como o de muitos governos no âmbito das políticas sociais, é questionado pelo fato de que a pobreza e as desigualdades sociais continuam crescendo. Neste sentido, há uma necessidade cada vez maior de se estabelecerem sistemas de avaliação, desenvolver práticas transparentes e mecanismos de accountablity. Estes processos estão, por sua vez, ligados à aprendizagem organizacional, para que possam gerar impactos positivos na sustentabilidade dessas organizações. Accountability e aprendizado organizacional, no entanto, podem ocorrer de diferentes maneiras: • Vertical: para baixo, atendendo beneficiários e estruturas de base da organização, e para cima, atendendo aos financiadores, principalmente. • Horizontal: atendendo a parceiros e outros stakeholders. Accountability deve combinar mecanismos participatórios e informais com mecanismos de controle mais formais. Para isto, as organizações precisam ter a capacidade de lidar com diferentes tipos de informação e estabelecer diferentes processos de comunicação. A Teoria da Dependência de Recursos mostra a necessidade de interpretar os inputs ambientais e de promover respostas adequadas a eles. Dentro do contexto da indústria da ajuda, muitas organizações acabam negligenciando alguns desses canais, ou tentando atender diferentes públicos com o mesmo tipo de informação, que 9 em geral é produzida pelos mecanismos de avaliação e controle demandados pelos financiadores. O Grupo Brasil e a Dependência de Recursos O Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e Múltiplo Deficiente Sensorial foi criado em 1997, pela mobilização de associações que prestam atendimento à pessoa surdocega e com múltipla deficiência sensorial. Constituído como associação civil sem fins lucrativos, atua no formato de rede de organizações e famílias, atualmente presente em 11 Estados brasileiros envolvendo 26 associações de surdocegos, famílias, voluntários e profissionais especializados. Buscando promover a qualidade de vida, a defesa de direitos e ampliação do atendimento para a população surdocega o Grupo Brasil desenvolve ações de mobilização e conscientização da sociedade para o reconhecimento da surdocegueira como uma deficiência singular (congênita ou adquirida) e a múltipla deficiência sensorial com suas especificidades visando promover a cidadania e inclusão social. A luta por questões como estas, vem ganhando relevância a cada dia junto aos órgãos públicos. Exemplo disso foi à conquista do Grupo Brasil para inserção da surdocegueira como deficiência singular, no censo escolar do Ministério da Educação, a partir de 2005, já que até então oficialmente nas estatísticas e legislação do país ainda não havia tal definição. Esta nova classificação, certamente trará dados mais precisos, já que ainda é uma grande dificuldade identificar, quantificar e qualificar os casos de surdocegueira no país. Atualmente os principais programas desenvolvidos pelo Grupo Brasil são: • Day Center Yolanda Rodríguez – projeto-piloto implantado em São Paulo com o apoio da SENSE Internacional (Latinoamérica) com o objetivo de ser referência como espaço para convivência social entre famílias e surdocegos buscando o empoderamento e autodeterminação destes. • Programa Semear – produção e difusão de conhecimentos especializados na área por meio de publicações (cartilhas, livros, Informativo Toque-me, Revista Sentir), já tendo atingido cerca de 23.000 leitores de diversos seguimentos. • Programa Sol – capacitação de profissionais da saúde, educação e assistência social nos Estados onde estão presentes as associações do Grupo Brasil • Programa Somar – mobilização de famílias por meio da recreação e lazer buscando fortalecimento das associações e pais e pessoas surdocegas • Programa Saúde– desenvolve desde 2003 a Campanha de Detecção da Síndrome e Usher –Toque-me, realizado nos pólos do Grupo Brasil e o atendimento em São Paulo para avaliação e a diagnóstico em parceria com Escola Paulista de Medicina /Universidade Federal de São Paulo (EPM / UNIFESP). A organização mantém parcerias institucionais em nível nacional com universidades e órgãos públicos, conta também com apoio institucional de organizações internacionais para o desenvolvimento de seus programas e projetos, como a Hilton Perkins (USA), Once (Espanha) e Shia (Suécia). Financeiramente, o Grupo Brasil é basicamente apoiado em ações pontuais e tem seus custos de manutenção até 2004, praticamente sendo bancados em sua totalidade pela SENSE Internacional Latinoamérica. A SENSE que é uma organização multinacional, com sede em Londres – Inglaterra, fundada em 1955 como grupo de self-help formado por 10 famílias com pessoas afetadas pela rubéola e, conseqüentemente, surdocegas. De um pequeno grupo de pais mobilizados para o adequado atendimento aos seus filhos, a SENSE cresceu e atualmente conta com 10 representações autônomas no Reino Unido, Índia, Romênia (Leste Europeu), África e Colômbia (América Latina) que apóiam além dos programas próprios que mantém, projetos mantidos por organizações de atendimento direto nestes países. A primeira parceria em termos de financiamento estabelecida entre a SENSE e Grupo Brasil, ocorreu de fato, em 2003, tendo como ação inicial a realização uma pesquisa com para identificar a população surdocega nos municípios onde estavam presentes organizações filiadas ao Grupo Brasil. . Com os resultados da pesquisa apontando para alto índice de jovens e adultos surdocegos sem nenhum tipo de atendimento e, por outro lado, a existência de recursos na SENSE Internacional Latinoamérica, captados na Inglaterra para serem investidos em projetos na América Latina, fez com que nascesse o convênio. Este teve como principal estratégia a implementação de um Day Center, para atendimento de reabilitação e educação profissionalizante de jovens e adultos surdocegos, seguindo os moldes adaptados do programa mantido pela organização na Inglaterra. A idéia inicial da SENSE era que o Day Center fosse um projeto-piloto e que depois fossem criados novos Day Centers em outros Estados do país. Porém, há grandes dificuldades, inclusive administrativas e a baixa número de atendimentos, uma vez que existem poucos casos de surdocegueira identificados, mediante as metas estabelecidas. Isso vem acontecendo por não haver diagnósticos de surdocegueira suficientes, além de outros fatores ligados a falta de recursos e informação das famílias, que na maioria estão em situação de pobreza. O Day Center desde então vem funcionando, tendo a manutenção de toda infra-estrutura (despesas com administrativas, pessoal, transportes, aluguel etc.) mantidas pela SENSE, com a diminuição progressiva do repasse de recursos a cada ano para forçar o Grupo Brasil e outros parceiros a melhorar a sua sustentabilidade, buscando outros recursos. Para tanto, seguindo uma deliberação vinda da Inglaterra, tornou-se obrigatório que todos os projetos mantidos na América Latina, a partir de 2004, contratassem um captador de recursos, objetivando atingir tal meta. Nestes dois anos, a SENSE Latinoamérica investiu fortemente em duas capacitações internacionais em fundraising para membros das organizações apoiadas, que ocorreram na Colômbia. Essa estratégia fez com que o Grupo Brasil buscasse parcerias e estabelecesse convênios com a Prefeitura Municipal de São Paulo, para concessão de funcionários públicos para atuarem nos atendimentos do Day Center. Também foi estabelecida parceria com a Canadian International Agency Development (CIDA) para realização de um projeto de capacitação em alguns Estados do Brasil. Houve também outros financiamentos pontuais para realização de eventos e lançamentos de publicações. As despesas mais altas de manutenção administrativa do Day Center, porém, continuam quase que na totalidade a depender da Sense, mesmo tendo minimizado os custos com pessoal graças ao convênio com a Prefeitura de São Paulo. Um bom resultado trazido pelos financiamentos pontuais são as sinalizações de futuros e maiores apoios financeiros por alguns dos parceiros como a CIDA, Hilton Perkins, entre outras. 11 Mesmo buscando estruturar a captação de recursos, a SENSE Internacional não teve a preocupação de observar o prévio fortalecimento institucional das entidades que financia, não observando as diferentes e reais necessidades dentro das peculiaridades que cada uma possui. Um outro fato também importante com relação a dependência de recursos, relaciona-se a influência que a SENSE exerce sobre a aprendizagem organizacional de suas parceiras, uma vez que há uma centralização nos processos de capacitação e uma assimetria de poder existente entre as partes (EDWARDS, 2002; ROCHE, 1998). O foco em um único projeto para onde os recursos da parceira com a SENSE estão sendo direcionados, o Day Center, fez com que o Grupo Brasil perdesse de certa forma seu foco de articulação em rede, passando a atuar muito mais num foco de atendimento pontual em São Paulo. No caso da relação aqui citada, há uma tendência da SENSE Latinoamérica trabalhar muito mais na perspectiva de manutenção da atual situação, uma vez que também sofre pressões vindas de seus maiores financiadores que são captados pela SENSE Inglaterra. Em última instância, pode-se dizer que os projetos “enlatados” vindos dos financiadores ingleses geram um efeito em cascata de pressões pela busca da sustentabilidade, criando um círculo vicioso de adaptações as demandas da “Indústria da Ajuda”. Quebrando o Ciclo de Dependência – O GAPA/BAHIA Poucas organizações são capazes de modificar o seu ambiente de maneira significativa, porque isto requer recursos e escala de atuação, além de poder constituir-se em um risco para a estabilidade organizacional. A Teoria da Dependência dos Recursos aponta algumas estratégias que podem ser implementadas pelas organizações na tentativa de minimizar sua dependência, como por exemplo, a diversificação das fontes de recursos (PFEFFER; SALANCIK, 1990). Esta estratégia demandará tempo e recursos da organização para que diferentes expectativas e demandas de diversos stakeholders sejam atendidas. Muitos grupos podem ser atendidos simultaneamente, mas quando os interesses não estão intimamente ligados é possível que a organização tenha que criar muitas unidades diferentes para lidar com os diversos atores envolvidos, correndo o risco de distanciar-se de seu foco e missão. Pressões por baixos overheads e a necessidade de gerenciar um número cada dia maior de relacionamentos colocam algumas limitações para a estratégia de diversificação em ONGs. Apesar disso, esta estratégia vem começando a ser aplicada por ONGs no Brasil. Ao invés de depender amplamente da cooperação internacional ou de recursos governamentais, elas tentam diversificar sua forma de captação, inserindo doadores individuais, empresariais, introduzindo práticas de mercado para a venda de bens ou serviços em áreas de expertise. Estratégias mercadológicas, entretanto, também apresentam riscos para as ONGs, por levarem estas organizações a aplicarem a lógica de mercado. Isto pode desviá-las de sua missão pela ênfase na atividades meio, podendo, ainda, gerar impactos na percepção de financiadores, beneficiários e outros setores da sociedade, influenciando sua legitimidade. Muitas pequenas empresas reclamam ainda da concorrência ‘desleal’ das atividades mercadológicas das ONGs, que no Brasil, a depender da sua forma jurídica, podem ser desenvolvidas contando com alguns benefícios fiscais. 12 Algumas ONGs estão tentando implementar formas ainda mais inovadoras para diversificar suas fontes de recursos. Uma delas é o empreendedorismo social, onde as organizações geram recursos através da criação ou expansão de suas atividades no mercado; e a inovação cívica, que busca a participação popular para mobilizar recursos (FOWLER, 2000). Estas últimas alternativas podem ser meios eficientes para gerar dinâmicas locais, levantando não apenas recursos financeiros, mas também o aporte de voluntários e novas parcerias, construindo um maior envolvimento da sociedade com as atividades da ONG. O caso do GAPA/BA, que buscou a mobilização local de recursos, envolvendo a sociedade em suas atividades, é um exemplo interessante que alia práticas mercadológicas à sensibilização para a causa. O GAPA realiza eventos, venda de produtos com a sua ‘ grife’ e leilões sociais com a participação de celebridades. Ao tempo em que obtém aporte de recursos financeiros, O GAPA/BA também mobiliza diversos agentes para a promoção da sua causa: apoio e prevenção á AIDS. O Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS - GAPA/BAHIA surgiu em 1988, da iniciativa de um grupo de voluntários formado por estudantes e profissionais de diversas áreas, que viam na epidemia de AIDS uma grave ameaça a toda a sociedade e não apenas um problema de alguns grupos inicialmente afetados pela epidemia (GAPA BAHIA, 2005). A entidade desenvolve, desde então, diversas ações de relacionadas com a prevenção e assistência aos portadores de HIV e outras DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis), sendo reconhecida nacionalmente, tendo recebido diversas premiações, produzido e sistematizado informações educativas em diversas cartilhas, revistas e outras publicações. Este trabalho e reconhecimento foi financiado em quase sua totalidade por fundos governamentais e por recursos de 3 ONGs internacionais. Entretanto, em 1998, a entidade passa por um momento de crise diante do anúncio de que grande parte dos recursos de financiadores internacionais seria gradualmente retirado. GAPA/BAHIA inicia um processo de revisão do posicionamento da entidade frente à sociedade, o governo e seus financiadores e cria uma área específica dentro da organização para a captação de recursos. Esta área atua de forma integrada e alinhada com restante da organização, e não como um departamento separado. Ela buscou equacionar as necessidades de recursos de cada projeto com a legitimidade e o aprendizado organizacional no longo prazo. Os resultados alcançados, entre 1998 e 2001 revelaram um aumento de na mobilização de recursos financeiros, mas também recursos humanos e institucionais, conforme demonstram os dados divulgados pela entidade: • Crescimento no número de voluntários. • Cerca de 4.000 doadores cadastrados individuais em banco de dados. • Cerca de 8.000.000 de pessoas atingidas e sensibilizadas pelas campanhas multimídia. • Aumento no número de matérias de mídia espontânea abordando a instituição e a causa da AIDS. • Efetivação de importantes parcerias com empresas e indivíduos formadores de opinião. • Crescimento de mais de 2.550% nos recursos arrecadados localmente de 1998 a 2001. • Crescimento de mais de 1.000% do percentual representado pelos recursos captados. localmente em relação ao total de recursos arrecadados pela instituição. 13 O GAPA/BA coloca algumas estratégias desenvolvidas para mobilizar recursos locais e promover a diversificação das fontes de recursos: • • • • • marketing da causa; promoção e articulação da causa com temas transversais: educação, gênero, populações minoritárias, direitos humanos; fortalecimento da marca institucional e legitimidade, ao promover o histórico da instituição conferindo-lhe maior visibilidade pública; mobilização de público com capacidade contributiva; fortalecimento da gestão interna com foco em processos específicos de planejamento, controle, gestão de RH (especialmente voluntários) e capacitação técnica para dar suporte à captação de recursos institucionais. Outras estratégias - Articulação Interinstitucional O papel das fusões, aquisições e formação de redes também geram grandes impactos para a sustentabilidade organizacional. A capacidade de estabelecer vínculos e fluxos de interação contínuos de informação e decisão tem grande impacto para o equilíbrio das variáveis de incerteza e vulnerabilidade. No caso das ONGs esta capacidade está representada pelas organização de parceiras e redes entre congêneres e com organizações de outros setores. O histórico das ONGs no Brasil tem mostrado que essa colaboração tem sido difícil, em um contexto de competição por recursos e por visibilidade social. No entanto, pouco a pouco, algumas iniciativas têm surgido, como é o caso da ABONG – Associação Brasileira de ONGs, RITS – Rede de Informação para o Terceiro Setor, e a formação de grupos de trabalhos, como o GTA – Grupo de Trabalho Amazônico, que envolve mais de 500 organizações – ASA – Ação do Semi-Árido, e alguns Fóruns setoriais incentivados por fundos governamentais, como é o caso dos Fóruns Estaduais de ONG/AIDS. Bonfim (1999), aponta a importância desta ação coletiva para o atingimento da sustentabilidade: A utilização competente de técnicas e procedimentos de captação pode melhorar as condições de captação individual das OSCs. No entanto, ainda assim serão insuficientes para alcançar a sustentabilidade das OSCs ou do denominado Terceiro Setor de maneira coletiva. Apenas com essa construção coletiva de uma visão de futuro será possível estabelecer estratégias que possam quebrar o ciclo de dependência e apontar caminhos para a sustentabilidade. Bonfim aponta alguns aspectos necessários para a sustentabilidade de uma organização: 1. Conhecimento das necessidades do ambiente: compreensão de que os problemas existentes no ambiente local são profundamente afetados pelo ambiente mundial, e a reflexão sobre quais estratégias poderão apontar para o futuro desejado. 2. Competência técnica e econômica: domínio das novas tecnologias e recursos para operacionalizar seus serviços. Corresponde ao projeto institucional, cujo futuro implica a melhoria da sua capacidade de operar e de estabelecer alianças para alcançar seu objetivo. 14 3. Participação: capacidade de posicionar-se politicamente no campo social para propor, decidir e empreender soluções de problemas, percebendo-se como um ator com possibilidades e limites. Também pressupõe estimular e assegurar a participação dos diferentes grupos e agentes da organização (dos beneficiários aos investidores) na discussão dos problemas e soluções. Apesar das diferentes estratégias, a interdependência e a incerteza não irão desaparecer. A autonomia será sempre relativa e as ações organizacionais precisam ser mais reflexivas e estratégicas para possibilitar o aumento da sua margem de manobra. No caso das ONGs, muitas dessas ações estão centradas no estreitamento dos canais de comunicação com os seus diversos stakeholders e na sua capacidade de gerir estes relacionamentos em uma posição de negociação confortável (BIGGS; NEAMES 1995). Muitas ONGs também possuem habilidades para modificar idéias de doadores. Esta habilidade assim como a habilidade de gerenciar a vulnerabilidade e incerteza através de outras estratégias de diversificação de fontes de recursos aqui citadas irá variar de acordo com o montante de recursos e o quão crítico ele é para a organização. Considerações Finais Os principais problemas que podem ser apontados como efeitos diretos da dependência das ONGs estão representadas pela potencial redução da sua legitimidade, efetividade e capacidade de aprendizado. Uma vez que elas estão envolvidas com crescentes demandas de financiadores, existe o forte risco de distanciamento de sua missão e de sua forma associativa, privilegiando inputs formais e as aproximando de formas organizacionais mais burocráticas e engessadas. O foco em resultados e no planejamento linear (para a administração de projetos) solicitado pelos financiadores pode comprometer o aprendizado organizacional. Ao privilegiar resultados e metas, ao invés de aprendizado e desenvolvimento no longo prazo, as ONGs acabam criando um risco adicional para a sua própria sustentabilidade. A capacidade de aprendizado e inovação pode ser o grande pilar de sustentação na busca incansável pela sustentabilidade (LEWIS, 2001). É o que demonstram os casos apresentados. O Grupo Brasil fica mais vulnerável ao abandonar a estratégia de articulação em rede, priorizando a montagem do Day Center requisitada pelo financiador. O Day Center não parecer ser, no momento, o projeto mais adequado para atender aos interesses da entidade e seus beneficiários. Representa um custo alto para de manutenção e gera pouco impacto, uma vez que poucos beneficiários possuem informação sobre este serviço, e a própria entidade possui pouca informação sobre os surdocegos no Brasil. Seria o caso de continuar a mobilização local interinstitucional, envolvendo setores da sociedade para o problema da surdocegueira e pressionando o governo para a obtenção de políticas públicas mais claras na área. Nesse sentido, o Grupo Brasil encontra-se vulnerável, já que suas ações são quase todas sustentadas pela SENSE Internacional, e com poucas possibilidades de modificar seu ambiente de maneira significativa. A dependência e a necessidade de atender a demandas de financiadores pode comprometer e fragilizar todo o trabalho de mobilização e sensibilização. O foco na implementação de projetos e na sua 15 gestão pode estar distanciando a organização das pessoas e de seus interesses, pouco contribuindo para sua legitimação e fortalecimento institucional. Em contraste, o caso do GAPA/BA aponta para uma alternativa na busca pela sustentabilidade e diminuição da dependência externa. O empreendedorismo social, a mobilização e envolvimento da sociedade para a causa da AIDS. A entidade não limitou-se em priorizar o seu fortalecimento administrativo e institucional, ao demonstrar a contribuição das suas ações para o problema, mas adotou uma postora de co-responsabilizar a sociedade e os indivíduos como sendo fundamentais para este trabalho. Este diálogo dinâmico com a sociedade, constitui-se como uma forma de influenciar seu ambiente, ao mesmo tempo em que fortelece sua legitimidade. Um dos riscos para a estratégia empreendedora do GAPA/BA é o equilíbrio entre suas áreas meio de suas áreas fim, em especial quando se opta por estratégias de captação de recursos que se utilizam instrumentos mercadológicos, como a venda de produtos ou o telemarketing junto a pessoas físicas contribuintes. A estratégia de articulação interinstitucional começa a ganhar mais força com o surgimento de diversas iniciativas. A formação de redes e parcerias não apenas facilita o aprendizado organizacional, mas também aumenta as chances de que as organizações interfiram e modifiquem o seu ambiente. É o que têm demonstrado alguns estudos, apontando a influência dessas redes na definição de políticas públicas. Com relação ao aprendizado organizacional e o trabalho por projetos, comuns entre as ONGs, o grande desafio é o de desenvolver sistemas de avaliação mais holísticos, que captem não apenas as demandas dos financiadores, mas que reflitam também questões locais colocadas por seus beneficiários. Esta preocupação trará impactos decisivos na sua capacidade de aprendizado e inovação, contribuindo para a sustentabilidade e a diminuição da dependência externa. O complexo contexto da dependência de recursos leva as ONGs a estabelecerem interações constantes com o ambiente. A capacidade de mudar o próprio ambiente e a determinação do seu nível de autonomia irão depender das suas capacidades em desenvolver habilidades internas para o aprendizado, e habilidades externas para gerir a sua complexa cadeia de relacionamentos e estabelecer diálogos dinâmicos com a sociedade. Tais capacidades poderão garantir o aprendizado organizacional, internamente, e legitimidade, externamente, todas elas condições indispensáveis para a sustentabilidade (LINDENBERG, 2001; BIGGS; NEAMES, 1995). A Teoria da Dependência dos Recursos é, portanto, um conceito que nos ajuda a compreender as ONGs e os seus relacionamentos com o ambiente. O entendimento dos relacionamentos de poder/dependência estabelecidos com financiadores, beneficiários e outras instituições é o ponto que vai nortear esta navegação. Referências Bibliográficas ABONG. ONGs no Brasil: perfil das associadas à ABONG. Associação Brasileira de ONGS, Disponível em: <www.abong.org.br>, Acesso em: 12 dez 2001 ATACK, Ian. Four criteria of development NGO legitimacy. World Development v. 27, n. 5, 16 pp 885-864, 1999 BIGGS,S.; NEAMES, A. Negotiating room for manoeuvre: reflections concerning NGO autonomy and accountability within the new policy agenda. 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