Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial version ISSN 1676-2444 J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.46 no.1 Rio de Janeiro Feb. 2010 - doi: 10.1590/S1676-24442010000100005 MEDICINA LABORATORIAL COMUNICAÇÃO BREVE Avaliação fenotípica da enzima Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) em Enterobacteriaceae de ambiente hospitalar Phenotypic research on Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) enzyme in Enterobacteriaceae from hospitals Rosabel DienstmannI; Simone Ulrich PicoliII; Gabriela MeyerIII; Tiago SchenkelIV; Juçara SteyerV I Biomédica Mestra em Microbiologia; professora adjunta da Federação de Estabelecimento de Ensino Superior em Novo Hamburgo (FEEVALE) III Acadêmica de Biomedicina da FEEVALE IV Especialista em Análises Clínicas; biomédico; diretor do Laboratório Vitale, Tramandaí (RS) V Farmacêutica-bioquímica; responsável pelo Laboratório de Microbiologia HPS II Endereço para correspondência RESUMO INTRODUÇÃO E OBJETIVO: A resistência bacteriana é problema frequente e importante no ambiente nosocomial. Nesse contexto, várias bactérias apresentam habilidade de desenvolver mecanismos de resistência enzimáticos, destacando-se as Enterobacteriaceae. Nesta família de microrganismos, a produção de Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) é um mecanismo emergente, o que justifica sua vigilância constante. MATERIAL E MÉTODO: Este trabalho pesquisou o fenótipo de KPC em 30 isolados clínicos de enterobactérias resistentes a cefalosporinas de terceira geração e sensibilidade diminuída a carbapenem oriundas de dois hospitais (em Porto Alegre e na Grande Porto Alegre, RS). Realizou-se discodifusão com imipenem, meropenem e ertapenem, e 14 cepas com halo < 22 mm para o último antimicrobiano foram submetidas ao teste de Hodge modificado. RESULTADOS: Nenhuma amostra apresentou carbapenemase (Hodge negativo). DISCUSSÃO: Apesar de não ter sido detectada carbapenemase, a resistência aos carbapenens possivelmente pode ser atribuída à presença de betalactamases cromossômicas (AmpC) e/ ou de amplo espectro (ESBL) associada à alteração de permeabilidade nos canais de porina. CONCLUSÃO: Considerando o caráter emergente da KPC, torna-se importante seu rastreamento em isolados de enterobactérias com sensibilidade diminuída ao ertapenem. Unitermos: Klebsiella pneumoniae carbapenemase, Betalactamase, Resistência bacteriana a antimicrobianos, Infecção hospitalar ABSTRACT INTRODUCTION AND OBJECTIVE: Bacterial resistance is a frequent and important problem in the nosocomial environment. In this context, several bacteria have the ability to develop mechanisms of enzymatic resistance, mainly Enterobacteriaceae. In this family of microorganisms, the production of Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) is an emerging mechanism, which should be under constant observation. MATERIAL AND METHOD: This study investigated the phenotype of KPC in 30 clinical isolates of Enterobacteriaceae resistant to third generation cephalosporin and carbapenem from two hospitals (Porto Alegre city and Porto Alegre, RS). It was performed disk diffusion method with imipenem, meropenem and ertapenem. Additionally, 14 strains with halo < 22 mm for the last antimicrobial agent underwent modified Hodge test. RESULTS: No sample showed carbapenemase (Hodge negative). DISCUSSION: Despite the fact there was no carbapenemase, resistance to carbapenems is possibly attributed to the presence of beta-lactamases AmpC and/or ESBL associated with changes in the permeability of porin channels. CONCLUSION: Given the emerging nature of KPC, it is important to trace it in Enterobacteriaceae isolates with decreased susceptibility to ertapenem. Key words: Klebsiella pneumoniae carbapenemase, Beta-lactamase, Bacterial resistance to antibiotics, Nosocomial infection Introdução Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) é uma enzima produzida por bactérias Gramnegativas (enterobactérias), e sua detecção em isolado bacteriano confere resistência aos antimicrobianos carbapenêmicos, além de inativar penicilinas, cefalosporinas e monobactâmicos(14,15). É importante salientar que os carbapenens compreendem uma classe amplamente utilizada no tratamento de infecções envolvendo Enterobacteriaceae multirresistente(3). Vários são os mecanismos de resistência que podem impedir a ação dos carbapenens, e a resistência surge, ocasionalmente, da combinação de impermeabilidade da membrana com betalactamases cromossômicas (AmpC) ou de amplo espectro (ESBL)(9). As carbapenemases pertencem às classes moleculares de Ambler, denominadas A, B e D. As do grupo A incluem membros designados SME, IMI, NMC, GES e a família das KPCs. Destes, as KPCs são as mais prevalentes encontradas em plasmídeos de Klebsiella pneumoniae(13). A enzima KPC já foi documentada em diferentes bactérias por meio de estudos moleculares e diferenciada em KPC-1 a 4(10), com a seguinte descrição: KPC-1 em isolados de Klebsiella pneumoniae; KPC-2 em K. pneumoniae K. oxytoca, Salmonella enterica e em Enterobacter sp.; KPC-3 em K. pneumoniae e Enterobacter cloacae. Para KPC-4, não foram encontrados microrganismos relacionados(6). Atualmente, KPC constitui importante mecanismo de resistência no contexto hospitalar mundial. Sua pesquisa é relevante a fim de limitar sua disseminação, contribuindo para a redução dos índices de morbidade e mortalidade ligados a diferentes doenças infecciosas, em que é imprescindível a vigilância microbiológica, juntamente com ação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). As metodologias usadas para rastreamento de KPC são diversificadas: focalização isoelétrica, discodifusão, E-test(2) e teste de Hodge modificado(1). Pode-se ainda pesquisar o gene blaKPC por reação em cadeia da polimerase (PCR) ou ribotipagem. Já foi dito que sistemas de automação usados para teste de suscetibilidade podem não identificar com precisão os isolados KPC positivos(2). Assim, a triagem fenotípica se dá preferencialmente por meio de antibiograma com discos de cefalosporinas subclasse III (cefoperazona, cefotaxima, ceftazidima, ceftizoxima, ceftriaxona) e imipenem (IPM), meropenem (MEM) e ertapenem (ETP)(3), além do teste de Hodge modificado(1, 8). Objetivo Diante do exposto, o objetivo deste artigo foi pesquisar fenotipicamente a enzima KPC em isolados bacterianos oriundos de hospitais de Porto Alegre e da Grande Porto Alegre. Material e método O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da prefeitura de Porto Alegre sob o registro 001.025791.08.7. Entre agosto e novembro de 2008 foram obtidos 30 isolados nosocomiais de enterobactérias (Klebsiella sp., Enterobacter sp., Escherichia coli) com resistência a alguma cefalosporina de terceira geração (ceftazidima, ceftriaxona ou cefotaxima) e a carbapenem (imipenem, meropenem ou ertapenem)(3). Os isolados foram provenientes de um hospital de Porto Alegre e outro da Grande Porto Alegre. O crescimento bacteriano (isolamento primário) característico foi repicado em ágar McConckey, incubado a 35ºC por 24 horas e estocado a -20ºC em caldo glicerinado até a obtenção de todas as amostras. Para pesquisa fenotípica de KPC, as bactérias foram descongeladas e submetidas a crescimento em ágar sangue de carneiro e subsequente repique. Com o segundo crescimento foram executadas duas metodologias: discodifusão com carbapenens e teste de Hodge modificado(1). O disco empregado no referido teste é o ertapenem, pois há relatos de que a sensibilidade e a especificidade para KPC são maiores no emprego deste (90% a 100% e 81% a 93%, respectivamente) em relação aos demais carbapenens(7). É necessário destacar que, na ocasião deste estudo (2008), o Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) ainda não apresentava considerações sobre KPC. Para interpretação da sensibilidade aos antimicrobianos empregaram-se diâmetros de halos para carbapenens indicados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) como sugestivos de KPC (ertapenem e meropenem < 22 mm). Em isolados com este perfil foi aplicado o teste de Hodge modificado. Os pontos de corte dos carbapenens recomendados pelo CLSI (2008) não foram utilizados, uma vez que existem cepas KPC positivas com baixo nível de resistência a esses fármacos14. Para fins de controle de qualidade foram realizados testes com cepa de Klebsiella pneumoniae KPC positiva cedida pelo Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP). Os resultados encontrados foram avaliados por análise de frequência (Tabela). Resultados Do hospital de Porto Alegre foram provenientes 22 (73,3%) cepas e do hospital da Grande Porto Alegre, oito (26,7%), num total de 30 amostras. As mesmas foram isoladas de urina, escarro, secreção pleural, ponta de cateter, aspirado traqueal e hemocultura, sendo mais prevalente em urina (40%). Entre as 30 cepas analisadas, 21 (70%) eram Klebsiella pneumoniae, quatro (13,3%) Enterobacter sp., três (10%) Klebsiella ozaenae, uma (3,33%) Escherichia coli e uma (3,33%) Klebsiella oxytoca. O fenótipo de KPC não foi detectado em nenhuma das 30 (100%) amostras testadas. Discussão As amostras foram submetidas ao teste de Hodge modificado, à discodifusão com carbapenens e à análise de diâmetros de halos sugestivos para KPC segundo critérios estabelecidos pelo CDC (2008). Segundo este órgão, suspeita-se da enzima se halos de ertapenem ou meropenem se apresentarem < 22 mm. Optou-se pelos critérios do CDC devido à maior amplitude dos pontos de corte para sugestão de KPC, uma vez que existem cepas com baixo nível de resistência a esses antimicrobianos(14). Exemplificando, cepa de Klebsiella sp. com halo de 22 mm para ertapenem seria classificada como sensível, segundo o CLSI, mas possível KPC mediante o CDC. Isso permite maior chance na detecção da enzima e interpretação mais cuidadosa de resultados. Segundo o CDC (2008), o ertapenem apresenta melhores sensibilidade (90%-100%) e especificidade (81%-93%) para a enzima em questão, seguido de meropenem, com 48%94% e 96%-100%, respectivamente. O disco de imipenem, um dos mais empregados rotineiramente nos laboratórios de microbiologia, apresenta menores sensibilidade (42%94%) e especificidade (28%-93%), sendo o menos recomendado(7). Outra razão para empregar ertapenem é o fato de ele não apresentar "efeito inóculo"(4). Com imipenem e meropenem esse efeito se apresenta bastante pronunciado, podendo causar somente redução da sensibilidade, e não verdadeira resistência. Das 30 amostras avaliadas no estudo verificou-se que 28 (93,3%) apresentaram menor halo para ertapenem do que para imipenem e meropenem. Caso o disco de ertapenem não fosse empregado, 27 (90%) amostras seriam consideradas sensíveis a imipenem e meropenem e apenas três (10%), resistentes aos mesmos. Assim, não haveria razão para dar continuidade à pesquisa de KPC (teste de Hodge) nas 27 amostras. Por outro lado, mediante este antimicrobiano, 14 (51,8%) das 27 amostras foram suspeitas de conter KPC (Tabela). Assim, executou-se o teste de Hodge modificado nas 14 amostras referidas. O resultado foi negativo para todas as cepas testadas, eliminando a possibilidade da presença fenotípica de carbapenemase. Porém, o número de amostras testadas de ambos os hospitais pode não ter sido satisfatório para a detecção desse mecanismo de resistência emergente, visto que até o momento se conhecem raros relatos de KPC no Brasil oficialmente descritos(10). Em contrapartida, nos Estados Unidos a enzima já se tornou endêmica(3-5). Em pesquisa realizada por Bratu et al. (2005) em dois hospitais de Nova York, foram testadas 602 amostras e 45% apresentaram algum mecanismo de resistência, sendo apenas 3,3% (44) confirmadas por biologia molecular como KPC-2. Outro aspecto importante reportado no trabalho foi que vários isolados se apresentaram sensíveis ao imipenem(5). De modo semelhante, em Israel, entre 2004 e 2006, foram estudadas 4.149 cepas resistentes a carbapenens e, delas, apenas 51 (1,3%) foram identificadas como KPC positiva. Evolutivamente, em 2004-2005, a enzima foi encontrada em somente seis isolados, e as demais (45), em 2006, denotando crescente aumento da KPC. A proporção anual desse mecanismo de resistência foi de 0,4%, 0,7% e 3,1% nos três anos de estudo, respectivamente(11). A resistência aos carbapenens verificada no presente estudo possivelmente pode ser atribuída à presença de outros mecanismos como AmpC e/ou ESBL associados à alteração nos canais de porina, que modificam a ação e a penetração dos fármacos(9). Dessa forma, podem ocorrer resistência a antimicrobianos de maior espectro e sensibilidade aos de menor espectro de ação, ou seja, resistentes a carbapenens e sensíveis a cefalosporinas de terceira e/ou quarta geração(13). Por fim, a diminuição de sensibilidade também pode ocorrer por associação de outras carbapenemases, como a metalobetalactamase (MBL), que hidrolisam todos os betalactâmicos, com exceção do aztreonam (in vitro)(12). Além do número restrito de amostras avaliadas, outra limitação do estudo foi a não confirmação de mecanismos de resistência (ESBL, AmpC, MBL) por testes, como discocombinado para ESBL, ácido borônico para AmpC plasmidial e pesquisa de metaloenzima com agentes quelantes. Tais técnicas associadas a estudos em nível molecular permitiriam melhor compreensão dos resultados encontrados. A partir de 2009 o CLSI passou a recomendar a pesquisa da enzima KPC em isolados de enterobactérias com resistência a cefalosporinas da subclasse III (cefoperazona, cefotaxima, ceftazidima, ceftizoxima e ceftriaxona) e sensibilidade diminuída a carbapenens (ETP 19-21 mm; MEM 16-21 mm; IPM: é fraco preditor de carbapenemase). Nessa situação, a padronização estabelece a confirmação de carbapenemase por meio do teste de Hodge modificado(8) empregado na presente pesquisa. Assim, fica sinalizada a importância de se estabelecer uma rotina para a pesquisa de KPC em isolados de Enterobacteriaceae com sensibilidade reduzida às cefalosporinas de amplo espectro, posto que têm maior potencial de apresentar essa nova carbapenemase. Conclusão Sugere-se a vigilância para o mecanismo de resistência emergente no Brasil (KPC). Sua triagem é conduzida adequadamente com emprego de discos de cefalosporinas subclasse III e de carbapenens no antibiograma. Diante de sensibilidade diminuída, é recomendado o teste de Hodge modificado, que apresenta sensibilidade e especificidade para confirmação de carbapenemases. Referências 1. ANDERSON, K. F. et al. Evaluation of methods to identify the Klebsiella pneumoniae carbapenemase in Enterobacteriaceae. J Clin Microbiol, v. 45, n. 8, p. 2723-5, 2007. [ Links ] 2. BRADFORD, P. A. et al. 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[ Links ] Endereço para correspondência: Simone Ulrich Picoli Centro Universitário FEEVALE - Instituto de Ciências da Saúde - Laboratório de Biomedicina RS 239, nº 2.755 CEP: 93352-000 - Novo Hamburgo-RS e-mail: [email protected] Primeira submissão em 18/08/09 Última submissão em 04/01/10 Aceito para publicação em 18/01/10 Publicado em 20/02/10 All the contents of www.scielo.br, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License SBPC, SBP, SBC Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408 Fax.: +55 21 - 2205-3386 [email protected] CORREIO BRASILIENSE – BRASÍLIA 19/10/2010. Helena Mader / Publicação: 19/10/2010 08:09 Segundo médica infectologista "falta de estrutura nos hospitais trouxe KPC" Especialista afirma que unidades da rede pública de saúde do DF não estão preparadas para conter a disseminação da superbactéria Nos corredores de qualquer hospital público ou particular do Distrito Federal, o assunto é o mesmo: o medo da superbactéria. A preocupação de servidores e pacientes aliada à desinformação faz com que o pânico se dissemine mais rápido do que o próprio microorganismo. Há uma certa razão para tanto, pois 15 brasilienses morreram desde janeiro por conta da Klebsiella pneumoniae Carbapenemase (KPC). No mais recente balanço da Secretaria de Saúde, divulgado sexta-feira, houve um crescimento de 21% no número de infecções, em comparação com a semana anterior. Agora são 135 pessoas contaminadas. A médica infectologista Maria de Lourdes Ferreira Lopes conhece de perto essa realidade. Ela trabalha na rede pública e também presta atendimento em três hospitais privados do DF. Para ela, é preciso haver mobilização e investimentos para controlar a superbactéria e para evitar mais infecções. A infectologista atribui o agravamento do problema à escassez de recursos e materiais nos hospitais públicos. “O Distrito Federal tem tantos casos (de KPC) por causa da falta de estrutura da rede pública. Faltam insumos básicos para impedir a transmissão, como álcool, capotes, luvas, aventais e até hipoclorito para limpar o chão”, denuncia. No entanto, a especialista é otimista quanto à possibilidade de controle. Maria de Lourdes destaca que até nos hospitais do SUS há experiências bem-sucedidas para coibir a disseminação da KPC. “Onde há condições estruturais e uma cultura de segurança no ambiente hospitalar, com envolvimento dos gestores e disponibilidade de insumos, você tem possibilidade de controle da superbactéria”, destaca. Existe motivo para tanta preocupação com a KPC? De fato, existe uma mobilização muito grande. Outro dia, estava em um cartório e me surpreendi com pessoas falando sobre KPC, isolamento e formas de contato. Essa não é uma bactéria nova, faz parte da família das enterobactérias, que estão no nosso trato intestinal, no solo, nos alimentos. O problema é que elas vêm desenvolvendo diversos mecanismos de resistência ao longo do tempo. Ela dribla nosso mecanismo de resistência, vem um novo antibiótico, ela dribla de novo e assim por diante. Quais são as opções disponíveis para tratar as infecções pela KPC? Nas últimas duas décadas, houve uma queda dos investimentos na indústria farmacêutica e uma redução de mais de 50% do número de novos produtos que chegam ao mercado. Como a bactéria cria resistência, o tempo do medicamento no mercado é muito pequeno. A indústria prefere trabalhar mais com outras drogas, como anti-inflamatórios e quimioterápicos. Porque é muito caro para colocar um medicamento no mercado, especialmente para combater uma bactéria com resistência sucessiva. Hoje, só podemos usar três drogas, uma delas, lançada recentemente, a tigeciclina, destinada a tratar infecções de abdômen e pele, por exemplo. Diante do aparecimento da KPC, tiramos da gaveta outras drogas que estavam praticamente aposentadas, que são a polimixina e a amicacina. Mas a polimixina, por exemplo, tem efeitos colaterais importantes e é de uso limitado a alguns lugares do corpo. Temos que tratar pacientes com sinais clínicos de infecção com duas e até três drogas ao mesmo tempo, tentando complementar a ação uma da outra. Quais as chances de sucesso do tratamento? Infelizmente, a resposta dos pacientes é muito ruim e a mortalidade dos que desenvolvem infecção é de mais de 70%. A resistência ocorre mais dentro dos hospitais porque lá o uso de antibióticos é maior e é onde há pacientes com imunidade mais baixa, com doenças crônicas. Também há pacientes com procedimentos invasivos, como sondas, cateter, drenos, que representam portas de entrada para as bactérias resistentes. Quando o paciente entra no hospital, entra em contato com a flora do ambiente hospitalar. Isso é o que se chama de colonização. Se essas bactérias estão naquele hospital em grande quantidade, teremos um maior número de pacientes colonizados. Estamos, então, com mecanismos de controle interno muito mais refinados para detectar os pacientes já colonizados. Todos os pacientes que vêm de outros hospitais ganham cultura de vigilância e ficam em isolamento. Se der negativo, ele sai do isolamento. Toda semana de internação, ele ganha uma nova cultura de vigilância. Porque para cada infectado, temos 15 colonizados. É um iceberg. É possível controlar a disseminação nos hospitais? Temos mecanismos de controle, isso depende apenas de infraestrutura e insumos. É preciso haver recursos laboratoriais, culturas em quantidade suficiente, placas, tem que realizar isso 100% das vezes. Onde você tem maior nível de organização, tem detecção precoce. Mas não temos no Distrito Federal laboratórios para fazer diagnósticos confirmatórios. Quem faz isso é a Fiocruz, o Instituto Adolfo Lutz ou laboratórios privados, que cobram caro. E como está a estrutura da rede hospitalar do DF para controlar a superbactéria? Hoje (ontem) de manhã, por exemplo, não tínhamos placa para cultivar (guardar para análise) KPC na rede pública. O disco de antibiótico para fazer testes acabou. O DF tem tantos casos (de KPC) por causa da falta de estrutura da rede pública. Faltam insumos básicos para impedir a transmissão, como álcool, capotes, luvas, aventais e até hipoclorito para limpar o chão O que tem que ser feito para eliminar a superbactéria ou pelo menos controlá-la? São duas as linhas de controle do surto. Temos que usar corretamente os antibióticos e controlar a transmissão entre os pacientes. Temos que ter antibióticos disponíveis para tratar os doentes, recursos para diagnóstico das infecções e especialistas para cuidar e discutir os casos. Brasília tem características que são complicadores. Muitos pacientes circulam entre a rede privada e a rede pública, indo de um hospital a outro, por causa da falta de leitos. Onde há condições estruturais e uma cultura de segurança no ambiente hospitalar, com envolvimento dos gestores e disponibilidade de insumos, você tem possibilidade de controle da superbactéria Quais pacientes estão mais expostos à infecção pela KPC? Os locais mais afetados são as UTIs, os centros que fazem cirurgia de grande porte, como os setores de neurocirurgia e de cirurgia cardíaca e a onco-hematologia, que normalmente tem pacientes com imunidade baixa. R7 NOTÍCIAS - Diego Junqueira / 16/10/2010 Casos de superbactérias no DF e em SP exigem cuidados da população e de profissionais de saúde Micróbio resistente causou ao menos 15 mortes no Brasil Getty Images É essencial que os profissionais façam a higiene das mãos antes e depois de contato com qualquer paciente A bactéria Klebsiella pneumoniae carbapenemases (KPC) – também chamada de superbactéria por ser resistente a quase todos os antibióticos disponíveis – já infectou ao menos 163 pessoas no país e causou 15 mortes. Ainda que ela ataque principalmente pacientes em condições graves de saúde - e embora o risco de uma pessoa saudável se infectar seja muito baixo - médicos infectologistas afirmam que é importante tomar medidas de prevenção para evitar a disseminação do micróbio. De acordo com Isabela Rodrigues, coordenadora do serviço de controle de infecção do HUB (Hospital Universitário de Brasília), bactérias multirresistentes já são uma realidade do ambiente hospitalar. O uso abusivo de antibióticos é o que faz com que elas se tornem cada vez mais resistentes. No caso específico da KPC, o que preocupa os especialistas é que essa bactéria tem mais facilidade de se disseminar do que as outras. Além disso, Isabela afirma que esse micróbio criou um mecanismo que limita o seu tratamento. - Hoje só existem três antibióticos para tratar [a KPC], e sua eficácia não é 100%. Com menos opções, os pacientes ficam com menos oportunidade de cura. A falta de algumas medidas de prevenção também explica a origem das bactérias multirresistentes. De acordo com a especialista, más práticas hospitalares, como a não higienização de mãos pelos profissionais de saúde, contribuíram para a proliferação da KPC. Para evitar mais casos, os hospitais tomam algumas medidas básicas, como isolamento de pacientes infectados ou suspeitos de infecção, montar equipes específicas para atender os pacientes isolados, além de cuidados extras, como uso de máscaras e aventais descartáveis em cada atendimento. Apesar de o alvo principal das bactérias multirresistentes serem as pessoas que já têm a saúde debilitada, que estão em tratamento com antibióticos ou que são submetidas a procedimentos que agridem o organismo, como cirurgias, elas também pode afetar pacientes que não estão com a saúde debilitada – assim como infectar os profissionais de saúde e os visitantes dos hospitais. Confira também • Antibióticos geram bactérias multirresistentes • Superbactéria exige higiene redobrada • Superbactéria revela falta de vigilância • http://noticias.r7.com/saude/noticias/df-reforca-alerta-a-hospitais-para-prevenirsuperbacterias-20101008.html A chance de isso acontecer, no entanto, é muito pequena, segundo o professor de infectologia da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Carlos Magno Fortaleza. - Essa bactéria preocupa porque começou a se disseminar de forma importante, reduzindo as opções de tratamento. Mas isso não significa que uma pessoa que tem boa saúde, que não está tomando antibióticos nem passando por procedimentos invasivos, não quer dizer que essas pessoas corram riscos. Mesmo assim, além dos cuidados que os profissionais de saúde e os hospitais precisam tomar, os visitantes e acompanhantes também precisam se prevenir. Segundo o infectologista Érico Arruda, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), os visitantes também precisam lavar bem as mãos logo após tocar em superfícies do hospital - Na prática, logo após sair da unidade que visitou e ao sair definitivamente do hospital. E evitar tocar desnecessariamente no paciente e nas superfícies do ambiente [macas, portas, trincos, camas, paredes etc]. Medidas de prevenção para evitar o contágio pela superbactéria População Hospitais e profissionais de saúde . Evite o contato direto com pacientes infectados. . Isolamento dos pacientes infectados ou suspeitos de infecção . Lave as mãos antes e depois de ter contato com pacientes infectados. . Para entrar em contato com os pacientes isolados, uso de equipamentos de proteção individual, como avental e luvas descartáveis. . Não abuse de antibióticos; tome com orientação médica. . Higienização das mãos antes e depois de contato com qualquer paciente . Evite tocar as superfícies hospitalares, como camas, portas e paredes. . Esterilizar adequadamente os instrumentos médicos