O CANTO DA SEREIA
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O CANTO DA SEREIA
Uma análise do discurso publicitário
Maria Helena Rabelo Campos
Professora Adjunta de Teoria da Literatura da faculdade de Letras da UFMG
Belo horizonte Editora UFMG/PROED Série Teses – 1987
CAMPOS, Maria Helena Rabelo. O Canto da Sereia: uma análise do discurso publicitário . Belo Horizonte: UFMG,1987
Resumo por Patrick Berlinck
A todos aqueles que, ao canto sedutor da sereia, por amor à justiça e à liberdade,
souberam dizer não.
<
“Assim falavam com melodiosa voz, e eu sentia o coração consumir-se de desejo. Com um
aceno dos olhos, ordenava aos companheiros que me soltassem; eles, porém, remavam,
curvados sobre remos. Mas Perímedes e Euríloco se ergueram e, com duplas cordas, ligaramme bem mais fortemente ao mastro. Somente quando já estávamos longe do ponto de não mais
ouvir a voz e o canto das Sereias, meus fiéis companheiros tiraram das orelhas a cera que eu
havia posto e me livraram das cordas”.
HOMERO,Odisséia
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INTRODUÇÃO
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A presença do anuncio na vida moderna transcende o espaço dos mídia e se faz em poemas, canções populares, contos, crônicas,
quadros, etc. Macabéia, a personagem desnutrida e carente de A hora da estrela,de Clarice Lispector, tem desejo de comer um sedutor
creme de beleza anunciado no rádio. Dolores, a pacata mãe de família da crônica de Luís Fernando Veríssimo, se transforma em garotapropaganda a anunciar todos os produtos de que se serve a sua família. Contistas como Luís vilela, vide Domingo em Tremor de terra; poetas
como Cassiano Ricardo, que fornece a epígrafe do próximo capítulo; e outros, como Carlos Drummond de Andrade, Tião Nunes, Caetano
Veloso e Chico Buarque já se valeram de anúncios como tema.
Se os vestígios da publicidade podem ser detectados na arte, é em nossos hábito, em rituais como presentear, receber, vestir,
alimentar-se e em formas de lazer e cultura física que ela fundamentalmente se faz sentir.
O contexto passa a ser fundamental para a compreensão das mensagens de uma sociedade, não no sentido do fornecimento de
dados externos complementares, exteriores ao produto, mas no da compreensão da própria produção, circulação e consumo dessas mesmas
[1]
mensagens .
A distinção estabelecida por CÂNDIDO entre a arte de agregação e a arte de segregação: a primeira “se inspira na experiência
coletiva e visa a meios comunicativos acessíveis de” incorporar-se a um sistema simbólico vigente, utilizando o que está estabelecido como
[2]
forma de expressão de determinada sociedade “
. A arte de segregação” se preocupa em renovar o sistema simbólico, criar novos
recursos expressivos e, para isto, dirige-se a um número ao menos inicialmente reduzido de receptores que se destacam enquanto tais na
sociedade” .
As noções de “subversão das expectativas retóricas” e “subversão das expectativas ideológicas” aplicadas por ECO (1971) à análise
[3]
da mensagem publicitária completam o ponto de vista de CÂNDIDO (1976). Observa ele que nem sempre uma renovação no sistema de
signos corresponde a um redimensionamento das expectativas ideológicas a eles subjacentes. Ao contrário, muitas vezes, uma subversão
das expectativas retóricas serve exatamente para camuflar uma reduplicação ao nível da ideologia. É o caso da maioria das mensagens da
industria cultural e de muitos textos literários.
Arte de agregação e arte de segregação, integração e diferenciação, subversão das expectativas retóricas e ideológicas mantém
entre si relações de complementaridade e se manifestam diferentemente nas várias mensagens.
O texto - objeto deste trabalho – a propaganda comercial – se configura como uma mensagem que parte do múltiplo universo da
indústria cultural, o anúncio tem sido estudado sobretudo com o objetivo de ser conhecido e assim tornar-se mais eficiente. Só os iniciados
conhecem as informações a ele associadas. O objetivo deste trabalho, no entanto, é conhecer e compreender criticamente.
A preocupação com a análise do anúncio nos situa no âmbito da semiótica.
[4]
Ciência geral dos signos , por não privilegiar nenhum tipo particular de mensagem, a semiótica representa uma contribuição na
diluição das fronteiras entre as várias práticas significantes e permite considerar os fenômenos culturais como sistemas de signos.O
[5]
significado define-se como “unidade cultural” .
ideologia a eles subjacente.
Assim, ” sem se converter num sistema, o lugar da semiótica, enquanto lugar de elaboração de modelos e de teorias, é um lugar de
contestação e de auto-contestação: um círculo que não se fecha(...) a semiótica[portanto] só se pode fazer enquanto crítica da semiótica que
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leva a outra coisa que não à semiótica: à ideologia” .
KRISTEVA (1974) observa que “Freud foi o primeiro a pensar o trabalho constitutivo da significação anterior ao sentido produzido e/ou
ao discurso representativo “ao estudar o mecanismo do sonho; assim, “Freud desvenda a própria produção enquanto processo, não de troca
[7]
( ou de uso) de um sentido(de um valor), mas de jogo permutativo, modelador da própria produção” .
Compreender uma sociedade e os diversos discursos que ela produz é decodificar a ideologia a eles subjacente.
MOREIRA (1979) a partir de Marcuse e Gabriel Cohn, coloca a questão sob três pontos de vista; o conhecimento como consciência, o
[8]
conhecimento como crítica e a utopia como fio condutor do conhecimento .
O anúncio oculta e revela, em seu aparato retórico, várias das formas da representação social, estruturando-as de forma persuasiva e
[9]
sedutora como um “fato social total”, um “evento social complexo” .
O anúncio não se limita a informar o consumidor sobre o produto. À função informativa agregam-se traços persuasivos visando
compelir à compra, à aquisição do que não se necessita, relegando a segundo plano o produto antigo, trocando-o sob a mística do novo.
A propaganda exerce sobre os indivíduos a ela expostos efeitos que vão desde a aquisição do produto anunciado à adesão e
assimilação da instância social que o produz. A ação comercial se acrescenta uma ação ideológica e cultural.
A função estética é a criação de uma aura de beleza que responde por boa parte do envolvimento emocional realizado pelo anúncio.
Os componentes estéticos funcionam como elementos de encantamento e sedução que envolvem o receptor de forma semelhante à mãe
que, enquanto conta histórias atraentes e cheias de peripécias, faz com que a criança engula passiva e imperceptivelmente a comida
apresentada e de que nem sempre necessita.
O anúncio se insere na instância ideológica da estrutura social. Por cultura compreender-se-á aqui o conjunto complexo de códigos
que asseguram a ação coletiva de um grupo; um conjunto de regras de interpretação da realidade que permitem a atribuição de sentido ao
[10]
mundo natural e social.
A publicidade se constitui num código na medida em que atribui um sentido às coisas estabelecendo convenções significativas.
A definição de cultura de Lévi-Strauss retomada por VELHO (1978) é algo que brota de dentro do grupo para fora, uma forma de autoregulação. Visto sob o prisma da publicidade e da comunicação de massa, tal processo se constitui em algo imposto, movimento de fora para
dentro, configurado um mecanismo de dominação e violência.
São analisados aqui os dois modos básicos de relação propostos pelo anúncio: relação com o objeto e relação com uma instância
social. A leitura das relações de dominação que têm na produção simbólica, através da indústria cultural, um de seus pontos de sustentação,
é a minha contribuição.
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OS ANÚNCIOS “NOSSOS”DE CADA DIA
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“O transeunte.
foi feito para ver
(e se convencer)
Mas quem vê a face
Do anúncio
Não lhe vê a outra face
da lua
O sol de metal que está
Atrás do anúncio “.
Cassiano Ricardo. Jeremias sem- chorar.
As diversas mensagens produzidas nas sociedades complexas implicam a consideração de questões como arte de elite, arte popular
e arte de massa, ou, ainda, a relação entre arte/sociedade,texto/contexto, ficção/realidade.
MARKETING
OU COMO EXPLORAR COMERCIALMENTE
NECESSIDADES E CARÊNCIAS
O marketing constitui um processo complexo de que o anúncio não é mais que uma parte. O anúncio visa normalmente ao
escoamento da produção industrial.
O marketing ‘explora as necessidades ou carências humanas, criando incentivos que reforçam os impulsos naturais de satisfação do
[11]
homem”.
“(...) ao marketing cabe criar incentivos corretos a esses impulsos com o propósito de provocar a ação de consumo dos produtos ou
[12]
serviços que se quer vender”.
Em outras palavras, boa parte das informações obtidas do mercado para orientar a produção lê estão por força do próprio sistema
produtivo.
O consumidor é dissecado em suas necessidades e desejos.
O resultado desse processo é a nudez do consumidor frente aos produtores e a sua conseqüente permeabilidade aos diversos apelos
publicitários.
Dessa forma, o sistema produtivo opõe, aos aspectos negativos do mercado, o positivo do produto “algo que se representa para os
[13]
que o adquirem uma gama de satisfações quer de ordem funcional, quer psicológica”
De posse de todos os dados sobre o produto e das informações fornecidas pelas pesquisas de opinião e mercado, é hora da criação
do anúncio propriamente dito, a filosofia a ser usada para a escolha do apelo e do approach [que é a aproximação, o caminho de acesso do
produto ao consumidor] do produto. Tudo isso poderá desembocar num único anúncio ou numa criação de várias peças publicitárias,
diferentes entre si mas regidas por um tema em comum: a campanha.
Tanto no anúncio quanto na campanha a tônica é o enfoque do produto de uma maneira sempre nova, explorando-lhe os traços mais
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significativos para o consumidor.
Se por um lado o anúncio é regido pela criatividade, por outro é limitado por tempo, espaço, veículos , público, modismos e
tendências, gosto e moral. Uma análise atenta dos anúncios revelará a habilidade ou mesmo os incríveis malabarismos realizados para evitar
uma ultrapassagem perigosa dos limites de tolerância dos consumidores.
Tomando por exemplo um anúncio da Gerber vendendo produtos infantis em conserva, publicados em revistas femininas, podemos
detectar algumas tentativas de superar estas contradições entre a criatividade do anúncio e a ética estimulando um conflito. E é o conflito
entre o alimento material e o afetivo que o título do anúncio explicita e resolve: “Nos primeiros anos de vida, seu bebê sói quer você juntinho
dele. Deixe a cozinha por conta da Gerber”.
A palavra cozinha, tomada como símbolo de trabalho e de afastamento da mãe e do filho, através do uso de alimento em conserva
sobretudo para bebês compromete a imagem da mulher como boa dona de casa, tradição passada de mãe para filha e que se refere ao zelo
para com a família. Entra em cena o valor da afetividade, o carinho para tentar minimizar este conflito.
A escolha do approach é outro passo importante para a criação do anúncio.
Para se determinar qual o approach, considera-se os traços do produto que são mais significativos para o consumidor, o que é mais
perceptível e atraente nele e quais os possíveis motivos de resistência ao seu uso ou adoção.
[14]
O anúncio pode abordar e tratar o produto de duas diferentes maneiras: factual ou emocional
.
No factual, lida-se diretamente com a realidade, fala-se do produto, o que é, como é feito, características técnicas, etc. No emocional,
os dados factuais cedem lugar ao apelo a valores que são extraídos do próprio universo do consumidor. As campanhas publicitárias de
cigarro são um bom exemplo de abordagem emocional. Seus approaches se traduzem em cenários bonitos, com pessoas alegres e
atraentes e os valores são o sucesso, o status, o charm, a virilidade e subliminarmente através da vitalidade dos modelos, a saúde. Tudo
na tentativa de se superar a contradição entre os maléficos do cigarro e o prazer que ele proporciona.
Usa-se também neste caso o background emocional das campanhas contra o fumo como apelo de venda para os cigarros com baixos
teores de nicotina e alcatrão: cortando os riscos para a saúde, vence o prazer. Dados factuais fornecem uma base racional para a decisão emocional - de compra.
O resultado cumulativo de todos esses procedimentos é a criação em torno do produto de uma série de conotações que terminam por
constituir a imagem de um produto: a sua marca. Este conjunto de propriedades peculiares ao produto constituem uma imagem que influencia
as pessoas a consumirem-no, e neste sentido o design, a embalagem e cor também exercem sua influência.
Uma forma eficiente de criar uma imagem positiva para uma marca é associá-la a campanhas de interesse público, patrocinando-as.
São anúncios voltados não para a venda de um determinado produto mas sim para a promoção da imagem institucional da firma produtora,
criando uma aura de simpatia por trás desses anúncios institucionais .
A FILOSOFIA DE COMUNICAÇÃO
OU A ESTRATÉGIA DO DIZER
Do latim médium, media (plural neutro), mídia significa os meios de comunicação, os veículos. A grafia portuguesa corresponde à
pronúncia inglesa.
É a mídia que permite distribuir mensagens publicitárias uniformemente entre o público incitando padrões de comportamento de compra
que , quando não podem ser seguidos por aqueles que têm baixo poder aquisitivo, gera frustração e cólera.
MERCHANDISING OU
A SUTIL INDUÇÃO AO CONSUMO
Uma forma de mídia é o merchandising, que FERREIRA & FURGLER(1977) define como “a comercialização de menções e aparições
não-ostensivas de produtos em TV, cinema, rádio, segundo critérios editorias de ‘naturalidade’, ‘contexto’,etc e não segundo critérios
declaradamente publicitários”.
O fato do espaço ser especial, e, normalmente, não ocorrerem anúncios no sentido estrito do termo, atinge o receptor em atitude
passiva, o que aumenta a permeabilidade aos diversos níveis do conteúdo dessas mensagens.
É preciso então CONHECER PARA COMPREENDER CRITICAMENTE.
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CANTO E PLUMAGEM
*
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“Detém aqui o teu navio para escutares a nossa voz. Ninguém, até agora, passou com sua
escura nau sem ter escutado o melífluo canto que sai de nossos lábio. Quem o ouve, parte mais
alegre e instruído”.
<
HOMERO,Odisséia
O anuncio passa da informação à persuasão. Visto em sua causalidade profunda, o anúncio objetiva persuadir para criar condições de
venda, a publicidade tem uma formação discursiva voltada para a persuasão que nos situa nos domínios da retórica.
A ARTE RETÓRICA E O ANÚNCIO
[16]
Uma comparação entre os pressupostos teóricos da publicidade e os da Arte Retórica de ARISTÓTELES
revela curiosas
semelhanças: o objetivo de convencer o ouvinte.
Os três livros em que o texto aristotélico se divide e os seus respectivos temas encontram correspondência nos três elementos
basicamente envolvidos no discurso publicitário: o produto, o mercado, e a mensagem que os aproxima. O primeiro livro, trata dos temas e
assuntos do discurso e corresponde, na publicidade à pesquisa sobre o produto ou o serviço a ser anunciado. O segundo, ao focalizar o
problema do auditório e sua composição, compreendendo inclusive o estudo sobre as paixões, encontra paralelo nas pesquisas de opinião e
mercado, que fornecem os elementos persuasivos do anúncio. E o terceiro, os aspectos formais relativos ao estilo, às figuras,à estruturação
da mensagem propriamente dita, correspondem às técnicas de criação publicitária.
Esses aspectos se traduzem na afirmação aristotélica de que é” dos termos belos quer pelo som, que pela força de expressão, quer
[17]
pelo aspecto ou qualquer outra qualidade sensível que devemos tirar as metáforas”.
no discurso publicitário, tais procedimentos se
concretizam em nomes de produtos, slogans, logotipos, aspectos visuais e sonoros das palavras e resultam no alto grau de perceptibilidade
de suas mensagens.
[18]
Para ARISTÓTELES (1959), o discurso se constitui de quatro partes: exórdio exposição,prova, epílogo.
elas se relacionam às
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quatro partes que, para KLEPPNER(1973), compõem o anúncio: título,ampliação, prova, ação.
O exórdio e o título sintetizam a
promessa de benefício a ser auferido que pelo ouvinte dos discursos, quer pelo receptor do anúncio. A exposição e a ampliação
compreendem o desenvolvimento do assunto, a apresentação de argumentos e lugares. Seguem-se a prova, o epílogo e a ação, momento
final em que se procura obter o consenso do auditório, ou a resposta comportamental dos consumidores.
EM BUSCA DO PERSUASIVO
Conforme definida por ARISTÓTELES(1959), “a retórica é a faculdade de descobrir teoricamente o que, em cada caso, pode ser
[20]
apropriado à persuasão”ou, ainda,”a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão”
[21]
Aristóteles a restringe a três tipos básicos de discurso : o judiciário, o deliberativo e o epidítico
O objetivo deste capítulo é o estudo da mensagem publicitária enquanto discurso persuasivo.
OSAKABE(1979) lembra que o próprio Aristóteles concebe a retórica, na Ética A Nicômaco, como uma techné, um jogo, e como tal,
[22]
relativa à produção
.
Todo discurso comporta algo de persuasivo e persuadir alguém significa induzi-lo a crer no que se diz através de mecanismos como as
provas e o entimema.
As provas se desdobram em provas extra-técnicas “testemunhos, confissões obtidas pela tortura, convenções escritas” e provas
[23]
técnicas “fornecidas pelo discurso”
Já o exemplo, é uma indução. Estabelece relações de parte a parte, do semelhante para o semelhante. Quando duas proposições
[24]
estão compreendidas no mesmo gênero e uma é mais conhecida que outra, temos um exemplo
Quanto ao entimema ARISTÓTELES(1959) o considera “o silogismo da retórica”, fundando-se no verossímil e no sinal, dispensando a
[25]
explicitação clara do silogismo
.
PROVAS, EXEMPOS E ENTIMEMAS:
A MANIPULAÇÃO DAS CRENÇAS DO SENSO COMUM
Provas, exemplos, entimemas são recursos largamente explorados pela retórica publicitária quer em sai dimensão visual, quer verbal A
prova, é por exemplo, os casos em que pessoas conhecidas e dignas de confiança do grupo a que o anúncio se destina avalizam o produto.
ECO(1971) localiza nesse processo a figura retórica da antonomásia ; “uma jovem ao tomar uma bebida comporta-se como ‘todas as jovens’.”
[26]
Pode-se dizer que a citação do caso isolado assume o valor de exemplum
: “se pessoas como essas usam tal produto por que não usá-lo
também?”. É um processo de adesão.
O entimema, por sua vez se constitui de “premissas pouco numerosas e muitas vezes distintas das do silogismo completo, pois, se uma
[27]
das proposições é conhecida, não é mister enuncia-la ; o ouvinte restabelece-a por si próprio”.
As crenças do senso comum se configuram como o lugar por excelência das premissas publicitárias que partem do conhecido, previsto
e desejado pelo mercado consumidor para, num jogo de verossimilhança, confirmá-las , realimenta-las. É o prazer / ilusão da descoberta.
Os shifters (transferências de posição) e a fala na terceira pessoa do singular indicam que o coletivo, a “presunção coletiva” citada por
[28]
BAUDRILLARD
: todos fazem, você também deve faze-lo.
A ATRIBUIÇÃO DE SENTIDO:
DO VALOR-DE-USO AO VALOR-DE-SIGNO
Dentre os vários recursos retóricos utilizados no anúncio, destacam-se a metáfora e a metonímia. Partindo dos dois modos básicos de
[29]
arranjo do signo lingüístico – a seleção e a combinação – e relacionando-os aos eixos associativo e sintagmático, Jackobson
chega às
duas grandes linhas semânticas que informam o desenvolvimento de um discurso; a similaridade e a contigüidade. À similaridade vinculam-se
a seleção, as relações em ausência, o eixo paradigmático, a metáfora. À contigüidade, vinculam-se a combinação, as relações em presença,
o eixo sintagmático, a metonímia.Dessa forma, ao pólo metafórico, associam-se as escolas romântica e simbolista, o surrealismo, os filmes de
Chaplin e Eisenstein. Ao metonímico, o realismo, o cubismo e os filmes de Grifth.
Exemplos disso em slogans nacionais; “Siga os caminhos do tigre”, relação metafórica entre o tigre e a sua imagem de marca,
emprestando do animal a força, poder e flexibilidade. O cigarro Continental: “Preferência nacional” os anúncios se estruturam
metonimicamente em torno de componentes de brasilidade: o carnaval, a feijoada, a caipirinha, o futebol sobretudo. A idéias de brasilidade
contamina semanticamente o produto que se torna assim tão brasileiro quanto os elementos do anúncio.
A metáfora se conceitua não só num processo de significação, mas também numa proposta de decodificação para o leitor.
A metonímia segundo PENINOU(1976) o produto se insere numa ação sob o regime sintético do relato. Realizam-se então translações
de sentido através de um encadeamento sintagmático: a parte pelo todo, a causa pelo efeito, o concreto pelo abstrato. VERÓN(1970) observa
que a publicidade tira proveito da ambigüidade das seqüências metonímicas, como diferentes cenas que denotem luxo que terminam com a
pergunta”Em qual dessas cenas você se insere, e de qual cena maior isso faz parte?”, isso o receptor reponde projetando os seus desejos.
[30]
VERÓN(1970)
retoma Saussure e Jackobson, propondo-se a analisar os processos de codificação envolvidos em sistemas de
signos não-verbais: “ a dicotomia entre substituição/contigüidade é um dos eixos fundamentais(...) para distinguir os princípios de codificação
na comunicação humana...”
Definem –se então dois tipos de signos regidos por dois tipos diferentes de codificação:
“de um lado os signos construídos conforme a regra de substituição entre eles e os seus referentes, de outro, os signos que tiram sua função
[31]
substitutiva, quer dizer, sua função simbólica, de um elo de contigüidade empírica entre eles e as coisas que designam”
Trata-se de uma evolução em processo, na qual a regra de contigüidade estaria na matriz dos processos comunicativos enquanto a
regra de substituição, por sua vez, seria muito mais abstrata porque representaria a parte final desse processo de evolução.
Ou seja, aos poucos,o símbolo, o significante vais se afastando do objeto que ele significa, indo até a matriz de abstração , e quanto
mais ele se aproxima da matriz, mis ele vai substituindo o objeto que representa.
Assim, a obliteração do valor-de-uso do objeto através do processo de codificação no valor-de-signo representa um processo de
deslocamento. Em psicanálise, deslocamento significa que;
“o fato de a acentuação, o interesse, a intensidade de uma representação ser susceptível de se soltar dela para passar a outras
[32]
representações originalmente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa”
Assim como nos sonhos, portanto, nos anúncios nas campanhas publicitárias pode haver um deslocamento, uma diferença de
centragem entre o objeto e o símbolo que o representa, onde”elementos essenciais, carregados como se acham de intenso interesse, podem
ser tratados como se fossem de pequeno valor, e o seu lugar pode ser ocupado no sonho por outros elementos sobre cujo pequeno valor nos
[33]
pensamentos oníricos não pode haver dúvida.”
A figurabilidade é favorecida pelo deslocamento, como nas propagandas de cigarro onde o deslocamento se opera no apelo à
natureza.
A saturação significante, a convergência da significação estruturada em torno de significantes que remetem a um mesmo significado,
se relaciona ao processo de condensação que, segundo Freud, também caracteriza a elaboração dos sonhos. Assim,”uma representação
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única representa por si só várias cadeias associativas, em cuja interseção se encontra”
Os diferentes anúncios de uma mesma campanha
[35]
representam pontos recorrentes que funcionam como”representação –encruzilhada”
e garantem a integridade da significação da
mensagem que se encontra estrategicamente dispersa.
A imagem é no anúncio, o elemento que melhor se realiza esse trabalho de condensação.
Os processos de deslocamento e condensação dos sonhos (correspondem respectivamente à metonímia e à metáfora do anúncio) e
foram trabalhados por Freud , sendo processos primários da Psicanálise. Por isso se sabe que a CAMPANHA PUBLICITÁRIA é um
OBSTINADO TRABALHO DE ATRIBUIÇÃO DE SENTIDO .
PERCEPTIBILIDADE :
O VALOR DE ATENÇAO
Partindo de Jackobson e deles tomando os termos e as noções, PENINOU(1970) fala de uma função referencial do anúncio, na
medida em que toda a publicidade é publicidade de alguma coisa; de função implicativa (ou conativa), na medida em que se volta para o
destinatário; e, finalmente, de função poética, que dá ao anúncio uma configuração estética enquanto mensagem voltada para si mesma e
para os signos de que se serve.
Essencialmente, são essas as funções necess’rias à mensagem publicitária, embora haja também a metalingüística, fática e emotiva.
A função metalingüística seria o anuncio que fala do anúncio, a embalagem que reproduz e produto.
Quanto à função fática, a ênfase no contato, se relaciona com a sua perceptibilidade , usada para atrair a atenção do receptor em
meio a tantos outros anúncios.
Essa ênfase na intensificação da percepção, na luta contra a automatização relaciona-s à teoria do estranhamento do formalista russo
[36]
CHKOLOVSKI(1976)
.Segundo ele,uma vez tornadas habituais, as ações tornam-se também automáticas”.
Decorre daí o paradigma do novo, uma palavra de ordem no mundo publicitário.
E também o fato do anúncio valer-se de cores fortes, deformações ortográfica, alterações dos caracteres tipográficos com o uso de
negrito, caixa alta,itálico e outros: o objetivo é chamar a atenção.
OS DIVERSOS NÍVEIS DE ENUNCIAÇÃO
NO DISCURSO PUBLICITÁRIO
A questão da enunciação na publicidade é complexa, podemos destacar vários emissores e diversos níveis de enunciação.
O primeiro está representado pelo redator ou equipe de criação publicitária. Nela não se coloca um sujeito do discurso, como é caso
de outras formações discursivas. O emissor é representado pelo narrador ou pela personagem que se dirige ao receptor.
A presença de um narrador configura um relato. Situa antes um contexto, um cenário onde se desenrola uma narrativa de que o
produto faz parte. Este é o segundo nível.
O terceiro nível de emissão é representado pelo produto ou firma que assina o anúncio.
Esses três níveis, o artista ou equipe criadora, personagem ou narrador e produto ou firma anunciadora, implícita ou explicitamente
são facilmente percebidos no anúncio.
O quarto e último nível é representado pela sociedade de consumo e é menos perceptível.
PERSUASÃO, PECEPTIBILIDADE, AUTOMATIZAÇÃO
O efeito persuasivo estrutura toda a lógica do discurso publicitário. O inesperado e o informativo intervêm não para provocar e por em
crise tudo o que se sabe, mas para persuadir. Seu objetivo é a formação de hábitos, de uso automático do produto, estabelecendo, sempre
que possível, codificações do tipo; vermelho=coca-cola, sorvete= Kibon, num processo semelhante ao da formação dos reflexos
condicionados.
O consumidor, Ulisses às avessas, segue o melodioso canto e, imperceptivelmente, deglute o que lhe é apresentado.
O canto da sereia metaforiza esse aspecto sedutor e envolvente do discurso publicitário.
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DIGO-TE O QUE CONSUMO E DIR- ME-ÀS QUEM SOU
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“Todo mundo é feliz, nos anúncios de cigarro.
Todo mundo é feliz, nos anúncios de bebida.
Todo mundo é feliz, nos anúncios de carro.
Todo mundo é feliz, nos anúncios de tudo
A melhor garotapropaganda da publicidade é a felicidade”.
Sebastião Nunes. Somos todos assassinos.
A proposta de relação homem/objeto , subjacente à mensagem publicitária, decorre da relação que o homem, enquanto produtor,
mantém de afastamento com o objeto que é o produto do seu trabalho.
O termo objeto, no sentido de produto de trabalho, resultado final e uma atividade na qual o homem e se relaciona com a natureza,
[37]
consigo mesmo e com os outros homens foi empregado primeiro por KATZ(1975).
Nos “Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844” MARX(1975) se refere ao objeto como “produto do trabalho”, “objetificação do
[38]
trabalho”ou “realização do trabalho”.
As relações do produtor com a coisa produzida são marcadas por um afastamento. O trabalahdor produz para outrem.
No sentido de reproduzir as relações de produção através da reprodução da própria força de trabalho, o Estado monta seus diversos
pararelhos ideológicos: e a publicidade é um dos mecanismos para isso.
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CONSUMIR:
ÁLIBI DE UMA EFETIVA REALIZAÇÃO PESSOAL
Como um espelho, a publicidade reflete, invertendo as diversas formas através dos quais o sistema econômico aliena o homem do
objeto do seu trabalho
Isto se relaciona ao fenômeno Kitsch , surgido na segunda metade do século XIX.
[39]
Duas são as perspectivas para a definição do Kitsch apontadas por MOLES(1972)
; na primeira, ele é caracterizado a partir das
propriedades formais dos objetos. Na segunda, o Kitsch é considerado a partir das relações específicas que o homem mantém com os
objetos quer ao nível de criação, quer ao nível de consumo.
Do ponto de vista estético, o Kitsch apresenta conteúdos de articidade que traduzem uma”adequação das normas de arte aos desejos
[40]
latentes da maioria”.
Como impulsionadores do consumo e fontes do prazer que ele proporciona, MOLES (1972) aponta os elementos: funcionalidade falsa,
os prazeres do jogo, a extinção e a moda.
A funcionalidade falsa decorre da necessidade de racionalização dos desejos encurralados entre valores dissoantes; o ideal de
[41]
.
funcionalidade e a “alegria de comprar e possuir, relacionada com a natureza sensual e estética”
O Gadget parece sintetizar esse mecanismo de encobrimento da racionalização da compra num curioso jogo útil-fútil.
A extinção e a moda são intimamente relacionadas. Aquele objeto com design feito para durar a vida inteira desaparece, em favor de
uma permanente mudança; os estímulos de roca fundam-se na proposta de substituição por modelos tecnologicamente mais avançados, mais
modernos, bonitos e eficientes. O conforto e a comodidade do usuário, bem como o status associado à posse do último modelo, são a forma
disfarçada de corporificar a extinção ao anúncio.
A extinção programada dos objetos garante através da substituição o escoamento da produção.
A moda, por sua vez, promove a reciclagem do homem, de objetos e da prórpia cultura.intimamente ligados, moda e consumo
funcionam como elementos de sustentação da ordem sócio-econômica vigente.
DO VALOR-DE-USO AO
VALOR-DE-TROCA SIMBÓLICA
O objeto, produto do trabalho, é voltado para a satisfação de necessidades fundamentais associadas à sobre vivência do homem.
O valor de uso se pode definir em termos individuais; é centrado na estrita utilidade do objeto e mascara-se numa funcionalidade falsa
e nem sempre sempre surge como única razão da compra, mas revestido de outros traços que o deslocam para o valor-de-troca.
O valor-de-troca é eminentemente social, na medida que promove o relacionamento entre os diversos produtores. Ele também evolui
passando de troca por outro equivalente, troca pelo salário e, finalmente, a troca simbólica que transforma os objetos em conotações de
posição social.
À partir daí, o objeto não é mais definido pelo trabalho nele corporificado, mas pelo sistema social que dele faz signo de seus valores
básicos, tais como status, alegria, amor, amizade, segurança felicidade, etc. Estes valores simbólicos do objeto , na publicidade, cristalizamse nos slogans.
É portanto sobretudo através dos objetos, que os homens se relacionam uns com os outros, corporificando mensagens de um
indivíduo a outro. O objeto é comunicação e, neste sentido, aplica-se a ele a forma de Mc Luhan “o meio é a mensagem”, o objeto portador de
[42]
forma é mensagem independentemente da sua materialidade.
A publicidade mantém uma íntima relação com o Kitsch, na medida em que desloca o objeto de sua função de uso para a função de
signo.
UMA VIDA A CORES/
CONSUMIR OU SER CONSUMIDO
O consumo de objetos surge como uma das formas de o ser humano suprir a falta de uma atividade produtiva criadora. Não se pode
participar efetivamente da vida social, participa-se através da moda e do consumo.
Essa função é particularmente complexa em países subdesenvolvidos.
A importação do knowhow tecnológico e design não só padroniza usos e hábitos, como também abafa iniciativas locais, além de
envolver complexos movimentos econômicos representados por trade marks e royalties.
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________________________________
[43]
MEU TRISTE HORIZONTE E DESTROÇADO AMOR.
*
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“Darte-ei tudo isto,se, prostrando-te,me adorares”.
Mateus,3-4,10.
“O que é nosso vão levando...
E o povo aqui sempre pobre!”
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência
No início do capítulo “Retórica e Ideologia”, em A estrutura ausente, ECO(1971) se pergunta o que orientaria o receptor a decodificar
as mensagens usando determinados léxicos ao invés de outros.
Imbricam-se aqui retórica e ideologia, o universo dos signos e o universo do saber. A ideologia,”entidade aquém do universo
[44]
semiológico(...) se faz código, convenção comunicativa”
. É a ideologia do receptor que informa a decodificação das mensagens.
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Marx em A ideologia alemã
afirma que ‘a linguagem é tão velha quanto a consciência – a linguagem é a consciência efetiva...”
.
Disse que não é a consciência que determina a vida e sim a vida que determina a consciência.
Resultado da divisão social do trabalho e da divisão da sociedade em classes, a ideologia se coloca sobretudo como um instrumento
de dominação de classe . Seu papel específico é “impedir que a dominação e a exploração sejam percebidos em sua realidade concreta. É
função da ideologia dissimular e ocultar a existência de divisões sociais como divisões de classe, escondendo,assim, a sua própria origem”.
[47]
CHAUÍ (1980) lembra que “a ideologia não é um ‘reflexo’ do real na cabeça dos homens, mas o modo ilusório(i.é,abstrato e invertido)
[48]
pelo qual representam o aparecer social como se tal aparecer fosse a realidade social”.
Fundada portanto na abstração e na inversão, a ideologia é uma ilusão necessária à dominação de classe. Enquanto ilusão –
abstração e inversão – a ideologia é algo bem concreto. Impregna o ar que respiramos perpassa o “universo do saber” dos indivíduos, se
instala no cerne da vida social materializando-se num sistema de signos, transformando-se em código, convenção comunicativa. A ideologia
se faz linguagem.
A publicidade, enquanto parte da industria cultural, é considerada um aparelho ideológico,através do qual a ideologia garante a sua
existência material. O anúncio é um dos elementos que permitem que ela se corporifique.
A RELAÇÃO IMAGINÁRIA:
A DESREALIZAÇÃO DO REAL
Toda a representação montada em torno do produto se estrutura a partir de uma lógica própria que tem na sedução sua mola mestra .
o anúncio, ao promover o produto, objetiva seduzir o consumidor a leva-lo conseqüentemente a aderir `a mensagem proposta.
Na medida em que recorta uma faixa de realidade que necessita ou deseja abordar , a publicidade dilui a percepção o todo e mantém
com o momento histórico relações parciais e incongruentes. A criação de um “mundo ideal (...) inocente e cheio de sorrisos, de luzes, otimista
[49]
e paradisíaco”.
A RELAÇÃO IMAGINÁRIA:
A PERSONALIZAÇÃO E A INSTÂNCIA MATERNAL
Esse efeito ilusório se consubstancia em vários aspectos do discurso publicitário. Um deles é a personalização: a publicidade e todo
um conjunto do public-relations são recebidos como índices de que o sistema se preocupa com os indivíduos.Os objetos e serviços
oferecidos se revestem de calor e afetividade, cortejam amorosamente o consumidor.
BAUDRILLARD(1973) vê nesse processo personalizador uma reificação da instância maternal. Qual uma supermãe, a sociedade
industrial se volta para o indivíduo.
“O indivíduo é sensível à temática latente de proteção e gratificação, ao cuidado que se tem de solicitá-lo e persuadi-lo, ao signo,
ilegível à consciência, de em alguma parte existir alguma instância(...)[ e isso remete à mãe] que se preocupa em informa-los sobre os sés
[50]
próprios desejos, preveni-los e racionaliza-los aos seus próprios olhos"
.
O indivíduo regride, infantiliza-se e mantém com essa mesma sociedade uma relação semelhante à que a criança mantém com a mãe.
Nesse processo de personalização, o discurso publicitário interpela os indivíduos como sujeitos, recortando-os da massa anônima,
através de expressões fáticas do tipo ”Ei, você!”, o imperativo verbal, solicitando-lhe a atenção. Os shifters são vazios e o “você”do anúncio é
todo mundo e cada um em particular.
Quanto mais se deseja satisfazer os desejos suscitados, mais se os alimenta.
O SIMULACRO
OU A PROCURA DA IDENTIDADE
[51]
Atrás da doce litania do objeto, oculta-se o verdadeiro imperativo publicitário; fazer o consumidor aderir à sociedade de consumo.
As relações do homem consigo mesmo e com os outros homens são deslocadas para os objetos, através de simulacros dessas
mesmas relações concretizando-se através dos apelos dos slogans e temas de campanhas ou na iconografia publicitária.
As campanhas de produtos para a mulher, o ser por excelência à procura da própria identidade fornecem exemplos dessa
preocupação do homem consigo mesmo
.
Cosméticos,, tecidos sintéticos, alimentos enlatados e cigarros têm na natureza os temas básicos de suas campanhas publicitárias.
Uma fictícia exaltação coexiste e ofusca uma rela destruição da natureza.
A DOMINAÇÃO DISFARÇADA
O indivíduo é a todo o instante chamado a pensar, a comparar a escolher na imensa gama de objetos que lhe são apresentados,
[52]
cumpre a sua
aquele que melhor se adapta aos seus gostos e necessidades. A través da ilusão da escolha, o “imperativo publicitário”
função ideológica.
A RELAÇÃO IMAGINÁRIA:
A APROPRIAÇÃO DE DISCURSOS
Um aspecto desses movimentos ilusórios é representado pela apropriação de discursos.
Conquanto não seja uma “palavra literária”, o discurso publicitário também se caracteriza por”um cruzamento de superfícies textuais,
[53]
um diálogo de diversas estruturas”, como afirma KRISTEVA(1974), a partir de Bakhtine
, o formalista russo, os textos se inserem na
sociedade e na história e, ao fazê-lo, as lêem e reescrevem. Dentre os diversos textos que se cruzam no discurso publicitário darei atenção a
dois: o dos movimentos contestatórios (tematizado no Movimento de libertação da Mulher) e o da cultura brasileira (efetivado por firmas
multinacionais em suas campanhas).
Os anúncios de roupas íntimas femininas têm uma temática comum; os idéias do Movimento de Libertação Feminina. Nos níveis
iconográfico e iconológico, isto fica claro
A superposição de códigos – o do produto, o feminino, o sexual e o social – gera deslocamentos e instaura um tom ambíguo que percorre as
mensagens de ponta a ponta.
A liberdade de movimentos, de ação e de uso do próprio corpo, principal bandeira dos movimentos feminino, se reduz ao uso do
produto. No imperativo publicitário, a marca se apresenta como uma bandeira contra a opressão”.
Predomina , na estruturação das mensagens, o ponto de vista do receptor.
A fuga ao falso, ao postiço, ao artificial e a conseqüente afirmação do espontâneo, autêntico e natural sintetizam outra das propostas
ideológicas dos anúncios analisados. Uma inversão ideológica entre a ordem da natureza e a da cultura.
Os anúncios são estruturados a partir da ótica masculina.
Quanto ao segundo caso mencionado é representado pelas campanhas de firmas multinacionais. Freqüentemente elas tematizam
seus anúncios em apelos de nacionalismo e traços de cultura brasileira como numa campanha tematizada na valorização das coisas mineiras
na qual o paradigma do jeito discreto dos mineiros e das nossas coisas boas foi valorizado. Nele se cruzam o texto literário e o da cultura
popular. Nele cruzam-se também o texto literário, o da história do Brasil e o da cultura popular.
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O anúncio, ao retomar o texto literário, reforça, através de uma série de inversões ideológicas, o texto oficial da história. Ideais de
liberdade, em suas diversas formas, associam-se à riqueza do subsolo e ao desenvolvimento econômico social e político e se transformam
em ideologemas sob os quais se oculta a atividade mineradora da empresa.
A OUTRA FACE DA MOEDA
Na realidade, o anúncio não vende nada e ao mesmo tempo vende tudo, mobilizando conotações afetivas que serão transferidas para
a empresa.
O anúncio se metaforiza no berrante e o povo brasileiro continua se rindo,inconsciente da sua própria dominação.
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CONCLUSÃO
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1. O anúncio objetiva, em primeira instância, a promoção de produtos, bens e serviços. Por um efeito de deslocamento, em vez de falar
do produto, ele fala do homem e do mundo.
2. O discurso publicitário trabalha os diversos signos de que se serve, explorando-lhes ao máximo toda a potencialidade significativa. A
publicidade é uma forma de arte dirigida onde o jogo de palavras, imagens, cores, formas e objetos contribui para criar um efeito de bleza que
seduz o consumidor emocionalmente.
3. Ã beleza e sedução do anúncio subjaz uma proposta de relação do consumidor com os objetos. Desloca o objeto de sua função de
uso para uma função de signo, atribuindo-lhe um valor-de-troca simbólica. Esses objetos cristalizam valores que são os da classe dominante
e a que as demais classes sociais aspiram no imperativo de seu movimento ascendente.
4. Enquanto fenômeno de sentido, a publicidade se sujeita ao mesmo regime de forças que rege o sistema produtivo
5. O anúncio apresenta uma visão parcial e deformada da realidade, dilui a percepção do todo e mantém com o momento histórico
relações parciais e incongruentes, que são camufladas através de inversões ideológicas.
6. Uma das formas através das quais a publicidade cria essa relação imaginária é através da apropriação de discursos. Que se verifica
no cruzamento de diversas superfícies textuais que constituem o discurso publicitário.
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*Título retirado do conto São Marcos, de João Guimarães Rosa
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*
Título do poema Triste Horizonte de Carlos Drummond de Andrade
[44]
ECO, 1971.p.83-4
[45]
MARX & ENGELS, 1983.p.193.
[46]
MARX & ENGELS, 1983.p.197.
[47]
Cf. MARX & ENGELS, 1983.p.208.
[48]
CHAUÍ, 1980.p.(sic).
[49]
QUESNEL,1974.p.86.
[50]
BAUDRILLARD,1973.p.176.
[51]
BAUDRILLARD,1973.p.183-4.
[52]
BAUDRILLARD,1973.p.174-5.
[53]
KRISTEVA,1974.p.62.
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