UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO INSTITUTO DE PÓS GRADUAÇÃO QUALITTAS CURSO DE CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS DISTROFIAS CORNEANAS Leandra Alves Calzolari Rio de Janeiro, out. 2006 LEANDRA ALVES CALZOLARI Aluna do Curso de Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais DISTROFIAS CORNEANAS Trabalho monográfico de conclusão do curso de Clínica médica e cirúrgica de pequenos animais, apresentado à UCB como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado do curso, sob orientação da Profa Ana Maria Barros Soares Rio de Janeiro, out. 2006 DISTROFIAS CORNEANAS Elaborado por Leandra Alves Calzolari Aluna do Curso de Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais Foi analisado e aprovado com grau: .......................... Rio de Janeiro, _________ de ___________________ de _________. ________________________________ Andréia R. Bastos ________________________________ Jorge de Castro ________________________________ Ana Maria Barros Soares Rio de Janeiro, out.2006 ii Agradecimentos Ao meu marido e familiares, que sempre estiveram ao meu lado. Obrigada pelo carinho, apoio, incentivo e compreensão de todos vocês; À minha orientadora, Profa. Ana Maria Barros Soares, por me acolher e me ensinar na graduação e agora na pós-graduação. Um exemplo que sempre Obrigada por tudo. iii procurarei seguir. Abstract: A corneal dystrophy is inherited, primary, bilateral and symmetric disorder of the cornea, unassociated with prior inflammation or systemic disease. Corneal dystrophy is relatively uncommon and normally do not interfere with vision. Disease treatment is rarely indicated. Corneal dystrophy may affect the corneal epithelium, stroma, or endothelium and occur in specific breeds. They are observed more in dogs than in cats. Resumo: Distrofia corneana é uma doença primária, hereditária, bilateral e simétrica da córnea que não é acompanhada por inflamação corneana ou doença sistêmica. As distrofias são relativamente incomuns normalmente não interferem com a visão e raramente requerem tratamento. Podem afetar o epitélio, estroma ou endotélio corneano e ocorrem freqüentemente em raças específicas. Elas são observadas mais nos cães que em gatos. iv SUMÁRIO Resumo..................................................................................................................iv Lista de figuras......................................................................................................vii 1.Introdução............................................................................................................1 2. Revisão de Literatura..........................................................................................3 2.1. Sinais Clínicos..............................................................................................3 2.2. Tipos de Distrofias........................................................................................6 2.2.1. Distrofia epitelial.....................................................................................7 2.2.2. Distrofia estromal..................................................................................13 2.2.2.1. Distrofia corneana lipídica nos Beagles..........................................13 2.2.2.2. Distrofia corneana cristalina no Husky Siberiano............................17 2.2.2.3. Distrofia corneana no Pastor de Shetland......................................20 2.2.2.4. Distrofia corneana no Collie e Cavalier King Charles Spaniel........22 2.2.2.5. Distrofia corneana no Airedale Terrier............................................23 2.2.2.6. Distrofia estromal corneana no gato da raça Manx........................24 2.2.3. Distrofia endotelial.................................................................................26 2.2.3.1. Distrofia endotelial no Boston Terrier, Chihuahua e Dachshund....26 2.2.3.2. Distrofia polimorfa posterior no Cocker Spaniel Americano...........30 2.2.3.3. Distrofia endotelial no gato doméstico de pelo curto......................31 2.3. Diagnóstico.................................................................................................32 2.4.Tratamento...................................................................................................34 2.4.1. Distrofia epitelial...................................................................................35 2.4.2. Distrofia estromal.................................................................................50 2.4.2.1. Distrofia estromal do Pastor de Shetland......................................50 2.4.2.2. Distrofia corneana no Airedale Terrier………………………….......51 2.4.2.3. Distrofia corneana no gato Manx……………………………............51 2.4.3. Distrofia endotelial……………………………………………………....…51 2.5. Prognóstico.................................................................................................5 v 3. Conclusão..........................................................................................................55 4. Referências Bibliográficas.................................................................................56 vi LISTA DE FIGURAS 1. Fluoresceína tópica delimitando uma erosão corneana refratária.......................8 2. Distrofia tipo nebular em Beagle........................................................................14 3. Distrofia tipo pista de corrida em Beagle...........................................................15 4. Distrofia tipo arco branco em Beagle.................................................................15 5. Edema corneano em um Boston Terrier de 9 anos de idade com distrofia endotelial...............................................................................................................28 6. Ceratotomia punctata múltipla...........................................................................39 7. Ceratotomia em grade.......................................................................................39 8. Recobrimento com a membrana nictitante........................................................45 9. Recobrimento de pedículo conjuntival...............................................................46 vii 1. INTRODUÇÃO As distrofias e degenerações corneanas exibem características similares, mas representam diferentes processos patológicos (LAUS e ORIÁ, 1999). As distrofias são desordens do desenvolvimento, possivelmente hereditárias, embora nem sempre presente ao nascimento, que afetam a córnea axial prejudicando a visão (BROOKS, 2002 B; DICE, 1980; LAUS e ORIÁ, 1999; SLATTER, 2005). São em geral primárias, de envolvimento bilateral e simétricas. Desenvolvem-se, normalmente, sem causa óbvia em um olho aparentemente normal e na ausência de inflamação e vascularização, embora possam ocorrer mudanças inflamatórias secundárias (BROOKS, 2002 B; CRISPIN e BARNETT, 1983). Geralmente não são progressivas e são relativamente incomuns (BROOKS, 2002 B; RENWICK, 1996; SLATTER, 2005). Quando alcançam um certo estágio elas tornam-se estáticas, ocasionalmente regridem, mas podem progredir produzindo considerável incapacidade visual (CRISPIN e BARNETT, 1983). Normalmente não interferem com a visão, mas em alguns casos requerem tratamento (RENWICK, 1996). As distrofias corneanas são mais observadas nos cães que nos gatos. Podem afetar o epitélio, estroma ou endotélio corneano e ocorrem com maior freqüência em raças específicas. Estas incluem as opacidades corneanas lipídicas nos Beagles, a distrofia corneana cristalina no Husky Siberiano, e a no 3 Pastor de Shetland, Cavalier King Charles Spaniel e Collie, e Airedale Terrier. A distrofia polimorfa posterior tem sido descrita no Cocker spaniel americano, e a endotelial no Boston Terrier, Chihuahua e Dachshund (WHITLEY e GILGER, 1999). Casos isolados têm sido descritos em outras raças (SLATTER, 2005). Nos felinos, observamos a distrofia corneana na raça Manx e no gato doméstico de pelo curto (BISTNER et al., 1976; CRISPIN e BARNETT, 1983). Já as degenerações corneanas são alterações patológicas secundárias, ou seja, podem estar associadas a doenças sistêmicas, assim como com processos senis (DICE, 1980; LAUS e ORIÁ, 1999; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). São aceitas como doenças não familiares sendo normalmente resultados de inflamações locais, embora assim como nas distrofias, pode haver predisposição racial (CRISPIN e BARNETT, 1983; DICE, 1980; LAUS e ORIÁ, 1999). Lipídeos, colesterol, cálcio, ou alguma combinação destes, podem ser depositados secundariamente nestas lesões. Inflamação, vascularização e melanose podem também preceder ou acompanhar as degenerações (CRISPIN e BARNETT, 1983; DZIEZYC, 1997; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Ulceração corneana e vascularização da área afetada são comuns (WOERDT, 2002). A degeneração corneana pode ser unilateral ou bilateral. Quando bilateral é freqüentemente assimétrica (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; WOERDT, 2002). 4 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. SINAIS CLÍNICOS A maioria das distrofias corneanas no cão aparece clinicamente como opacidades focais, bem demarcadas, branco-acinzentadas ou prateadas e cristalinas ou metálicas na córnea central ou paracentral (BROWN, 2003 B; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). As lesões são frequentemente circulares ou ovais e podem ser únicas ou múltiplas (BROWN, 2003 B). A distrofia é essencialmente bilateral e lesões simétricas são freqüentes, embora ela possa aparecer de um lado antes do outro, e as lesões nos dois olhos possam não ser exatamente do mesmo tamanho ou densidade (CRISPIN e BARNETT, 1983; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). A área envolvida varia consideravelmente de tamanho, mas é normalmente pequena e nunca envolve toda a córnea, existe sempre uma região clara e extensa próxima ao limbo (CRISPIN e BARNETT, 1983). A densidade da opacidade é altamente variável, mas freqüentemente é uma nébula ou mácula (WHITLEY e GILGER, 1999). Varia de um ponto completamente opaco e 5 pequeno, para uma região tênue normalmente grande, através da qual detalhes do segmento anterior do olho possam ser facilmente percebidos. Comumente a borda periférica é mais densa do que o centro (CRISPIN e BARNETT, 1983). Variações tanto no tamanho quanto na densidade podem representar diferentes estágios de progressão da distrofia (BROWN, 2003 B; CRISPIN e BARNETT, 1983; WHITLEY e GILGER, 1999). A lesão é mais freqüente no estroma anterior estando o epitélio da área distrófica normalmente intacto (BROWN, 2003 B; WOERDT, 2002). Os cães afetados não apresentam desconforto ocular se o epitélio corneano estiver íntegro (WOERDT, 2002). As lesões estromais incluem opacidades cristalinas brancas na córnea central as quais são normalmente ovais ou em formato de anel, geralmente não progressivas localizadas normalmente não interfere com a visão (DZIEZYC, 1997; LAUS e ORIÁ, 1999; RENWICK, 1996). Quando progressivas, desenvolvem-se lentamente, mas não são dolorosas (BROOKS, 2002 B). Uma reflexão corneana perfeita a partir de uma fonte de luz pode ser facilmente demonstrada através da área opaca. Este procedimento, junto com o fato de que a lesão não absorve corante, como, por exemplo, a fluoresceína o que, é útil no diagnóstico e diferenciação para úlcera corneana (CRISPIN e BARNETT, 1983). Outros diagnósticos diferenciais para distrofia corneana incluem edema corneal e leucoma cicatricial. O edema corneal apresenta mais coloração azulada do que 6 branca cristalina e não tem bordas definidas. Já a cicatrização corneal é lenta e frequentemente esta associada com presença de vasos (DZIEZYC, 1997). Com iluminação adequada e magnificação, uma miríade de pequenas partículas finas semelhantes a cristais são normalmente observadas ao longo de toda a córnea (CRISPIN e BARNETT, 1983; WHITLEY e GILGER, 1999). Formas diferentes de lesão podem relatar progressão e regressão desta condição. Frequentemente, cristais e fendas de colesterol são também observados (WHITLEY e GILGER, 1999). Os valores de colesterol sérico em jejum tem sido investigado em vários casos, mas são encontrados dentro dos limites de normalidade (CRISPIN e BARNETT, 1983). A maioria das distrofias estromais corneanas no cão demonstram fosfolipídeos e frequentemente depósito de colesterol dentro das várias camadas estromais (COOLEY e DICE, 1990). A queixa principal do proprietário é sobre a presença de “pontos brancos” na córnea do seu animal, mas sem desconforto ocular (WOERDT, 2002). A distrofia corneana embora frequentemente preocupe o proprietário, não causa irritação ao cão, principalmente por causa da ausência de envolvimento epitelial e, qualquer que seja o tamanho ou densidade da opacidade, seu efeito na visão é mínimo. Não existe doença sistêmica ou ocular associada embora o aumento do nível sérico de lipoproteína possa modificar a evolução da distrofia assim como ficar mais óbvia e de maior área (CRISPIN e BARNETT, 1983). 7 2.2. TIPOS DE DISTROFIAS Embora a distrofia corneana seja relatada em muitas raças, as raças nas quais esta doença é descrita mais detalhadamente são Beagle e Husky Siberiano. Outras raças incluem Pastor de Shetland, Cavalier king Charles spaniel e Airedale Terrier (WOERDT, 2002). A distrofia polimorfa posterior é descrita no Cocker Spaniel Americano, e a distrofia endotelial ocorre em Boston Terrier, Chihuahua e Teckel (WHITLEY e GILGER, 1999). Nos felinos, observamos a distrofia corneana na raça Manx e no gato doméstico de pelo curto (BISTNER et al., 1976; CRISPIN e BARNETT, 1983). Opacidade cristalina bilateral central ou paracentral tem sido observada em Malamute do Alasca, Cocker spaniel americano, Collie, Bichon frisé, Pastor alemão, Lhasa Apso, Mastiff, Pinscher miniatura e Weimaraner. Animais da raça Pointer e Samoieda demonstram lesões similares às do Husky siberiano (COOLEY e DICE, 1990). Diferentemente do cão, a distrofia corneana em gatos é de ocorrência rara. Poucos relatos existem e as distrofias reportadas envolvem o estroma e/ou endotélio, com resultante edema corneal. Estes pacientes não demonstram inflamação no segmento anterior ou anormalidades de pressão intra-ocular (COOLEY e DICE, 1990). 8 2.2.1. DISTROFIA EPITELIAL A distrofia epitelial é provavelmente a responsável pela Síndrome da Erosão Corneana Refratária (SECR). SECR, úlcera corneana persistente, síndrome da erosão corneana recorrente, erosão recorrente, úlcera indolente e úlcera do Boxer são denominações para úlceras corneanas superficiais que se curam lentamente e que tendem a recorrer (LAUS e ORIÁ, 1999; RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2003). As erosões recorrentes são caracterizadas por sua natureza superficial, cronicidade, perda de epitélio na margem da úlcera, freqüente atraso na resposta vascular e mínima dor quando comparada com úlceras superficiais típicas (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A SECR é uma desordem epitelial corneana primária e de membrana basal. O termo erosão, ao invés de úlcera, é mais utilizado quando descrevemos esta doença porque a membrana basal normalmente não esta rompida (KIRSCHNER, 1990). A patogenia da SECR é desconhecida. Como as úlceras são frequentemente relacionadas à raça, desenvolvem espontaneamente, e podem eventualmente afetar ambos os olhos, elas podem representar uma distrofia estromal superficial ou epitelial corneana primária (WHITLEY e GILGER, 1999). As erosões recorrentes podem ser unilaterais ou bilaterais e frequentemente recorrem depois da cicatrização, embora possa demorar anos (KIRSCHNER, 1990). Esta condição foi originalmente descrita em cães da raça Boxer, mas acomete outras raças (LAUS e ORIÁ, 1999; RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999). Uma predileção racial tem sido demonstrada no 9 Boxer, Corgi, Pequinês, e Lhasa Apso, porém úlceras refratárias foram documentadas em mais de 24 raças de cães (BROOKS, 2002; DICE, 1980). A SECR é mais comumente observada em cães de meia idade a idosos. A média de idade é geralmente acima dos oito anos de idade, enquanto no Boxer é de 6,6 anos (BROWN, 2003; RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999). Mudanças superficiais na forma de pontos e linhas cinzentas com bordas precisamente demarcadas podem ser observadas sob biomicroscopia de lâmpada de fenda em córneas de Boxers de cinco anos de idade ou mais. Estas alterações são geralmente centrais com ocasional opacidade leve perilimbal, e são normalmente pequenas e intraepiteliais (DICE, 1980). Alguns autores relatam predileção por fêmeas, contudo, de 20 Boxers com úlcera recorrente em uma revisão em 1982, 12 eram machos e oito fêmeas (BROOKS, 2002; WHITLEY e GILGER, 1999). Mas, cães de qualquer idade ou sexo podem ser afetados (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A SECR é reconhecida por seu bordo característico de epitélio não aderente, o qual é solto do estroma corneano ou da membrana basal epitelial, e pode até mesmo ter um pequeno envolvimento estromal (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). O epitélio pode se acumular nas bordas da lesão, acarretando uma aparência “enrolada”, de modo que ele não pode se fixar à lâmina basal (SLATTER, 2005). O epitélio da margem da erosão é edematoso e enrolado. Áreas extensivas do epitélio podem ser removidas frequentemente com um debridamento mínimo (KIRSCHNER, 1990). Na úlcera corneana persistente, membrana basal anormal é observada, a qual pode ser a causa de falta de aderência do epitélio corneal ao estroma resultando em crescimento do epitélio 10 que não fixa no estroma subjacente (DZIEZYC, 1997). As áreas afetadas são usualmente de 3 a 4 mm de diâmetro, apresentam contorno irregular, causam dor intensa e se coram com fluoresceína (SLATTER, 2005). A margem não fixada resulta em uma aparência clínica de “flap” epitelial solto sob o qual o corante de fluoresceína migra e fica retido (WILKIE e WHITTAKER, 1997). Figura 1: Fluoresceína tópica delimitando uma erosão corneana refratária A SECR ocorre como resultado de desordem primária de adesão entre o epitélio da córnea e sua membrana basal (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A SECR pode representar a distrofia epitelial corneana caracterizada por células epiteliais basais que produzem uma membrana basal anormal e uma escassez de 11 hemidesmossomos para a fixação (BROOKS, 2002; LAUS e ORIÁ, 1999; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Resultando em falha na fixação epitelial à membrana basal e conseqüentemente perda de células epiteliais como resultado de irritação mecânica associada ao movimento palpebral (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A adesão epitelial corneal é dependente de uma população normal de células basais, membrana basal debaixo do epitélio, e hemidesmossomos (KIRSCHNER, 1990). As camadas estromais anteriores se proliferam e também se tornam anormais e ocorre edema intra e intercelular das células basais (SLATTER, 2005). O exame do epitélio e da membrana basal destes cães revela degeneração da camada basal de células epiteliais, uma membrana basal disforme e espessada e uma diminuição do número de hemidesmossomos (KIRSCHNER, 1990). Existem evidências histopatológicas de células epiteliais anormais com microcistos e membrana basal espessada anormalmente que pode estender dentro do epitélio. Estas mudanças predispõem a córnea a uma cicatrização pobre quando injuriada, que conduz a um estado crônico de erosão descrito como indolente (DICE, 1980). As erosões são reepitelizadas em sete a 10 dias. Se houver um dano na membrana basal epitelial, uma nova membrana deverá ser secretada e uma completa adesão pode demorar de seis a oito semanas (TAYLOR, 1995). A erosão persiste por semanas a meses, frequentemente falha em melhorar mas também raramente piora (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A SECR resulta de uma estrutura de membrana basal anormal e reduzida aderência epitelial ou de edema corneano pré-existente que presumidamente é resultado de disfunção epitelial (TAYLOR, 1995; RENWICK, 1996). Não se sabe 12 se as mudanças na membrana basal são primárias ou secundárias as doenças do epitélio. Tem sido observado em outros tecidos que a espessura e a prega da membrana basal podem ser induzidas por inflamação crônica ou dano ao epitélio (KIRSCHNER, 1990). As erosões recorrentes aparentam apresentar duas variações histológicas: um grupo é caracterizado por lesões na membrana basal ou células epiteliais basais e outro por edema corneal difuso mas com alteração de membrana ou celular mínima (BROOKS, 2002; TAYLOR, 1995). Estruturalmente, desordens de adesão epitelial em Boxers lembram a distrofia cística de Cogan’s em humanos. O exame histopatológico revela achatamento das células epiteliais basais com picnose de seus núcleos, separação das células epiteliais basais de suas membranas basais e espessamento anormal da membrana basal. No segundo grupo, algumas células epiteliais basais apresentam edema intra e intercelular. O edema estromal crônico pode prejudicar a aderência epitelial, resultando em bolha subepitelial e erosões secundárias. Causas de edema estromal crônico incluem glaucoma, uveíte e distrofia ou degeneração endotelial primária. O reconhecimento e tratamento das condições predisponentes são imperativos para um manejo adequado das úlceras refratárias (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). A maioria das úlceras refratárias em cães é primária, mas elas podem ser secundárias a outras doenças oculares (BROOKS, 2002; WHITLEY e GILGER, 1999). Embora muitos casos sejam primários, outros distúrbios ocasionalmente parecem precipitar uma erosão (SLATTER, 2005). Anormalidades em cílios assim como distiquíase, cílio ectópico e triquíase podem causar úlceras refratárias. Entrópio e função palpebral pobre com paralisia de nervo facial ou lagoftalmia 13 podem também predispor a ulceração corneana recorrente. Anormalidades no filme lacrimal pré-ocular assim como a ceratoconjuntivite seca e a deficiência de mucina no filme lacrimal podem contribuir para a formação de úlcera refratária, e ceratite neurotófica por perda de inervação corneana pode estar presente como úlcera refratária sem associação com dor (WHITLEY e GILGER, 1999; WILKIE e WHITTAKER, 1997). A SECR raramente estimula a vascularização em estágios precoces e esta é uma característica útil para o diagnóstico, entretanto, a vascularização pode ser rápida e marcada no Boxer ou crônica em outras raças. A vascularização não auxilia a cicatrização, mas pode resultar em granulação significativa e fibrose a despeito do tratamento tardio (SLATTER, 2005). Úlceras corneanas refratárias são raramente descritas em gatos e são diferentes das úlceras indolentes nos cães. Mas os achados do exame oftalmológico são similares ao do cão (LA CROIX et al., 2001; WOERDT, 2003). LA CROIX et al. (2001) observaram que felinos braquicefálicos parecem ser predispostos a desenvolver úlcera corneana refratária. A média de idade dos gatos com este tipo de úlcera foi de sete anos e oito meses de idade, similar a média registrada nos Boxers. Entretanto a variação de idade foi dos seis meses aos 19 anos nos gatos, um pouco maior que a relatada no Boxer. A formação de úlcera corneana refratária em gatos pode ou não ser relatada por uma membrana basal epitelial corneana defeituosa, como visto em cães. O Herpesvírus felino Tipo I pode causar lesão epitelial punctata e dendrítica em gatos, estas erosões dendríticas podem coalescer e formar uma grande ulceração corneana. Este vírus 14 deve fazer parte do diagnóstico diferencial de úlcera corneana em gatos (LA CROIX et al., 2001; TAYLOR, 1995; WOERDT, 2003). 2.2.2. DISTROFIA ESTROMAL 2.2.2.1. Distrofia corneana lipídica nos Beagles As opacidades corneanas ocupam o estroma anterior e estão localizadas na junção do terço inferior e médio da córnea, poupando a periferia (DICE, 1980; EKINS et al., 1980; WARING et al., 1977; WHITLEY e GILGER, 1999). As lesões são horizontalmente ovais, simétricas, cinzentas, contém lipídeos e apresentam tamanho médio de 3 x 5 mm (DICE, 1980; EKINS et al., 1980; WARING et al., 1977; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). A visão não é ameaçada (DICE, 1980). A distrofia estromal corneana contendo depósito de lipídeos ocorre nos Beagles. Em cerca de 497 Beagles com 8 a 15 anos de idade, a opacidade corneana oval ocorreu em aproximadamente 17% dos animais, e a maioria foi afetada bilateralmente (WARING et al., 1977; WHITLEY e GILGER, 1999). As opacidades corneanas nos Beagles são assintomáticas. Normalmente as lesões são bilaterais e simétricas, mas nenhum padrão hereditário claro é demonstrável. A característica herdada, história natural e etiologia da distrofia corneana em Beagles é desconhecida (WARING et al., 1977). Embora as lesões usualmente ocorram bilateralmente, o tempo de aparecimento e a taxa de progressão variam entre as duas córneas no mesmo cão e entre cães diferentes (EKINS et al., 1980). 15 Três tipos morfológicos são descritos: nebular, pista de corrida e arco branco. A forma nebular é a mais comum, tem uma aparência de fundo de copo uniforme, e esta localizada no terço anterior do estroma (COOLEY e DICE, 1990; EKINS et al., 1980; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). A margem e a borda posterior são cobertas e indistintas (EKINS et al., 1980; WARING et al., 1977). O tipo pista de corrida tem a forma de um anel oval cinzento denso circundando um centro ligeiramente deprimido, mais claro. A zona central ocupa de um terço a dois terços da área de superfície da lesão. É o tipo mais nitidamente demarcado e denso, envolvendo toda a espessura do estroma corneano. O tipo arco branco tem placas brancas densas subepiteliais de material granular ou de formato espiculado, cobrindo uma porção periférica do padrão nebular ou de pista de corrida. O epitélio geralmente está intacto (COOLEY e DICE, 1990; EKINS et al., 1980; WARING et al., 1977; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Em cada um dos três tipos está presente, um leve halo acastanhado no estroma anterior esta presente cerca de 1 mm acima da lesão. O halo ocupa um terço central da córnea, com margens definidas pobremente difusas, observadas apenas com lâmpada de fenda. Em um estudo com cães da raça Beagle com lesões do tipo pista de corrida e arco branco foi observada uma opacificação na região da membrana de descemet (EKINS et al., 1980; WARING et al., 1977). Sugere-se que os três tipos de opacidades refletem diferentes graus de gravidade do mesmo processo e que a progressão natural é da forma nebular para a pista de corrida e desta para o tipo arco branco (COOLEY e DICE, 1990; EKINS et al., 1980; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). WARING et al. (1977), observaram que dos 150 olhos de 75 cães com opacidade corneana oval, 16 106 tinham padrão nebular, 10 tinham padrão pista de corrida, 12 tinham padrão arco branco e 22 não apresentavam opacidade corneana (WHITLEY e GILGER, 1999). O tipo nebular é a lesão inicial, não somente porque é a menos severa e progride para os outros dois tipos, mas também porque ela ocorre mais frequentemente em córneas previamente claras. Os tipos nebular e arco branco podem coexistir no mesmo cão (EKINS et al., 1980). Figura 2: Distrofia tipo nebular em Beagle Figura 3: Distrofia tipo pista de corrida em Beagle 17 Figura 4: Distrofia tipo arco branco em Beagle A produção e o tempo de ruptura do filme lacrimal são normais, e não ocorrem anormalidades palpebrais concorrentes (WHITLEY e GILGER, 1999). Uma vez que a superfície torna-se irregular, com depressão central no tipo pista de corrida e elevações irregulares no tipo arco branco, pode ocorrer uma superfície focal seca, sendo observada uma impregnação de fluoresceína epitelial punctata em algumas destas córneas. Isto pode contribuir para a progressão da lesão (EKINS et al., 1980). Nenhuma anormalidade no filme lacrimal é encontrada, embora cães com lesões avançadas ocasionalmente desenvolvam ulcerações assépticas, as quais podem refletir superfície lacrimal anormal (COOLEY e DICE, 1990). Os valores séricos de colesterol, lipoproteínas e triglicerídeos estão dentro dos limites de normalidade (EKINS et al., 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). Segundo COOLEY e DICE (1990), estudos ultra-estruturais concluíram que a opacidade estromal nebular originou-se na própria córnea, ao contrário do depósito secundário à hiperlipidemia sistêmica, porque Beagles com opacidade 18 nebular apresentam bioquímica sérica e função tireóide normal. Já Beagles com opacidade padrão pista de corrida e arco branco contém níveis altos de colesterol sérico em relação aos controles. Histoquimicamente, o depósito corneano intra e extracelular consiste de gorduras neutras, colesterol e fosfolipídeos no estroma anterior (COOLEY e DICE, 1990; SPANGLER et al., 1982; WHITLEY e GILGER, 1999). As gorduras neutras aparecem dentro de ceratócitos e difusamente no estroma; o colesterol e fosfolipídeos estão localizadas principalmente intracelular (WHITLEY e GILGER, 1999). Anormalidades são limitadas ao estroma anterior e consistem de espaços cristalinos rombóides extracelulares. Espaços vacuolares esféricos ou elípticos, às vezes contendo debris amorfos de elétron-denso, lamela estromal distorcida. Ceratócitos estromais nas áreas afetadas revela uma série de mudanças de hiperplasia de organelas para degeneração e necrose (SPANGLER et al., 1982). 2.2.2.2. Distrofia corneana cristalina no Husky siberiano A distrofia corneana cristalina é presumida ser causada por um gene recessivo com expressão variável no Husky siberiano (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). WARING e MACMILLAN (1986) instituíram uma colônia de criação de Husky siberiano para determinar o grau de herança da distrofia corneana cristalina na raça. A criação gerada entre sete fêmeas afetadas e seis machos afetados produziu 14 ninhadas, 100% destes filhotes apresentaram distrofia corneana. Noventa e um porcento dos cães manifestaram a distrofia dos cinco aos 27 meses de idade. Já o acasalamento 19 entre machos não afetados da raça Samoyeda e fêmeas afetadas de Husky Siberiano geraram seis ninhadas; sendo que neste caso nenhum dos 22 filhotes manifestou distrofia corneana entre os 18 e 24 meses de idade. Os autores concluíram então que a distrofia corneana cristalina no Husky siberiano é uma característica herdada recessivamente com variável expressividade. Esta forma de distrofia aparece clinicamente como uma opacidade em formato de anel, redonda ou horizontalmente oval, axial, simétrica, bilateral, com uma névoa difusa, cinzenta, homogênea. Normalmente o centro é claro, ocupando diferentes camadas do estroma, com margens pobremente definidas. É formada por dois componentes: um com depósito homogêneo, marrom acinzentado no estroma anterior e médio, que ocorre na maioria das opacidades e outro com cristais policromáticos, altamente refratário, espiculado, que formam um padrão de redemoinho no estroma profundo (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; WARING e MACMILLAN, 1986; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Cães com menos de dois anos de idade usualmente exibem cristais no estroma profundo, cães com dois a oito anos frequentemente demonstram opacidades estromais homogêneas cinzentas de espessura parcial, e em cães a cima de 8 anos de idade, opacidades densas ocupam toda a espessura estromal (COOLEY e DICE, 1990). A opacidade da distrofia corneana cristalina do Husky siberiano pode tornar-se mais densa com a idade, mas raramente torna-se densa o bastante para afetar gravemente a função visual ou aparência estética do cão (COOLEY e DICE, 1990; WARING e MACMILLAN, 1986). As córneas não apresentam-se inflamadas e são avasculares (MACMILLAN et al., 1979; 20 WHITLEY e GILGER, 1999). Em um estudo a freqüência de ocorrência e a densidade da opacidade aumentaram com a idade, cerca de 4% dos cães tinham menos do que dois anos enquanto que 40% dos cães apresentaram mais do que nove anos de idade (MACMILLAN et al., 1979). Segundo COOLEY e DICE (1990), as opacidades são observadas nos cães, geralmente dos seis meses aos dois anos de idade. MACMILLAN et al. (1979) detectaram opacidades simétricas bilaterais no estroma de 78 (14%) dos 560 cães da raça Husky siberiano, entre os sete meses e 12 anos de idade. Vinte destes 78 animais eram machos e 58 eram fêmeas. Opacidades cristalinas bilaterais são observadas em Husky Siberiano de ambos os sexos (CRISPIN e BARNETT, 1983; DICE, 1980). A distrofia corneana no Husky Siberiano pode se manifestar em cinco diferentes padrões dependendo da sua localização dentro do estroma corneano (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). O primeiro padrão consiste de cristais policromáticos refratários no estroma posterior adjacente a membrana de descemet. O segundo tem depósito borrado marrom acinzentado, homogêneo dentro do estroma anterior e opacidades cristalinas no estroma posterior, com estroma claro entre eles. O terceiro tem depósito marrom acinzentado, homogêneo no estroma anterior, com o restante de estroma claro. No quarto, depósito marrom acinzentado, homogêneo envolve os dois terços posteriores do estroma. No quinto, depósito marrom acinzentado, homogêneo envolve toda a espessura do estroma corneano (MACMILLAN et al., 1979; WHITLEY e GILGER, 1999). 21 Resultados de coloração histoquímica revelam lipídeos no estroma subepitelial e em alguns ceratócitos. Colorações histoquímicas identificam quantidades variáveis de gorduras neutras, fosfolipídeos e colesterol como componentes dos cristais (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; MACMILLAN et al., 1979; WHITLEY e GILGER, 1999). Colesterol e triglicerídeos séricos em jejum estão dentro dos limites de normalidade (COOLEY e DICE, 1990; MACMILLAN et al., 1979). A opacidade cristalina no Husky Siberiano lembra a distrofia cristalina central de Schnyder em humanos, que é uma doença autossômica dominante manifestada por cristais estromais de gordura e colesterol centrais bilateralmente simétricos e uma névoa cinzenta difusa nas primeiras décadas de vida. Os cristais e a névoa cinzenta formam uma característica circular similar, embora os cristais ocupem o estroma anterior no homem e o estroma posterior no Husky siberiano (CRISPIN e BARNETT, 1983; WHITLEY e GILGER, 1999). No homem, a distrofia de Schnyder provavelmente é devido um defeito localizado do metabolismo lipídico e o mesmo deve ocorrer no cão (CRISPIN e BARNETT, 1983). 2.2.2.3. Distrofia corneana no Pastor de Shetland A distrofia no Pastor de Shetland se desenvolve como um anel circular ou irregular superficial, multifocal, branco ou cinza, de 1 a 3 mm de diâmetro. Este tipo de distrofia inicia na córnea central ou paracentral, mas torna-se dispersa em toda a córnea com o envelhecer do animal (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). À medida que os cães envelhecem, as córneas 22 poderão corar com rosa bengala, indicando desvitalização do epitélio (COOLEY e DICE, 1990). Erosões corneanas recorrentes podem ocorrer fazendo com que esta doença seja potencialmente dolorosa (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Estes cães são frequentemente propensos a desenvolver erosões corneanas recorrentes (DZIEZYC, 1997). Vascularização corneal não é observada a menos que um filme lacrimal instável crônico esteja presente (COOLEY e DICE, 1990). A etiologia viral é sugerida, mas ainda não foi provada (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Suspeita-se de associação familiar, mas estudos de gerações não têm sido realizados para provar a herança (COOLEY e DICE, 1990). Machos e fêmeas são afetados igualmente. A idade de início é de 6 meses a 6 anos, com a maioria dos animais sendo afetada dos 3 aos 4 anos de idade (WHITLEY e GILGER, 1999). Este tipo de distrofia começa aos 4 meses de idade com progressão lenta documentada no decorrer da vida (COOLEY e DICE, 1990). No futuro, esta condição poderá ser reclassificada como ceratopatia inflamatória ou degenerativa (WHITLEY e GILGER, 1999). Distiquíases, valores do teste de Schirmer entre 10-12 mm/minuto, diminuição do tempo de ruptura do filme lacrimal (menor do que 10 segundos), níveis baixos de T4 (tiroxina livre sérica), perfis lipídicos anormais e fatores reumatóides são relatados nos cães afetados (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Em um estudo a freqüência de ocorrência e a densidade da opacidade aumentaram com a idade, cerca de 4% dos cães tinham menos do que dois anos enquanto que 40% dos cães apresentaram mais do que nove anos de idade (MACMILLAN et al., 1979). 23 Histopatologicamente, existe uma cicatriz na área epitelial, com células disceratóticas e necróticas dispersas dentro do epitélio. Células epiteliais basais têm núcleos picnóticos, o citoplasma das células epiteliais torna-se mais eosinofílico, e a membrana basal esta espessada em algumas áreas e ausentes em outras. O estroma corneano anterior tem número aumentado de células. A coloração histoquímica não caracterizou doença epitelial (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). 2.2.2.4. Distrofia corneana no Collie e Cavalier King Charles Spaniel O Collie de pelo crespo e o Cavalier King Charles Spaniel apresentam opacidade corneana unilateral central ou paracentral que se tornam bilateral com o tempo. Ambos machos e fêmeas da raça Cavalier King Charles Spaniel são afetados; entretanto parece existir predileção sexual por fêmeas em Collies. A opacidade pode ser primeiramente observada seguinte ao estro ou logo depois da gestação, e não é incomum sua densidade mudar com o tempo, ocasionalmente desaparecendo. Ela esta localizada no terço anterior do estroma corneal, não afetando o restante da córnea (COOLEY e DICE, 1990). O depósito lipídico corneano paracentral subepitelial ocorre em alguns cães entre dois e quatro anos de idade (WHITLEY e GILGER, 1999). Com a coloração histoquímica, colesterol, ester de colesterol, e fosfolipídio são encontrados nas lesões (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Todos os cães examinados em estudos histoquímicos demonstraram hemograma e bioquímica sérica normal. É postulado que os 24 lipídeos presentes nesta distrofia estromal cristalina sejam conseqüência de disfunção celular localizada com ou sem influência sistêmica (COOLEY e DICE, 1990). 2.2.2.5. Distrofia corneana no Airedale Terrier Uma forma de distrofia corneana lipídica simetricamente bilateral é descrita nos cães machos da raça Airedale Terrier (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). Nesta raça, uma possível herança recessiva ligada ao sexo é sugerida (CRISPIN e BARNETT, 1983; DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Em um estudo, animais com nove a 11 meses de idade foram apresentados por causa de uma opacidade corneana similar ao “olho azul” de reação às vacinas da hepatite (DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). As opacidades são notadas dos seis aos 11 meses de idade, com a progressão gera dificuldade visual que é notada dos três aos quatros anos de idade (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980). Opacificação leitosa difusa de 4 a 6 mm é observada centralmente, com clareamento da córnea perilimbalmente (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). De um modo geral a aparência é de uma opacidade estromal subepitelial marcada de aproximadamente metade para três quartos da espessura corneana. A opacidade progressivamente torna-se mais densa, mas sem alcançar o limbo. A membrana de descemet e o endotélio não são afetados. Vascularização corneal não é observada (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). 25 Exame histopatológico revela aglomerado de corpos refratários eosinofílicos subepiteliais. Nenhuma birrefringência é notada. Ceratócitos parecem normais na córnea central mas tornam-se pequenos e picnóticos na região subepitelial (DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). Estudos histoquímicos indicam reações positivas para fosfolipídeos e gorduras neutras. Mas perfis bioquímicos séricos realizados estão dentro dos limites de normalidade e nenhuma alteração sistêmica é observada nos pacientes (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). 2.2.2.6. Distrofia estromal corneana no gato da raça Manx Uma distrofia corneana supostamente hereditária, progressiva e bilateral, é descrita em gatos da raça Manx (BISTNER et al., 1976; COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980). A patogênese desta distrofia não é clara e estudos adicionais são necessários (BISTNER et al., 1976; COOLEY e DICE, 1990). Ela é aparentemente herdada, como uma característica autossômica recessiva (CRISPIN e BARNETT, 1983; DICE, 1980). Assume forma de um edema estromal progressivo com envolvimento epitelial secundário (CRISPIN e BARNETT, 1983). Um edema corneano vesicular é descrito no gato Manx, causado por alterações no colágeno estromal e na membrana de Descemet (STADES et al., 1999). Mudanças iniciais na córnea são observadas aos quatro meses de idade, sendo caracterizada por edema estromal anterior bilateral central (BISTNER et al., 1976; COOLEY e DICE, 1990; STADES et al., 1999). Os gatos afetados inicialmente desenvolvem uma névoa bilateral na córnea que aparece mais densa 26 centralmente. A opacidade da córnea progride e torna-se mais grave levando a um edema corneano acentuado (BISTNER et al., 1976; COOLEY e DICE, 1990). O edema estromal é mais marcado centralmente e assume uma aparência uniforme, bilateral, sem qualquer formação de ramificação (BISTNER et al., 1976). A piora progressiva desta condição produz uma ceratopatia bolhosa grave com eventual ruptura epitelial e estromal em animais jovens (BISTNER et al., 1976; COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; STADES et al., 1999). No edema corneano hereditário do gato Manx a anormalidade não parece estar associada com o metabolismo irregular do ácido mucopolissacarídeo como ocorre no homem. Não existe evidência ultra-estrutural de alterações no estroma corneano associado a mucopolissacaridose sistêmica ou a distrofia corneana macular. Além disso, histoquimicamente aumento demonstrável da quantidade de ácido mucopolissacarídeo pode não ser achado na córnea. Estudos ultraestruturais e de microscopia à luz no estado avançado da doença revelaram um edema estromal corneano grave e desintegração do material colágeno (BISTNER et al., 1976). Exames ultra-estruturais mostraram um endotélio normal. Alterações na membrana de Descemet foram observadas e são descritas como grandes espaços de fibrilas colágenas (BISTNER et al., 1976; COOLEY e DICE, 1990). A presença destas fibrilas não é específica de distrofia corneana do gato Manx, e pode ser associada com edema corneano crônico em várias condições humanas, como na distrofia de Fuch’s (BISTNER et al., 1976). 27 2.2.3. DISTROFIA ENDOTELIAL 2.2.3.1. Distrofia endotelial no Boston terrier, Chihuahua e Teckel O termo distrofia endotelial refere-se a uma perda prematura das células endoteliais. A perda das células endoteliais resulta em edema corneano progressivo espontâneo e pode conduzir a ceratopatia bolhosa e úlcera corneana refratária se o edema for generalizado (BROOKS, 2002-2; BROWN, 2003 B; DZIEZYC, 1997; WOERDT, 2002). A disfunção do endotélio permite que o aquoso escape para a córnea e o edema corneano profundo, denso, normalmente central se desenvolva. Isso ocorre com uma superfície corneana intacta. Algumas vezes, entretanto, há também um certo grau de frouxidão das camadas sobre o endotélio, através da qual bolhas ou úlceras podem se formar (STADES et al., 1999). A função do endotélio corneano é agir como uma barreira anatômica e uma bomba metabólica, que mantêm a deturgescência corneal. A falta de uma apropriada função endotelial conduz ao edema estromal e eventualmente, edema epitelial. Estes pacientes não exibem glaucoma, uveíte anterior, ou outras formas de doença de segmento anterior (COOLEY e DICE, 1990). Distrofias endoteliais são quase sempre progressivas, permanentes e bilaterais (BROWN, 2003 B; SLATTER, 2005). Esta anormalidade é principalmente vista em cães de meia idade a idosos de raças com crânio curto ou pequeno, como Boxer, Boston terrier e Chihuahua (RENWICK, 1996; STADES et al., 1999). A distrofia endotelial também é descrita em outras raças incluindo Teckel, Schnauzer, e Poodle miniatura (COOLEY e 28 DICE, 1990; LAUS e ORIÁ, 1999; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002; SLATTER, 2005). Mas, uma característica genética específica ainda não foi estabelecida (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980). Existe uma predileção por fêmeas. Os cães normalmente apresentam-se com cinco a nove anos de idade e com uma córnea azulada usualmente descrita pelo proprietário como “catarata” (BROWN, 2003 B; DICE, 1980). A idade de início no Boston terrier varia de 5 a 9 anos (média de idade de 7,5 anos); no Chihuahua varia de 6 a 13 anos (com média de idade de 9,5 anos) (WHITLEY e GILGER, 1999). GWIN et al. (1982) relataram quatro casos de distrofia endotelial corneana canina primária: em um Boxer macho de 12 anos de idade, num Schnauzer miniatura macho de 2 anos de idade; em um Poodle miniatura macho de 3 anos de idade, e em um Boston terrier macho de 12 anos de idade. Uma condição similar pode também ocorrer no Fox terrier pelo de arame idoso e no Basset hound. Pacientes idosos de qualquer raça também podem desenvolver edema corneal devido à diminuição do número de células endoteliais. Esta desordem deve ser diferenciada de degeneração endotelial secundária à inflamação intra-ocular, glaucoma, luxação de lente anterior e trauma (GLAZE, 2002; GLAZE, 2002 B). Esta distrofia celular canina pode representar um processo de doença similar à distrofia de Fuch’s em humanos (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Na distrofia de Fuch’s observamos uma degeneração progressiva e bilateral das células endoteliais corneanas que resulta em córnea avascular e edematosa. O endotélio corneano e a membrana de Descemet têm anormalidades que se assemelham à distrofia endotelial de Fuch’s em humanos 29 na microscopia. O endotélio tem um número de células diminuído e exibe metaplasia fibrosa (WHITLEY e GILGER, 1999). No exame oftalmológico, a opacidade corneana tem aparência branca azulada, a córnea parece espessada por causa do edema estromal, e não ocorrem sinais de inflamação (BROWN, 2003 B; COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Mas, a conjuntiva pode estar hiperêmica (BROWN, 2003 B). A lesão edematosa primeiramente torna-se aparente temporal, com progressão axial, lentamente com o tempo, envolve toda a córnea podendo eventualmente causar um déficit visual (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; LAUS e ORIÁ, 1999; RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999). Casos de edema grave podem resultar em ceratopatia bolhosa. Nesta condição, bolhas com fluído se desenvolvem dentro do estroma corneano, rompendo a superfície epitelial e causando a formação de úlcera. A úlcera pode ser dolorosa, resultar em vascularização e ser muito difícil de manejar (COOLEY e DICE, 1990; GLAZE, 2002; GLAZE, 2002 B; RENWICK, 1996). Não existe evidência de desconforto ou inflamação no estágio inicial. Em poucos casos com envolvimento grave, blefarospasmo e epífora estão presentes (DICE, 1980; LAUS e ORIÁ, 1999). O envolvimento dos olhos inicialmente é assimétrico, mas progride para bilateral, com opacidade corneana completa (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980; WHITLEY e GILGER, 1999). 30 Figura 5: Edema corneano em um Boston Terrier de 9 anos de idade com distrofia endotelial Estudos histológicos e ultraestruturais revelam um epitélio normal exceto quando ocorre erosão. Próximo ao centro da córnea, espaços intercelulares são ampliados no epitélio basal que progride para extremo edema intra e intercelular, limitado somente as células superficiais. A membrana basal tem áreas de descontinuidade. Frequentemente tem um crescimento capilar na metade superficial do estroma, que aumenta a celularidade. A arquitetura da lamela 31 estromal é rompida com irregularidades entre fibrilas assim como entre as lamelas (DICE, 1980). Na biomicroscopia, as principais observações são aumento da espessura corneana, opacidade corneana, bolha epitelial, e cicatriz subepitelial (WHITLEY e GILGER, 1999). A microscopia ultra-estrutural e a luz demonstram uma diminuição no número das células endoteliais, redução na espessura, e falta de formato hexagonal normal. Anormalidades também são vistas na membrana de descemet, incluindo algumas excrescências posteriores (COOLEY e DICE, 1990; KIRSCHNER, 1990). Na distrofia endotelial observamos anormalidades no tamanho, forma e função endotelial e na membrana de descemet (BROWN, 2003 B). 2.2.3.2. Distrofia polimorfa posterior no Cocker spaniel americano A distrofia polimorfa posterior é causada por uma disfunção das células endoteliais corneanas resultando em opacidade corneana posterior multifocal (WOERDT, 2002). A síndrome de disfunção celular endotelial corneana e a degeneração resultando em opacidade corneana posterior multifocal nos cães lembra a distrofia polimorfa posterior em humanos (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). É relatada no Cocker spaniel americano como uma distrofia polimorfa posterior de desenvolvimento de caráter hereditário (COOLEY e DICE, 1990; WOERDT, 2002). No Cocker spaniel americano, uma herança dominante autossômica ou dominante incompleta é sugerida (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). As lesões corneanas são observadas em cães de um a sete anos de idade (COOLEY e DICE, 1990). 32 A opacidade corneana posterior é de forma linear para vesicular, não pigmentada, multifocal e o exame biomicroscópico revela que esta opacidade é limitada à membrana de descemet e endotélio sem envolvimento epitelial ou estromal (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). As opacidades são bilaterais, e nenhum outro sinal de doença de segmento anterior é observado (COOLEY e DICE, 1990). A microscopia especular revela anormalidades nas células endoteliais, incluindo opacidades intracelular, aumento celular e uma membrana delgada obscura imediatamente anterior ao endotélio (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Algumas células endoteliais afetadas são degeneradas e outras áreas demonstram perda de células endoteliais. Células endoteliais circunvizinhas ocasionalmente exibem anormalidades, mas as células mais distantes da lesão multifocal aparecem normais. Em estudos ultra-estrutural a membrana de descemet aparece normal. A distrofia polimorfa posterior difere da distrofia endotelial corneal pela ausência de edema corneal, e pelas áreas não envolvidas demonstrarem células endoteliais normais (COOLEY e DICE, 1990; WOERDT, 2002). 2.2.3.3. Distrofia endotelial no gato doméstico de pelo curto Uma distrofia endotelial grave é relatada em gatos domésticos de pelo curto, podendo ser detectada em animais de três a quatro semanas de idade. Ela é bilateral e progride rapidamente (COOLEY e DICE, 1990). Em adição a forma de distrofia endotelial, envolvendo degeneração de endotélio corneano e conduzindo a um edema corneano e às vezes observa-se ceratocone em criações 33 de gatos domésticos de pelo curto (CRISPIN e BARNETT, 1983). O tipo de herança ainda não foi determinado. Especula-se que o edema seja causado por disfunção das células endoteliais (COOLEY e DICE, 1990). O edema estromal inicia axialmente, estendendo em direção ao limbo, e pode conduzir ao ceratocone. Vacuolização das células endoteliais e orientação irregular têm sido observadas em microscopia à luz. Nos casos descritos não são relatados resultados de hemograma e bioquímica sérica. Em um caso, o colesterol sérico em jejum estava levemente aumentado e o nível do hormônio tiróide estava um pouco baixo (COOLEY e DICE, 1990). Ambos as distrofias endoteliais de cães e gatos demonstram muita similaridade com a distrofia endotelial hereditária de Fuch’s no homem (CRISPIN e BARNETT, 1983). 2.3. DIAGNÓSTICO Para excluir infiltração corneana e doença sistêmica nos casos que não são típicos de distrofia hereditária, a bioquímica sérica pode ser útil. Em adição aos níveis séricos de colesterol, lipoproteína de alta e baixa densidade, glicose, triglicerídeos, cálcio e fósforo, e a avaliação das funções tireoidiana e adrenal podem ser úteis (BROWN, 2003 B; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Em alguns casos, eletroforese lipídica é também benéfico (WHITLEY e GILGER, 1999). Na distrofia epitelial e estromal, o diagnóstico é feito com base em uma área na córnea opaca, localizada centralmente, que não cora com fluoresceína, consistindo de estruturas cristalinas. Quando examinamos com uma lupa, eles 34 lembram cristais de açúcar ou vidro. Não há outras anormalidades, como dor ou exsudato ou sinais de inflamação. Os níveis séricos de lipídios são quase sempre normais. Já na distrofia endotelial, o diagnóstico é baseado no edema corneano central, bilateral característico. No exame com lâmpada de fenda, cristais muito finos podem, algumas vezes, ser reconhecidos logo acima do endotélio (STADES et al., 1999). Histopatologicamente na distrofia corneana, o epitélio é tipicamente intacto e de espessura normal. Predominam cristais e lipídeos extra-celulares. No estroma, ambos os vacúolos intra-celulares e extra-celulares estão presentes, representando os lipídeos. Cristais de colesterol são também comumente observados (WHITLEY e GILGER, 1999). O diagnóstico de úlcera corneana refratária é baseado nos sinais clínicos, histórico e achados oftálmicos típicos (LAUS e ORIÁ, 1999; WHITLEY e GILGER, 1999). Ela deve ser suspeitada se uma erosão não complicada não cicatriza na primeira revisão (KIRSCHNER, 1990). Muitos animais apresentam-se, inicialmente, com dor ocular aguda, evidenciada por epífora, fotofobia e blefarospasmo, que podem diminuir com o tempo (BROOKS, 2002; BROWN, 2003; KIRSCHNER, 1990; LAUS e ORIÁ, 1999; WHITLEY e GILGER, 1999). O grau de dor é variável e diminui com a cronicidade da erosão (WHITLEY e GILGER, 1999). As úlceras ocorrem espontaneamente sem nenhuma história de trauma prévio e são caracterizadas por seu curso crônico, natureza superficial, falta de vascularização e de outros sinais inflamatórios (BROOKS, 2002; LAUS e ORIÁ, 1999; WHITLEY e GILGER, 1999). Os achados no exame oftálmico do cão com úlcera corneana refratária são característicos. As úlceras são superficiais, 35 com aparência normal, estroma exposto, e com borda epitelial excessiva (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2003). Achados típicos no exame oftálmico incluem defeito epitelial paracentral com estroma normal ou edema corneano variável. Vascularização e inflamação corneal são ausentes, embora com a cronicidade, pode-se observação neovascularização significante (BROWN, 2003; TAYLOR, 1995). As erosões são rasas, não infectadas e associadas a uma pequena inflamação conjuntival (KIRSCHNER, 1990). A borda epitelial não aderente pode ser facilmente retirada com “swab” de algodão. Depois da aplicação da fluoresceína, uma área central evidente fluorescente é circundada por uma área de fluorescência nebulosa que representa a infiltração do corante sob a borda epitelial perdida (DZIEZYC, 1997; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Na presença de úlcera indolente o corante de fluoresceína migra além da borda da úlcera (DZIEZYC, 1997). Um exame completo deve ser realizado para excluir outras causas de cicatrização corneana prolongada como corpo estranho, cílio ectópico, entrópio, distiquíase, triquíase, ceratoconjuntivite seca, deficiência de células caliciformes, infecção (TAYLOR, 1995). Teste de reação em cadeia de polimerase (PCR) pode ser indicado em casos de ceratite ulcerativa refratária em gatos devido a suspeita Herpesvírus Felino tipo I como fator etiológico (LA CROIX et al., 2001). 2.4. TRATAMENTO Nas distrofias epiteliais, a terapia médica é recomendada quando erosões ou anormalidades no filme lacrimal estão presentes. Nas distrofias estromais, o 36 tratamento normalmente não é necessário. Além disso, não existe terapia médica disponível para reduzir o depósito lipídico nas camadas estromais profundas (COOLEY e DICE, 1990). Já nas distrofias com edema corneal progressivo o tratamento é sintomático e paliativo (COOLEY e DICE, 1990). Em geral, as distrofias corneanas não respondem a tratamento médico tópico, em particular antibiótico e/ou corticosteróide, mas a lesão pode ser facilmente removida cirurgicamente por ceratectomia superficial (CRISPIN e BARNETT, 1983; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). As lesões raramente recidivam após a ceratectomia, entretanto a formação de uma cicatriz corneana leve é frequentemente presente. A ceratectomia também fornece amostras de tecido corneano para estudos ultra-estruturais e em microscopia óptica (WHITLEY e GILGER, 1999). Entretanto, este procedimento é normalmente não necessário já que esta condição raramente ou nunca interfere com a visão, e por causa da posição subepitelial e natureza não inflamatória, não causa irritação no cão (CRISPIN e BARNETT, 1983). Recomendações para o tratamento das distrofias em felinos são similares às mencionadas para distrofia endotelial no cão, embora o tratamento possa ser inútil por causa da rápida progressão da doença (COOLEY e DICE, 1990). 2.4.1. DISTROFIA EPITELIAL O tratamento para distrofia epitelial parece não ser necessário, embora seja indicado caso haja erosão (DICE, 1980). A terapia é direcionada a remoção do epitélio anormal, e a promoção de maior adesão normal do epitélio ao estroma. 37 A combinação de tratamento médico e cirúrgico normalmente é necessária (KIRSCHNER, 1990). A cicatrização da erosão epitelial recorrente pode ser muito lenta, mesmo com intervenção precoce. Tratamentos repetidos podem ser necessários e os procedimentos requeridos para aumentar a fixação epitelial podem também estimular ou exacerbar a vascularização corneana (RENWICK, 1996). A cicatrização da úlcera pode levar semanas a meses (três a seis semanas é o mais comum) (BROWN, 2003). A terapia padrão para úlcera corneana superficial inclui antibiótico tópico, cicloplégico e antiviral nos gatos positivos para Herpesvírus (TAYLOR, 1995). Como a córnea não epitelizada é predisposta à infecção bacteriana, antibióticos de amplo espectro tópico são indicados profilaticamente (LAUS e ORIÁ, 1999; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Entretanto, medicações tópicas como os antibióticos são epiteliotóxicos, e são utilizados em situações profiláticas em baixa freqüência (por exemplo, duas a quatro vezes diariamente). Atropina a 1% tópica é indicada com a finalidade de amenizar a dor produzida pela uveíte reflexa, normalmente por três a cinco dias (LAUS e ORIÁ, 1999; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Embora estes tratamentos sejam recomendados no manejo da erosão refratária, quando utilizados sozinhos eles raramente são efetivos. Terapia adicional é necessário incluindo estimular a fixação epitelial e prevenir o trauma que poderá romper o novo epitélio formado (BROWN, 2003; TAYLOR, 1995). Assim, a terapia tradicional para úlcera refratária consiste no debridamento do epitélio não aderido, com ou sem agentes químicos (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). 38 O primeiro passo para o tratamento da úlcera indolente é sempre o debridamento do epitélio solto. Posteriormente, procedimentos adicionais para expor o estroma corneal saudável são normalmente realizados, como por exemplo, ceratotomia punctata, ceratotomia em grade ou uso de agentes químicos (WOERDT, 2003). Frequentemente, o debridamento seco é insatisfatório como único modo de terapia, resultando em um prolongado tempo de cicatrização (BROWN, 2003; WHITLEY e GILGER, 1999). Cães podem experimentar aumento da dor no olho poucos dias depois dos procedimentos de debridamento, ceratotomia punctata ou ceratotomia em grade. Analgésicos e antiinflamatórios não esteroidais podem ser prescritos por alguns dias (WOERDT, 2003). Na ulceração superficial crônica é essencial que todo o tecido estromal e epitelial necrótico e desvitalizado seja removido para permitir que ocorra a reepitelização (BEDFORD, 1997). A remoção do epitélio frouxo anormal favorece a multiplicação de epitélio adjacente e a produção de uma neomembrana basal e hemidesmossomos (LAUS e ORIÁ, 1999; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). O debridamento pode ser realizado sob anestesia tópica utilizando um “swab” com algodão seco ou sob anestesia geral utilizando uma lâmina de bisturi quase perpendicular à córnea (KIRSCHNER, 1990; RENWICK, 1996). Depois de anestesiada topicamente a córnea, todo o epitélio frouxo é removido, normalmente 1 a 2 mm além da margem de retenção do corante fluoresceína. É normal ocorrer um extremo aumento do tamanho da úlcera pelo debridamento. O procedimento pode ser repetido em um intervalo de três a 14 dias, mas a quantidade de epitélio frouxo deve diminuir com cada remoção com a cicatrização da úlcera (BROWN, 2003; WHITLEY e GILGER, 1999). Cabe ressaltar que 39 debridamento rigorosamente agressivo pode conduzir a cicatriz corneal acentuada (BROWN, 2003). O debridamento químico é utilizado para remover o epitélio e a membrana basal anormais, além de debris da superfície estromal. Agentes usados no debridamento químico incluem ácido tricloroacético, fenol, tintura de iodo, e iodopovidona diluído (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). O fenol, por exemplo, aplicado na margem da úlcera debridada e na membrana basal, pode aumentar a fixação epitelial novamente (RENWICK, 1996). A remoção ou alteração do estroma exposto parece ser necessário no processo de cicatrização, estimulando a adesão. Em adição a remoção do epitélio frouxo, uma vantagem do debridamento químico pode ser o efeito de limpeza e alteração do estroma superficial. Ele pode também dificultar uma neovascularização. Desvantagens incluem dano excessivo ao tecido normal e aumento do desconforto pósoperatório (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). A ceratotomia punctata múltipla envolve fazer uma série de pontos superficiais no estroma anterior com agulha estéril de calibre 20 a 23 dentro do estroma exposto e 1 a 2 mm da córnea saudável cercando a úlcera. Já a ceratotomia em grade envolve fazer riscos sobre o local da úlcera com uma agulha descartável hipodérmica curvada, calibre 25, ou com uma navalha de diamante com micrômetro. Com ambas as técnicas, os pontos ou riscos expõem o estroma corneano normal para o novo epitélio aderir e permitir a formação de hemidesmossomos normais (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Estes procedimentos produzem uma série de pequenas cicatrizes que tem o feito de aderir o epitélio ao estroma (KIRSCHNER, 1990). Na ceratectomia em grade a 40 incisão deve começar periférica à margem da úlcera, estender através da úlcera e voltar dentro da córnea epitelizada. Uma série de incisões verticais paralelas e horizontais com menos do que 1 mm de largura são realizadas na membrana basal e servem para facilitar a migração de células epiteliais e a subseqüente aderência ao estroma corneano (WILKIE e WHITTAKER, 1997). As ceratotomias punctata e em grade promovem a cicatrização do epitélio corneano por exposição estromal do colágeno do tipo um debaixo da membrana basal para novas células epiteliais corneanas. O contato entre as células novas e o colágeno pode promover uma fixação efetiva entre epitélio e estroma (LA CROIX et al., 2001). Ambas requerem anestesia tópica e ocasionalmente sedação em pacientes intratáveis ou nervosos (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Estes procedimentos não devem ser utilizados em córneas infectadas (TAYLOR, 1995). Dentro de duas semanas na ausência de cicatrização, a ceratotomia pode ser repetida ou utilizada em combinação com, por exemplo, recobrimento ou lentes de contato para proteger o epitélio em crescimento do trauma palpebral (TAYLOR, 1995). A cicatrização é esperada ocorrer em 80 a 85% dos olhos afetados dentro de 10 a 14 dias (WILKIE e WHITTAKER, 1997). 41 Figura 6: Ceratotomia punctata múltipla Figura 7: Ceratotomia em grade Embora a ceratotomia punctata múltipla seja eficaz no tratamento de erosões refratárias, existe uma maior chance de inadvertidamente uma perfuração estromal corneal com esta técnica. A taxa de sucesso relatada é um pouco inferior quando comparada a ceratotomia em grade, talvez devido a reduzida área de superfície estromal exposta com a ferida punctata quando comparada com a em grade (WILKIE e WHITTAKER, 1997). Ceratotomia 42 punctata ou em grade não deve ser realizada em gatos. Estes procedimentos não melhoram a cicatrização e podem predispor ao desenvolvimento de seqüestro corneano (LA CROIX et al., 2001; WOERDT, 2003). Medicações adicionais que podem ainda ser utilizada em úlceras refratárias incluem lentes de contato e protetor de colágeno, adesivo tecidual de cianoacrilato, soluções hiperosmóticas tópicas, fibronectina, fator de crescimento epidermal, aprotinina e corticosteróide. Já os procedimentos cirúrgicos incluem também recobrimento com nictitante, conjuntivais, ceratectomia superficial, ceratoepitelioplastia e termoceratoplastia (LA CROIX et al., 2001). Estes métodos de tratamento podem ser combinados com um segundo debridamento epitelial três a 10 dias depois da terapia inicial (WHITLEY e GILGER, 1999). Bandagem com lentes de contato macias ajuda a manter o posicionamento do epitélio cicatrizante ao estroma. Além disso, protegem o novo epitélio e diminuem a abrasão das pálpebras no epitélio cicatrizante (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Elas ajudam a proteger a córnea durante a reepitelização, oferecem um olho confortável e permitem a inspeção visual da córnea e das estruturas intra-oculares durante a cicatrização (RENWICK, 1996). As desvantagens incluem um pobre ajuste ocasional em alguns cães, resultando deste modo em tempo de retenção limitado. O custo também é outra preocupação. Em geral, coloca-se a lente e se instrui o proprietário a esperar com o cão por uma hora para se ter certeza de que a lente permanecerá na córnea. A maioria dos autores recomenda a utilização da lente com o maior diâmetro possível. O raio de curvatura da córnea canina é de sete a nove milímetros, isso deve ser levado em consideração quando se seleciona a 43 lente. O uso de colar elizabetano aumenta a chance da lente ficar retida (KIRSCHNER, 1990). A retenção da lente é dificultosa provavelmente devido um pobre encaixe, conformação exoftálmica e movimento da nictitante (TAYLOR, 1995). O tempo de retenção pode ser melhorado por uma cantorrafia lateral temporária parcial utilizando suturas ou grampos cirúrgicos (WHITLEY e GILGER, 1999). As lentes de contato devem ser removidas a cada sete a dez dias, limpas, desinfetadas, e reintroduzidas até que a reepitelização da córnea esteja completa. Em um relato, 95% das úlceras corneanas refratárias tratadas com lente de contato cicatrizaram dentro de 14 dias. Em outro estudo, entretanto, as lentes de contato foram consideradas benéficas em somente 73% dos cães (BROOKS, 2002; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Lentes de contato hidrofílicas macias embebidas em soluções medicamentosas podem prolongar o efeito do fármaco durante um período de tempo, com uma vida-média de aproximadamente 20 minutos. Este efeito é muito semelhante às formulações aquosas com liberação lenta (BROOKS, 2002). Lente de contato composta por colágeno (proteção de colágeno) tem sido recentemente desenvolvida para uso como bandagem. Estudos demonstram que este tipo de lente melhora a penetração de antibióticos e corticosteróides na córnea e aquoso (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Adesivo tecidual de cianoacrilato é também utilizado para tratamento de úlceras refratárias (WHITLEY e GILGER, 1999). O visco de tecido cianoacrilato (Vetbond®) pode ser aplicado em uma fina camada através de uma agulha de pequeno calibre para proteger a córnea (TAYLOR, 1995). Estes adesivos 44 protetores de córnea têm propriedades antimicrobianas, e fornecem uma barreira para microorganismos. Tecidos adesivos parecem ser mais benéficos do que lentes de contato; entretanto esta técnica é mais difícil. Secar a córnea e a familiaridade com propriedades de polimerização são essenciais para o sucesso (WHITLEY e GILGER, 1999). A camada de visco separa da córnea quando a reepitelização é completa (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Agentes hiperosmóticos podem reduzir o edema subepitelial e melhorar a aderência epitelial ao estroma (KIRSCHNER, 1990; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Preparações oftálmicas de Cloreto de Sódio 2 a 5% ou dextrano diminuem o edema epitelial por desidratação do epitélio e são utilizados no tratamento de erosões corneanas refratárias com resposta limitada. A pomada de cloreto de sódio é usualmente aplicada uma a duas vezes à noite, enquanto que as gotas de dextrano são utilizadas quatro a seis vezes por dia. Agentes hiperosmóticos tópicos tendem a ser um pouco irritantes aos olhos e podem requerer aplicações mais freqüentes porque o seu tempo de ação é curto (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Fibronectina é uma glicoproteína plasmática que estimula a adesão celular, a migração celular, e a síntese protéica. Ela é utilizada no tratamento de úlcera refratária promovendo fixação epitelial e cicatrização em humanos e coelhos (WHITLEY e GILGER, 1999). A fibronectina é uma grande glicoproteína molecular normalmente depositada no leito da ferida corneana, que promove a cicatrização da ferida. A fibronectina não está comercialmente disponível. O soro autógeno é a fonte prontamente disponível de fibronectina sendo estável por 45 aproximadamente uma semana quando refrigerado (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Fator de crescimento epidérmico é um polipeptídio de ocorrência natural, que acentua a regeneração epitelial sendo utilizado no tratamento de úlceras corneanas refratárias. É um pequeno hormônio polipeptídico que é secretado nas lágrimas, promovendo a mitose celular epitelial e a síntese de proteína. Isso é eficaz no tratamento de erosão recorrente por aumentar a síntese de proteínas estruturais e de fixação que promovem a adesão e a migração de células epiteliais (KIRSCHNER, 1990; TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Células epiteliais, fibroblastos estromais e células endoteliais possuem receptores para o fator de crescimento epidérmico (WHITLEY e GILGER, 1999). Aprotinina é um inibidor das enzimas plasminas, calicreinas, tripsinas e quimiotripsinas. Estudos preliminares em cães com erosão corneana persistente demonstram que aprotinina tópica induz rápida cicatrização em alguns casos. Mas estudos adicionais são ainda necessários para determinar se alguns cães com erosões persistentes possuem nível aumentado de plasmina na lágrima, o que pode contribuir para a demora na cicatrização (KIRSCHNER, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Corticosteróide tópico deve ser evitado seguinte a reepitelização em úlceras refratárias. O corticosteróide diminui a taxa de reepitelização corneana, diminui o mecanismo de defesa hospedeira, e pode interferir com a aderência celular (BROWN, 2003; WHITLEY e GILGER, 1999). Depois da reepitelização, a terapia com esteróide tópico pode ser útil em reduzir vascularização, minimizar a cicatriz e otimizar o grau de visão remanescente (RENWICK, 1996). 46 Corticosteróide é utilizado no tratamento de úlceras refratárias com grande formação de tecido de granulação e vascularização extensa no local da úlcera, entretanto, o uso com cautela é altamente recomendado (WHITLEY e GILGER, 1999). Tratamento anti-viral pode ser indicado em caso de úlcera indolente em gatos devido à possibilidade do Herpesvírus tipo I ser o agente causal (LA CROIX et al., 2001). Recobrimento com a membrana nictitante oferece proteção mecânica e diminui o trauma das pálpebras durante o piscar, bem como a tarsorrafia. Suturando a nictitante ao fórnix conjuntival dorsal em vez da pálpebra superior também ajuda a diminuir a fricção do epitélio corneano cicatrizante na superfície posterior da nictitante (WHITLEY e GILGER, 1999). O procedimento do recobrimento de nictitante é simples de se realizar e requer somente uma anestesia leve, entretanto, limita o debridamento adicional e impede a avaliação corneana (RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999). Porém suturas longas podem ser utilizadas permitindo um afrouxar ocasional do recobrimento e a inspeção direta da lesão corneal (GELATT, 1997). Usando o flap nictitante como única fonte de terapia normalmente não é o suficiente (WHITLEY e GILGER, 1999). O recobrimento deve ser combinado com debridamento e ceratotomia (TAYLOR, 1995). 47 Figura 8: Recobrimento com a membrana nictitante Recobrimentos conjuntivais oferecem um suprimento vascular direto e uma fonte de epitélio saudável (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). Eles são úteis na cicatrização de úlceras refratárias, mas requerem anestesia geral, podem resultar em mais cicatriz do que o desejado, e exigem mais tempo e despesa do que outros regimes terapêuticos. Recobrimentos de pedículo conjuntival são deixados no local por três a quatro semanas (WHITLEY e GILGER, 1999). 48 Figura 9: Recobrimento de pedículo conjuntival A ceratectomia superficial permite a remoção completa do epitélio anormal e da membrana basal. O tecido pode também ser coletado para avaliação histopatológica e microscopia eletrônica. As desvantagens incluem a necessidade de anestesia geral e instrumental especial (WHITLEY e GILGER, 1999). A ceratectomia envolve a excisão do epitélio corneano e da porção do estroma subjacente. Geralmente, até um terço de profundidade do estroma corneano pode ser removido permitindo a cicatrização por primeira intenção. Cuidados pós-operatórios incluem antibióticos tópicos, agentes cicloplégicos e midriáticos, lágrimas artificiais e uso de colar elizabethano (WILKIE e WHITTAKER, 1997). Para uma melhor utilização desta técnica, a profundidade aproximada e o tamanho da opacidade corneal deverão ser cuidadosamente 49 determinados. Se a lesão for mais profunda do que cerca de 50% da espessura estromal, a excisão poderá ainda ser realizada, mas o local cirúrgico deverá ser reforçado por enxerto conjuntival (GELATT, 1997). As complicações são mínimas e incluem cicatrização demorada, infecção, recorrência da lesão original, granulação, pigmentação, perfuração e formação cicatricial (KIRSCHNER, 1990; WILKIE e WHITTAKER, 1997). A ceratectomia superficial alivia o paciente com muita dor quando utilizado primeiramente (SLATTER, 2005). A taxa de sucesso deste procedimento é extremamente alta, com apenas alguns casos não resultando em cicatrização (KIRSCHNER, 1990). A ceratectomia superficial tem sido muito efetiva, especialmente em relação à diminuição das recorrências (BROOKS, 2002). Mas segundo RENWICK (1996) a ceratectomia superficial é o acesso mais radical ao tecido estromal do que as ceratotomias punctatas, não sendo normalmente necessária. Se a úlcera indolente persistir apesar do tratamento com debridamento associado à ceratotomia, deverá ser realizado a ceratectomia superficial (WOERDT, 2003). A ceratoepitelioplastia (por exemplo, transplante epitelial corneano) é um procedimento cirúrgico para tratamento de defeito epitelial recorrente. Em grandes defeitos epiteliais, partículas da córnea doadora coberta com epitélio são colocadas na borda do defeito ou no limbo depois da ceratectomia superficial. Novo epitélio é então propagado das partículas e tampam o defeito epitelial inteiro (WHITLEY e GILGER, 1999). Uma aposição direta acurada da extremidade do enxerto e do defeito corneal é essencial para um bom resultado. A borda defeituosa corneal deverá ser cuidadosamente debridada para garantir adequada 50 vitalidade tecidual para a sutura. O enxerto deverá ser manipulado atraumaticamente (GELATT, 1997). Termoceratoplastia, também denominada diatermia corneal, pode ser utilizado em tratamento de úlcera refratária. Ela envolve o uso de cauterizador térmico na superfície corneal em aplicações como múltiplos pontos criando uma cicatrização superficial no estroma anterior (WHITLEY e GILGER, 1999; WILKIE e WHITTAKER, 1997). Uma ruptura simples, do estroma anterior pode também ser conseguida com laser (WHITLEY e GILGER, 1999). O laser é utilizado para oferecer energia ao tecido, com resultante efeito de ruptura, térmico ou ablativo (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A cicatrização da úlcera corneana refratária pode estender de semanas a anos, e a recorrência não é incomum (WHITLEY e GILGER, 1999). A úlcera indolente pode recorrer em qualquer hora no mesmo olho ou no outro (RENWICK, 1996). Terapia a longo termo com agentes hiperosmolar e/ou lubrificação podem reduzir a recorrência (BROWN, 2003). Como a cicatrização dessas erosões pode levar semanas, é importante que o proprietário seja bem informado da progressão, tempo de cicatrização esperado, possível recorrência, e complicações potenciais para reduzir o seu descontentamento, aumentar a sua cooperação, e melhorar os resultados. Clientes menos informados tornam-se frustrados e cooperam pobremente com a terapia recomendada (TAYLOR, 1995; WHITLEY e GILGER, 1999). 51 2.4.2. DISTROFIA ESTROMAL 2.4.2.1. Distrofia corneana no Pastor de Shetland O tratamento do Pastor de Shetland com distrofia epitelial depende dos sinais clínicos. Os cães com blefarospasmo frequentemente se beneficiam da aplicação de soluções ou pomadas de lágrimas artificiais. A presença de erosões corneais sugere o uso de antibióticos tópicos para prevenir a infecção; entretanto a infecção raramente é a etiologia (COOLEY e DICE, 1990). O tratamento consiste em tratar a ulceração corneana associada com a distrofia utilizando antibióticos tópicos com ou sem uso de midriático e ciclopégico, ciclosporina, ou agentes hiperosmóticos (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Estas úlceras podem se comportar como úlceras indolentes e o tratamento adicional com debridamento, ceratotomia em grade, ceratotomia punctata, utilização de lentes de contatos macias ou ceratectomias superficiais pode ser requerida (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Mas o uso de lentes de contato é contra indicado se o valor do teste de Schirmer for muito baixo. Em pacientes idosos com áreas distróficas múltiplas e cicatrizes, a ceratectomia superficial pode ser realizada para melhorar a visão (COOLEY e DICE, 1990). Existem relatos ocasionais de que a ceratopatia pode ser controlada utilizando medicações antivirais tópica, como a idoxuridina (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Pacientes sem erosões que demonstrem instabilidade crônica do filme lacrimal e vascularização se beneficiam da aplicação de 52 corticosteróide tópico juntamente com lágrima artificial (COOLEY e DICE, 1990; WHITLEY e GILGER, 1999). Eventualmente, áreas reepitelizadas desenvolvem lesões distróficas (COOLEY e DICE, 1990). 2.4.2.2. Distrofia corneana no Airedale Terrier Ceratectomia e ceratoplastia lamelar não tem sido recompensadora por causa do aumento da opacificação da córnea, inclusive do enxerto. Um cão que passou por uma ceratoplastia penetrante melhorou sua habilidade de manobra, mas o enxerto começou a opacificar dois anos depois da cirurgia (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980). 2.4.2.3. Distrofia estromal corneana no gato da raça Manx O tratamento, como por exemplo, para úlceras corneanas superficiais, pode ser considerado (STADES et al, 1999). Mas o tratamento desta condição é paliativo (DICE, 1980). 2.4.3. DISTROFIA ENDOTELIAL Não existe tratamento próprio para distrofia endotelial já que a perda das células endoteliais é permanente (DICE, 1980; WOERDT, 2002). A terapia frequentemente não é recompensadora. Qualquer problema subjacente assim 53 como uveíte anterior e glaucoma, devem ser tratados apropriadamente (RENWICK, 1996). O edema corneano secundário pode ser minimizado pela instilação de agentes hiperosmóticos como o Cloreto de Sódio de 2 a 5%, bem como pelo emprego de glicose em solução hipertônica. Alguns pacientes podem se tornar desconfortáveis face à irritação por eles produzida. Nestes casos recomenda-se interromper o seu emprego (LAUS e ORIÁ, 1999; STADES et al., 1999; WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Mas enquanto a terapia hiperosmolar é minimamente efetiva em reduzir o edema corneano, ela pode auxiliar na cicatrização da úlcera corneana (BROOKS, 2002 B; BROWN, 2003 B; COOLEY e DICE, 1990; RENWICK, 1996). Corticosteróides tópicos são defendidos com base empírica para edema estromal em humanos com distrofias de Fuch’s e em cães afetados com distrofia endotelial (WHITLEY e GILGER, 1999). Mas de acordo com STADES et al. (1999) os corticóides frequentemente causam melhora inicial do edema corneano, porém eles aumentam o risco de ulceração. A úlcera corneana associada com edema corneano poderá frequentemente comportar-se como úlcera indolente e deverá portanto ser tratada como qual (WOERDT, 2002). O debridamento pode ser requerido se a borda sobrepõe a periferia da lesão (DICE, 1980). Quando as erosões ocorrem, antibióticos tópicos e debridamento epitelial são recomendados, com ou sem aplicação de lentes de contato terapêutica (COOLEY e DICE, 1990). Erosões ou bolhas são tratadas com soluções hiperosmóticas e de antibiótico de amplo espectro (COOLEY e DICE, 1990; DICE, 1980). Em poucos casos que a lesão não tenha cicatrizado satisfatoriamente, podemos utilizar lentes de contato 54 terapêuticas (DICE, 1980). Em casos de ceratopatia bolhosa, bandagem com lentes de contato terapêuticas pode ajudar a render olhos menos dolorosos e encorajar a cicatrização da úlcera (RENWICK, 1996). Recobrimentos não devem ser realizados para feridas superficiais a menos que exista uma condição bolhosa grave (DICE, 1980). Termoceratoplastia pode ser benéfico em estágios avançados da doença (WOERDT, 2002). Terapias alternativas para esta doença ainda incluem uma ceratoplastia penetrante homóloga fresca utilizada para fornecer células endoteliais corneais ou um enxerto conjuntival fino para fornecer vasos sanguíneos e prevenir a formação de bolha corneal (WILKIE e WHITTAKER, 1997). Ceratoplastia penetrante é o único tratamento definitivo para distrofia endotelial avançada (RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999). O transplante corneano inclui ceratoplastias de espessura parcial (lamelar) e de espessura completa (penetrante). A lamelar inclui apenas o epitélio e o estroma anterior (WILKIE e WHITTAKER, 1997). A ceratoplastia é indicada no edema corneano avançado quando ocorre perda de visão ou ulceração corneana crônica (RENWICK, 1996; WHITLEY e GILGER, 1999). Esta técnica visa fornecer uma população de células endoteliais normais (KIRSCHNER, 1990). A ceratoplastia penetrante é o tratamento de escolha em humanos. Já a sua utilização na oftalmologia veterinária é limitada, principalmente pelo fato de se encontrar córnea doadora disponível (WOERDT, 2002). Segundo GELATT (1997), o enxerto corneal lamelar e penetrante tem sido utilizado infrequentemente na oftalmologia veterinária, principalmente por causa do risco de rejeição do hospedeiro ao enxerto. Bons resultados de ceratoplastia penetrante no cão dependem de muitos 55 fatores, incluindo seleção de paciente, cuidado na manipulação do tecido doador, viabilidade do tecido doador, técnica cirúrgica e seleção de sutura (WHITLEY e GILGER, 1999; WOERDT, 2002). Mas COOLEY e DICE (1990) não recomendam o tratamento da distrofia endotelial com ceratoplastia penetrante por causa da opacificação do enxerto com o tempo. Resultados pós-operatórios são geralmente de enxertos semi-opacos (GELATT, 1997). 2.5. PROGNÓSTICO A distrofia corneana raramente resulta em prejuízo visual, sendo de prognóstico favorável, com possíveis exceções nas raças Husky siberiano e Airedale terrier. A distrofia pode envolver uma grande área da córnea nestas raças resultando em dano visual (WHITLEY e GILGER, 1999). O prognóstico para recuperar a visão na distrofia endotelial geralmente é desfavorável (STADES et al., 1999). 56 3. CONCLUSÃO É necessário que os veterinários conheçam os tipos de distrofias e as respectivas raças afetadas, diferenciando-as principalmente de degenerações, que normalmente são acompanhadas por doença sistêmica. Se houver o reconhecimento precoce da distrofia, o proprietário poderá ser conscientizado da doença, sendo assim devidamente orientado a não acasalar o animal. É imprescindível ainda, um encaminhamento para o oftalmologista veterinário que optará pela conduta mais adequada levando em consideração cada caso. Em um futuro próximo, deverá ser estabelecido um regulamento entre o conselho de criação de cada raça em relação aos tipos de distrofias. Mais estudos são ainda necessários para um maior esclarecimento sobre estas enfermidades e o tratamento mais adequado para cada tipo. 57 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEDFORD, P.G.C. The Clinical Management of Corneal Ulcers. In: THE NORTH AMERICAN VETERINARY CONFERENCE, 1997, Orlando. 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