VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA Bioética e a violência doméstica contra crianças e adolescentes Mário Roberto Hirschheimer Coordenador da Internação no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus – PMSP Presidente do Departamento de Bioética da SPSP Membro do Departamento de Cuidados Hospitalares da SBP Membro do Núcleo de Estudos da Violência da SPSP Causas Hábito culturalmente aceito Punição física como ação “disciplinadora” e “educacional” Comportamento Pais vitimizados + “Lei do silêncio” explosivo violento perverso Pais “donos” de seus filhos Solução de conflitos pela força Abuso de autoridade Formas e Expressões de Violência Violência Física Síndrome do bebê sacudido Síndrome da criança espancada Violência e Abuso Sexual Violência Psicológica Negligência / Abandono Síndrome de Münchausen por transferência “Bullying” e suas modalidades cibernéticas Cultos ritualísticos Violência Doméstica Notificada LACRI do Instituto de Psicologia da USP de 1996 a 2003 FORMA DE VIOLÊNCIA Negligência Violência física Violência psíquica Violência sexual Outras TOTAL Nº VÍTIMAS 37.091 30.412 14.074 8.665 456 90.698 % 41% 34% 16% 10% 1% 100% Registro de Proteção da Inglaterra em 2003 FORMA DE VIOLÊNCIA Negligência Violência física Violência psíquica Violência sexual Outras TOTAL Nº VÍTIMAS 10.600 4.300 5.000 2.700 4.000 26.600 % 40% 16% 19% 10% 15% 100% Óbitos em 2004 Fonte: DATASUS 2006 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 <1 ano 1-4 anos 5-9 anos Óbitos 10-14 anos 15-19 anos Causa externa Idade Óbitos Causa externa % Negligência <1 ano 54.183 1.122 2,07 ??? 1-4 anos 9.468 1.853 19,57 ??? 5-9 anos 5.021 1.835 36,55 10-14 anos 5.884 2.691 45,73 15-19 anos 19.135 13.691 71,55 ??? TOTAL 93.691 21.192 22,62 ??? ??? Óbitos por causas externas em 2004 (n = 21.192) Fonte: DATASUS 2006 80 70 60 50 40 30 20 10 Acidentes <1 ano Idade Acidentes Transporte Agressão 1-4 anos Submersão 5-9 anos Suicídio 10-14 anos M. Transporte Agressão Ignorado 15-19 anos Submersão Suicídio Ignorado < 1 ano 70,23 10,43 5,08 0,00 0,00 14,26 1-4 anos 31,73 28,55 4,80 26,34 0,00 8,58 5-9 anos 18,42 45,89 6,43 22,72 0,00 6,54 10-14 anos 11,59 35,53 19,17 21,99 3,83 7,89 15-19 anos 12,63 22,45 55,00 2,22 4,70 3,00 “Estimativas encontradas na literatura médica indicam que cerca de 10% das crianças levadas a serviços de emergência por trauma são vítimas de maus tratos. Sem ajuda adequada, 5% delas provavelmente morrerão nas mãos dos agressores.” Kipper DJ. Maus-tratos na infância. JCFM, 1999. Repercussões nas Políticas de Saúde Atendimento inadequado Crianças e Adolescentes Alto custo da assistência Agressivos / Violentos Uso de vários serviços Distúrbios de Sono e Atenção Introspectivos / Tímidos / Passivos Distúrbios da sexualidade Depressivos Falta de resolução Seqüelados Mortos Falta de continuidade Constituição Federal de 1988 Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 13/07/1990) Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais. Art. 13 - Os casos de suspeita ou confirmação de maustratos contra a criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar ou Autoridade da respectiva localidade. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 13/07/1990) Art. 245 – O médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche deve comunicar à autoridade competente, sob pena de multa, os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças ou adolescentes. Atendimento Ético Desafio Integrar os conhecimentos médico-científicos e jurídicos à sensibilidade ética e humanitária numa única abordagem. Atendimento Ético Agir no melhor interesse do paciente, de modo intransferível (Beneficência). Prevenir, impedir, minimizar os prejuízos em função do próprio atendimento, evitando causar maior mal à vítima (Não Maleficência). Assegurar ao paciente o direito de participar da escolha das alternativas que possam preservar sua integridade biológica, psíquica, social e espiritual (Autonomia). Autonomia de menor de idade Quem decide? Artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para solução da divergência. Autonomia de menor de idade Quem decide? Art. 1.638 do Código Civil Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. Conflito entre autonomia e benefício/não malefício Atitude dos pais conflita com o melhor interesse da criança Vara da Infância e da Juventude Notificação e Sigilo Profissional Artigo 102 do CEM É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente. O profissional responsável deve ter em mente que há sempre duas ou mais vítimas no abuso perpetrado conta a criança: a própria criança, a pessoa que praticou o ato, outros familiares. É necessário verificar qual a forma de abordagem que melhor se adapta à cada situação a fim de elaborar o plano de trabalho da equipe que participará da intervenção. Pereira, Silva & Campos (1999) Notificação Aspectos éticos Deve visar o benefício e a segurança do paciente. O melhor interesse do menor deve prevalecer. A responsabilidade do médico e da instituição hospitalar existe independente da dos pais. A notificação é necessária como conduta a favor da proteção. É um dever legal, mesmo que só de caso suspeito. Momento oportuno deve ser criteriosamente julgado (equipe multiprofissional). Aconselhável ser feita pelos responsáveis legais da instituição. Envolvimento pessoal só se alternativas acima inviáveis. Denúncia anônima: 181 ou 100. VIOLÊNCIA FÍSICA ou NEGLIGÊNCIA COM LESÕES GRAVES E/OU RISCO DE REVITIMIZAÇÃO SEM LESÕES GRAVES E SEM RISCO DE REVITIMIZAÇÃO Relatório Médico e/ou Relatório Social e/ou Relatório Psicológico INTERNAÇÃO Relatório Médico e/ou Relatório Social e/ou Relatório Psicológico CONSELHO TUTELAR (da região de moradia da criança) ALTA Ofício com Relatórios Médico, Psicológico e Social VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE (da região de moradia da criança) Sem Restauração do Vínculo Familiar DECIDE A GUARDA DA CRIANÇA: • Com parceiro não agressor / família ampliada • Em instituição • Com família substituta • Adoção Seguimento pelo Conselho Tutelar ATENDIMENTO EM SERVIÇO ESPECIALIZADO / PROTEÇÃO Decisão Judicial Com Restauração do Vínculo Familiar Sentimentos • degradação • humilhação • vergonha • culpa VIOLÊNCIA SEXUAL 1º Atendimento: Acolhimento = disponibilidade e paciência Registro em Prontuário • Laudo de Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal • • • • História Exame Físico Tratamento Medicação Evitar • Contato físico desnecessário = interpretação de “revitimização” Examinar com acompanhante • Consentimento informado • Sedação ou anestesia, se necessário Crianças • com medo • confusas • assustadas • traídas Profilaxia • gravidez • DST/AIDS Informar • Direitos • Seguimento futuro DST/AIDS saúde psicossexual saúde reprodutiva estresse pós-trauma VIOLÊNCIA SEXUAL COM LESÕES GRAVES E/OU RISCO DE REVITIMIZAÇÃO SEM LESÕES GRAVES E SEM RISCO DE REVITIMIZAÇÃO DELEGACIA DE POLÍCIA (preferência as da mulher) Relatório Médico e/ou Relatório Social e/ou Relatório Psicológico Relatório Médico e/ou Relatório Social e/ou Relatório Psicológico IML INTERNAÇÃO Ofício com Relatórios Médico, Psicológico e Social ALTA CONSELHO TUTELAR (da região de moradia da criança) VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE (da região de moradia da criança) Sem Restauração do Vínculo Familiar DECIDE A GUARDA DA CRIANÇA: • Com parceiro não agressor / família ampliada • Em instituição • Com família substituta • Adoção Seguimento pelo Conselho Tutelar ATENDIMENTO EM SERVIÇO ESPECIALIZADO / PROTEÇÃO Decisão Judicial Com Restauração do Vínculo Familiar PREVENÇÃO Identificar Indicadores de Risco no Atendimento Pré-natal Gravidez indesejada Ocultação de gravidez Tentativa de aborto Desejo de dar o filho Responsável único sem suporte emocional ou financeiro mínimo Desajustes sérios entre os genitores, conflitos familiares História de doença mental ou distúrbios emocionais Drogadização (inclui alcoolismo) Antecedentes de comportamentos violentos História pessoal de vitimização PREVENÇÃO Identificar Indicadores de Risco no Atendimento Perinatal e Puerperal Depressão, raiva, apatia (diferente de depressão pós-parto) Comentários depreciativos do bebê Frieza e distanciamento do bebê Recusa em segurar, alimentar ou acariciar o bebê Repulsa pelas secreções e excrementos Aleitamento com indiferença ou recusa no amamentar Desinteresse pelas orientações Falta de visitas ao recém-nascido hospitalizado PREVENÇÃO Identificar indicadores de Risco Social Famílias desestruturadas, como as uniparentais sem apoio de outros familiares Fatores econômicos que afetam o bem estar emocional e o relacionamento parental Maior número de filhos Baixo nível educacional de um ou ambos os genitores Crianças com deficiências Crianças com com comportamento difícil para os pais controlarem Crianças que foram expostas às drogas na vida intra-uterina (relação com delinquência/criminalidade juvenil) PREVENÇÃO Inclusão Social Melhorar o bem estar econômico das famílias, especialmente as numerosas, através da profissionalização dos adultos e adolescentes e da sua capacitação para funções mais bem remuneradas; Melhorar as condições da moradia, possibilitando hábitos saudáveis; Reduzir o encargo do cuidado das crianças, por meio de creches e escolas que as abriguem enquanto os pais trabalham, onde também são desenvolvidos programas de treinamento nos cuidados às crianças para os genitores. Reduzir o isolamento social e aumentar a disponibilidade de recursos e serviços da comunidade, especialmente para as famílias onde há uma criança com necessidades especiais. Orientar precocemente todos os responsáveis sobre as características das fases do desenvolvimento infantil, suas necessidades e a importância de seu papel no desenvolvimento físico e emocional da criança e do adolescente. Prevenir a gravidez indesejada, através de orientações e disponibilização de meios de planejamento familiar e contraceptivos. PREVENÇÃO Necessidades Implementar programas de sustentação, aconselhamento e treinamento no cuidado às crianças para famílias de risco, antes que seus problemas alcancem um estágio crítico. Rede de serviços bem integrada na comunidade local. Sociedade Assistência à Saúde Justiça da Infância e Juventude Assistência Social Assistência Psicológica Comunidade Família Vítima Conselhos Tutelares Assistência Policial Assistência Educacional Mídia e ONGs “Perdoem-me os pais que se queixam de que os filhos são um fardo, de que faltam tempo, dinheiro, paciência. Receio que o fardo, o obstáculo e o estorvo a um crescimento saudável dos filhos sejam eles.” Lya Luft. A volta da família careta. Veja, ed. 2011, ano 40, nº 22, 06/07/2007, pg 6.