As Comunidades Terapêuticas e o Tratamento da Dependência Química GEORGE DE LEON Ph.D. Apresentado na Universidade Federal de São Paulo. 11 de dezembro de 2010 1 Comunidade terapêutica (CT): abordagem voltada para a recuperação Surgiu dos próprios usuários de substâncias. As CTs atendem dependentes quimicos em estado mais grave; severidade da dependencia de substâncias, disfunção psicológica e desvio social. As CTs tratam do distúrbio da pessoa como um todo e concentram-se em metas de recuperação: mudanças no estilo de vida e na identidade. 2 PLANO PARTE 1: PERSPECTIVA, ABORDAGEM E MODELO DA CT: ELEMENTOS E COMPONENTES ESSENCIAIS PARTE 2: CT PARA POPULAÇÕES ESPECIAIS: MODIFICAÇÕES E ADAPTAÇÕES PARTE 3: CT COMO TRATAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS: RESUMO DA PESQUISA DE AVALIAÇÃO 3 PARTE 1 A perspectiva da comunidade terapêutica Quatro visões inter-relacionadas Visão do Transtorno por Uso de Substâncias O abuso de drogas é um distúrbio da pessoa como um todo, envolvendo algumas ou todas as áreas de funcionamento. • Problemas cognitivos, comportamentais, emocionais, médicos, sociais e espirituais • A dependência física deve ser vista no contexto do estado psicológico e do estilo de vida da pessoa • O problema é a pessoa, não a droga 4 A perspectiva da comunidade terapêutica Visão da pessoa Ao invés de padrões de uso de drogas, as pessoas são diferenciadas de acordo com as dimensões da disfunção psicológica e dos déficits sociais. Algumas características comuns: • • • • • • • • • • Baixa tolerância a frustração, desconforto, demora de gratificações Baixa autoestima Problemas com autoridade Problemas com responsabilidade Pouco controle dos impulsos Irrealistas Dificuldade em lidar com os sentimentos Desonestidade, manipulação, autoengano Culpa (si mesmo, os outros, a comunidade) Déficits (leitura, escrita, atenção, comunicação) 5 A perspectiva da comunidade terapêutica Visão da recuperação As metas do tratamento são mudanças globais no estilo de vida e na identidade. Alguns pressupostos sobre a recuperação: • Recuperação é desenvolvimento da aprendizagem • Autoajuda e autoajuda mútua • Motivação • Aprendizagem social • O tratamento é um episódio no processo de recuperação 6 A perspectiva da comunidade terapêutica Visão da vida regrada Alguns preceitos, crenças e valores como essenciais para a recuperação de autoajuda, crescimento pessoal e vida saudável. Alguns exemplos: • Verdade/honestidade (em palavras e ações) • Aqui e agora (viver no presente) • Responsabilidade pessoal com a recuperação e o estilo de vida • Responsabilidade social (“Protetor de irmãos/irmãs”) • Ética de trabalho (independência econômica, padrões de excelência) • Código moral de comportamentos certos e errados • O interior da pessoa é “bom”, mas o comportamento pode ser “ruim” 7 A abordagem da CT: comunidade como método O uso intencional da comunidade para ensinar as pessoas a usar a comunidade para mudar. 8 Comunidade como método Quatro componentes inter-relacionados Comunidade é o contexto das relações entre pares e funcionários e a rotina diária de atividades. A comunidade define as expectativas para a participação individual. A comunidade avalia o progresso individual em satisfazer essas expectativas. A comunidade responde à medida que as pessoas satisfazem às expectativas. 9 A comunidade, o indivíduo e o processo de mudança As pessoas usam o contexto e as expectativas da comunidade para aprender e mudar. Atender às expectativas da comunidade exige mudança constante de comportamentos, atitudes e controle emocional. Evitar corresponder ou ter dificuldade em corresponder às expectativas da comunidade também resulta em crescimento individual por meio de autoavaliação constante, motivação renovada para aprender com tentativa e erro e renovação do compromisso com o processo de mudança. 10 A comunidade, o indivíduo e o processo de mudança Assim, na tentativa de atender às expectativas da comunidade quanto à participação, os residentes buscam suas metas individuais de socialização e crescimento psicológico. Esse processo é resumido na frase: se você participar, você vai mudar. 11 Modelo de programa de CT Componentes genéricos • • • • • • • • • • • • • Isolamento da comunidade Ambiente da comunidade Atividades da comunidade Papéis e funções dos funcionários Pares como exemplos Um dia estruturado Trabalho como educação e terapia Formato de fases Grupos de encontro de pares Conceitos da CT de “recuperação e vida regrada” Duração planejada do tratamento Continuidade dos cuidados Capacitação para conscientização e crescimento emocional 12 Parte 2: CT: POPULAÇÕES ESPECIAIS A ABORDAGEM E O MODELO DA CT TÊM SIDO ADAPTADOS E MODIFICADOS PARA VÁRIAS POPULAÇÕES. 13 Variantes de CTs Ampliação do programa orientado pela perspectiva e abordagem das CTs (a comunidade como método) CTs padrão: guiadas por perspectiva e método, mas podem incorporar outras práticas baseadas em evidências para melhorar a comunidade como método. CTs modificadas: guiadas pela perspectiva e método das CTs, mas adaptadas para populações e ambientes especiais. Incorporam serviços especiais (por exemplo, saúde mental, medicação, entre outros serviços de saúde). Orientadas pela CT: não são guiadas pela perspectiva da CT ou da comunidade como método. Usam elementos selecionados da CT (ex.: encontro da comunidade, grupo de apoio de pares, etc.), mas os principais serviços e práticas não são específicos da CT. 14 Atuais modificações do modelo da CT Tratamento • • • • • • Componentes dos doze passos Serviços de saúde mental Outras práticas baseadas em evidências (CBT, MET, RPT, DBT) Contrato de contingência Farmacoterapia Terapias familiares Serviços sociais e de saúde • • • • Abordagens de serviços familiares Cuidados primários de saúde e serviços médicos Serviços pós-tratamento Profissionais, educacionais, de moradia 15 Aplicações atuais para populações e ambientes especiais Populações especiais • Pacientes adolescentes e da Justiça da Infância e Juventude • Mães e filhos viciados • Usuários de substâncias presos • Usuários de substâncias com doenças mentais • Pacientes com Aids e soropositivos • Usuários de substâncias idosos • Pacientes mantidos com metadona Ambientes especiais • Prisões, cadeias, unidades correcionais comunitárias • Hospitais, clínicas-dia, clínicas de metadona • Abrigos para sem-teto, casas do meio do caminho, escolas alternativas 16 Resumo geral das modificações da CT Práticas e elementos do programa para populações e ambientes especiais: As metas do tratamento, a duração prevista do tratamento, a flexibilidade da estrutura do programa e a intensidade das interações entre pares, todos esses aspectos se adéquam de acordo com as diferenças individuais. A implementação bem-sucedida dos modelos do programa da CT em situações especiais exige a adaptação a metas, procedimentos, pessoal, práticas gerais e restrições desses ambientes. Os serviços e as intervenções especiais são integrados no programa como complementares ao tratamento primário da CT (comunidade como método). 17 Diretrizes gerais de adaptações da CT Aderir à perspectiva de recuperação e vida regrada e à abordagem fundamental — comunidade como método. Conservar os componentes básicos do modelo genérico, incluindo sua organização social, estrutura de trabalho, programação diária de reuniões, grupos, seminários e atividades recreativas e fases do programa. Integrar conceitualmente a variedade de pessoal na perspectiva e na abordagem da CT por meio de treinamento intensivo, contínuo e cruzado. 18 CT modificada: comorbidade (ilustração) Questões clínicas As necessidades especiais dos usuários de substâncias químicas com graves problemas mentais concentram-se nos temas dos sintomas da doença mental: Fragilidade a interações sociais intensas Nível geral de disfunção social Menos tolerância a esquemas estruturados Propensão à reclusão social Necessidade de utilização adequada dos serviços de saúde mental. 19 CT modificada: comorbidade (ilustração) Resumo das adaptações e modificações As questões clínicas e as metas de tratamento dos pacientes com comorbidade moldam as principais modificações. Importante atenção às diferenças individuais é evidenciada na psicoterapia individual, no gerenciamento de casos e nas atividades de treinamento de habilidades. Mais flexibilidade na rotina diária de atividades e no formato de fases, uma estrutura de trabalho que demanda menos. Uso rotineiro de medicamentos psicotrópicos padrão. 20 CT modificada: comorbidade (cont.) Resumo das adaptações e modificações Intensidade moderada do processo de grupo. Maior foco em questões de saúde mental. Maior utilização de formatos psicoeducacionais. Treinamento cruzado intensivo de pessoal e acomodação às características institucionais. Metas apropriadas para diagnóstico psiquiátrico de comorbidades 21 CT modificada: Pacientes da Justiça Criminal (ilustração) Questões clínicas Foco das necessidades especiais em temas de desvio criminoso + abuso de substâncias; mente criminosa Baixa motivação intrínseca para mudar Motivos não relacionados à recuperação para a procura de tratamento Necessidades e planos pós-soltura Diferenças de estilo de vida criminal 22 CT modificada: Justiça Criminal (cont.) Metas do tratamento Iniciar mudanças no estilo de vida e na identidade Focar na mudança da mente criminosa. Reforçar a motivação intrínseca para mudar (versus motivação extrínseca). Manter compromisso com os cuidados depois da soltura. Focar na reinserção voltada para a recuperação. 23 CT modificada: Pacientes da Justiça Criminal (cont.) Resumo das principais adaptações: (CTs em estabelecimentos correcionais, por exemplo, foco em segurança, meta da liberação antecipada, espaço físico e social limitado, cultura da própria prisão/cadeia) Programas segregados: envolvimento limitado com a população carcerária geral. Todo o pessoal com treinamento cruzado na teoria e implementação do programa da CT (saúde mental e correcional, administradores, conselheiros da CT, assistentes sociais, etc.) Modelos de cuidados depois da soltura para uma reinserção voltada à recuperação (exemplo: Sistema Integrado Voltado para a Recuperação - ROIs) 24 Parte 3 CT: Abordagem baseada em evidências A CT é uma abordagem de tratamento eficaz e com boa relação custo-benefício? O que dizem as evidências de múltiplas fontes de pesquisa. (Estudos de eficácia; estudos comparativos controlados; estudos de custo-benefício e pesquisas de métodos diferentes da CT) 25 Evidências: Estudos de eficácia em campo O mais extenso corpo de pesquisa: mais de 5 mil pessoas acompanhadas de 1 a 12 anos após o tratamento. (Estudos norte-americanos) Estudos realizados por diferentes equipes de pesquisa, em épocas diferentes (1969-2000). Os estudos avaliaram múltiplas variáveis de resultado com instrumentos, acompanhamento e metodologia estatística similares. Os resultados são surpreendentemente semelhantes, apresentando conclusões “legais” com relação a perfis, efeitos e retenção. 26 Estudos de eficácia em campo Principais perguntas e conclusões Quem se apresenta para tratamento? Os perfis de admissão são os mais graves em relação a outras modalidades. Quais são os resultados? As mudanças sociais e psicológicas ocorrem durante e após o tratamento. Os resultados têm relação com a “dose” de tratamento? O tempo passado em tratamento pressupõe resultados positivos de forma consistente. 27 Retenção e resultados Success rates in a therapeutic community by months in treatment 100 90 80 Percent 70 60 1970-71 Cohort 2 Cumulative years post-treatment 50 40 30 1974 Cohort 2 Cumulative years post-treatment 20 10 0 N=18 N=10 N=23 N=32 N=16 N=35 N=33 <1 1-4 5-8 9-12 13-16 17+ Grad. N=13 N=10 N=14 N=13 N=11 N=30 N=16 28 RESULTADOS COMPORTAMENTAIS E PSICOLÓGICOS: 5 ANOS APÓS TRATAMENTO EM CT DEPENDENTES MASCULINOS DE OPIÁCEOS DESISTENTES (N=110) 29 Eficácia em campo: três modalidades Os estudos sobre os resultados em campo estabeleceram que as comparações não poderiam ser feitas entre as três modalidades principais (CTs, manutenção com metadona, tratamento ambulatorial). Cada uma delas estava atendendo a pacientes diferentes. No entanto, para os pacientes em estado mais grave, a CT é o tratamento de escolha para produzir resultados positivos. 30 Evidências de estudos controlados Há um número menor de estudos controlados. Vários deles são ensaios clínicos randomizados controlados. Outros são ensaios clínicos com viés mínimo (por exemplo, designação sequencial). Vários estudos são de CTs modificadas para populações especiais em ambientes especiais (por exemplo, comorbidades; CTs em prisões). Os resultados respaldam a conclusão de que as CTs são eficazes em termos comparativos. 31 CTs modificadas para populações especiais PRINCIPAIS RESULTADOS e conclusões Fornecem bom custo-benefício em comparação com as abordagens tradicionais em ambientes correcionais, centros de saúde mental, abrigos. As melhoras ocorrem tanto no aspecto comportamental (uso de drogas, criminalidade e emprego) quanto na situação da saúde mental (por exemplo, sintomas, reinternação, adesão aos medicamentos, cuidados com a saúde). 32 Evidências de estudos de custo-benefício As relações de custo-benefício variam entre US$ 4:1 e US$ 13:1 em estudos que incluem comorbidades e populações da Justiça Criminal. Os estudos respaldam a conclusão de que o tratamento em CTs proporciona benefícios significativos de custo para a sociedade, em especial no que diz respeito a problemas mentais, saúde, emprego e criminalidade. “Benefícios colaterais” (ainda não estimados).De recuperações em CTs, por exemplo, na saúde da família, proteção dos filhos e efeitos da prevenção indireta. 33 Evidências indiretas Princípios baseados em evidências nas CTs Embora as CTs tenham surgido fora das ciências sociais e dos tratamentos de saúde mental tradicionais, princípios familiares, sociais e psicológicos são evidentes. Princípios da aprendizagem baseada em evidências nas CTs: • treinamento em papéis sociais, • aprendizagem vicária, • modificação do comportamento Esses são naturalisticamente mediados pela comunidade como método. 34 Evidências indiretas (práticas e elementos da CT apoiados por pesquisas fora da CT) Aconselhamento de pares; pares como exemplos, monitoramento Conceitos de CBT, RPT, CT: tópicos em seminários de pares/funcionários “Aliança terapêutica”: a relação do indivíduo com a comunidade e não com um terapeuta específico: Aprimoramento motivacional: o processo de grupo foca na identificação do problema e no desejo de mudar: exemplos de vida que ilustram a motivação em atitudes e comportamentos. Realização de metas: as etapas e fases do programa da CT 35 Conclusão: A CT é um tratamento baseado em evidências O “peso” das evidências de pesquisas de todas as fontes respalda a conclusão de que a CT é um tratamento eficaz e com boa relação custo-benefício para determinados subgrupos de usuários de substâncias, particularmente aqueles com graves problemas sociais, psicológicos e de uso de drogas. Princípios e práticas sociais e psicológicos baseados em evidências estão incorporados na comunidade como método. (Evidências indiretas) Outras estratégias baseadas em evidências podem ser incorporadas para melhorar, não substituir, a comunidade como método, a principal abordagem. 36 A CT: UMA EXPERIÊNCIA EM EVOLUÇÃO A CT PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA TEM ORIGEM EM PROTÓTIPOS HISTÓRICOS ENCONTRADOS EM TODAS AS FORMAS DE CURA COMUNITÁRIA. INEVITAVELMENTE, ESSAS COMUNIDADES ALTERNATIVAS DESAPARECEM; ELAS SE DISSOLVEM PELA IRRELEVÂNCIA, TRANSFORMAM-SE POR COOPTAÇÃO OU SE DILUEM POR ASSIMILAÇÃO NAS PRÁTICAS TRADICIONAIS. 37 A CT: UMA EXPERIÊNCIA EM EVOLUÇÃO A CT CONTEMPORÂNEA PODE TRANSCENDER O DESTINO DE SEUS PROTÓTIPOS HISTÓRICOS. A CT É UMA FORMA COMUNITÁRIA HÍBRIDA: NASCIDA DA UNIÃO DE AUTOAJUDA E APOIO PÚBLICO. O DESAFIO MANTER A CURA VITAL E OS INGREDIENTES DE ENSINAMENTO DAS COMUNIDADES DE AUTOAJUDA, AGORA RECONFIGURADOS EM UMA METODOLOGIA SOCIAL E PSICOLÓGICA SISTEMÁTICA PARA TRANSFORMAR VIDAS. 38 Referências sugeridas Livros e capítulos • De Leon, G. (2000). A Comunidade Terapeutica : Teoria, Modelo e Método. São Paulo: Edições Loyola , 2009 3ª edição. The Therapeutic Community: Theory, Model, and Method. Nova York: Springer Publishing Company. Nova York. E A Comunidade Terapêutica: Teoria, Modelo e Método. São Paulo: Edições Loyola, 2003. (Inglês e português) • De Leon, G. (org.) (1997). Community as Method: Therapeutic Communities for special populations and special settings [Comunidade como Método: Comunidades Terapêuticas para Populações e Ambientes Especiais]. Westport, Connecticut: Greenwood Publishing Group, Inc. • De Leon, G. (2004). Therapeutic communities [Comunidades Terapêuticas]. Em M. Galanter, & H.D. Kleber (orgs.), The American Psychiatric Publishing textbook of substance abuse [Manual de Abuso de Substâncias da American Psychiatric Publishing] (3a edição, pp. 485-501). Washington, DC: 39 American Psychiatric Publishing, Inc. Referências sugeridas Vídeos • Stages of Recovery [Etapas da Recuperação] (2005). Centro de Pesquisa de Criminalidade e Drogadição (CCARTA) da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD). • The Therapeutic Community [A Comunidade Terapêutica]: (2005) Volume 1 The Therapeutic Community Perspective; The Therapeutic Community Training Series. Fundação Amity Psycotherapy.net. • The Therapeutic Community [A Comunidade Terapêutica]: (2005) Volume 2. Community as Method; The Therapeutic Community Training Series. Fundação Amity. Psychotherapy.net • The Therapeutic Community [A Comunidade Terapêutica]: (2005) Volume 3 Components of a Generic Therapeutic Community. The Therapeutic Community Training Series. Fundação Amity.Psychotherapy.net 40