Aula 10
Introdução à Filosofia: Ética
FIL028
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Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Uma outra linha argumentativa para a problemática lançada pelo
estado de natureza:
• É irrelevante responder sobre como exatamente sair do estado de
natureza. O projeto de Hobbes se proporia, assim, tão-somente a
mostrar em que sentido o Estado e as regras da moralidade são
legitimados a partir de uma perspectiva de seres morais e sociais—
ou seja, de seres que não vivem no estado de natureza. Portanto, a
estratégia argumentativa de Hobbes teria apenas o propósito de
mostrar que nenhum de nós escolheria, racionalmente, abandonar
as regras da moralidade e da constituição da sociedade para
retornar ao estado de natureza.
• Talvez seja impossível sair do estado de natureza e este mesmo fato
servir como uma razão para preferirmos viver e preservar a
sociedade e sua regras, a dimensão social de nossas vidas.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Direito de natureza, lei da natureza e a restrição da
liberdade:
• Assim, o direito a sua própria preservação é algo do
que ninguém abdica (ou deve abdicar?).
• Mas posso abdicar de meu direito a fazer uso de
quaisquer meios para garantir a minha preservação e
de meu direito irrestrito a qualquer coisa.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Direito de natureza, lei da natureza e a restrição da
liberdade:
• “A estes ditames da razão os homens costumam dar o nome
de leis, mas impropriamente. Pois eles são apenas conclusões
ou teoremas relativos ao que contribui para a conservação e
defesa de cada um. Ao passo que a lei, em sentido próprio, é
a palavra daquele que tem direito de mando sobre outros.”
(Hobbes, Leviatã, p.95)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O que é uma lei da natureza?
“Uma lei de natureza (lex naturalis) é um preceito ou
regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual
se proíbe a um homem fazer tudo o que possa
destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários
para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder
contribuir melhor para preservá-la.” (p.78)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Direito de natureza, lei da natureza e a restrição da liberdade:
• Projeto geral de Hobbes: como derivar (aquilo que ele chama de) as ‘leis
da natureza’ do direito de natureza.
• “Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as
coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que
seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza
permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra
geral da razão, que todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em
que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e
usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra
encerra a lei primeira e fundamental de natureza, isto é, procurara paz, e
segui-la. A segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por
todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos.” (Hobbes,
Leviatã, p.78)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Direito de natureza, lei da natureza e a restrição da liberdade:
• Hobbes elabora vinte leis da natureza. E diz:
“(…) a ciência dessas leis é a verdadeira e única filosofia moral. Porque a
filosofia moral não é mais do que a ciência do que é bom e mau, na
conservação e na sociedade humana. (…) Portanto enquanto os homens
se encontram na condição de simples natureza (que é uma condição de
guerra) o apetite pessoal é a medida do bem e do mal. Por conseguinte
todos os homens concordam que a paz é uma boa coisa, e portanto que
também são bons o caminho ou meios da paz, os quais (conforme acima
mostrei) são a justiça, a gratidão, a modéstia, a eqüidade, a misericórdia e
as restantes leis de natureza; quer dizer, as virtudes morais; e que seus
vícios contrários são maus.” (Hobbes, Leviatã, p.94-95)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Direito de natureza, lei da natureza e a restrição da
liberdade:
• Primeira lei da natureza: buscar paz e segui-la.
• Segunda lei da natureza: mostra como realizar a primeira
lei da natureza: renunciar à liberdade total.
“Que um homem concorde, quando outros também o
façam, e na medida em que tal considere necessário para a
paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito
a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros
homens, com a mesma liberdade que aos outros homens
permite em relação a si mesmo.” (Hobbes, Leviatã, p.79)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Direito de natureza, lei da natureza e a restrição da
liberdade:
• Podemos, então, resumir a primeira e a segunda leis da
natureza da seguinte maneira: deve-se abdicar de tanta
liberdade quanto for necessário para se obter a paz.
• É neste sentido que a entrada em relação de contrato com
outros indivíduos e o estabelecimento do Estado significa,
para Hobbes, uma abdicação (ou abandono) de direitos.
Indivíduos abdicam do seu direito natural ilimitado de (agir
através de quaisquer meios para a) preservação das suas vidas
a fim de que a constituição da sociedade garanta a sua
preservação e a paz.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Objeção do Tolo:
•
Terceira lei da natureza: que os homens cumpram os pactos que celebrarem.
•
Objeção: o tolo (“fool” ou “Foole”):
“Os tolos dizem em seu foro íntimo que a justiça é coisa que não existe (...) alegando
com toda a seriedade que, estando a conservação e a satisfação de cada homem
entregue a seu próprio cuidado, não pode haver razão para que cada um deixe de fazer
o que supõe conduzir a esse fim, e também, portanto, que fazer ou deixar de fazer,
cumprir ou deixar de cumprir os pactos não é contra a razão, nos casos em que
contribui para o beneficio próprio. Com isso eles não pretendem negar que existem
pactos, e que umas vezes eles são desrespeitados e outras são cumpridos, e que seu
desrespeito pode ser chamado injustiça, e sua observância justiça. Mas perguntam se a
justiça, pondo de lado o temor a Deus (porque os mesmos tolos disseram em seu foro
íntimo que Deus não existe), não poderá às vezes concordar com aquela mesma razão
que dita a cada um seu próprio bem, sobretudo quando ela produz um benefício capaz
de colocar um homem numa situação que lhe permita desprezar, não apenas os ultrajes
e censuras, mas também o poder dos outros homens.” (Hobbes, Leviatã, p.86-87)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Objeção do Tolo:
• A objeção do Tolo: no caso de promessas, pactos e contratos
em que um lado tem que cumprir a sua parte primeiro e
confiar que o outro lado irá posteriormente cumprir a sua
parte, por que não é racional (já que é, à primeira vista, do
interesse próprio) não realizar a segunda parte, tendo já se
beneficiado da primeira? Por que não é racional ser alguém
que rompe um pacto quando a outra pessoa já fez a sua
parte?
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Resposta de Hobbes ao tolo:
“Porque não pode tratar-se de promessas mútuas quando de ambos os lados não
há garantia de cumprimento, como quando não há um poder civil estabelecido
acima dos autores das promessas. Porque essas promessas não são pactos. Mas
tanto quando um dos lados já cumpriu a sua parte, tanto quando há um poder
capaz de o obrigar a cumprir, põe-se o problema de saber se é contra a razão, isto
é, contra o beneficio do outro, cumprir a sua parte, ou se o não é. E eu afirmo que
não é contra a razão. Para prová-lo, há várias coisas a considerar. Em primeiro
lugar, quando alguém pratica uma ação que, na medida em que é possível prever e
calcular, tende para sua própria destruição, mesmo que algum acidente
inesperado venha a torná-la benéfica para ele, tais acontecimentos não a
transformam numa ação razoável ou judiciosa. Em segundo lugar, numa condição
de guerra, em que cada homem é inimigo de cada homem, por falta de um poder
comum que os mantenha a todos em respeito, ninguém pode esperar ser capaz de
defender-se da destruição só com sua própria força ou inteligência, sem o auxílio
de aliados, em alianças das quais cada um espera a mesma defesa. Portanto quem
declarar que considera razoável enganar aos que o ajudam não pode
razoavelmente esperar outros meios de salvação senão os que dependem de seu
próprio poder. Portanto quem quebra seu pacto, e ao mesmo tempo declara que
pode fazê-lo de acordo com a razão, não pode ser aceite por qualquer sociedade
que se constitua em vista da paz e da defesa, a não ser devido a um erro dos que o
aceitam.” (Hobbes, Leviatã, p.87-88)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
• Hobbes parece sugerir que o tolo avalia equivocadamente aquilo que é
racional fazer: a sua tática só pode ser bem sucedida por sorte.
• Além disso, Hobbes parece sugerir que ela não poderia ser bem sucedida
sucessivamente: a sua reputação como alguém que não cumpre
promessas, respeita contratos e pactos o tornaria um inimigo da
sociedade.
• Resumo da resposta de Hobbes: ainda que inicialmente pareça ser
racional não cumprir sua parte em pactos (ou seja, não cooperar para se
beneficiar), sob reflexão a melhor estratégia é cooperar e cumprir com a
sua palavra.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
• Mas esta é uma boa resposta?
• Ela é certamente uma resposta cuja base é empírica.
• Mas, então, o que dizer de todos os criminosos que passam uma
vida inteira incólume e usufruindo dos resultados de seus crimes?
Temos razões para acreditar que estes existem?
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• O Soberano é, em primeiro lugar, quem garante que a outra parte em um
pacto será cumprida.
• Na medida em que o Soberano existe e governa, não há mais por que
temer que a outra parte não cumpra com a sua obrigação em um pacto.
• Se não há mais o que temer com relação aos demais e se eu sei que serei
punido se não cooperar, então é mais vantajoso cooperar.
• Portanto, devo observar as regras da moralidade (as leis da natureza) e
obedecer aos ditames do Soberano.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
“Ora, como os pactos de confiança mútua são inválidos sempre que de
qualquer dos lados existe receio de não cumprimento (conforme se disse
no capítulo anterior), embora a origem da justiça seja a celebração dos
pactos, não pode haver realmente injustiça antes de ser removida a causa
desse medo; o que não pode ser feito enquanto os homens se encontram
na condição natural de guerra. Portanto, para que as palavras "justo" e
"injusto" possam ter lugar, é necessária alguma espécie de poder
coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento de
seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao
beneficio que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de
fortalecer aquela propriedade que os homens adquirem por contrato
mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram. E não
pode haver tal poder antes de erigir-se um Estado. (…) Portanto, onde não
há Estado nada pode ser injusto. De modo que a natureza da justiça
consiste no cumprimento dos pactos válidos, mas a validade dos pactos só
começa com a instituição de um poder civil suficiente para obrigar os
homens a cumpri-los, e é também só aí que começa a haver propriedade.”
(Hobbes, Leviatã, XV)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• O poder ao Soberano é conferido (por cada
indivíduo) por transferência do direito de usar de
quaisquer meios para garantir a sua preservação.
Somente o Soberano, que se torna um representante
do cidadão, tem o poder de punir e de garantir a
preservação da vida de cada cidadão.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• Mas por que o Soberano deve ter poder ilimitado?
• O contrato feito entre indivíduos que funda as regras da moralidade e
constitui a sociedade é exatamente o que estabelece a criação do
Soberano.
• Diferentemente das obrigações recíprocas que valem para os indivíduos,
as obrigações dos indivíduos ao Soberano não valem reciprocamente:
através do estabelecimento do Estado e criação do Soberano, o indivíduo
transfere o seu direito de se autogovernar ao Soberano. Mas este não tem
que reciprocamente abdicar de qualquer direito para governar.
• Portanto, o próprio Soberano não entra em relação contratual com
qualquer cidadão.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• Se isso é o caso, então o Soberano não comete atos
injustos (ainda que possa talvez cometer atos
“condenáveis”). O Soberano tem o direito absoluto e
ilimitado de governar, que lhe é conferido por cada
cidadão. Em última instância, ele não parece ter
qualquer obrigação para com os cidadãos.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• Mas a quarta lei da natureza diz:
“(…) quem recebeu benefício de outro homem, por simples
graça, se esforce para que o doador não venha a ter motivo
razoável para arrepender-se de sua boa vontade.” (Hobbes,
Leviatã, p.90)
• O Soberano não teria o dever, portanto, de se esforçar para
garantir que as vidas daqueles que lhes transferiram o direito
de zelar pelas mesmas sejam efetivamente preservadas?
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• O Soberano pode ser chamado de ingrato, de perverso, ser acusado
de cometer iniquidades, etc., caso não respeite aquela quarta lei da
natureza. Mas ele não pode ser chamado de injusto.
• Afinal, não existe outra instância ou poder (superior) que faça valer
a obrigação do Soberano de ser grato aos cidadãos. Ninguém,
exceto talvez um outro Soberano, que seja forte o bastante para
subjugá-lo.
• O Soberano nunca abdica de seu direito de governar e de se autogovernar (pois, se fizesse isto, deixaria de ser Soberano). Ele é
responsável por suas ações, mas ele não responde por elas. As suas
ações não recaem sob o escopo das leis civis.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
“Dada a extensão do poder do soberano, o que o impediria de fazer
qualquer coisa que ele quisesse em nome da proteção pública? Em
particular, o que o impediria de aprovar medidas que fingem ser para a
segurança dos indivíduos, mas que na verdade apenas promovem a
sua própria glória e enriquecimento? Afinal, quem quer que ocupe o
lugar do soberano é simplesmente humano, e sujeito às paixões
irregulares que governam qualquer ser humano em sua busca pela
felicidade. Não apenas isto: como detentor de uma posição que
legitimamente atrai sinais de honra de todos aqueles que são súditos
no Estado, é talvez mais provável que o Soberano se sobrevalorize e
considere erroneamente aquilo que lhe é devido do que o mortal
ordinário.” (Tom Sorell, Hobbes, p.121)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
Possíveis respostas de Hobbes:
• O poder do Soberano existe apenas em proporção ao poder daqueles que
querem reunir suas forças em obediência ao Soberano. O poder do
Soberano termina se os súditos leais morrem ou se tornam incapazes de
manter os pactos que constituem a sociedade.
• Mais importante: o poder do Soberano termina se os súditos deixarem de
lhe ser leais e, ainda que injustamente, transfiram a sua lealdade a
outrem.
• Portanto, o próprio Soberano corre riscos se ele torna a vida de seus
súditos miserável.
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
O Soberano:
• A miséria dos indivíduos pode gerar desobediência civil. Mas ela
pode até mesmo tornar a desobediência aceitável moralmente?
“Quando alguém se encontra privado de alimento e de outras
coisas necessárias a sua vida, e só é capaz de preservar-se através
de um ato contrário à lei, como quando durante uma grande fome
obtém pela força ou pelo roubo o alimento que não consegue com
dinheiro ou pela caridade, ou quando em defesa da própria vida
arranca a espada das mãos de outrem, nesses casos o crime é
totalmente desculpado, pela razão acima apresentada.” (Hobbes,
Leviatã, XXVII)
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Problemas gerais com o contratualismo:
(1) A teoria não parece conseguir explicar o
status moral de seres não-racionais e seres
que não podem cooperar socialmente.
(2) O contrato é real ou hipotético?
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Problemas gerais com o contratualismo:
(1) A teoria não parece conseguir explicar o status moral de seres nãoracionais e seres que não podem cooperar socialmente.
Como animais não-humanos e seres humanos deficientes mentalmente
poderiam ter status moral se eles são incapazes de entrar em relações
contratuais com os demais seres humanos racionais; relações estas que
pressupõem a regra da cooperação com fim a se obter benefícios mútuos?
Se a única justificação para a existência da sociedade e da moralidade é
uma atividade cooperativa entre seus membros que geram benefícios
mútuos, como acomodar aqueles que não podem cooperar—e, portanto,
não tem qualquer benefício a oferecer aos demais?
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Problemas gerais com o contratualismo:
(2) O contrato é real ou hipotético?
O contrato foi realmente feito em algum período longínquo da história
da humanidade? Se sim, então por que nós (contemporâneos) devemos
obedecê-lo (ou seja obedecer aos termos estabelecidos por nossos
antepassados)?
Se, por outro lado, o contrato é hipotético (ou seja, ele não precisa ter
efetivamente existido, mas tão-somente ser concebido como sendo
resultado de um acordo implícito entre seres racionais), por que
devemos seguir um contrato que não existe? O que nos prende a ele?
Hobbes, Contratualismo e O Leviatã
Bibliografia complementar:
Na xerox da FAFICH:
• A IDÉIA DE CONTRATO SOCIAL,
Autor: Rachels, J.
• O LEVITÃ – OS CLÁSSICOS DA POLÍTICA,
Autor: Renato, J.
(Referência correta: Ribeiro, Renato Janine, “Hobbes: O Medo e a
Esperança”)
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