A PREMÊNCIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL/EDUCAÇÃO INCLUSIVA Jane Peruzo Iacono1 RESUMO: A história das pessoas com deficiência é marcada por morte e assistencialismo e só recentemente vem apresentando modificações em relação a seu tratamento/ atendimento, e especialmente quanto à sua inserção e participação social. A defesa do direito à educação das pessoas com deficiência, é atitude muito recente em nossa sociedade e constitui o que denominou-se Educação Especial. Os enfoques sob os quais a Educação Especial – considerada modalidade de educação escolar (LDB nº9394/06) – vem sendo analisada, vão do modelo beneficente-assistencial, médico-terapêutico e hoje, o modelo educativo. Certamente, numa sociedade em que a Educação Especial vem fortemente marcada pela concepção organicista, transita-se o tempo todo pelos três enfoques, principalmente quando vai-se implementá-la como prática social dos homens. Neste sentido, a formação de professores para a Educação Especial, tem sido tema extremamente complexo, na medida em que, a despeito da premência com que se faz necessária, é relegada e protelada, enquanto política pública. Tal formação é hoje requerida na perspectiva da Educação Inclusiva, processo que vem sendo gradativa, mas efetivamente implementado nas escolas regulares das diferentes regiões deste país continental. Para tratar de tão relevante temática, este trabalho aborda a urgência com que se requer a formação de professores para a Educação Especial/ Educação Inclusiva, explicitando as diferenças entre os dois conceitos e justificando o uso de ambos. Trata ainda da formação de professores no Brasil e no Paraná e como vem sendo encaminhada a referida formação. PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; educação especial; educação inclusiva. 1 Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. End: Rua Monjoleiro, 139 – Recanto Tropical. CEP: 85807-300 Tel: (45) 226.3041 e-mail: [email protected] 1 Introdução A história das pessoas com deficiência é marcada por morte e assistencialismo e só recentemente – nos últimos duzentos anos – vem apresentando modificações em relação a seu tratamento/ atendimento e, especialmente, quanto à sua inserção e participação social. Atualmente, há um processo de transição em curso, quanto ao modelo de atendimento educativo a ser implementado com estes alunos. Segundo MANTOAN, (1997, p.145), o primeiro é o modelo integrador, cujo princípio – a integração – pressupõe que a pessoa com necessidades especiais deve ser preparada e educada para ser inserida na escola, na sociedade; sua metáfora é o Sistema de Cascatas com sua grande variedade de programas educativos, nos quais o aluno vai transitando, subindo ou descendo, na medida de suas capacidades. O segundo, e hoje objeto de discussões acaloradas, está o modelo inclusivo, cujo princípio – a inclusão – pressupõe que a pessoa com deficiência deve ser aceita, acolhida como ela é – com seus déficits e potencialidades – pela escola, pela sociedade e que estas é que devem adaptar-se a ela, ao contrário do que preceituava a integração; sua metáfora é o caleidoscópio, instrumento multiforme e multicor que para funcionar adequadamente, deve ser composto de uma ampla variedade de formas e cores; a analogia com a inclusão dá-se ao se relacionar as variadas formas e cores, às diferentes necessidades especiais, às diferentes deficiências, que se conviverem juntas, poderão enriquecer sempre e reciprocamente os grupos sociais – dentre eles as salas de aula – a que pertencerem. A despeito da visão romântica e idealista que permeia os referidos enfoques – integração e inclusão – o fato é que o processo de “educação inclusiva” vem sendo gradativa e cada vez mais efetivamente implementado, fundamentado numa legislação bastante ampla, que por sua vez leva à legitimação de uma política de educação inclusiva preocupante, do ponto de vista das condições – especialmente materiais – necessárias à sua implementação. Seu grande objetivo é a democratização da educação a todas as pessoas, especialmente àquelas que apresentam necessidades educacionais especiais, tanto no tocante à quantidade de vagas disponíveis, como à qualidade do trabalho pedagógico oferecido. Para que este processo de democratização possa ser efetivado, um dos aspectos fundamentais a ser analisado é a formação de professores para a Educação Especial / 2 Educação Inclusiva, hoje um dos maiores desafios postos aos sistemas de ensino e ainda não devidamente percebido e assimilado pelas Universidades e instituições formadoras, que necessitam sem mais tardar, constatar que: a integração / inclusão da criança com NEE - necessidades educacionais especiais – seja bem sucedida, a escola regular deve dispor de recursos humanos e materiais necessários para uma boa prestação de serviços. Neste sentido, há um conjunto de pressupostos a ter em conta, sem os quais a integração / inclusão pode não passar de um processo de “lançamento” da criança com necessidades educacionais especiais nas classes regulares, vindo estas a transformar-se em meros “depósitos” onde essa mesma criança se sentirá frustrada, acadêmica e pessoalmente (Correia, 1997, p.161). Inicialmente abordaremos a questão da formação de professores no Brasil, de forma geral, depois falaremos sobre essa formação dirigida à Educação Especial/Educação Inclusiva, explicitando as diferenças entre os dois conceitos e justificando o uso de ambos neste trabalho; a seguir faremos um breve relato sobre a história da formação de professores no Brasil e no Paraná e, finalmente, abordaremos a questão dessa formação hoje, a partir principalmente, do documento do MEC (2002), intitulado “A Formação do Professor para a Educação Especial”, que trata das Diretrizes Nacionais para a formação de professores para esta modalidade educacional e brevemente discutiremos a minuta da Deliberação de Educação Especial, divulgada pelo CEE (Conselho Estadual de Educação) para ser discutida - inclusive com sugestão de modificações - numa audiência pública que ocorreu nos dias 24 e 25 de abril de 2003, em Curitiba-PR. Formação de Professores para a Educação Especial/Educação Inclusiva Dada a complexidade do tema Formação de Professores para a Educação Especial/Educação Inclusiva, pela abrangência que o caracteriza e às inúmeras dúvidas quanto às definições de conceitos nesta modalidade educacional prevista na LDB n 9394/96 – a educação especial – inicialmente faz-se necessário diferenciar os conceitos de Educação Especial e Educação Inclusiva. O Parecer nº 17/2001, da CEB/CNE – Câmara de Educação Básica/Conselho Nacional de Educação, ao explicitar o termo Educação Especial, afirma: Tradicionalmente, a educação especial tem sido concebida como destinada apenas ao atendimento de alunos que apresentam deficiências (mental, visual, 3 auditiva, física/motora e múltiplas); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superdotação. Hoje, com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais afirmase o compromisso com uma nova abordagem que tem como novo horizonte a Inclusão. Dentro dessa visão, a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares. Cumpre explicitar que os dois conceitos – Educação Especial e Educação Inclusiva – se inter-relacionam e que um não exclui o outro, pois ao tratar da educação especial, tem-se como objetivo maior a inclusão, e ao falar em educação inclusiva para um determinado aluno, significa que ele, naquele momento, por apresentar uma necessidade educacional especial, está sendo objeto da educação especial. No entanto, se a temática deste artigo fizesse referência apenas à formação de professores para a educação especial, poderia haver uma compreensão restrita do conceito, sem levar em conta o processo de inserção/inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino regular, ou seja, seria uma compreensão limitadora do mesmo (poderse-ia pensar que este professor só poderia atuar em programas educativos desvinculados do ensino regular, o que não é verdade). Por outro lado, ao tratar da formação de professores para a educação inclusiva, deve-se levar em conta que não é só para atender alunos com necessidades educacionais especiais “incluídos no ensino regular” (em qualquer nível de ensino), que haverá esta formação, mas também para os professores daqueles alunos que freqüentam escolas especiais como as APAEs – Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais e institutos Pestalozzi, pois as perspectivas de seu atendimento devem apontar sempre para uma possível inclusão na escola regular, mesmo que seu comprometimento seja tão acentuado que ele ainda precise freqüentar ambientes educacionais mais restritos. Por outro lado ainda, é importante ressaltar que a freqüência deste aluno em escolas especiais pode ser considerada também uma forma de inclusão, já que ele está convivendo com um grupo maior de pessoas, que não apenas seus familiares. 4 Portanto, educação inclusiva tem um significado abrangente, de uma educação para todos e efetivada em todos os locus educativos, embora deva ser realizada, sempre que possível, nos mesmos espaços em que todos os alunos possam aprender juntos. Cumpre esclarecer ainda que optou-se por usar os dois conceitos no presente trabalho, para demonstrar que ao fazermos referência ora a um, ora a outro, estamos tratando sempre do direito à educação das pessoas com necessidades educacionais especiais, não importa o locus dessa formação, se de forma preferencial na escola regular junto com todos os outros alunos – como acreditamos ser o mais conveniente e como preceituam a Constituição Federal e a LDB atual – se na escola especial (na ainda impossibilidade da inclusão). O que importa é que haja de fato uma política de formação de professores para que possam atuar com essa população de alunos, de forma a contribuir para a universalização de seu atendimento. História da Formação de Professores em Educação Especial - Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil A história da formação de professores para a Educação Especial no Brasil teve início em instituições federais como o Instituto Nacional de Educação de Surdos, INES – RJ e no Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte – MG, ou ainda através de cursos promovidos pelas Secretarias de Educação, ou por estabelecimentos de ensino. Apenas no final dos anos 60 esta formação foi requerida como de nível superior, por conta da necessidade de uma maior especialização exigida para a Educação Especial. O parecer nº 259/69 do CFE – Conselho Federal de Educação, de autoria do Conselheiro Clóvis Salgado assim a justifica: Até aqui, o ensino de excepcionais se tem limitado, como especialidade, ao nível primário, nos estabelecimentos federais. Por isso, os professores são, geralmente, normalistas especializados na prática ou em cursos promovidos pelos próprios estabelecimentos. É claro que devemos evoluir, preparando a professora primária em nível superior, no âmbito das Faculdades de Educação. Enquanto não for isso possível, de um modo geral, é bom que façamos experiência em áreas limitadas. Comecemos com o professor primário de excepcionais. A própria deficiência dos alunos, dificultando a tarefa, está a indicar a necessidade de professores altamente preparados, menos para 5 emprego de técnicas especiais de que para as tarefas de orientação, supervisão e pesquisas nos campos específicos. Juntamente com o Parecer 252/69, que regulamentou o Curso de Pedagogia, o Parecer acima citado determinava que a formação de professores para a Educação Especial passasse a ser incumbência do ensino superior. Ora, se na década de 60, o Conselheiro sabiamente indicava que os professores da Educação Especial deveriam ser “altamente preparados” para exercer tarefas que não se restringissem a mero emprego de “técnicas especiais”, mas que abrangessem orientação, supervisão e pesquisas nos “campos específicos” (leia-se áreas de deficiências: DM – deficiência mental, DA – Deficiência Auditiva, DV – Deficiência visual e DF – Deficiência Física), indicava-se realmente uma formação bastante ampla – embora mais tarde viesse a reduzir-se ao tecnicismo imposto pelas reformas educacionais consubstanciadas na Lei 5692/71 – e, portanto causa estranheza o fato de que essa formação volte a ser incumbência do Ensino Médio, a partir da nova LDB. O que isto significa? Teria vindo para atender as diferentes realidades regionais deste país continental, ou é mais um descomprometimento com esta modalidade educativa – a educação especial – para a qual tanto faz esta ou aquela formação? - História da Formação de Professores para a Educação Especial no Paraná A história da formação de professores para a educação especial do estado do Paraná demonstra que a partir de 1963, ano da criação do DEE – Departamento de Educação Especial – junto à estrutura da então Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do Paraná, houve uma preocupação maior para com a Educação Especial do estado, incluindo a formação de professores, expressa na seguinte citação: A preocupação inicial foi formar uma equipe inter e multidisciplinar que possibilitasse organizar, instalar ou ampliar serviços e programas de atendimento. Assim, de 1966 a 1982, foi realizado, regularmente, o Curso de Especialização para Professores de Ensino Especial, com duração de 760 h/aula, curso este que especializava professores para o atendimento de crianças e adolescentes nas áreas de deficiência mental, deficiência da audição e da fala e deficiência da visão. Além deste, outros cursos de aperfeiçoamento e atualização de equipes multidisciplinares e de professores da rede de ensino regular constituíam atividades constantes do Departamento de Educação Especial, incluindo os cursos de Especialização de Supervisores, os quais, indicados pelos Núcleos Regionais de Ensino e Inspetorias, seriam os 6 responsáveis pela interiorização mais dinâmica da Educação Especial (Canziani, 1985, p.58-59). Assim, foi implementada uma estrutura base para formação de professores para a Educação Especial que veio ao longo dos anos se expandindo de forma intensa pelo estado, através de cursos com diferentes estruturas, sendo que os principais eram os “cursos de formação de professores para a Educação Especial, na forma de Estudos Adicionais, legislados pela Deliberação 025/84 e 013/90” (Paraná, 1994, p. 11). Lembramos que os referidos cursos eram ofertados por IES – Instituições de Ensino Superior, com os quais se formaram convênios, que apesar de subsidiarem parte dos custos dos cursos, não se traduziram em gratuidade total para os professores, que tinham que usar seus próprios recursos para custear sua formação. No município de Cascavel, existem cinco cursos de Pedagogia que tratam das questões referentes à Educação Especial, especialmente nos aspectos de fundamentação teórica, conforme recomenda a portaria nº1793/94, do CFE – Conselho Federal de Educação e um deles possui uma ênfase em Educação Especial na qual, no 4º ano do curso, o aluno opta por esta área, ou pela Educação Infantil. - A Formação de Professores para a Educação Especial hoje Na esteira da Declaração de Salamanca (1994), da Constituição Federal de 1988, da Lei 7853/89 posteriormente regulamentada pelo Decreto 3298/99 e da LDB nº 9394/96, o Brasil vem passando por um profícuo e apaixonado processo de discussão sobre uma população de pessoas – aquelas que hoje são denominadas com necessidades (educacionais quando se refere à sua educação) especiais, principalmente quando a temática de tal discussão, é onde ela deve estudar. Junto com todos os outros alunos, ou em classes ou escolas separadas? Dentre os inúmeros fatores que (ainda) impedem a compreensão acerca de quem são essas pessoas, seus desejos, suas necessidades (são assim tão especiais que elas têm que ficar separadas das demais pessoas?) e que atendimento educacional lhes é mais adequado, está a formação de professores para a Educação Especial. A partir de Salamanca (1994) – de cuja Declaração o Brasil foi signatário, apesar de não ter participado da Conferência – a 7 formação de professores para a Educação Especial foi colocada na ordem do dia das necessidades, com uma linha de ação que urge ser posta em prática. Então, este estudo fundamenta-se nas propostas de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Educação Especial, e no documento intitulado “A Formação do Professor para a Educação Especial”, recentemente divulgado pelo MEC/SEESP – Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Educação Especial – sendo que o segundo documento afirma: A partir da política de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, a formação de educadores para atender às necessidades da área, deve ocorrer em três âmbitos: 1. Na formação inicial de todos os professores, em nível médio ou superior, incluindo teoria e prática acerca de necessidades educacionais especiais de alunos, que lhes possibilitem desenvolver processos de ensino e aprendizagem, em classes comuns de educação básica. Esta formação que trata também de alunos com necessidades especiais deve ser de caráter generalista, isto é, deve contemplar as diferenças, as deficiências, a superdotação, na perspectiva de o professor saber reconhecer a existência de necessidades educacionais especiais, e saber dar respostas educativas e buscar implementar os apoios pedagógicos demandados (MEC, 2002, p. 4-5); 2. Na formação de professores de educação especial, em curso de licenciatura em nível superior, orientados para o atendimento a uma categoria específica de necessidades; para apoio pedagógico especializado à escola, ao docente da classe comum, ao processo pedagógico e aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, (quer sejam elas temporárias ou permanentes) matriculados em escola de ensino regular; ou para docência em classes e escolas especiais da educação básica. Esta formação deve ocorrer preferencialmente associada ao processo de formação inicial dos professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental; ou em forma de complementação de estudos, para qualquer professor da educação básica (Idem, p.5); 3. Na formação de professor dos professores e de outros profissionais especialistas no planejamento, na gestão e na supervisão da educação, em nível de pós-graduação, desenvolvendo estudos sobre as diversas áreas da educação especial, com a incumbência de atuar nos sistemas de ensino e de formar novos professores para o atendimento educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais, em todos os níveis de educação e particularmente, para atuação na educação superior (Idem, p.5). Já a resolução 02/2001 que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, em seu Art. 18, parágrafo 1º, estabelece: São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de 8 competências e valores para: 1. perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva; 2. flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem; 3. avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais; 4. atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial. Quando se refere às licenciaturas envolvendo as faculdades de educação e os demais cursos de graduação que formam os professores de educação básica, o documento diz que esses cursos “que hoje transmitem conhecimento propedêutico, precisam incluir projetos em Educação Especial, atualizar os conhecimentos acerca das Necessidades Educativas Especiais dos alunos, realizar pesquisas sobre essa área e, sobretudo, possibilitar o saber fazer pedagógico, como exercício crítico (idem, p.8). Embora a portaria 1793/94 recomende a inclusão de uma disciplina ou conteúdos sobre a Educação Especial nos cursos de licenciatura, isto não tem se efetivado na prática. O documento explicita ainda, através de eixos, como será essa formação. I. Formação inicial de professores A introdução do documento enfatiza a questão da qualidade, como fator determinante do sucesso do trabalho pedagógico realizado com a população com necessidades educacionais especiais, que possui evidentes traços que a diferenciam da população em geral, embora os mesmos não sejam os maiores determinantes de seu sucesso ou fracasso escolar. Afirma ainda que, se se objetiva oferecer ensino de qualidade, o sistema educacional deve investir com seriedade na formação inicial e continuada dos profissionais da educação e especialmente na formação do professor para todos os níveis e modalidades de ensino. E que, opondo-se à qualidade, estão as dificuldades escolares – matéria-prima do fracasso escolar – que emergem num espaço que traz subjacente uma falsa cultura homogênea, em que as diferenças, dentre elas aquelas das pessoas com necessidades educacionais especiais, compõem de fato o espectro cultural. Então, se não há uma cultura única e global, o trabalho pedagógico a ser realizado deve ser diversificado para atender a uma diversidade cultural real, expressa por determinações de classe social, raça e gênero, mas não na perspectiva de suprir carências das minorias culturais. 9 Afirma que uma escola efetivamente inclusiva será aquela em que: A deficiência não seja encarada pelo prisma “do que falta” a essas pessoas; que as diferenças culturais não sejam transformadas em deficiências escolares; e que a própria trajetória escolar não se constitua em mais um mecanismo de produção e reprodução da deficiência. Para tanto, coloca que um dos desafios para garantir a qualidade do ensino e da aprendizagem é: A existência de uma política de formação de professores; a existência de um projeto pedagógico compartilhado com toda a comunidade (inclusive com as áreas da saúde, psicologia, assistência social, trabalho e justiça); Quanto aos avanços tecnológicos que demarcam a modernidade, necessário se faz refletir sobre os usos de tais avanços para a área da Educação Especial, no sentido de que seu acesso, tanto quanto ao ensino regular, tem sido limitado e só existe para poucos, embora seja inegável os benefícios e as mudanças qualitativas que eles produzem na vida das pessoas com necessidades especiais; por exemplo, a utilização de softwares como Virtual Vision e Dos Vox (para cegos) e mais recentemente o MOTRIX para pessoas com deficiência física não sensorial, e inúmeros outros recursos tecnológicos como acessórios e equipamentos, dentre eles o próprio computador. II. Formação Inicial de Professores em Educação Especial para Atuar na Educação Básica Segundo a Resolução 02/2001 (Art. 18, parágrafo 2º): São considerados professores especializados em Educação Especial, aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais especiais, para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequados ao atendimento das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais. Esses professores deverão atuar nos serviços de Educação Especial, na Educação Básica, desenvolvendo ou apoiando diretamente a docência: em classes comuns, em classes especiais, ou em classes de uma escola especial; no serviço de apoio pedagógico especializado (regência das salas de recursos, dos serviços de itinerância, e de outras atividades de suporte pedagógico especializado direto com o aluno numa dada etapa de ensino e modalidade educacional). 10 O parágrafo 3º, do Art. 18, da mesma resolução afirma: Os professores especializados em educação especial deverão comprovar: 1. formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental; 2. complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas do conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Para atender o disposto acima o MEC elaborou propostas de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Educação Especial, denominadas: Licenciatura em Educação Especial e Complementação de Estudos em Educação Especial, que contemplam: o perfil comum do egresso; competências e habilidades; estrutura dos cursos; conteúdos curriculares; estágios e atividades complementares; duração dos cursos; conexão com a avaliação institucional; formação continuada e comentários gerais. Segundo o documento do MEC (2002, p.22), os cursos de educação especial devem ser organizados, Com base na legislação em vigor e se estruturem associados à licenciatura para a educação infantil e/ou anos iniciais do ensino fundamental, acrescentandolhes um aprofundamento teórico-metodológico acerca das características diferenciadas de alunos, cuidando, no entanto, em não transformar tais conhecimentos no fio condutor do projeto curricular de formação. Antes de tudo o profissional deverá ser um professor da educação básica cujo compromisso é com o desenvolvimento escolar dos alunos e com a necessária despatologização desses educandos. Este profissional deverá ser, Licenciado para atuar com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (na organização e gestão de sistema), na organização de unidades e projetos educacionais e na produção e difusão de conhecimentos, em uma determinada área da educação especial, em diferentes contextos, tendo a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional (idem, p.23). III. Formação do Professor dos professores (professor universitário) Este professor deverá ter curso de pós-graduação, em um dos seguintes níveis: Especialização “lato sensu” - cursos que têm tido “muito menos o caráter de especialização e muito mais o de cursos iniciais para profissionais que tiveram qualquer formação anterior” (MEC,2002, p.49). São abertos a outros profissionais como psicólogos, 11 assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e especialistas em educação como administradores, supervisores e coordenadores escolares. Mestrado e doutorado – Pós-graduação “stricto sensu” – O documento menciona que existe apenas uma universidade no Brasil que mantém mestrado específico em educação especial: a UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos – embora dos 25 cursos hoje existentes que possuem mestrado em educação, dois terços aceitam alunos nas linhas de pesquisa que desenvolvem e um terço possui linha de pesquisa específica em educação especial, observando que “na região norte não há um curso sequer” (Idem p.51). Recomenda que sejam implantadas políticas e incentivo à disseminação da educação especial nestes cursos e esclarece que o profissional com esta formação, é “antes de mais nada, um pesquisador e por natureza ocupacional, um professor de nível superior.” (Idem, p.51). Consoante ainda, com o que preconiza o documento do MEC anteriormente referido, o CEE do Paraná, também afirma que a formação deve ser em nível superior, através de licenciatura em educação especial, por complementação de estudos em curso de pósgraduação específico para a Educação Especial, posterior à licenciatura e em programas especiais de complementação pedagógica nos termos da Resolução 02/97 do CEE. Admite ainda a formação de professores habilitados para a Educação Especial em curso normal ou equivalente, em nível médio, o que poderia constituir-se em retrocesso no Paraná, haja vista os inúmeros cursos de Pedagogia criados nos últimos anos. Neste sentido, formar então para a educação especial em nível médio, professores já com certificação de nível superior, não se justifica. Para estes, cuja licenciatura não é em educação especial – já que a criação e implantação destes cursos talvez ainda ocorra muito a longo prazo – poder-se-ia oferecer o curso de pósgraduação como já preconizado, mas como estes cursos não possuem estágios e práticas pedagógicas, poderiam ser complementados por projetos de extensão das universidades, contemplando formações específicas como: cursos de Braille, Sorobã, LIBRAS e Intérprete de LIBRAS, Sala de Recursos e sua especificidade, etc. Certamente estar-se-ia aperfeiçoando com outros conhecimentos teórico-práticos muito específicos, mas 12 relevantes e que muito contribuiriam para preencher a lacuna de formação mais prática dos cursos de pós-graduação. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Atualmente há inúmeros fatores que limitam e condicionam a efetivação de uma política ampla, gratuita e democrática de formação de professores para a Educação Especial/Educação Inclusiva, embora haja uma ampla legislação que rege esta modalidade educacional e agora oficialmente, diretrizes nacionais para a formação de professores nesta área. A resolução 01/2002, em seu Art. 15, prevê um prazo de dois anos para que os cursos de formação de professores existentes, se adequem no sentido de oferecer conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais, bem como o Plano Nacional de Educação prevê a garantia de que haja em cinco anos, pelo menos um curso de formação de professores para a Educação Especial, em cada unidade da Federação. Para um país que teve o percentual de pessoas com deficiências, ampliado de 10% (segundo estimativa da OMS – Organização Mundial da Saúde, para os países em desenvolvimento) para 14,5% segundo o Censo Demográfico 2000, esta é uma questão no mínimo preocupante, pois se a educação é direito de todos, constitucionalmente garantida, dever-se-ia ampliar e impor metas a curtíssimo prazo, para dar conta da formação de professores para esta área. No entanto há que se considerar que, o que tem-se verificado na realidade concreta, é que: No que tange a uma política de formação docente, estamos longe de alcançar níveis qualitativos mínimos para a consecução de uma educação inclusiva. Não por “genérica falta de condições”, mas por absoluta falta de vontade política, tanto por parte dos órgãos governamentais como pelas instituições de formação, em especial as universidades (Bueno 1999, p. 11). Acrescentaríamos ainda que a formação de professores para esta área, da forma como vem sendo proposta pelo MEC/SEESP, constitui-se num apetitoso filão para as instituições formadoras privadas, especialmente porque há uma esmagadora demanda reprimida, necessitando portanto, que as instituições públicas existentes repensem seu papel social e busquem alternativas para oferecer, de forma pública e gratuita esta formação, que não 13 pode mais ser adiada, pois é aguardada tanto pelos docentes em sua formação inicial ou continuada, como pela imensa população de pessoas com necessidades educacionais especiais, que espera uma vaga na escola brasileira. A verdade, é que não se pode mais ignorar esta população de alunos que busca a escola regular, que não se pode mais ignorar que o processo de inclusão veio para ficar; no entanto, a luta deve ser para que não seja um arremedo de inclusão,da forma como é explicitada por CORREIA, 1997, ao citar uma “Nota do Editor” da revista Excepcional Parent de Setembro de 1993, A inclusão, tal qual é discutida por vários autores, não é uma realidade em muitas comunidades. Estes autores argumentam que uma verdadeira inclusão deve considerar um conjunto de serviços de apoio, não só para a criança com necessidades educativas especiais, mas também para todos aqueles envolvidos na sua educação. Quando a criança com necessidades educativas especiais é meramente colocada na classe regular sem os serviços de apoio de que necessita e/ou quando se espera que o professor do ensino regular responda a todas as necessidades dessa mesma criança sem o apoio de especialistas ou terapeutas, isto não é inclusão. Nem é educação especial ou educação regular apropriada – é educação irresponsável. Todos nós devemos estar preparados para denunciar situações em que a criança é “atirada” para a classe regular sem apoios apropriados. Infelizmente, em muitas comunidades, alguns administradores estão a tentar promover estes “despejos” chamando-lhes inclusão (p.24). Então, embora tenhamos quase tudo por fazer, urge começar, e estar atentos para que seja uma formação eminentemente fundamentada em pressupostos científicos e pedagógicos, desprovida do cunho idealista com que muitas vezes tem sido enfocada, para dar conta da tarefa de educar os milhares de alunos com necessidades educacionais especiais, que aguardam a chance de freqüentarem uma escola. REFERÊNCIAS: 1. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. A formação do professor para a educação especial. Brasília, 2002. 2. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Proposta de diretrizes curriculares para os cursos de educação especial. Curso de licenciatura em educação especial. Brasília, 2002. 14 3. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Proposta de diretrizes curriculares para os cursos de educação especial. Curso de complementação de estudos em educação especial. Brasília, 2002. 4. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Parecer n. 17/2001. Brasília, DF. 2001. 5. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n.2/2001. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília, DF. 2001 6. BUENO, J. G. S. Crianças com Necessidades Educativas Especiais, Política Educacional e a Formação dos Professores: Generalistas ou Especialistas? Revista Brasileira de Educação Especial. Piracicaba: Editora UNIMEP, v.3, n 5, set. 1.999, p.7-25. 7. CANZIANI, Maria de Lourdes B. Educação Especial. Visão de um processo dinâmico e integrado. Curitiba: Educa, 1985. 8. CORDE – COORDENADORIA NACIONAL PARA INTEGRAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Acesso e Qualidade. Brasília, 1994. 9. CORREIA, Luís de Miranda. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Portugal: Porto Editora, 1997. 10. MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Ser ou estar: eis a questão – explicando o déficit intelectual. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 11. PARANÁ. Conselho Estadual de Educação. Minuta da Deliberação de Educação Especial. Curitiba, 2003. 12. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Fundamentos Teórico-metodológicos para a educação especial. Departamento de Educação Especial. Curitiba, 1994.