1 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA FACULDADE DE DIREITO DIREITO DAS CIDADES PROF. JOSEMAR ARAÚJO – [email protected] FOLHA DE APOIO 01 Cidade e Urbanismo A noção de urbanismo está indiscutivelmente atrelada à de cidade. Esta revela, de imediato, a ideia de conglomerado de pessoas com interesses individuais e gerais, fixadas em determinada área territorial, ao passo que o urbanismo representa os vários fatores que conduzem ao desenvolvimento das cidades. Não é possível entender-se o sentido de cidade sem que se identifique primeiramente a forma de Estado adotada no quadro constitucional. Nos regimes unitários, de centralização política, não há divisão geográfica marcada pelo fenômeno da autonomia, de modo que as cidades são os polos do país em que se centraliza o processo de desenvolvimento. No regime de federação, há compartimentos internos autônomos (Estados, Províncias etc). mas cada um deles, por ter extensão territorial significativa, comporta a presença de várias cidades. Diferenças Entre Cidade e Município O Brasil, porém, adota peculiarmente a forma de federação de três graus (arts. 1o e 18, CF), conferindo a Carta Constitucional autonomia e competências próprias para União, Estados e Municípios. Pode-se dizer que o sentido de cidade no atual regime é o que resulta da transformação de determinado conglomerado populacional em Município. Mas cidade e município não são expressões sinônimas. A cidade é, de fato, o núcleo urbano em que se situa a sede do governo municipal e onde o desenvolvimento decorre de vários sistemas, como os de natureza política, administrativa, social e econômica, tudo isso em local diverso da área rural integrante da mesma unidade territorial. Os Municípios podem adotar divisão geográfica de modo a marcar a área de certos centros populacionais mais afastados da cidade: são os distritos, cuja criação, organização e supressão se processam por lei municipal, com observância da lei estadual (art. 30, IV, CF). Os distritos, por sua vez, ainda podem ser demarcados em subdistritos, o que se afigura viável quando maior é a extensão da área municipal e maior a necessidade de descentralização para favorecimento da respectiva população. Sendo mera descentralização territorial administrativa, alguns distritos são dotados de órgãos incumbidos da prestação de serviços públicos municipais, estaduais e federais, como cartórios de registro civil e de imóveis, delegacias policiais, órgãos fiscais federais etc. Nesse aspecto, é certo dizer que o distrito se contrapõe à cidade, porque nesta é que se aloja o núcleo do governo municipal. Divisão em Bairros As cidades e, em alguns casos, os próprios distritos, podem ser subdivididas em bairros, que são áreas internas frequentemente demarcadas para facilitar a identificação dos locais das residências e de estabelecimentos comerciais e industriais. Nesse sentido, a noção de bairro se contrapõe à de centro da cidade ou simplesmente centro. Alguns autores referem-se às vilas, com o sentido de sede de um distrito. Em certos casos, a identificação de locais da cidade ou do distrito pode também ocorrer através de zonas, tendo estas a finalidade de indicar o tipo de atividade que lá se desenvolve (zona residencial, zona industrial, zona portuária etc.). O fenômeno aqui é inerente ao zoneamento e faz parte do processo de organização municipal. A Oposição Zonas Urbanas e Zonas Rurais Por fim, cabe lembrar que continua plenamente atual a dicotomia zona urbana e zona rural, adotada pelos romanos, com o acréscimo, em tempos de agora, da denominada zona de expansão urbana, destinada à ampliação dos núcleos centrais da cidade. Considera-se que a cidade se componha normalmente das zonas urbana e de expansão urbana, reservando-se aos distritos a zona rural. Como se pode observar, a noção de cidade encerra um conjunto de fatores a serem tomados de forma global, pois que cada um sempre estará entrelaçado com o outro. São sensíveis, por consequência, as linhas que marcam o sentido jurídico e sociológico das cidades – linhas pelas quais são estas consideradas “sistemas abertos, com uma dependência profunda e complexa a fatores externos, plenos de instabilidade e imprevistos, pois a compreensão e extensão dos impactos urbano-ambientais dependem, sobretudo, do modelo de desenvolvimento urbano e de padrões de diferenciação Urbanismo Para que a cidade sobreviva, hão de estar presentes fatores relativos aos serviços públicos, ao comércio e indústria, à prestação de serviços, à saúde, à educação, à moradia etc. São esses fatores que permitem uma contínua relação entre os indivíduos citadinos que, como é natural, buscam a satisfação de seus próprios interesses. Carvalho Filho destaca, entretanto, que não basta a presença de tais fatores. Se é verdade que estes dão ensejo à sobrevivência das cidades, não é menos verdade que muitas outras providências se afiguram imprescindíveis para sua evolução. E assinala que são dados diferentes: sobrevivência é fenômeno associado à existência da cidade como um complexo de valores. Evolução se relaciona com o avanço dos fatores necessários à sobrevivência em ordem a que sejam amoldados à própria evolução política, social e econômica. É no aspecto da evolução das cidades que vem à tona o urbanismo. Para HELY LOPES MEIRELLES, “urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade”, devendo considerar-se como espaços habitáveis aqueles em que se exerce uma das quatro funções sociais básicas: habitação, trabalho, circulação e recreação. Dentro dessa concepção, não se podem relegar a segundo plano as imposições urbanísticas, sejam elas legislativas ou administrativas, e isso pela simples razão de que a finalidade maior a ser alcançada espelha o bem-estar dos indivíduos, considerados isoladamente, e também da coletividade. É através das condutas urbanísticas que o Poder Público persegue um melhor meio de vida à coletividade, assegurando a todos que vivem na cidade melhores condições de desenvolvimento, de lazer, de trabalho, de conforto, de funcionalidade e de estética. Tais condições dificilmente seriam conseguidas pela autoorganização dos indivíduos, já que são grandes e muitas vezes incontornáveis os conflitos de interesses que os colocam em posições de franco e arraigado antagonismo. Com a intervenção do Estado, maior viabilidade se terá para alcançar aqueles objetivos e somente desse modo é que se poderá falar realmente em urbanismo. O urbanismo reflete um sistema de cooperação entre o Estado e a sociedade. Não adianta que somente o Estado procure a concretização dos fatores de melhoria social, mas, ao contrário, é importante que os indivíduos tenham a consciência social de que só com a interação dos interesses público e privado se poderá ter êxito na missão urbanística. Direito Urbanístico Como a noção de urbanismo implica a prática de medidas impositivas do Poder Público, conforme foi visto anteriormente, 2 não haveria como dispensar, no âmbito dessas providências, a edição de normas de conteúdo legislativo e administrativo com o fim de perseguir a organização dos espaços habitáveis e dirimir as incontáveis controvérsias que emergem da multifária relação entre os habitantes e os usuários da cidade. Em outras palavras, cumpre regular todas as situações de fato e de direito que se configuram como atividades urbanísticas. “José Afonso da Silva afirma que o Direito Urbanístico consiste no conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade”. De outro lado, como ciência, define-o como “o ramo do Direito Público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis”. Objeto O objeto do Direito Urbanístico varia conforme a concepção que se lhe possa dispensar. Em se tratando do aspecto de direito positivo, que é, sem dúvida, o que traduz interesse mais expressivo aos intérpretes e aplicadores da lei, o objeto é a disciplina da atividade urbanística, assim considerada como a que se origina das relações entre os indivíduos e entre estes e o Poder Público. Como ciência, o Direito Urbanístico não se propõe a regular qualquer relação social, até porque não tem cunho coercitivo, mas sim está voltado à exposição, interpretação e sistematização das normas e princípios reguladores da atividade urbanística. incentivo e desenvolvimento, as populações migram para os grandes centros, formando o que a sociologia denomina de êxodo rural. Não obstante, esse fenômeno social tem retratado apenas a migração da miséria rural para a miséria urbana. Por tudo isso, a urbanização, como processo de transformação social, está marcada por um lado doce e por outro amargo. Doce, no brilho dos “néons” e no aceno ao consumo; amargo, nos gravíssimos problemas que as concentrações urbanas vão provocando em cada momento de seu curso. Para enfrentar esses problemas é que foi criado o termo “urbanificação”. Diversamente da urbanização, a urbanificação é a aplicação dos princípios e normas urbanísticas que visam eliminar os efeitos danosos da urbanização e proporcionar melhores condições para a ocupação dos espaços habitáveis pela coletividade. Sem ela, as concentrações humanas ficarão sempre à mercê das consequências gravosas oriundas da desorganização e da ocupação caótica das áreas citadinas. Política Urbana O Art. 182 da Constituição Federal estabelece que A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. O principal instrumento de política urbana é o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Autonomia Função Social da Propriedade Quanto à autonomia ou não do Direito Urbanístico, não há consenso entre os estudiosos. Alguns advogam sua plena autonomia como ramo próprio da ciência jurídica, informado por princípios e postulados específicos. Outros o situam como ramo do Direito Administrativo. Carvalho Filho Afirma que a particularidade do Direito Urbanístico consiste em seu conteúdo multidisciplinar, marcado pela presença de normas de Direito Constitucional (inclusive e principalmente o Direito Municipal), Administrativo, Civil e mesmo Penal, na parte que trata de crimes cometidos contra a ordem urbanística, atualmente tipificados por diferentes tipos de conduta.Inexistindo código sistemático específico para suas normas, que de resto se encontram espalhadas pela legislação em geral, não raro a identificação e aplicação delas demandarão acendrado espírito de hermenêutica e sistema, com vistas à composição de um quadro coerente sob o aspecto lógico-jurídico. A verdade é que, embora sejam reconhecidas regras singulares para o Direito Urbanístico, não prevalece, ao menos até o momento, a corrente autonomista. Urbanização e Urbanificação Demarcando as zonas urbana e rural, verificamos que a história das cidades tem exibido um processo de mutação das pessoas do campo para os centros citadinos, provocando significativa concentração humana, frequentemente em descompasso com as condições ali oferecidas. Esse é o núcleo da concepção de urbanização. Em consequência, Carvalho Filho define urbanização como “o fenômeno social que denuncia o aumento da concentração urbana em proporção superior à que se processa no campo”. Ao lado, porém, da maior oferta de bens geradores da satisfação de interesses gerais, o processo de urbanização, de outro lado, acarreta o nascimento de numerosos problemas a serem enfrentados e solucionados pelo Estado e pelos indivíduos. Um dos fatores mais graves nesse processo é o relativo à pobreza e à miséria, usualmente presentes no campo, mormente em países menos desenvolvidos. Cansadas de lutar contra a natureza, às vezes inóspita e cruel, e despidas de ações governamentais de Segundo Carvalho Filho, se a propriedade não está atendendo à sua função social, deve o Estado intervir para moldá-la a essa qualificação. Essa função autoriza não só a obrigação de fazer como a de não fazer, visando a evitar o uso egoístico e antissocial da propriedade. Por isso, o direito de propriedade é relativo e condicionado. Assim nos termos do art. 182 Parágrafo 2º da Constituição Federal, “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, determinando que As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. Exigência de Adequação à Função Social da Propriedade É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de parcelamento ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Fonte: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013.