A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Ana Lúcia Ribeiro Mól1 RESUMO: A conciliação e a mediação avultam-se como importantes meios de solução amigável dos conflitos de interesses, especialmente por possibilitarem às partes um amplo debate sobre seus interesses e perspectivas, voltado para a construção de uma resposta ao problema entre elas existente. Considerando essa ideia e todos os benefícios que esses mecanismos podem trazer para uma adequada e rápida resolução dos litígios, o novo Código de Processo Civil passou a disciplinar, de forma mais profunda, a conciliação e a mediação, estabelecendo não apenas o procedimento a ser seguido para sua realização, mas também normas incentivadoras de seu uso no meio processual e extraprocessual. Tendo em vista a relevância da discussão sobre o tema, o presente artigo apresenta as principais regras a esse respeito, destacando o benefício que sua implementação prática irá trazer para uma resolução mais satisfatória dos conflitos de interesses. PALAVRAS-CHAVE: Conciliação. Mediação. Novo Código de Processo Civil. Introdução Em 17 de março de 2015, foi publicado o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105), que entrará em vigor após um ano de sua publicação, substituindo integralmente o regramento anterior, estabelecido pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Uma das inovações implementadas por essa legislação foi a previsão de normas incentivadoras da conciliação e da mediação no âmbito processual e extraprocessual, voltadas para estimular uma resolução pacífica, e, portanto, célere, dos conflitos de interesses. 1 Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Econômico e Empresarial pela UNIMONTES. Professora e Pesquisadora PROIC-Universal das Faculdades Integradas do Norte de Minas. Procuradora Adjunta de Fazenda do Município de Montes Claros. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 O legislador, nesse passo, acolheu as diretrizes previamente traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ – por meio da Resolução nº 125, de 29 de setembro de 2010, que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, em que se estabeleceu como determinação aos órgãos do Judiciário o oferecimento de alternativas, especialmente aquelas ditas consensuais, de extinção das controvérsias, com destaque para a conciliação e a mediação. Esses mecanismos, não obstante serem de inquestionável valia para a rapidez do trâmite procedimental, e mesmo para uma solução mais efetiva e legítima para a demanda, não recebiam o tratamento merecido pelo Código anterior, já que poucas eram as regras relacionadas a essa temática, além de não serem de fato aplicadas e observadas no cotidiano forense. Por se tratar de uma questão que implicará inevitavelmente na adoção de uma nova postura de todos os sujeitos do processo, faz-se mister uma análise mais acurada das normas referentes à conciliação e à mediação na novel legislação processual civil, no intuito de se apurar os parâmetros traçados pela lei para esses meios consensuais de solução dos conflitos. 1 A conciliação e a mediação como procedimentos autocompositivos concretizadores da democracia Como prevê doutrina especializada sobre o assunto, a resolução de um litígio pode dar-se, basicamente, por meio de procedimentos heterônomos ou autônomos. Na primeira hipótese, a solução é determinada por um terceiro, como ocorre na jurisdição, em que o Estado, por meio do juiz, diz o direito no caso concreto, julgando a pretensão a favor do autor ou do réu. A arbitragem igualmente faz parte deste grupo, já que aqui o árbitro é quem define a maneira como será acertado o conflito de interesses (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). Nos procedimentos autônomos, as próprias partes envolvidas são chamadas a estabelecerem uma solução para a situação conflituosa, inexistindo a imposição de uma resposta por parte de alguém estranho àquele contexto em que se encontram. Nessa categoria, vale destacar as figuras da conciliação e da mediação (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 A conjectura que envolve uma e outra se difere em pontos relevantes, sendo certo afirmar que a mediação demanda um conjunto de ações mais complexo que a conciliação. Para entender melhor esse ponto de vista, é preciso que sejam analisadas as definições e características dessas formas de solução de conflitos. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Na esteira desse pensamento, pode-se afirmar que a mediação avulta-se como um procedimento de autocomposição por meio do qual os litigantes são assistidos por um ou mais terceiros imparciais na busca por uma resolução da contenda, que será construída por eles próprios. O mediador, nesse sentido, possibilita às partes uma melhor percepção da conjuntura fática em que se encontram, conduzindo-as a descobrir a saída mais adequada aos seus anseios e necessidades (AZEVEDO, 2012). Acrescente-se, ainda, que na mediação são utilizadas todas as técnicas de autocomposição, por meio de um planejamento ordenado, inexistindo limite temporal para seu término. Justamente em razão dessas circunstâncias é ela mais indicada quando o litígio envolve relações continuadas, como nos vínculos familiares (AZEVEDO, 2012). A conciliação, por seu turno, é igualmente um mecanismo de solução pacífica de conflitos, direcionado por um terceiro imparcial, na tentativa de se alcançar um consenso entre as partes, sendo nela utilizadas, não todas, mas algumas técnicas autocompositivas, havendo limite temporal para sua conclusão. Tem cabimento, via de regra, quando o conflito compreende uma relação efêmera, tal qual ocorre com os contratos regidos pelo Direito do Consumidor (AZEVEDO, 2012). Na conciliação, diferentemente do que ocorre na mediação, é possível ao conciliador sugerir uma solução do conflito de interesses às partes envolvidas, que, sob seu ponto de vista, é considerada como a melhor alternativa para o caso (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). Na mediação, não é permitido qualquer apontamento ou sugestão por parte do mediador, seja no que se refere ao mérito do conflito, seja em relação a uma possível composição entre os envolvidos. O mediador, como acima dito, apenas orienta as partes a terem uma percepção mais clara da situação e as estimula a buscarem, elas próprias, o desfecho mais satisfatório para todas elas (AZEVEDO, 2012). Não obstante as diferenças apontadas, a questão é que em ambos se constata uma efetiva e importante participação dos litigantes na resolução da Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 demanda, o que demonstra a feição democrática desses procedimentos autocompositivos. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Nesse sentido, deve-se destacar que o êxito da conciliação e, principalmente da mediação, passa por uma ampla discursividade entre os envolvidos, direcionada para a formação de um consenso a respeito do problema (GHISLENI; SPENGLER, 2013). Daí porque é importante que a utilização desses mecanismos, em um paralelo com a teoria discursiva de Jürgen Habermas, se dê de forma a possibilitar que as partes deixem de lado a racionalidade estratégica, que naturalmente permeia a disputa sobre um bem ou um direito, para fazer valer as diretrizes da racionalidade comunicativa, em que se busca, de forma cooperada, uma compreensão mútua da situação e da solução possível e desejável pelas partes (GHISLENI; SPENGLER, 2013) (HABERMAS, 2003). E, nesse ponto, ganha relevo o papel do conciliador e do mediador, especialmente deste último, que deverão proporcionar um ambiente propício, ou, na perspectiva habermasiana, uma “situação ideal de fala”, em que os envolvidos poderão participar de forma isonômica na construção da decisão que lhes será aplicada (GHISLENI; SPENGLER, 2013) (HABERMAS, 2003). O caráter democrático da conciliação e da mediação fazem com que o conflito de interesses entre as partes seja, de fato, solucionado – e da melhor forma possível para ambas –, o que denota a importância de regras que incentivem a sua utilização como forma de resolução dos litígios, como ocorre com o novo Código de Processo Civil. 2 A conciliação e a mediação no Novo Código de Processo Civil Uma das preocupações do novo Código de Processo Civil foi incentivar a solução consensual dos conflitos de interesses, especialmente por meio da conciliação e da mediação (MENDES; SILVA,; ALMEIDA, 2015). Comparativamente com o Código de 1973, é possível constatar não apenas um incremento numérico de regras a respeito do tema, mas também a previsão de mecanismos efetivos para a concretização desses procedimentos autocompositivos. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Na legislação anterior, havia referência apenas à conciliação, não havendo qualquer alusão à mediação. E, mesmo quanto àquele mecanismo, referida lei restringia-se, basicamente, a estabelecer como um dever do juiz a busca por uma Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 solução consensual entre as partes em qualquer etapa do processo, definindo, ainda, certos momentos processuais em que obrigatoriamente a conciliação deveria ser tentada, seja no procedimento sumário, seja no ordinário. Quanto a esses momentos processuais, destaca-se que, no procedimento sumário, haveria de ser designada uma audiência para esse fim após a citação e antes de ser apresentada a resposta pelo réu (art. 277 e seguintes, do CPC/1973). Obtida a conciliação e homologada pelo juiz, haveria a extinção da fase cognitiva com resolução do mérito. Não tendo sido alcançada a solução consensual, o réu teria a possibilidade de apresentar sua resposta na própria audiência, por escrito ou oralmente. No procedimento ordinário, por seu turno, a conciliação deveria ser tentada na audiência preliminar, designada após as providências preliminares, nas hipóteses em que o litígio cuidasse de questões passíveis de transação. Se não fosse exitosa, caberia ao juiz definir os pontos controvertidos, resolver as questões processuais pendentes e determinar as provas a serem produzidas, com a designação de audiência de instrução e julgamento, se fosse o caso (art. 331, do CPC/1973). Aliás, na audiência de instrução e julgamento, do mesmo modo, caberia mais um esforço no sentido de obter a transação entre as partes, antes de se proceder à instrução do processo (art. 447 e seguintes, do CPC/1973), regra esta que permanece na Lei nº 13.105/2015. A partir do Código de 2015, constatou-se uma regulamentação mais densa e pormenorizada a respeito da conciliação e da mediação desde a Parte Geral. Já nas primeiras regras, o legislador estabeleceu que o Estado deverá impulsionar e favorecer a solução consensual dos litígios, sempre que assim for possível (§2º do art. 3º, CPC/2015), e que a conciliação e a mediação, ao lado de outros procedimentos autocompositivos, deverão ser incentivados por todos os operadores do direito, sejam eles juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, antes ou no curso da demanda (§3º do art. 3º, CPC/2015). Persiste no novo diploma, como dever do juiz, a busca pela Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 autocomposição a qualquer tempo, constando que ela será preferencialmente realizada com a ajuda de conciliadores e mediadores (inciso V, do art. 139, CPC/2015). Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Os conciliadores e mediadores passam a ser expressamente enumerados como auxiliares da justiça, com previsão de normas específicas a respeito das atribuições a eles cabíveis (arts. 165 a 175, CPC/2015). Essa circunstância enfatiza o destaque que é dado pelo legislador a essa função e, mais ainda, a relevância do trabalho prestado por esses profissionais para uma solução mais satisfatória do conflito de interesses entre as partes (MENDES; SILVA,; ALMEIDA, 2015). Algumas dessas regras merecem uma análise mais aprofundada, para que seja possível compreender as diretrizes legais que irão pautar a utilização desses mecanismos autocompositivos. A primeira delas é aquela que determina a instituição, pelos tribunais, de centros judiciários de solução consensual de conflitos. Segundo a nova lei, tais centros terão o encargo de promover sessões e audiências de conciliação e mediação, e de estabelecer programas voltados para auxiliar, orientar e incentivar a autocomposição (art. 165, CPC/1975). Nesse ponto, o legislador houve por bem seguir o que já vinha sendo determinado pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 125/2010, que, na consolidação da politica pública de tratamento adequado aos conflitos de interesses, previu a criação dos chamados Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUS ou CEJUSC) pelos tribunais, com as mesmas atribuições supra elencadas. Esses órgãos são hoje realidade em várias comarcas do país e vêm se destacando no impulso da autocomposição como alternativa à resposta determinada pelo Estado, por meio da jurisdição. Interessante ressaltar, ainda, que a novel legislação, ao tratar das atribuições do conciliador e do mediador, abarcou as diferenças entre a conciliação e a medição, conforme esclarecido no tópico anterior, dispondo expressamente quando um ou outro desses mecanismos deverá ser utilizado. Trata-se das normas consignadas nos parágrafos 2º e 3º do art. 165, do Código de Processo Civil de 2015, que se encontram assim redigidas: Art. 165 [...] § 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 § 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. [...] (BRASIL, 2015) Como denotam as normas supra transcritas, a conciliação deverá ser utilizada quando não existir uma prévia relação entre as partes envolvidas, sendo possível ao conciliador propor uma resolução para o conflito, desde que não o faça de forma coativa ou intimidativa. A mediação, por outro lado, terá lugar em hipóteses que envolvam situações em que as partes tenham uma relação anterior, caso em que serão elas auxiliadas por um terceiro imparcial a encontrarem a melhor solução para o litígio. Cumpre salientar que esses procedimentos autocompositivos, nos termos do que estabelece o art. 166, do novo Código de Processo Civil, serão regidos por certos princípios, decorrentes das próprias peculiaridades dessas formas alternativas de solução de conflitos. Trata-se dos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada2. Quanto à independência e à imparcialidade do conciliador e do mediador, elas avultam-se como requisitos necessários para que a conciliação e a mediação sejam concluídas de forma legítima (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). São, a bem da verdade, componentes específicos da própria definição desses mecanismos de autocomposição, que pressupõem, como esclarecido linhas atrás, a condução das técnicas por um terceiro imparcial. Esses princípios exigem que o conciliador e o mediador não sejam tendenciosos a favorecer ou prejudicar qualquer das partes, devendo atuar sem qualquer subordinação a influências advindas do próprio órgão judiciário ou fora dele. Tais profissionais devem zelar, inclusive, para que “[…] valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente.” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010). Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 2 Ressalte-se, desde já, que vários desses princípios já se encontram regulamentados pelo Código de Ética dos conciliadores e mediadores judiciais, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça, por força da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, conforme consta do Anexo III da Resolução nº 126/2010, com a redação dada pela Emenda nº 01, de 31 de janeiro de 2013. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Ressalte-se que a garantia de liberdade em sua atuação possibilita que o conciliador e o mediador possam, de fato, auxiliar os interessados a alcançar uma solução que atenda adequadamente a todos eles. Intimamente ligado à independência e à imparcialidade está o princípio da autonomia da vontade. Sobre essa diretriz principiológica, é de se destacar que as partes deverão livremente optar pelo uso desses procedimentos autocompositivos, até para que haja a possibilidade de obtenção de um consenso entre os envolvidos (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). Esclareça-se que o caráter voluntário deve permear não apenas o acesso à conciliação e à mediação, mas também a permanência dos litigantes ao longo do procedimento, que, em hipótese alguma, poderão decorrer de uma determinação da lei (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). O princípio em exame, inclusive, denota uma das claras distinções existentes entre a jurisdição e a autocomposição, já que nesta é suficiente que um dos litigantes demonstre desinteresse em prosseguir com a conciliação ou a mediação para que ela seja finalizada. Na jurisdição, que é regida pelo princípio do impulso oficial, proposta a demanda, o seu desenvolvimento e seu término deixam de ficar ao alvedrio de uma das partes e tornam-se responsabilidade do ente estatal, que, mesmo diante da inércia dos litigantes, deverá dar prosseguimento ao feito e emitir uma decisão final (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). Um outro princípio que rege a conciliação e a mediação é o da confidencialidade. Por esse princípio, assegura-se aos interessados que nenhuma das informações apresentadas nas sessões será transmitida a terceiros, inclusive ao juiz, nem poderá ser usada com objetivos diferentes daqueles explicitamente definidos pelos envolvidos (§1º, do art. 166, do CPC/2015). Essa garantia, que, em regra, é fixada já no início do procedimento, permite que as partes manifestem-se de forma franca e desprendida, sem temer que os dados ali fornecidos sejam utilizados contra si em um momento posterior, acaso não obtida a resolução acordada do conflito (AZEVEDO, 2012). A certeza de que será mantido o sigilo do que for discutido entre as partes possibilita-lhes uma maior abertura para o debate do problema e para que seja Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 alcançada uma solução mais satisfatória para o caso (AZEVEDO, 2012). Cumpre esclarecer que, tendo sido estabelecida a confidencialidade das informações prestadas pelos interessados, essa diretriz deverá ser observada a todo Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 momento, haja vista a possibilidade de imposição da responsabilidade civil e penal ao conciliador ou mediador que desconsiderá-la (AZEVEDO, 2012), bem como de sua exclusão do cadastro de conciliadores e mediadores (inciso I, do art. 173, do CPC/2015). Acrescente-se, ainda, que o conciliador e o mediador que exerceram suas atribuições em relação a um determinado caso não poderão intervir na demanda que eventualmente vier a ser proposta ou na ação que já estiver em curso seja como julgador, advogado ou testemunha de qualquer dos litigantes (RODRIGUES JÚNIOR, 2007) (art. 1º, inciso I, do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais e §2º do art. 166, do CPC/2015). Aliás, o novo Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 172, o impedimento do conciliador e do mediador em assessorar, representar ou patrocinar as partes envolvidas no conflito, pelo período de um ano, contado da última sessão de que participaram nessa qualidade. Ainda quanto a impedimentos, nada obsta que os conciliadores e mediadores sejam advogados, mas não poderão exercer a advocacia nos juízos em que executem essa atribuição (§5º, do art. 167, do CPC/2015). Pela nova lei, há também a previsão do princípio da oralidade, que pressupõe que a autocomposição seja realizada em sessões oralmente conduzidas, permitindo-se aos interessados um amplo debate a respeito da lide. Aqui, recorda-se que o diálogo é elemento indissociável da conciliação e da mediação, o que denota a importância desse princípio para a configuração desses procedimentos. O contraditório, nessa situação, deve ser necessariamente observado, de sorte que todos os envolvidos possam participar da construção de um consenso a respeito da melhor saída para o litígio (art. 5º, LV, da CF/88) (AZEVEDO, 2012). O princípio da informalidade, por seu turno, permite que a metodologia a ser utilizada na mediação e na conciliação seja definida pelas próprias partes, considerando-se os interesses envolvidos e o tipo de litígio existente (§4º, do art. 166, do CPC/2015). Há, portanto, uma certa flexibilidade na realização do procedimento autocompositivo, que, contudo, não é ilimitada, já que há regras mínimas a serem seguidas, inclusive para que seja possível eventual execução da Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 obrigação ali definida3 (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). 3 A título de exemplo, cite-se a necessidade de que o acordo tenha objeto lícito e seja entabulado por pessoas capazes. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 O caráter informal permite que, de fato, sejam apuradas as reais necessidades e perspectivas das partes, de modo a se alcançar uma solução completa do conflito existente entre elas. Por fim, o princípio da decisão informada preceitua que as partes devam ser informadas sobre seus direitos e sobre a situação de fato em que estão incluídas, no intuito de conscientemente buscarem uma solução adequada ao conflito de interesses (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010). Ressalte-se que a observância desses princípios, especialmente a partir da edição da Lei nº 13.105/2015, serão de suma relevância para que a autocomposição ocorra de forma regular, com o alcance de sua finalidade essencial que é a obtenção do consenso. Além das diretrizes principiológicas acima expostas, merece destaque, ainda, a disposição contida no novo Código de Processo Civil em seu art. 174, no qual se determina aos entes políticos a instituição de câmaras de conciliação e de mediação, que atuarão na resolução de litígios na esfera administrativa. A concretização dessa norma certamente irá culminar na diminuição de demandas levadas ao órgão judiciário, posto que já resolvidas administrativamente por meio dos procedimentos autocompositivos. Uma outra grande inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil foi a previsão de uma audiência de conciliação ou de mediação a ser realizada logo no início do processo, após o recebimento da petição inicial, mas antes mesmo do início do prazo de resposta do réu. Sua regulamentação encontra-se no art. 334 do referido diploma (GONÇALVES, 2015). Trata-se de uma medida salutar no fortalecimento da autocomposição, pois desde o começo do processo possibilita-se uma ampla discussão entre as partes em torno do objeto do litígio, voltada para a sua resolução de forma participada. O fato de ainda não ter sido apresentada a resposta pelo réu pode facilitar essa tarefa, na medida em que a inexistência de uma contra argumentação documentada dissolve parte da animosidade que eventualmente houver entre as partes, propiciando um ambiente menos hostil para a busca de um consenso. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Além do mais, o momento processual de sua realização contribuirá, por certo, na concretização dos princípios da celeridade e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), tão caros ao legislador do novo Código de Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Processo Civil, eis que, se a situação já for resolvida nessa etapa, desde então será proferida uma sentença com resolução do mérito, extinguindo-se a fase cognitiva. Pelo Código de Processo Civil de 1973, a audiência voltada para a conciliação só ocorreria posteriormente à apresentação da resposta do réu, mais especificadamente depois das providências preliminares, o que significa que já teriam sido praticados vários atos processuais que poderiam ser desnecessários, caso já tivesse sido designada no início do processo e fosse ela exitosa. A respeito do procedimento a ser observado, a novel legislação estabelece que a audiência de conciliação ou de mediação será designada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser feita a citação do réu pelo menos 20 (vinte) dias antes de sua realização. O autor será intimado da data e horário por meio de seu advogado. Ela será direcionada por conciliadores ou mediadores, onde houver esses auxiliares da justiça, eis que são profissionais mais capacitados para a condução das técnicas de autocomposição. O Código de Processo Civil de 2015 permite a realização de mais de uma sessão, desde que não ultrapasse o período de 02 (dois) meses contados da primeira delas. Tal previsão mostra-se consentânea com os mecanismos de solução pacífica de conflitos, especialmente a mediação, que pode exigir mais de uma sessão para que alcance seu objetivo. No entanto, há limite temporal para que essas sessões se realizem, o que é necessário até mesmo para que o processo não se prolongue de forma indefinida, em descompasso com os princípios estabelecidos no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Deve-se esclarecer que a audiência de conciliação ou de mediação, a princípio, deverá ocorrer em toda e qualquer demanda iniciada perante o órgão judiciário. Não será realizada apenas se ambas as partes demonstrarem desinteresse na composição consensual, o que deverá ser feito de maneira expressa, no caso autor na petição inicial e no caso do réu em petição protocolada no prazo mínimo de 10 (dez) dias antes da realização da audiência. Também não ocorrerá naquelas situações em que não é admitida a autocomposição. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Para forçar, de certa forma, a participação das partes na audiência de conciliação ou de mediação, a Lei nº 13.105/2015 previu que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu configurará ato atentatório à dignidade da justiça, Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 com aplicação de uma pena de multa de até 2% do valor da causa ou do proveito econômico pretendido, em favor do Estado, se na Justiça Estadual, ou da União, se na Justiça Federal. Talvez o que pretendeu o legislador foi pelo menos tentar afastar o desprestígio que gozava a audiência preliminar do antigo procedimento ordinário, a qual, muitas vezes, não contava com o comparecimento das partes, eis que nem sempre havia uma consequência negativa para sua ausência à sessão. Na verdade, verifica-se que em todas as regras atinentes à conciliação e à mediação busca a nova lei estimular a autocomposição e determinar uma mudança de postura de todos os sujeitos do processo no intuito de fazer com que a solução amigável do conflito de interesses passe a ser a regra e não a exceção, como infelizmente se constata nos dias de hoje. Conclusão O novo Código de Processo Civil andou bem ao estabelecer regramento específico para a conciliação e a mediação, especialmente pelo fato de grande parte dessas normas estimularem significativamente o uso desses meios de solução pacífica de conflitos. Esses mecanismos são vistos hoje como a melhor alternativa para a resolução de litígios, já que democraticamente as partes colaboram com a criação de uma resposta aos seus interesses conflitantes, por meio de uma ampla discursividade sobre a situação fática em que estão inseridos. Nesse sentido, deve-se salientar que a conciliação e a mediação possibilitam muito mais do que a resolução do conflito processual, que é aquele apresentado pela petição inicial e pela contestação. Mais profundamente, resolve-se o conflito sociológico entre as partes, as reais pendências existentes por trás daquela situação que tenha sido levada à apreciação do órgão judiciário, e que estão relacionadas às perspectivas e necessidades das partes. Quando um litígio é assim resolvido, por óbvio, as partes sentem-se mais satisfeitas com o resultado, até porque, com esses mecanismos, há maiores Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 chances de manutenção ou aperfeiçoamento do vínculo existente entre os litigantes. Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015 Outra vantagem importante da utilização dos procedimentos autocompositivos é a rapidez em sua realização, se comparado com o exercício da função jurisdicional. Se forem eles efetivados em um processo já em curso, e considerando as novas regras estabelecidas pelo Código de Processo Civil de 2015, já no início da demanda será possível uma composição das partes, com a resolução do litígio desde então, evitando-se que o conflito se prolongue no tempo, aguardando-se uma resposta judicial que pode demorar anos para ser definida. Na esteira desse pensamento, vê-se que as novas regras atendem de perto as garantias da celeridade e da duração razoável do processo, sem se descurar da obtenção de uma solução do conflito de interesses de forma participada, e, portanto, democrática. Referências Bibliográficas AZEVEDO, André Gomma (Org). Manual de Mediação Judicial. Brasília: Ministério da Justiça, 2012. BRASIL. Lei nº 13.105, de 17 de março de 2015. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03 /_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 14 jul. 2015. BRASIL. Constituição (1988). 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