Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). SÃO PAULO E COIMBRA: AS CIDADES E AS IDADES DOS SEUS MORADORES Maria Elisa de Almeida Mariz Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-Brasil - (PUCSP) Resumo O presente trabalho apresenta os resultados de pesquisa realizada com maiores de 60 anos, residentes em São Paulo e em Coimbra-Portugal, em 2008, cujo objetivo foi o de conhecer a relação que há entre o bem-estar dos mais de 60 anos, já aposentados, e o fato deles ainda exercerem uma atividade profissional. A pesquisa entrevistou vinte pessoas, que continuaram em suas atividades profissionais ou que iniciaram novas, após a aposentadoria. Os resultados revelam a existência de novos paradigmas de vida em que os sujeitos com mais de 60 anos fazem da velhice momentos de possibilidades e de transformação nas diferentes instâncias de suas vidas, notadamente diante do trabalho. Bem-estar - Trabalho - Mais de 60 anos Introdução O crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial. Vem ocorrendo em um ritmo sem precedentes e o seu percentual na pirâmide populacional soma um volume expressivo que começa a despertar a atenção da sociedade. A longevidade foi uma das conquistas da humanidade no século XX e, por conseguinte, o envelhecimento será um dos grandes desafios do século XXI para os governos, para a sociedade e para os indivíduos. É fato que essas conquistas não vêm isoladas; ao contrario, chegam acompanhadas de novas demandas para os Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). governos no tocante às políticas públicas no âmbito social e previdenciário. Para a sociedade impõe-se o desafio de que sejam criadas novas formas de longo e intenso convívio na esfera social e familiar e, para o indivíduo, exige o seu interesse e empenho em aprender coisas novas que permitam interagir de forma harmoniosa com o mundo moderno e com as novas gerações. O aumento da esperança de vida, a redução da mortalidade infantil e a queda da fecundidade contribuíram para uma transformação profunda na estrutura etária da população em todas as regiões do mundo, pois de acordo com o World Economic and Social Survey (2007), a esperança de vida de 1950 a 2005 passou de 47 para 65 anos e deverá ser de 75 anos até 2050. Em igual período a fecundidade caiu de 5,0 para 2,6 filhos por mulher e a estimativa é a de que até 2050 chegue a 2 filhos. Em várias regiões do mundo, em países desenvolvidos e também em muitos países em desenvolvimento, a descendência final é agora inferior a 2 filhos por mulher e, portanto, inferior ao nível necessário para a substituição da população a longo prazo. O presente trabalho é baseado em pesquisa realizada para minha tese de doutorado em Ciências Sociais, na PUC São Paulo, defendida em Maio de 2009, que teve como principal objetivo conhecer as motivações que levam as pessoas com 60 anos e mais de idade, aposentadas, residentes em São Paulo e em Coimbra a continuarem trabalhando. As tendências apontam um número expressivo de pessoas com 60 anos de idade e mais, já aposentadas, que estão de volta ao mercado de trabalho. Muitas dessas pessoas passaram a trabalhar em novas áreas, outras na mesma atividade, especialmente os profissionais autônomos por terem uma maior independência na gestão de suas carreiras. Essas tendências são mencionadas por Camarano (1999) em estudo sobre a População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil que, em 1998 era formada por 9% de maiores de 60 anos. Em Coimbra-Portugal, onde foi realizada parte da pesquisa, foi possível constatar uma forte presença de pessoas, com idade avançada, no mercado de trabalho. Esse fato é corroborado por Pestana (2003) ao afirmar que os portugueses além de apresentar características de um povo trabalhador, as pessoas com idade avançada apresentam elevados níveis de atividade e, as suas idades médias para se aposentarem são, também, altas, prática que se constata nos homens e nas mulheres. Na região Centro do País, onde se encontra o Município de Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Coimbra, segundo levantamento do Instituto Nacional de Estatística (INE), 5,88% da população empregada naquela região tem mais de 60 anos de idade. Muitos são os motivos que levam as pessoas, já aposentadas, a continuarem trabalhando e, entre eles, pode-se mencionar o ganhar dinheiro e o manter-se ativo física e mentalmente; contudo os mais significativos que aparecem são os de cunho social: manter contato com pessoas, fazer amigos e manter relacionamentos sociais. O enfrentamento de uma rotina de trabalho, por pessoas já aposentadas, cujas motivações vão além de ganhar dinheiro para sobrevivência, está sintonizado com o pensamento de Blass (2006, p.16) quando a autora afirma “...o potencial criador, essencialmente humano, revela-se por meio do trabalho, principalmente por meio de impasses e desafios que surgem no decorrer do ato de criar, seja artístico, seja não artístico.” Dessa visão, deriva o entendimento sobre a influência do trabalho no bem-estar do idoso, admitindo-se a possibilidade das pessoas encontrarem nele motivos para interagir com outras pessoas e com o meio ambiente, realizar as suas potencialidades e sentir-se reconhecido por elas. Método O estudo foi apoiado em pesquisa qualitativa com entrevistas presenciais baseadas num instrumento estruturado com os seguintes tópicos: (i) dados demográficos e socioeconômicos; (ii) dados referente ao trabalho após a aposentadoria; (iii) dados relativos à saúde; (iv) dados relativos à práticas de atividades físicas, hobbies e outros; (v) dados sobre os relacionamentos sociais e familiares; (vi) dados relativos à prática de religião e cidadania e (vii) visão do entrevistado acerca da experiência de vida após os 60 anos de idade. Os Sujeitos e os Procedimentos: Foram entrevistados 20 sujeitos aposentados, que continuam trabalhando, 10 brasileiros residentes em São Paulo e 10 portugueses residentes em Coimbra. Os brasileiros, 5 homens e 5 mulheres com faixa etária entre 60 e 73 anos, 4 trabalham como empregados e 6 têm negócio próprio que vai de uma micro a uma empresa de médio porte. Quanto as suas origens, 3 são naturais da capital, 3 do interior do estado de São Paulo e os demais da região nordeste do País. Os portugueses de Coimbra, são todos Coimbrãos, 3 mulheres e 7 homens com faixa Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). etária entre 60 e 81 anos, 3 dedicam-se exclusivamente ao trabalho voluntário, 2 trabalham como empregados, 4 são micro empresários e 1 atua na política. Resultados Os estudos dão conta de que, pela primeira vez, a pirâmide populacional se inverterá nos próximos 40 anos, quando a população global dos mais de 60 anos de idade será maior do que a dos de 0 a 15. Portugal, de acordo o (INE), censo de 2001, já apresenta essa inversão, isto é, a população de maiores de 60 já é maior do que a população de 0 a 15 anos de idade e a expectativa de vida da sua população em igual período é de 80,5 para as mulheres e de 73,6 para os homens. O País faz parte da lista dos 15 países mais velhos do mundo. No Brasil a expectativa de vida de sua população dobrou no último século e em 2006, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era de 71,9. Para efeito desse estudo, considerou-se idoso, o sujeito com 60 anos e mais de idade, em consonância com o Estatuto do Idoso no Brasil, Lei 10741/03, embora em Portugal e outros Países desenvolvidos esse parâmetro aumente para 65 anos. Sendo assim os com mais de 60 anos representam atualmente, 10% da população da cidade de São Paulo e do Brasil e, em Coimbra e em Portugal esse percentual sobe para 21%. Os 20 sujeitos entrevistados passaram por diferentes áreas e funções ao longo de suas trajetórias e muitos deles ingressaram no mundo do trabalho em um momento muito precoce de suas existências, porem não reprovam tal experiência. Há dois brasileiros que começaram a trabalhar com 7 anos, um brasileiro e uma brasileira com 8 anos, dois portugueses ingressaram com 10 anos e os demais brasileiros e portugueses entre 12 e 19 anos. As trajetórias profissionais: brasileiros - Dentre as cinco mulheres quatro, continuaram atuando nas mesmas áreas de trabalho após aposentadas e em funções gerenciais, que exigem maiores conhecimentos e experiências. Eli e Betânia como empregadas, Denise e Isabel como donas do próprio negócio. Marcia que exercia uma função operacional num órgão público, após a aposentadoria, abriu uma floricultura que funciona há 5 anos. Dos cinco homens, Cesar continua trabalhando na área de publicidade, Jorge aposentou como executivo de um grande banco e dada à dificuldade de recolocação, prestou concurso num banco estatal e aos 68 anos, Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). reiniciou a carreira. Mariano e Nilo continuam trabalhando em suas empresas e Orlando após aposentar-se na condição de pintor na indústria automobilística, abriu uma casa de tintas para pintura de automóveis. Portugueses: Dentre as três mulheres, Maria e Tereza, educadoras, mantêm a mesma atividade, atuando de forma voluntária; Fátima abriu uma loja de presentes e utilidades domésticas e já atuava no comercio antes de se aposentar. Dos sete homens, Amável atua de forma voluntária como gestor de uma Instituição de Idosos; Aníbal é auditor contábil e atua na mesma área; Antonio e Carlos são microempresários há várias décadas, José e Mário trabalham como empregados, Nunes é professor e tem um cargo político no Município de Coimbra. Discussão e Considerações Finais Os sujeitos desta pesquisa, em seus depoimentos, alimentam muitos sonhos em vários campos da vida como o familiar, o profissional, o afetivo, o cultural, o intelectual, o de lazer, entre tantos outros. Denise, brasileira, 66 anos, deseja ter mais tempo para caminhar, de mãos dadas, com o seu namorado na praia; Anibal, português, 81 anos deseja cursar Direito na Universidade de Coimbra, Cesar, brasileiro, 70 anos, deseja estudar música. E assim, tantos outros sonhos são elencados, uns aparentemente simples, descomplicados aos olhos do leitor, outros parecem exigir recursos mais sofisticados como, por exemplo: tempo de vida. Nota-se que os comportamentos desses sujeitos entrevistados estão sintonizados com as teorias do envelhecimento bem sucedido que consiste em considerar o indivíduo em sua totalidade, isto é, nas suas dimensões físicas, emocionais, psicológicas e afetivas. Para Neri e Debert (1999) a velhice bem sucedida implica na coexistência em seu domínio, de algumas variáveis que vão desde condições internas às externas como: realização do potencial do indivíduo para que ele alcance o bem-estar físico, psicológico e social de acordo com as suas reais necessidades; disponibilidade de serviços médicos, cirúrgicos, estéticos destinados a preservar o bem-estar e a retardar os efeitos nefastos do envelhecimento e a potencialização das competências e habilidades individuais viabilizando as condições para que o sujeito as realize em sua plenitude. No critério saúde, a maioria dos sujeitos alega está indo bem, mas há casos de doenças mais graves, que foram tratadas ou estão em tratamento. Isabel, brasileira, já teve Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). câncer e hoje está curada, Amável, português, lida há 13 anos com um linfoma, toma remédios diariamente e faz quimioterapias periódicas, mas segue lutando pela vida. Denise, brasileira, 66 anos, teve isquemia há um ano, mas não teve sequelas físicas, sente momentos de depressão, mas se cuida e está atenta ao problema. Carlos, português, 70 anos, é diabético, toma insulina diariamente. Ficou evidente que essas pessoas adotam cuidados preventivos com a saúde, praticam caminhadas e hobbies saudáveis como leituras, cinemas, teatro, futebol e dedicam bastante tempo à família. A despeito de suas jornadas de trabalho serem intensas eles têm mais autonomia para decidir sobre os horários de entrada e saída do trabalho. Em estudos sobre envelhecimentos Rodrigues (2006) comenta resultados de pesquisas científicas que mostram que apenas 25% das condições de saúde no envelhecimento de uma pessoa estão relacionados à sua herança genética. O restante depende do estilo de vida adotado, do ambiente social em que vive, da alimentação, da atividade física e mental e do nível de estresse. Os sujeitos entrevistados representam um grupo de pessoas em condições de vida bastante favoráveis a despeito das diferentes condições de saúde, nível sócioeconômico, cultural, tipo de trabalho e arranjo familiar. De um modo geral, essas pessoas adotam uma postura positiva diante das adversidades que o envelhecimento lhes traz, sobretudo aqueles que enfrentam os problemas com a saúde e, por conseguinte alegam que essa atitude otimista os acompanha ao longo da existência. Nessa perspectiva Sousa et al (2003) realça que as teorias do envelhecimento bem sucedido vêem o sujeito como proativo, regulando a sua qualidade de vida por meio da definição de objetivos e de ações para alcançá-los ao longo da sua trajetória de vida. As entrevistas realizadas trouxeram à luz depoimentos surpreendentes de pessoas na faixa etária entre 60 e 81 anos, cujo modo de vida, bem-estar e satisfação, naquilo que fazem no cotidiano, denota a existência de novos paradigmas sobre a condição de vida dos maiores de 60 anos e nega as imagens que, comumente, se faz da velhice como se ela fosse feita apenas de fragilidades, de declínios e de impossibilidades num corpo enrugado feio e decrépito. Na opinião dos entrevistados, a velhice é um final de ciclo, Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). sim, mas também é uma fase de colheitas, de maturidade e de uma felicidade inigualável: ter cumprido a nobre e indelegável missão de educar os filhos. Os entrevistados demonstram reconhecer o peso do envelhecimento e o preço da longevidade, mas denotam estarem atentos e dispostos a lutar pelas colheitas e louros nessa safra de anos, além dos 60, além de suas aposentadorias semeadas dia a dia em terreno fértil pelas experiências e pela memória, todavia árido e espinhoso pelas limitações e pelo declínio. Se „viver não é preciso‟, como disse o poeta Fernando Pessoa, o envelhecer também não o é, entretanto esses longevos entrevistados comprovam que, por meio do trabalho e de suas atividades, encontram os meios de equilibrar o doce e o amargo da vida e transforma-os em maturidade e serenidade. Por fim, com base nas narrativas dos portugueses e brasileiros, maiores de 60 anos, entendemos que há uma forte relação entre o bem-estar físico e emocional e o fato deles exercerem uma atividade profissional remunerada ou voluntária porque é por meio delas que eles expressam as suas competências, trocam experiências de vida, estabelecem novos vínculos sociais e encontram mais sentido para a sua existência. Bibliografia BLASS, Leila Maria da Silva. O ato de trabalhar em suas múltiplas faces. In BLASS, Leila Maria da Silva. Ato de Trabalhar: imagens e representações(Orgs). São Paulo: Annablume, 2006. BRASIL. ESTATUTO DO IDOSO. Disponível em: www.senado.gov.br. Acesso em 27 Mar. 2006. CAMARANO, Ana Amélia. Muito além dos 60. IPEA, 1999. IBGE lança o Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias . “ Acesso em 06 Fev. 2006. INE. Instituto de Estatística de Portugal. Disponível em www.ine.pt. Acesso em 25.06.2008. 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Email: [email protected] Tels: 55-11-5071-9617 e 8503-8884