Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). QUALIDADE DE VIDA E EDUCAÇÃO CONTINUADA Regina Célia Faria Amaro Giora Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo/Brasil Resumo: As rápidas e inúmeras mudanças econômicas, políticas e sociais ocorridas nas últimas décadas, somadas aos avanços da ciência e das novas tecnologias, têm gerado um forte impacto no comportamento das pessoas, principalmente nas mais idosas, provocando uma situação de estresse e angústia, na medida em que elas não se sentem capazes de acompanhar esses processos de mudanças com a rapidez que se faz necessária. Este trabalho objetiva apontar alguns aspectos da relação entre qualidade de vida e um programa de educação continuada, por meio de relato de uma experiência da autora, como coordenadora de um programa dessa natureza, chamado Universidade Aberta do Tempo Útil - UATU, oferecido por uma universidade comunitária. A UATU tem como público alvo, principalmente, pessoas com idade superior a 50 anos que desejam, em ambiente acadêmico: iniciar ou reiniciar seus estudos buscando expandir seu conhecimento; ampliar suas atividades socioculturais; desenvolver seus talentos, principalmente artísticos; aprender novas habilidades e, em muitos casos, se qualificar profissionalmente, objetivando se adaptarem e atenderem as exigências de uma nova realidade. Por meio da observação direta, da análise de dezenas de entrevistas abertas e de depoimentos espontâneos colhidos pela autora, ao longo de 3 anos, pode-se concluir que a participação dessas pessoas nesse programa programa de educação continuada constituiu-se numa estratégia importante para uma significativa melhora da sua qualidade de vida. Palavras-chave: educação continuada, qualidade de vida e maturidade No Brasil, toda pessoa com idade superior a 60 anos é considerada, legalmente, idosa e passa a fazer parte de uma parcela da população que aumenta a cada ano: a terceira idade. O termo terceira idade, usado em substituição à velhice, é um eufemismo de origem francesa que aparece na década de 60, quando a França começou a fazer investimentos no lazer das pessoas acima de 45 anos por considerar Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). que se essas permanecessem ativas, envelheceriam melhor, mais satisfeitas e saudáveis. Na ocasião já haviam vários estudos a respeito que comprovavam essa hipótese. Cursos, oportunidades educacionais e alternativas de lazer, entre outras foram então criadas para esse público que na maioria era constituído de recémaposentados que dispunham de um tempo livre para se dedicarem a atividades que os tornavam ativos e produtivos. A população idosa tem crescido muito no nosso país e de acordo com o IBGE, já somam mais de 20 milhões. Esse crescimento tem, por sua vez, demandado uma série de adequações em todos os níveis para atender e s necessidades e exigências desse segmento, como por exemplo, a instituição da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, denominada Estatuto do Idoso que tramitou sete anos pelo Congresso até ser aprovada e que se mostrou mais abrangente que a Política Nacional do Idoso, vigente desde 1994. O Estatuto do Idoso prevê penas severas para aqueles que desrespeitarem esses cidadãos. Os principais pontos abordados no documento referem-se a: saúde, transporte coletivo, violência e abandono, entidades de atendimento ao idoso, lazer, cultura e esporte, trabalho e habitação. Nos últimos anos floresceu também uma nova área do conhecimento, de natureza interdisciplinar que tem como objeto de estudo o processo do envelhecimento. Referimo-nos à Gerontologia. A velhice não se constitui em doença, pois faz parte do desenvolvimento, mas é um fenômeno importante de natureza biológica, sociológica e psicológica que precisa ser compreendido e estudado, principalmente nas áreas da Saúde, Educação e Direito. Os pesquisadores do século XX, em especial na área da Psicologia dedicaram-se muito mais ao estudo do comportamento da criança e do adolescente que ao estudo dos adultos, em particular dos mais idosos. Entretanto, nos últimos anos houve um grande interesse em focar o envelhecimento, já que prolongamento da vida é uma realidade. Fala-se hoje até em quarta idade, pois não são poucos os que têm ultrapassado os 100 anos. A compreensão do processo de envelhecimento é fundamental para a elaboração de políticas públicas consistentes que atendam de forma adequada essa população nas suas necessidades e expectativas. Entretanto, como se trata de um fenômeno Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). complexo essa compreensão só pode se dar sob o olhar da multidisciplinaridade e da interdisciplinaridade. Disciplinas como a Sociologia, Antropologia, Biologia, História, Economia, Direito, Neurociências e muitos outros campos do conhecimento são fundamentais aclarar esse tema transversal.. como conseqüência ocorre uma expansão do campo multiprofissional, que se estende dos profissionais da saúde aos profissionais da educação, passando, por exemplo, pela medicina, enfermagem, fisioterapia, serviço social, entre outros. Não se pode afirmar com exatidão quando o processo de envelhecimento tem início, pois vai depender do contexto sóciohistórico no qual ocorre. Para efeito legal, atualmente, tem sido usado como critério a idade cronológica. Na Europa, são considerados idosos, pessoas acima de 65 anos, enquanto que nos países em desenvolvimento, como o Brasil, é 60 anos. Os motivos para a escolha desse critério são inúmeros e controversos, mas não cabe discorrer sobre eles neste trabalho, pois exigiria um espaço muito maior para apresentação dos argumentos mais conhecidos. O desenvolvimento humano, não cessa na vida adulta, como demonstram diversos estudos, mas os papéis do adulto sofrem várias alterações à medida em que ele avança em sua trajetória de vida. Na nossa cultura, por volta dos 60 anos, a maioria das pessoas já cumpriu os principais papéis que se espera dela e a ausência de novos pode criar problemas de toda ordem. Muitas pesquisas têm também demonstrado que a discriminação, em muitos casos até o preconceito, ainda são grandes em relação à velhice no nosso país. Anita Neri que fez uma pesquisa em âmbito nacional sobre atitudes de pessoas não idosas com relação à velhice escreve: “Fiz um levantamento com pessoas de 13 a 45 anos nas cinco regiões geográficas brasileiras e identifiquei uma grande variabilidade nas atitudes. Os adultos mais velhos e mais instruídos tinham uma visão um pouco menos positiva do que os mais novos e menos instruídos, e hoje eu diria um pouco mais realista, em relação à velhice. Eles consideravam o velho uma pessoa rejeitada socialmente, segregada, vista como desatualizada, retrógrada, e que tinha uma tendência a ser mais dependente e menos saudável. Isso é real. Quando você olha para Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). a realidade brasileira, ou para a realidade de qualquer país, é possível ver que as pessoas de muito mais idade são aquelas que têm mais chances de ficarem afastadas e de serem doentes”. Os dados foram coletados entre 1986 e 1987. Esse resultado é esperado e compatível com uma sociedade que supervaloriza a juventude, em especial do corpo e que passa a idéia equivocada, para não dizer enganosa, aos mais velhos, por meio das mídias, que eles podem permanecer jovens por um tempo indeterminado e que isso só depende deles. Nos anos mais avançados da velhice, observa Anita Neri, a pessoa fica relativamente mais limitada quanto à possibilidade de continuar a expandir-se e tornase mais vulnerável devido a mudanças biológicas que se manifestam em limitações sensoriais, músculo-esqueléticas, psicomotoras e metabólicas, e também devido a condições ambientais e pessoais. Algumas dessas alterações são típicas da espécie, biologicamente falando; outras são devidas ao estilo de vida e às condições sociais ao longo de toda a vida. São mudanças que determinam uma nova forma de relação da pessoa com o mundo ........ Se continuar neurologicamente bem, se mantiver boa saúde ou se cuidar de suas eventuais doenças e limitações, se mantiver papéis compatíveis com sua idade e posição social, se estiver satisfeita e ativa, ela pode viver muito bem a sua velhice. Concordamos com a posição da pesquisadora, pois na nossa experiência com idosos, que será, em seguida relatada, foi exatamente o que observamos. Qualidade de vida é fundamental, entretanto, na realidade brasileira apenas uma pequena parcela pode se beneficiar de condições que os levem a afirmar que podem usufruí-la. A maioria dos idosos é pobre e desassistida tanto pela família como pelo Estado. Os idosos, como outros segmentos excluídos e discriminados da sociedade não têm vez. Pior ainda, nem voz têm e necessitam dos interlocutores que compartilham de suas experiências, competentes e sensibilizados para representá-los. Observa-se que o idoso tem uma situação melhor nos países onde são amplamente amparados pelo Estado, que lhes provê completos serviços sociais e de saúde. Mesmo assim, ainda há muito por se fazer. Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Objetivando contribuir com a comunidade no tocante à questão da atenção e apoio ao idoso, o Instituto Presbiteriano Mackenzie, por meio da Universidade implantou, em 1998, um programa de educação continuada denominado Universidade Aberta do Tempo Útil – UATU, vinculado ao atual Centro de Ciências e Humanidades. Esse programa foi inspirado no modelo francês e no Brasil sofreu algumas adaptações. A principal delas, diz respeito à faixa etária do público a ser contemplado: pessoas acima de 18 anos e não apenas pessoas acima de 60. Assumi a função de assistente da coordenação desse programa em 2000, após o término do pós-doutorado em Psicologia Social. Nessa oportunidade já era professora da universidade, no curso de pós-graduação em Comunicação e Artes, há 8 anos. Constatei que a UATU, desde seu início se propôs a oferecer ao público em geral cursos semestrais vespertinos, como forma de estimulá-lo a reiniciar seus estudos ou mesmo iniciar em alguma área específica, aproveitando seu tempo livre. O grande problema é que o número de cursos oferecidos era muito reduzido e além disso, pouquíssimo divulgado, mesmo intramuros. Em 2000 havia um número pequeno de alunos matriculados, não superior a 100. O valor cobrado pela freqüência aos cursos era mínimo, pois a instituição respondia por dois terços dos custos, o que propiciava as pessoas de baixa renda participarem Também não era exigido nenhuma escolaridade. Embora o programa estivesse aberto ao público em geral, com idade superior a18 anos, desde o início, observou-se que a maioria estava tinha acima de 45 anos e era constituído de mulheres que moravam no entorno da universidade. Aproveitei o primeiro ano na coordenadoria para procurar entender um pouco melhor aquele público que estávamos buscando e analisar a dinâmica do programa. Conversei, principalmente, com professores e alunos e constatei que mudanças profundas deveriam ser feitas se quiséssemos ampliá-lo. Propus então: 1-expandir o número de cursos, buscando focar áreas até então negligenciadas, como oficinas de diferentes modalidades de Arte – indo da fotografia à escultura; Comunicação e Expressão – com especial ênfase na Língua Portuguesa; Informática e Humanidades – com ênfase em cursos de Psicologia, História da Cultura e Filosofia; 2- oferecer a Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). oportunidade aos alunos da UATU de usufruírem de todos os espaços acadêmicos, tais como: laboratórios, oficinas, academias de educação física, bibliotecas, colônia de férias; 3- identificar mecanismos via multiplicidade de recursos midiáticos que incentivassem os alunos a participar de todas as atividades extras, de cunho sociocultural, oferecidas, tais como: visitas a museus, exposições, viagens, participação em coral, entre outras; 4- solicitar aos professores da universidade que apresentassem sugestões de cursos, em especial na área de sua especialização. Os recém-mestres e doutores eram minha aposta. A instituição acatou plenamente todas as sugestões e quando assumi a coordenação geral, em meados de 2002, tínhamos mais de 500 alunos inscritos, mais de 50 cursos oferecidos por professores, na sua maioria, mestres e doutores e um elenco de atividades extracurriculares extremamente amplo. Em 2009 a UATU ofereceu 85 cursos, e conta com quase 1000 alunos, na sua maioria, mulheres acima de 45 anos idade. Pelas entrevistas abertas e informais com os alunos pude perceber o quanto o programa havia mudado a sua trajetória de suas vidas. Mas não apenas dos alunos. Também de suas famílias. O fato de conviverem no mesmo espaço acadêmico que os graduandos lhes garantia uma sensação de acolhimento que me diziam desconhecer fora dali, mesmo na família. Inúmeros depoimentos mostram o quanto de atitudes preconceituosas foram eliminadas com essa experiência interativa entre jovens e idosos. È incontável o número de alunos, já com idade avançada, que se sentiram aptos a voltar ao trabalho, principalmente os que freqüentavam os cursos de Informática e Línguas. Talentos foram descobertos em diversas áreas da Arte. Muitos alunos ficaram tão entusiasmados com sua volta aos estudos que prestaram vestibular e ingressaram em cursos de graduação. Concluindo, foi uma experiência fantástica observar os resultados tão satisfatórios desse programa e pode-se afirmar com segurança que essa iniciativa tem se mostrado importantíssima para a melhoria da qualidade de vida , principalmente dos idosos. Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Bibliografia ÂNGULO, Marco S. (1991) A aprendizagem na terceira idade sob o ponto de vista geriátrico. In: Cadernos para a terceira idade, SESC. São Paulo, 1991. MORAGAS, M. (1991) Gerontologia social: envejecimento y calidad de vida. Barcelo. Herder. NERI, Anita (1991) Envelhecer num país de jovens. Campinas. Ed. Unicamp, 1991. __________www.comciencia/entrevistas/envelhecimento/Neri.htm OLIVEIRA, Rita de Cássia (1999) Terceira idade: do repensar dos limites aos sonhos possíveis. São Paulo. Paulinas. Regina C. F. A. Giora - mestre, doutora e pós-doutorada em Psicologia Social pela PUC e USP, respectivamente. Ex-coordenadora da Universidade Aberta do Tempo Útil e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura. [email protected] / [email protected]