Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
DESENVOLVIMENTO HUMANO NA VELHICE
UM ESTUDO SOBRE AS PERDAS E O LUTO ENTRE MULHERES
Janaína Corazza Barreto Silva
Prof.ª Dra Mª Julia Kovács
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
A velhice é uma fase do desenvolvimento marcada por múltiplas perdas, mortes
concretas e simbólicas, que demandam trabalho de luto. São perdas significativas que
fazem parte dessa fase, mas não deixa de haver possibilidade de aprendizagens e
crescimento pessoal, pois a vivência do envelhecer depende tanto dos recursos
internos, quanto das condições de apoio oferecidas pela família e sociedade. O
objetivo do presente trabalho foi compreender algumas perdas significativas vividas
atualmente por mulheres nos primeiros momentos do envelhecimento e como elas
enfrentam os processos de luto. A abordagem utilizada foi qualitativa. Foram
realizadas quatro entrevistas abertas que partiam de uma questão disparadora. A
análise foi feita com base no recorte por categorias temáticas. Entre as principais
perdas vividas estavam: aposentadoria; adoecimento/ separação do cônjuge;
adoecimento/ morte dos pais; papel de cuidadora; isolamento. As principais formas de
enfrentamento apresentadas foram: manter atividades intelectuais e físicas; buscar
novos relacionamentos e socialização; intensificar reflexão sobre própria história de
vida. Observou-se que havia desejo de vislumbrar projetos de futuro, mas muita
dificuldade para passar por essa fase de transição para a velhice. Sentiam-se confusas
perante a disparidade entre imagens negativas e positivas ligadas ao envelhecer e
entre as expectativas que tinham para seu envelhecimento e a realidade que
encontraram. Sugeriram-se espaços psicoterapêuticos, de diálogo e apoio;
oportunidades de socialização, mais preparação para a velhice e revalorização do
papel do idoso.
PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento humano, envelhecimento, luto.
Esta apresentação se refere a uma pesquisa de mestrado que foi realizada entre
os anos de 2005 e 2007. Parti do pressuposto de que a velhice é um período do
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desenvolvimento humano marcado por múltiplas perdas significativas; ou seja,
aquelas perdas que se referem às situações em que havia um vínculo anterior o qual se
rompe e demanda um trabalho psíquico de elaboração que chamamos de luto (Kovács,
1992). Considera-se que o luto pode ser desencadeado tanto por mortes concretas de
pessoas queridas quanto por outros tipos de perdas significativas, como separações,
adoecimentos ou grandes mudanças. Estas perdas ocorrem ao longo de toda a vida e
faz parte do processo de desenvolvimento humano lidar com elas.
No entanto, na velhice, é comum acontecerem múltiplas perdas profundas em
curto espaço de tempo: são as mortes do cônjuge, de amigos e familiares da mesma
faixa etária; as alterações no corpo, perdas fisiológicas e funcionais; a aposentadoria,
as perdas financeiras e o isolamento social; o surgimento de doenças crônicas e a
situação de dependência, entre outras.
Além das perdas mais naturais do envelhecimento, somam-se perdas
decorrentes de uma cultura que rejeita a velhice. Ecléa Bosi (1994) diz que a
sociedade industrial foi construída, de maneira geral, para ser intolerante com os
membros improdutivos, com os que se mostram mais fracos e, assim, não permite ao
idoso cometer erros, castiga as menores falhas e cobra que preserve as mesmas
habilidades de quando jovem. Esta autora acrescenta ainda que o exagero de cuidados,
a infantilização e o tom protetor usados com o velho são variantes desse mesmo tipo
de rejeição. Na verdade, tentam disfarçar estranheza, recusa e o temor da questão da
finitude humana espelhada no corpo idoso.
O historiador Philippe Ariès (1981) diz também que no mundo ocidental
moderno criou-se uma mentalidade interdita em relação à morte e aos assuntos
ligados a ela, como o luto e as perdas. Mas diversos pesquisadores da área de
tanatologia chamam atenção para as graves conseqüências psíquicas que podem
decorrer desta situação, pois quando a expressão da dor é suprimida, o indivíduo fica
sobrecarregado de sofrimentos que podem resultar em processos de adoecimento
psíquico e físico. Délia Goldfarb (1998) afirma que a velhice é a fase em que se
enfrenta a máxima castração devido à consciência de finitude e às intensas perdas. A
dor não pode ser evitada, mas a melhor forma de lidar com o envelhecimento é manter
viva a possibilidade de paixão, de prazer e de investimento em objetos de amor. Com
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apoio social e familiar, é possível enfrentar as mudanças na velhice de maneiras que
preservem a autonomia, a integridade do sujeito e a possibilidade de participação ativa
no meio.
Concordo com os autores (Oliveira, Rego e Aquino, 2006) que entendem o
desenvolvimento humano não como um processo linear em direção ao ápice, mas sim
como um processo que inclui simultaneamente avanços e retrocessos, ganhos e
perdas, descontinuidades e rupturas. Dentro desta perspectiva, a velhice não é
sinônimo de decadência, mas sim uma etapa em que, como as anteriores, é possível
lidar com as dificuldades, aprender, ter crescimento pessoal e preservar o caráter
dinâmico da subjetividade, até o final da vida.
Com base nisso, estabeleci como objetivo principal da minha pesquisa
conhecer melhor as perdas vividas por uma parcela de idosas em decorrência do
processo de envelhecimento e como elas as estavam enfrentando.
Optei por trabalhar com um grupo de alunos da Universidade Aberta à
Terceira Idade da Usp. Apresentei minha pesquisa a eles e quatro mulheres, entre 53 a
64 anos, tiveram interesse em participar. O método que utilizei teve como base uma
abordagem qualitativa, com o intuito de aprofundar o conhecimento a respeito do
tema, focando no ponto de vista dos participantes para compreender o que era
significativo em cada experiência. Realizei entrevistas abertas que partiam da seguinte
questão disparadora: “eu estou pesquisando as perdas e mudanças que ocorrem
durante o processo de envelhecimento e como as pessoas lidam com isso. Gostaria
que você me falasse sobre a sua experiência”. Depois, a entrevista era seguida por
questões que tinham a intenção de estimular as falas e esclarecer dúvidas. A análise
foi feita por meio do recorte de categorias temáticas e do entrelaçamento destas entre
si e com a bibliografia pesquisada. Apresentarei agora brevemente as quatro mulheres
entrevistadas.
Alba tinha 64 anos, era solteira e sem filhos. Formou-se em Letras e sempre
trabalhou como professora. Sua vida toda se organizou em função do trabalho, pois
ela não gostava de outras atividades sociais, de lazer nem cultivou muitas amizades.
Foi ela mesma quem optou por se aposentar, pois não estava mais motivada em sala
de aula. Na época da entrevista, ela era a cuidadora principal de sua mãe, que tinha 87
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anos e sofria de uma demência tipo Alzheimer. Alba considerava que a principal
marca da velhice na sua vida era a desmotivação. Ela dizia: “Eu só gostava de
trabalhar mesmo. Então fiquei assim, não é bem vazio, é perdida mesmo. Meio
desarvorada no mundo”. Havia procurado os cursos da universidade porque se sentia
à vontade no ambiente escolar e gostava do estímulo a refeletir sobre as escolhas que
havia feito ao longo da vida.
Eva tinha 62 anos, era casada, tinha 2 filhas e netos. A principal questão que
surgiu em sua entrevista foi o adoecimento do marido, que havia sofrido um acidente
vascular cerebral e estava há 5 anos dependendo de seus cuidados. Ela era sua
cuidadora principal e sofria muito com a perda daquele marido que conhecera, do
companheiro e do seu lugar de esposa. Estava se sentindo sozinha, sem ter com quem
compartilhar suas vivências cotidianas, além de estar sobrecarregada de tarefas, tendo
que aprender novos papéis que eram do marido. Dizia: “Eu queria ter um
companheiro, uma pessoa que eu pudesse confiar, conversar, trocar idéias, como era
antes. Agora, ele vive no mundo dele e eu no meu”. Além de tudo isso, havia também
a questão da possibilidade de internação do marido sobre a qual as filhas insistiam.
Eva ficava confusa e sofria muito ao se perguntar o que seria melhor para todos.
Marina tinha apenas 53 anos, mas já estava aposentada, era casada e não tinha
filhos. Na época, sua vida estava girando em torno do seu pai que tinha 92 anos e
havia sofrido um acidente vascular cerebral. Ele morava sozinho, com cuidadoras, e
Marina dividia a tarefa de cuidar dele com 2 irmãos, mas pensava no pai todo o tempo
e ligava para ele diversas vezes por dia. Ela falava: “Estou em função disso. Eu estou
na base de Lexotan, porque eu não consigo olhar para a cara dele que eu choro....É
uma coisa doída você ver que não pode fazer nada”. Mostrava estar sofrendo pela
perda do pai ativo e independente que tinha antes, pela possibilidade de sua morte
próxima e pela impotência frente à dor dele. Quando seu pai adoeceu, Marina e o
marido haviam acabado de se programar para viajar e descansar, pois sua sogra, que
ficara doente durante 10 anos, acabara de falecer. Os planos foram adiados e ela se
perguntava como seria a vida do casal quando o pai morresse. Procurou a
Universidade Aberta porque precisava sair de casa, ocupar seu tempo, pensar em
outras coisas além do pai e encontrar tarefas para organizar seu dia-a-dia.
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A quarta entrevistada foi Isaura, que tinha 60 anos, três filhos e netos. Seu
marido havia saído de casa naquela época para morar com uma mulher bem mais
jovem e sua entrevista foi sobre isso. Ela resumiu a situação assim: “Eu estou vivendo
uma experiência muito violenta de mudança de fase de vida. Eu tive uma perda,
acabou meu casamento (...) e, com isso, eu não estou bem porque não tenho nada
para mim, perdi tudo o que eu tinha”. Isaura nunca havia trabalhado fora de casa,
seus filhos já eram adultos e, sem o marido, ela sentiu sua vida perder qualquer
sentido. Apavorava-se ao pensar no futuro sem ele, pois não enxergava nenhuma
possibilidade de viver sozinha. Alternava períodos de hiperatividade, em que buscava
diversas atividades, cursos e dizia que teria uma vida renovada, com períodos de
depressão, em que não sentia vontade de fazer nada, isolava-se de tudo e não via
perspectivas de futuro.
Assim, eu considerei que essas mulheres estavam em um momento crítico de
suas vidas, entre o final da meia-idade e o início do envelhecimento. Estavam
passando por mudanças profundas as quais acarretavam perdas significativas que
traziam os primeiros sinais do envelhecer: a perda da geração dos pais, que as
transformava na geração mais velha e as colocava em contato com a própria finitude;
a perda do trabalho, que trazia o status de improdutivas, diminuía a renda, a
socialização e deixava muito tempo livre; e a perda do cônjuge por doença ou
separação, exigindo a reconfiguração da identidade e do cotidiano sem o papel de
esposa.
Não conseguiam se identificar com as imagens do envelhecimento que
circulam e que são ora exageradamente negativas, ora extremamente positivas,
sentindo-se confusas sem saber o que a sociedade esperava delas. Outra questão que
surgiu foi a disparidade entre as expectativas que elas haviam criado para o
envelhecimento e a realidade. Esperavam que fosse um momento de tranqüilidade
após criar os filhos e se dedicarem tanto ao trabalho. Mas, pelo menos naquele
momento, haviam encontrado uma realidade muito diferente, com esgotantes tarefas
de cuidado, maridos que não podiam, por diferentes razões, estar ao seu lado, muita
solidão e um tempo livre que acabava se tornando vazio de sentidos. As quatro
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entrevistadas estavam com grande dificuldade para lidar com tudo isso, sendo que
duas faziam tratamentos com antidepressivos.
Mesmo assim, foi possível pensar sobre as maneiras que elas estavam
buscando para enfrentar a situação e encontrar caminhos que as mantivessem
vinculadas à vida. A procura pelos cursos para a terceira idade demonstrou ter um
potencial para despertar interesses mesmo em quem havia buscado apenas passar o
tempo. Elas estavam usando esse espaço para refletir sobre a própria vida, para se
conhecer melhor e mudar; mantiveram-se, assim, ativas cognitiva e emocionalmente.
Também haviam começado a se interessar por atividades físicas para preservar
capacidades do corpo; buscaram outros cursos fora da universidade e diziam ter muita
vontade de estabelecer novos relacionamentos. Também surgiu o desejo de continuar
trabalhando após a aposentadoria, mas de um jeito diferente, em outro ritmo e de
modo mais prazeroso, se possível. Todas mostraram interesse em tentar aceitar melhor
a velhice e em refletir sobre a própria história de vida, demonstrando que não queriam
negar o seu envelhecimento, mas sim falar sobre estas experiências.
Com base nestas considerações, cheguei a algumas propostas de atuação:
espaços psicoterapêuticos com idosos e familiares que possam contribuir para diálogo,
comunicação dos sentimentos e apoio mútuo; oportunidades de reflexão e
socialização, como oficinas, grupos terapêuticos e cursos; oferecimento de apoio e
cuidado aos cuidadores; aumento da visibilidade do tema e das discussões por
diversos meios, como mídia, estudos, pesquisas, grades curriculares; e estímulo à
educação e à preparação dos indivíduos para o seu envelhecimento. Obrigada.
Ariès, P. (1981). O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Bosi, E. (1994). Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo:
Companhia das letras.
Goldfarb, D. C. (1998) Corpo, tempo e envelhecimento. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Kovács,M. J. (1992). Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
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responsabilidade de seu(s) autor(es).
Oliveira, M. K.; Rego, T.C.; Aquino, J.G. (2006) Desenvolvimento psicológico e
constituição de subjetividades: ciclos de vida, narrativas autobiográficas e tensões da
contemporaneidade. Revista Proposições (no prelo).
Janaína Corazza Barreto Silva: psicóloga, psicoterapeuta e doutoranda em Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento Humano no Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo. [email protected]
Maria Julia Kovács: professora livre docente do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo. Coordena o Laboratório de Estudos sobre a Morte do
IPUSP. [email protected]
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Desenvolvimento humano na velhice um estudo sobre as perdas e